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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO (1983)


É com MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO que começa o MITO Chuck Norris. Antes ele já tinha estrelado várias aventuras, algumas muito acima da média até. Mas você consegue ver Steven Seagal no lugar de Chuck como o Sean Kane de "Ajuste de Contas". Ou Jason Statham como o Josh Randall de "Golpe Mortal". Ou ainda um Clint Eastwood quarentão estrelando "Os Bons Se Vestem de Negro".

A partir de MCQUADE, entretanto, torna-se impossível separar astro e personagens: ele VIVE os heróis de maneira que fica impossível dissociá-los. Stallone jamais poderia ser Braddock; Schwarzenegger não convenceria como o Major McCoy, de "Comando Delta". Mas, principalmente, não consigo imaginar nenhum outro ator na pele do ranger barbudo, sujo e mal-encarado J.J. McQuade - talvez o melhor personagem de toda a carreira de Chucko.


O irônico é que este filme não foi desenvolvido pensando nele, mas sim como um projeto originalmente estrelado por Kris Kristofferson! Quando Kris pulou fora - para estrelar o interessante, mas muito inferior "Por Trás de um Assassinato" -, Norris entregou-se de corpo e alma ao papel. Como eu falei lá atrás, Chuck Norris É J.J. McQuade, e você simplesmente não engoliria um outro ator no papel (e espero que pensem bem nisso antes de sequer cogitarem um remake do filme).

MCQUADE também é, disparado, o grande trabalho dessa primeira fase da carreira do ator, que vim analisando na última semana. Eu sempre tive um carinho muito grande pela obra desde moleque, quando foi exibido no SBT, mas é revendo-o agora, como adulto, que percebo com mais clareza a qualidade do conjunto da obra.

(Só uma rápida interrupção: não é irônico que "Ajuste de Contas" e MCQUADE tenham sido tantas vezes exibidos pelo SBT, mas lançados em vídeo pela GLOBO Vídeo???)


Bem, para começo de conversa, este trabalho do Chucko também é um dos mais belos tributos ao western spaghetti já feitos, superior até à homenagem feita por Tarantino em "Kill Bill".

E isso fica muito evidente desde os créditos iniciais, que trazem imagens de rotoscopia e freeze frames de um lobo correndo pela planície (emulando as vinhetas animadas dos faroestes italianos, tipo "Por um Punhado de Dólares"), e nomes dos atores escritos com uma fonte típica de western, tudo sublinhado pela MA-RA-VI-LHO-SA trilha sonora do mestre italiano Francesco De Masi .


E se só os créditos iniciais já deixam qualquer fã de western spaghetti empolgado, espere só para ver a cena de abertura: vestido como um autêntico cowboy do século 19, o Texas Ranger McQuade observa, pela mira telescópica do seu rifle, a ação de um grupo de ladrões de cavalo na fronteira com o México, desde o momento em que eles organizam a "carga" até uma ação desastrada de um grupo de policiais, que são facilmente mortos ou subjugados pelos bandidos. Finalmente, nosso herói intervém e salva alguns dos homens da lei, explodindo carros com tiros de rifle, quebrando dentes a chutes e massacrando quase todos os bandidos com tiros de metralhadora.

Descontando alguns elementos evidentemente modernos, como as metralhadoras Uzi, os veículos motorizados e um helicóptero, parece que o que estamos vendo é um autêntico filme de faroeste, e o diretor Steve Carver demonstra ser um grande conhecedor do gênero ao usar closes nos olhos e no rosto dos personagens, e ações embaladas pela trilha sonora de Francesco De Masi. Simplesmente perfeito.


Embora tenha eliminado a quadrilha, prendido o chefão dos bandidos e salvado a vida dos policiais aprisionados, McQuade leva uma puta mijada do seu superior, que acha que o herói precisa ter uma imagem mais apresentável (em outras palavras, limpinha, perfumada e barbeada), agir mais burocraticamente e, pasmem, frequentar a igreja e formar família.

