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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

VIVA DJANGO! (1968)


Todos os filmes não-oficiais com o personagem Django produzidos depois do sucesso da obra de Sergio Corbucci eram aventuras independentes, com pouca ou nenhuma relação direta com o original, embora sempre emprestando um elementozinho aqui, outro ali. Para todos os efeitos, a única sequência oficial de "Django" saiu apenas duas décadas depois, em 1987 ("Django, A Volta do Vingador"), contando inclusive com o retorno de Franco Nero no papel-titulo.

Só que bem antes dela houve um "Sotto-Django" que conseguiu se aproximar bem mais do universo do personagem. Trata-se de VIVA DJANGO!, de Ferdinando Baldi, que na Itália se chama "Preparati la Bara" ("Prepare o Caixão"). Motivos não faltam para que esta seja a mais fiel das sequências bastardas do clássico de Corbucci: o filme tem o mesmo produtor (Manolo Bolognini), o mesmo diretor de fotografia (Enzo Barboni) e até um dos roteiristas de "Django", Franco Rossetti (tornando-se, assim, o único a escrever uma outra aventura do personagem além da oficial).


Além disso, por contar uma história anterior aos acontecimentos mostrados em "Django", muitos críticos e espectadores consideram VIVA DJANGO! um "prequel" do original, mostrando como o protagonista transformou-se naquele pistoleiro solitário e sanguinário encarnado por Franco Nero em 1966.

Em minha resenha sobre "Django", eu até comentei que muitas informações eram jogadas apenas por alto e nunca devidamente explicadas, como o que aconteceu à esposa assassinada do herói, ou onde ele encontrou o caixão e a metralhadora que arrastava desde o início do filme. Pois bem: apesar de ser uma produção "não-oficial", VIVA DJANGO! se preocupa em tentar explicar tudo isso, mesmo que os fatos aqui apresentados não batam 100% com aqueles que vimos no filme de Corbucci (mais sobre isso a seguir).


Vale registrar que por muito pouco o próprio Franco Nero não voltou ao seu papel mais famoso, pois tinha assinado um contrato com o produtor Bolognini para estrelar três produções. A primeira, claro, foi "Django", que ninguém imaginava que seria um sucesso tão estrondoso; a segunda foi "Adeus, Texas" (1966), um outro western também dirigido por Ferdinando Baldi (e divertidíssimo).

A terceira obra do contrato seria VIVA DJANGO!, que o produtor concebeu exatamente como um retorno de Nero ao personagem. O problema é que o agora astro recebeu uma proposta irrecusável para trabalhar em Hollywood, estrelando o épico "Camelot" (1967), de Joshua Logan, no papel de Sir Lancelot (que ele roubou de astros como Terence Stamp e Alain Delon), ao lado de um elenco de peso que incluía Richard Harris, Vanessa Redgrave (futura esposa de Nero) e David Hemmings.


É claro que entre fazer mais um western spaghetti poeirento ou estrelar uma superprodução hollywoodiana, Nero não pensou duas vezes e quebrou o contrato com Bolognini - produtor e astro só voltariam a se encontrar num set de filmagem quase dez anos depois, em "Keoma" (1976), de Enzo G. Castellari.

Com a saída do astro quando o projeto já estava encaminhado, os realizadores resolveram tocar VIVA DJANGO! do mesmo jeito, só que encontrando um sósia de Nero para o papel de Django. A opção escolhida pode parecer meio esquisita para o espectador de hoje, mas caiu como uma luva: Bolognini contratou um ator de 29 anos chamado Mario Girotti, que ficaria conhecido pelo pseudônimo americanizado de Terence Hill.


Hoje o nome do ator está associado ao personagem Trinity e às inúmeras comédias e faroestes cômicos que ele estrelou ao lado do parceiro Bud Spencer. Mas é bom lembrar que, em 1968, Terence ainda não era Trinity: sua veia cômica só começou a ser mais explorada a partir de "Trinity é o Meu Nome" (1970), de Enzo Barboni, embora o ator já tivesse feito algumas poucas comédias (como "La Feldmarescialla", de Steno, em 1967; este filme seria rebatizado "Trinity Vai à Guerra" no Brasil por causa do sucesso do personagem POSTERIOR de Terence Hill).

Mario/Terence foi chamado porque era praticamente uma cópia xerox de Franco Nero (compare as fotos abaixo), e inclusive parecia uma versão mais jovem do ator, embora na vida real Nero fosse dois anos mais jovem. Tanto que quando o ator substituto aparece vestido com roupas pretas e disparando rajadas de metralhadora nos inimigos em VIVA DJANGO!, o espectador praticamente esquece que quem está ali é Terence Hill, e não Franco Nero.


O roteiro de Ferdinando Baldi e Franco Rossetti passa-se em data ignorada antes da Guerra Civil, portanto antes dos acontecimentos mostrados em "Django". O herói ainda não é um pistoleiro errante e silencioso: no começo do filme, encontramos o jovem Django sempre falante e sorridente, bem casado com a bela Lucy (Angela Minervini) e trabalhando como guarda-costas para um ambicioso político que pretende concorrer ao Senado, David Barry (o alemão Horst Frank, que é praticamente um clone de Klaus Kinski).

Certo dia, Django é designado para ajudar na escolta de uma carruagem que transporta uma fortuna em ouro para outra cidade, e aproveita para levar a esposa na viagem. Só que o carregamento cai numa emboscada armada pela quadrilha de Lucas (George Eastman), que mata todos para roubar o ouro. Somente Django sobrevive ao ataque e, depois de enterrar Lucy e providenciar uma sepultura falsa para ele próprio, foge e passa a viver como anônimo numa pequena cidade.


Cinco anos se passam e o herói agora trabalha como carrasco na tal cidadezinha, sendo o responsável por enforcar em praça pública os ricos fazendeiros e trabalhadores honestos que foram injustamente acusados de crimes pelo próprio Lucas, agora um dos homens mais importantes da região. Só que Django está pondo em prática um ousado plano de vingança: ao invés de executar os inocentes, ele apenas simula suas mortes e depois os recruta para um pequeno exército particular.

O carrasco pretende usar seus "mortos-vivos" para desferir um ataque direto contra o bando de Lucas. Não demora para as coisas se complicarem. Especialmente porque Django nem imagina que o superior de Lucas é o próprio Senador Barry, que usou o ouro roubado anos antes para se eleger, mas não pretende desistir das atividades ilícitas.


Embora possa até ser visto como uma pré-continuação de "Django", e assim seja considerado por muita gente, VIVA DJANGO! não respeita as informações básicas sobre o personagem introduzidas no filme de Corbucci, mesmo tendo um de seus roteiristas (Rossetti) no time. Por exemplo, em "Django" o personagem dizia que sua esposa tinha sido assassinada pelo Major Jackson (Eduardo Fajardo, vilão daquele filme) enquanto ele estava "muito longe", lutando na Guerra Civil.

Aqui, por outro lado, vemos a esposa de Django ser morta por Lucas a mando do Senador Barry, mas não quando o herói está "muito longe" na guerra; pelo contrário, o herói está bem ao lado da mulher no momento em que ela é morta! E se em "Django" o protagonista está em busca do Major Jackson justamente para vingar a esposa assassinada, aqui em VIVA DJANGO! o herói já exerce sua tão sonhada vingança ao eliminar tanto Lucas quanto o mandante do crime.


O pior é que, com um pouco mais de cuidado, o filme poderia realmente passar por uma pré-continuação. Por exemplo, se o personagem de Horst Frank fosse rebatizado "Jackson", e não morresse na conclusão, o espectador poderia assumir que ele é a versão jovem do vilão interpretado por Eduardo Fajardo no filme de Corbucci, e que, com a fuga dele, Django continuou sua busca por vingança durante anos e durante a própria Guerra Civil, quando o antigo político fez carreira no exército e virou major. Não é o que acontece, infelizmente.

Além disso, VIVA DJANGO! tem uma conclusão espetacular que cita "Django" diretamente: cercado pelo Senador Barry num velho cemitério, e em desvantagem numérica diante dos mais de 20 capangas do político, Django desenterra o caixão da sua própria sepultura, aquela que usou para simular a própria morte, e tira do seu interior uma metralhadora semelhante à usada por Franco Nero em "Django", e que usa para exterminar todos os seus rivais (unindo, assim, as duas cenas mais icônicas do filme de Corbucci: o massacre com a metralhadora e o duelo final no cemitério!).


Pena que tanto o diretor Baldi quanto o roteirista Rossetti foram muito manés na última imagem do seu filme: se tivessem concluído VIVA DJANGO! mostrando o herói indo embora arrastando seu caixão com a metralhadora dentro, teriam criado um belíssimo elo com o início do "Django" original!