Claro que McQuade é aquele tipo de ranger que prefere defender a lei à moda antiga - ou seja, à bala -, e sempre agindo sozinho, por isso o apelido "lobo solitário". É um legítimo personagem de western italiano: fala pouco, está sempre barbudo e coberto de poeira, e raramente - para não dizer jamais - dá um sorriso. Para fazer jus ao apelido, prefere viver sozinho numa cabana bagunçada e suja, acompanhado apenas de um lobo de estimação, e onde passa o dia treinando tiro em alvos de madeira.


E vou além: J.J. McQuade é um personagem tipicamente Sam Peckinpah-esco. Afinal, um tema que permeia todos os trabalhos de Bloody Sam também tem bastante destaque aqui: o herói ultrapassado, símbolo de um passado recente, que recusa-se a viver no "presente" e prefere resolver as coisas à moda antiga.

Ora, McQuade é um autêntico dinossauro, daquele tipo que pensa ainda estar no Velho Oeste, onde qualquer dilema poderia ser resolvido à bala, sem as amarrar burocráticas da lei. Ele é um sujeito que vive fora do seu tempo, e a cena que sintetiza isso é aquela em que o ranger olha entre desconfiado e assustado quando um colega tenta "encontrar pistas" utilizando um computador!


A diferença é que se nos filmes de Peckinpah os heróis "ultrapassados" geralmente encontravam a morte diante da modernidade (como no final de "Meu Ódio Será Sua Herança", em que os pistoleiros tentam enfrentar a "moderna" metralhadora), aqui o ranger à moda antiga representa a única solução em tempos "modernos", mas ainda bárbaros sob o manto da "civilidade".

(Parece até que Peckinpah deu umas escapadinhas do set de "O Casal Osterman", filmado no mesmo ano, para trocar umas ideias com Steve Carver e sugerir-lhe algumas características para o herói McQuade...)


Mas, apesar de durão e casca-grossa, o "lobo solitário" tem uma ex-esposa (Sharon Farrell, de "Nasce um Monstro") e uma bela filha adolescente, Sally (a gracinha Dana Kimmell, que um ano antes enfrentou Jason em "Sexta-feira 13 - Parte 3").

Certa noite, Sally e seu namoradinho vão curtir um momento romântico no deserto e dão o azar de testemunhar o roubo de um carregamento de armas do Exército. Os bandidos são liderados pelo sádico Rawley Wilkes (David Carradine!), um campeão europeu de karatê que adora exibir suas habilidades - e dirige um veículo cuja placa diz "Karate"!!! Como o grupo não pode deixar testemunhas, o rapaz é metralhado e o carro em que Sally está é jogado de um penhasco.


A moça sobrevive por detalhes, e, ao descobrir o que fizeram com sua filha, McQuade fica furioso e começa a investigar quem são os responsáveis, ajudado/atrapalhado pelo policial Kayo (Robert Beltran), um dos homens da lei que ele salvou no começo do filme, e por um ranger veterano chamado Dakota (L.Q. Jones).

Lá pelas tantas, também entra em cena a belíssima nicaraguense Barbara Carrera, interpretando Lola Richardson, a amante de Wilkes, que acaba trocando de lado e passando para a cama de McQuade. Barbara era a grande "sex symbol latina" dos anos 1980 e uma musa da minha infância/adolescência - o equivalente, hoje, a Jennifer Lopez e Salma Hayek, mas muito mais linda, gostosa e talentosa.


A delícia protagoniza duas cenas fantásticas em MCQUADE, uma extremamente sensual e outra de muito mau gosto. A primeira é o rala-e-rola com o herói: ele é tão durão que se atraca com a moça no meio da lama mesmo! Já a cena de mau gosto acontece quando, após trocar um único beijo com McQuade, Lola assume o papel de esposa, enfurecendo o ranger ao fazer faxina em seu casebre, chegando ao cúmulo de jogar toda a sua comida gordurosa e cervejas no lixo, trocando-a por vegetais e vitaminas!!!

(No mesmo ano, Barbara Carrera enfrentaria outro grande herói, o James Bond interpretado por Sean Connery em "Nunca Mais Outra Vez", conquistando um lugar de honra na galeria das Bond Girls mais fogosas!)


Na conclusão, MCQUADE abandona um pouco o tom de western para virar uma aventura exagerada e barulhenta, como já havia acontecido antes em "Ajuste de Contas", o filme anterior que Carver dirigiu com Chuck Norris.

Aí McQuade, Kayo e um terceiro ajudante, o agente do FBI Jackson (Leon Isaac Kennedy), armam-se até os dentes com pistolas, metralhadoras e bazucas para enfrentar o exército de Wilkes numa "hacienda" mexicana. E tome granadas, tiros, explosões, mortos e feridos, num daqueles finais apoteóticos e exagerados que os filmes de ação dos anos 1980 adoravam mostrar. Claro que tudo evolui para uma luta final entre Norris e Carradine - depois que o vilão tenta deter o herói com um... tanque de guerra?!?.


Hoje pode até parecer difícil mensurar a importância desta luta final para os fãs do gênero daquele período, mas vale lembrar que não apenas Chuck Norris era um talentoso campeão de karatê, como Carradine era um hábil lutador de kung fu, arte marcial que começou a praticar depois de estrelar o popular seriado "Kung Fu", na década de 70.

Sendo assim, o combate Norris versus Carradine foi algo na linha de um "Marvel Vs. DC". E ambos deixaram os produtores de cabelos em pé ao protagonizar a cena em carne e osso, sem o auxílio de dublês - como Chuck já havia feito com Bruce Lee em "O Vôo do Dragão".

O resultado é uma daquelas lutas de cair o queixo, bem filmada, extremamente bem coreografada e, principalmente, intensa, como se os dois atores estivessem realmente querendo machucar um ao outro - consta que Chuck chegou a reclamar com Carradine sobre a força dos seus chutes "cenográficos"!

McQuade versus Bill!



A luta, claro, ganha contornos épicos graças à música do italiano De Masi (veja o vídeo acima e se emocione), lembrando aqueles climáticos duelos finais dos filmes de Sergio Leone. Inclusive muito da riqueza e da beleza de MCQUADE vem da trilha sonora. Por exemplo, o tema romântico de McQuade e Lola, com coro feminino lembrando muito o tema de Claudia Cardinale em "Era Uma Vez no Oeste", é de arrepiar de tão lindo!

(De Masi foi um dos grandes compositores de temas de western spaghetti, ao lado de Morricone e Bruno Nicolai. Entre seus trabalhos, estão as belíssimas trilhas de filmes como "Vou, Mato e Volto", "Arizona Colt" e "Sete Dólares para Matar").

"Lola and McQuade Theme"



É uma pena que Steve Carver não tenha dirigido mais filmes com Norris, já que foi responsável por dois dos melhores da carreira do astro. É uma pena, também, que não tenha realizado outros westerns contemporâneos como este, em que usa e abusa da paisagem árida e desértica da cidade texana de El Paso, na fronteira com o México.

Na verdade, Carver não assinou outros trabalhos expressivos depois de MCQUADE - o mais memorável é "O Rio da Morte", com Michael Dudikoff, que ele dirigiu para a Cannon Films em 1989. Seu último filme é de 1996. E, enquanto isso, patetas como Rob Cohen e Stephen Sommers continuam arrumando emprego...


Quentin Tarantino deve ter visto MCQUADE várias vezes. Afinal, seu grande tributo ao western e aos filmes de artes marciais, "Kill Bill", divide com este filme o fato de ter David Carradine como grande vilão e de mesclar o clima de faroeste com exibições de artes marciais. Principalmente, ambos têm uma cena em que o herói é enterrado vivo!

Aqui, o próprio Norris acaba sendo sepultado sob toneladas de terra no interior do seu jipe, depois de apanhar feito cachorro de Carradine. Mas, por ser Chuck Norris, nem se abala: abre uma cervejinha no interior da sua "cova", engata a primeira no jipe e sai com a maior facilidade de debaixo da terra, numa cena hilária de tão absurda!

(Numa outra cena de ação, McQuade também fica pendurado no capô de um carro em alta velocidade, em momento que lembra bastante o que acontece com Zoe Bell em "À Prova de Morte".)


Para fechar a conta, MCQUADE tem todas aquelas frases prontas que tornam as aventuras de Norris ainda mais divertidas. Como quando o herói encara um guarda-costas em quem já bateu duas vezes e apenas pergunta, com sua característica cara de buldogue: "Quer tentar uma terceira vez?".

Ou quando o ranger dá uma sova em vários capangas de Wilkes que estavam surrando seus amigos. O vilão aparece cínico e tenta minimizar o negócio: "Os rapazes estavam apenas se divertindo". Aí McQuade olha para o vilão, novamente com aquela cara de cachorro bravo, e questiona: "E você? Quer se divertir também?".


Resumindo: MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO é um excelente filme de ação não só para a época em que foi feito, mas principalmente em comparação com todas essas porcarias que se faz hoje. É só analisar a qualidade do filme, a beleza da fotografia e o casamento perfeito entre a música e as imagens para perceber que o negócio é trabalho de artesão, feito com amor por um cara apaixonado por western, e não só para embolsar o cheque no final das gravações.

Além disso, a luta entre Norris e Carradine é uma coisa de louco, sem os exageros, cabos de aço, câmeras tremidas, dublês evidentes e cortes rápidos do cinema de ação atual - são três minutos de pancadaria que valem por "Os Mercenários" inteirinho!


E McQuade, como eu escrevi lá no começo, pode muito bem ser o melhor e mais interessante personagem que Chuck Norris interpretou em seus mais de 30 anos de carreira. Tanto que nunca conseguiu se livrar dele, e entre 1993 e 2001 interpretou um outro homem da lei durão no seriado televisivo "Walker, Texas Ranger".

Diz a lenda que o ranger do seriado seria o próprio McQuade originalmente, mas a emissora que o produziu (CBS) não tinha os direitos sobre o personagem, e então criou um outro, Cordell Walker, como uma espécie de "versão envelhecida" de McQuade. As semelhanças entre um e outro são tão evidentes que os realizadores de MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO entraram com um processo contra os criadores do seriado, resolvido posteriormente com um acordo entre as partes.

Infelizmente, o ranger televisivo não passava de um "McQuade da terceira idade", como se o herói do filme tivesse resolvido entrar nos eixos depois de todas aquelas pressões do seu superior, inclusive optando por andar ajeitadinho e prender os bandidos dentro da lei ao invés de enchê-los de chumbo. Porque, sabe como é, não se fazem mais heróis como antigamente...


Assim, com a resenha desse filmaço, completo essa maravilhosa MARATONA CHUCK NORRIS. Foi ótimo revisitar algumas obras que eu tinha visto originalmente há muito tempo atrás (como "Ajuste de Contas" e "Comboio de Carga Pesada").

Acompanhe o calendário de atualizações para ler as resenhas que perdeu:
COMBOIO DE CARGA PESADA (Breaker! Breaker!, 1977)
OS BONS SE VESTEM DE NEGRO (Good Guys Wear Black, 1978)
FORÇA DESTRUIDORA (A Force of One, 1979)
OCTAGON (The Octagon, 1980)
AJUSTE DE CONTAS (An Eye for an Eye, 1981)
GOLPE MORTAL (Forced Vengeance, 1982)
MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO (Lone Wolf McQuade, 1983)


O que aconteceu depois desse seleto grupo de filmes é bem conhecido: Norris, já transformado em super-astro mundial, assinou um contrato com a Cannon Films e foi, durante quase uma década, o seu principal e mais lucrativo astro. E a partir de então estrelou uma longa série de sucessos: "Braddock - O Super Comando", "Código do Silêncio", "Invasão USA", "Comando Delta", e por aí vai.

Mas todos eles ficam para uma próxima Maratona, pois o excesso de testosterona desta fez com que minha barba crescesse dez vezes mais rápido e minha voz engrossasse. Além disso, passei a acreditar que todos os problemas do dia-a-dia podem ser resolvidos com Rondhouse Kicks. Maldito Chuck Norris!


E se é uma pena que Chucko tenha se aposentado em 2005 com um filme extremamente convencional e indigno do seu talento ("Resgate de Risco"), ao mesmo tempo será ótimo poder rever o cara-de-buldogue na tela grande no futuro "Os Mercenários 2", em que Stallone finalmente conseguiu reunir o dream team do cinema de ação (só faltou Steven Seagal).

Seu personagem se chamará Booker (homenagem/citação a "Os Bons Se Vestem de Negro", talvez?), e eu espero sinceramente que Stallone não cague fora da panela e dê ao velho Norris um papel à altura do seu mito. Porque, como eu já brinquei anteriormente por aí, com Chuck Norris no time, todos os outros "mercenários" tornam-se absolutamente dispensáveis!

PS: Quem tem olho vivo para enxergar um jovem Kane Hodder, posteriormente imortalizado como Jason Voorhees, "interpretando" um dos muitos bandidos que tomam porrada de McQuade?

Trailer de MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO



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Lone Wolf McQuade (1983, EUA)
Direção: Steve Carver
Elenco: Chuck Norris, David Carradine, Barbara Carrera,
Leon Isaac Kennedy, Dana Kimmell, R.G. Armstrong,
Robert Beltran, L.Q. Jones e Sharon Farrell.

domingo, 29 de março de 2009

DEATHSPORT (1978)


"No ano 3000 não existirá mais Jogos Olímpicos, Super Bowl ou Copa do Mundo. Só existirá DEATHSPORT!"

A frase do cartaz, o argumento do filme, o título, a presença de David Carradine e a produção de Roger Corman levam o espectador a acreditar que DEATHSPORT, ficção científica classe Z de 1978, seja uma seqüência direta ou ripoff do divertidíssimo "Ano 2000 - Corrida da Morte", dirigido por Paul Bartel, estrelado por Carradine e produzido por Corman três anos antes, em 1975.

Mas as semelhanças entre as duas produções, infelizmente, não incluem o quesito qualidade, e nem DEATHSPORT é uma continuação de "Ano 2000 - Corrida da Morte", como informam alguns desavisados sites de cinema. Na verdade, esta é uma tentativa de Corman de faturar mais uns trocados após o sucesso do filme de Bartel (esquecendo, porém, que um dos ingredientes de sucesso daquele pequeno clássico era o humor negríssimo, que não existe nesta nova aventura), e ainda plagiar um pouquinho "Rollerball", de 1975.


O que sobrou é mais um autêntico FILME PARA DOIDOS, que os leitores deste blog vão achar o máximo, mas a maior parte da humanidade vai odiar. Agora, convenhamos: como não achar no mínimo divertido um filme em que David Carradine e Richard Lynch lutam com espadas de plástico; em que a falecida coelhinha da Playboy Claudia Jennings fica a maior parte do tempo com os seios ou a perereca de fora; em que um ditador tirânico tortura garotas seminuas forçando-as a dançar numa sala eletrificada (!!!), e em que raios laser desintegram não só pessoas, mas também motos e cavalos???

DEATHSPORT se passa no ano 3000, quando uma "guerra neutrônica" (não pergunte...) reduziu a humanidade a um deserto povoado por mutantes canibais. Um dos únicos núcleos "civilizados" é Heliz City, governada com mão de ferro por Lord Zirpola (David McLean), que diverte o povo com lutas de gladiadores estilo Roma Antiga. É o chamado "Deathsport", em que prisioneiros são perseguidos por motociclistas que disparam os tais lasers mortais.


Neste mundo perdido, também existem guerreiros místicos (uma espécie de versão pobre dos Jedi de "Guerra nas Estrelas", lançado no ano anterior), que vagam pelo deserto armados com suas espadas de plástico. O mais famoso deles é Kaz Oshay, interpretado por um David Carradine barbudo e de sunguinha - o que não é exatamente minha idéia de diversão, mas vá lá.

Felizmente, a coisa começa a andar quando Kaz é aprisionado pelo braço direito do ditador, Ankar Moor (interpretado por Richard Lynch!), e levado à força para participar do Deathsport juntamente com outra guerreira nômade, Deneer (Claudia Jennings).

Só que, num daqueles casos clássicos de propaganda enganosa, o tal Deathsport, apesar de ser o título da película, não dura nem cinco minutos: Kaz e Deneer logo escapam da arena de volta para o deserto, pilotando motos roubadas de seus perseguidores, e acompanhados por outros dois prisioneiros. Começa, então, uma perseguição implacável liderada por Ankar, que quer o couro do herói a todo custo.


Se DEATHSPORT serve para alguma coisa (além de mostrar David Carradine de sunguinha e Claudia Jennings de perereca de fora), é como diversão trash. Este é o filme perfeito para você deixar rolando num daqueles encontros de amigos cinéfilos regados a muita cerveja. Dos cenários toscos e falsos aos figurinos ridículos, passando pelos efeitos sonoros de quinta categoria e pela obsessão do diretor em mostrar explosões a cada cinco minutos, tudo é motivo de piada no filme, que assim torna-se engraçadíssimo do começo ao fim.

Entre os destaques no "fator trash", vale destacar os cenários das cidades e da arena onde acontece o Deathsport, e que são obviamente cenários pintados ou miniaturas bem toscas. As cenas de malabarismos com motos, repetidas até enjoar, acabam sendo mais engraçadas do que emocionantes, em parte por causa da exagerada sonoplastia dos veículos. Tem ainda uma cena de sexo que dá um novo sentido à expressão "cena de sexo gratuita", e uma participação pequena e não-creditada da futura scream-queen Linnea Quigley.


E o que dizer do raio laser que desintegra pessoas inteiras num piscar de olhos? O engraçado é que nunca fica clara a intensidade da arma: numa cena o raio desintegra automaticamente dois inimigos que estão lado a lado sobre suas motocicletas (os veículos também são vaporizados); em outro, o raio atinge um ratinho sobre um monte de entulho, mas apenas o roedor desaparece, enquanto o monte de entulho fica intacto!

O grande problema do roteiro de Nicholas Niciphor (com o pseudônimo Henry Suso), Frances Doel e Donald Stewart é levar-se a sério, ao contrário do "Ano 2000 - Corrida da Morte" que tenta desesperadamente copiar. Não há humor negro nem sátira em DEATHSPORT; na verdade, seus realizadores parecem estar levando a coisa a sério DEMAIS! Assim, cenas com elevado potencial trash, como as inúmeras perseguições com motos, sempre ficam no meio-termo; embora bem filmadas e editadas, não são tão divertidas quanto poderiam e deveriam ser, e logo tornam-se repetitivas.

E o tal "Deathsport", que parece ser a grande razão de ser do filme (está no título, caramba!), aparece numa mera ceninha de cinco minutos! Todo o resto da trama mostra heróis fugindo dos vilões. Até mesmo uma cena num covil dos mutantes canibais aparece jogada ao léu, sem qualquer função na trama.


Mais divertido que o próprio filme é o barraco que rolou nos bastidores: DEATHSPORT começou a ser dirigido por Niciphor, mas ele e Carradine não se bicavam. Com metade das cenas gravadas, a frescura entre os dois acabou mal: o astro simplesmente quebrou o nariz do diretor com um soco!!! Niciphor então abandonou o set, com nariz sangrando e tudo mais, e Corman teve que dirigir ele mesmo algumas cenas, depois chamando o pupilo Allan Arkush (de "Hollywood Boulevard" e "Rock’n’Roll High School") para terminar o filme.

E mais: dizem as más línguas que as filmagens eram movidas a álcool e drogas, o que transparece no clima de doideira coletiva do filme. A pobre Claudia era viciada e morreu no ano seguinte num acidente de carro, com apenas 29 anos de idade.

É uma pena que DEATHSPORT seja tão obscuro que nem existam vídeos decentes disponíveis no YouTube para postar aqui, e que certamente divertiriam meus fiéis leitores do FILMES PARA DOIDOS. Espero que se contentem com as fotos e procurem por esta pérola.

Uma coisa é certa: para o bem ou para o mal, não se fazem mais filmes assim, e isso é uma pena - principalmente quando o mais perto de DEATHSPORT que temos hoje é o bobo "Corrida Mortal" de Paul W.S. Anderson!


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Deathsport (1978, EUA)
Direção: Nicholas Niciphor e Allan Arkush
(e Roger Corman)
Elenco: David Carradine, Richard Lynch,
Claudia Jennings, William Smithers, Will
Walker e David McLean.

sábado, 20 de dezembro de 2008

CANNONBALL (1976)


Você sabe que CANNONBALL é um autêntico FILME PARA DOIDOS, além de um daqueles "clássicos cult" de todos os tempos, só pela cena em que um afrescalhado chefão da máfia (feito pelo próprio diretor do filme, Paul Bartel) come um balde de frango frito e conversa com outros dois mafiosos, interpretados por, veja você, Martin Scorsese (!!!) e Sylvester Stallone (!!!), ambos em participação especial de 30 segundos! É mole ou quer mais?

Se quer mais, então saiba que CANNONBALL é estrelado por uma respeitável galeria de atores conhecidos, como os irmãos Carradine, Gerrit Graham, Mary Woronov e James Keach (irmão do Stacy), e tem mais um punhado de divertidas participações-relâmpago de gente como Dick Miller, os produtores Roger Corman e Don Simpson e os cineastas Joe Dante ("Gremlins"), Carl Gottlieb ("Amazonas na Lua"), Allan Arkush ("Rock'n'Roll High School") e Jonathan Kaplan ("Acusados").


Na época (anos 70), todos eles - inclusive o jovem Stallone - integravam a turma da New World Pictures, a produtora de Roger Corman, e acabaram entrando nisso que se transformou numa bela brincadeira de cinéfilo. Era uma época, também, em que filmes com carros em alta velocidade estavam na moda, apesar de a garotada de hoje achar que bobagens tipo "Velozes e Furiosos" (argh!) são novidade.

CANNONBALL (que no Brasil ganhou o desnecessário subtítulo "A Corrida do Século") faz parte de um ciclo de filmes de perseguições automobilísticas produzido por Roger Corman. Entre as obras, se destacam o cult "Ano 2000 - Corrida da Morte" (1975, também dirigido por Paul Bartel), "Eat My Dust" (1976) e "Grand Theft Auto" (1977, ambos dirigidos pelo hoje famoso Ron Howard).

Este ciclo foi recentemente homenageado por Quentin Tarantino em "À Prova de Morte", como parte do mal-sucedido projeto "Grindhouse", mas ele não chegou nem perto do clima dos filmes antigos.


E foi em 76, logo após o sucesso de "Ano 2000 - Corrida da Morte", que o mesmo Bartel escreveu o roteiro (com Don Simpson) sobre uma famosa corrida ilegal chamada Cannonball.

Com o valor de alguns galões de gasolina e David Carradine, o astro de seu filme anterior, ele rodou esta pequena gema - que alguns desavisados sites informam ser continuação de "Ano 2000...", quando os dois filmes não têm qualquer relação. Curiosamente, no mesmo ano de 76, foi lançado outro filme com o mesmo tema, a comédia "The Gunball Rally".


Tanto CANNONBALL quanto "The Gunball Rally" são inspirados numa famosa corrida fora-da-lei real, criada pelos amigos e pilotos Brock Yates e Steve Smith em 1971, e batizada "Cannonball Baker Sea-To-Shining-Sea Memorial Trophy Dash".

Era, ao mesmo tempo, uma homenagem e um protesto ao sistema rodoviário norte-americano: homenagem porque celebrava a boa condição das estradas, e protesto porque fazia escárnio do reduzido limite de velocidade nas mesmas estradas. O objetivo da tal corrida era pilotar qualquer veículo de quatro rodas de Nova York até Los Angeles, driblando a polícia e outros competidores.

A mesma competição deu origem à famosa comédia "The Cannonball Run" (no Brasil, "Quem Não Corre, Voa!"), em 1981.


E é a tal competição ilegal a verdadeira protagonista deste filme do Bartel: os demais personagens são apenas caricaturas, uma espécie de versão adulta e violenta do desenho "Corrida Maluca", e a graça de CANNONBALL é ver pilotos e veículos se estrepando em fantásticas cenas em alta velocidade, realizadas por dublês, anos antes da computação gráfica tornar fichinha a produção desse tipo de malabarismos.

O nome da corrida ilegal do filme é "Trans-America Grand Prix", com trajeto entre Los Angeles, California e Nova York. O "Cannonball" do título é o apelido do piloto interpretado por David Carradine, Coy "Bala de Canhão" Buckman, ex-presidiário em liberdade condicional que tenta retomar sua carreira no automobilismo justamente vencendo o tal torneio, que dá uma bolada em dinheiro como prêmio.


Junto com Coy, competem outros malucos em máquinas envenenadas, usando de trapaças, golpes sujos e violência para eliminar os rivais pelo caminho e faturar o prêmio. Entre os competidores estão o malvado Cade Redman (Bill McKinney), que pilota acompanhado de um astro da música country (Gerrit Graham, de "O Fantasma do Paraíso"); uma van com três gostosas, conduzida pela estrelinha cult Mary Woronov (que, na vida real, nem sabia dirigir); um alemão arrogante que dirige falando sozinho (James Keach), e até um simpático casal de adolescentes apaixonados (Robert Carradine, irmão de David, e Belinda Balaski, atriz de estimação do Joe Dante).

Num toque de gênio, Coy disputa a corrida auxiliado pelo seu mecânico, Zippo Friedman (Archie Hahn), que pilota um outro carro, idêntico ao seu, para confundir os rivais!


É claro que, à medida que os quilômetros são superados e a rivalidade aumenta, CANNONBALL descamba para incríveis acidentes e explosões. Só duas destas cenas já valem o filme todo: Coy acelerando seu carro para saltar o trecho ainda não-construído de um viaduto (cena que se tornaria clichê do "cinema de velocidade", e aqui realizada com maestria), e um incrível engavetamento envolvendo dezenas de veículos, numa sucessão de batidas e explosões digna do final de "Os Irmãos Cara-de-Pau", de John Landis!

Como os carros e cenas em alta velocidade (filmadas e editadas com maestria) são as verdadeiras atrações, e os atores e participações especiais acabam ficando em segundo plano, torna-se até desnecessário tentar acompanhar a história, que, como no caso de "Ano 2000 - Corrida da Morte", tem vários toques de humor, principalmente aqueles que envolvem os criativos truques usados pelos pilotos para tirar seus rivais da jogada ou para fugir da polícia - destaque para as garotas da van, que seduzem dois policiais para não serem presas por dirigir em alta velocidade! O trailer é uma aula de como vender um filme de ação.


No fim, o espectador se pega até torcendo para que o seu piloto preferido cruze antes a linha de chegada (eu fiz o mesmo em "Quem Não Corre, Voa!"). E é este mosaico de personagens excêntricos e suas rivalidades que transformam CANNONBALL num divertido e barulhento filme de ação à moda antiga. Nem que seja só para curtir as participações especiais.

Resumindo: diversão pura e simples para pessoas de bom gosto. Pena que, ao contrário de "Quem Não Corre, Voa!", que teve duas seqüências, CANNONBALL ficou apenas neste primeiro filme. Seria divertido ver Coy "Cannonball" Buckman encarar outras edições do "Trans-America Grand Prix", disputando quilômetros com outros pilotos ainda mais malucos.

Só espero que o Paul W.S. Anderson, que maculou "Ano 2000 - Corrida da Morte", não invente de refilmar este também.

Trailer de CANNONBALL



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Cannonball (1976, EUA)
Direção: Paul Bartel
Elenco: David Carradine, Bill McKinnney, Veronica
Hamel, Dick Miller, Paul Bartel, Gerrit Graham,
Robert Carradine e Belinda Balaski.