Mas eu duvido que o espectador da época tivesse muita familiaridade com prequels, ou que realmente se importasse com o fato de os acontecimentos mostrados aqui não baterem com as informações apresentadas no clássico de Corbucci. Provavelmente a maioria assistiu VIVA DJANGO! sem sequer se lembrar destes detalhes sobre o personagem, motivo pelo qual os próprios realizadores nem se preocuparam tanto em ligar as histórias dos dois filmes, concentrando-se na ação.


E ação é o que não falta! O falecido Ferdinando Baldi (1917-2007) era um especialista no assunto, que infelizmente morreu sem o devido reconhecimento (um outro filmaço dele já resenhado aqui no FILMES PARA DOIDOS foi "Blindman", de 1971). VIVA DJANGO! pode até não ter uma contagem de cadáveres tão alta quanto o original, mas se considerarmos que o herói aqui ainda está em início de carreira, a soma de óbitos é bastante expressiva: Django mata mais de 40 rivais, a maior parte deles com sua metralhadora!

Terence Hill está anos-luz distante do palhaço que encarnaria posteriormente, a partir de Trinity, mas protagoniza um momento muito engraçado ao ser rendido por um dos inimigos, que lhe pede para entregar o revólver segurando pela coronha. Fingindo que vai realmente dar a arma para o rival, o herói faz um rápido malabarismo e gira a pistola, disparando-a virada, direto na cara do sujeito!


Além dos tiroteios de costume, há uma cena explosiva (literalmente) em que Django enfrenta toda a quadrilha de Lucas, e que termina num confronto com o próprio Lucas dentro de um saloon em chamas. Percebe-se claramente que são os próprios atores, e não dublês, se esgueirando pelo cenário em chamas e desviando-se por muito pouco de vigas incendiadas que quase caem sobre eles!

O duelo entre Django e Lucas tem um desfecho fantástico: o herói atira no lampião que o vilão segura, incendiando-o instantaneamente. O engraçado é que, neste momento, o ator George Eastman é visivelmente substituído por um dublê, que inclusive perde a peruca ao rolar pelo chão!


Quem viu "Django" diversas vezes certamente vai identificar inúmeras referências ao original. Por exemplo: ao ser aprisionado pelos homens de Lucas, o Django de Terence Hill também tem suas mãos feridas (elas são pisoteadas pelos bandidos), embora não esmagadas tão violentamete quanto as de Franco Nero no filme de Corbucci.

VIVA DJANGO! também tem uma reviravolta um tanto forçada, quando um dos homens salvos da forca por Django, Garcia (José Torres), consegue convencer o exército secreto do herói a roubar um carregamento de ouro que também é visado pelos ladrões. Depois, o mexicano trai os colegas e os mata todos, fugindo sozinho com a fortuna e sendo caçado pelo próprio Django.


Embora seja algo que me incomode sempre que revejo o filme (pois os esforços do herói em criar um exército com condenados salvos da forca acabou resultando em... nada!), podemos interpretar esta cena como uma prévia desilusão de Django com mexicanos, o que de certa forma justificaria porque, no filme de Corbucci, o herói convence a quadrilha de mexicanos a roubar o ouro de um forte apenas para depois traí-los e roubar a fortuna (é o tal do "toma lá, dá cá"!).

A propósito, o filme também traz alguns toques "Leonianos", como a colorida vinheta animada nos créditos iniciais. Nesse caso, convém assistir a versão italiana, já que a bela sequência de créditos foi mutilada na edição norte-americana (justamente a lançada no Brasil em DVD pela Ocean), para a inclusão dos novos créditos em inglês.


Falar em bela trilha sonora num western spaghetti é redundante, mas não posso deixar de citar as duas músicas mais famosas do filme: a bela canção "You'd Better Smile", na voz de Nicola Di Bari, que toca durante os créditos iniciais, e o melancólico tema instrumental "Last Man Standing" aka "Nel Cimitero di Tucson", composto pelos irmãos Gian Piero e Gianfranco Reverberi.

Este último, que é repetido umas 15 vezes ao longo do filme (mas é tão lindo que nunca incomoda), é um dos temas mais conhecidos do gênero, e ficou ainda mais famoso ao ser sampleado pela dupla norte-americana Gnarls Barkley no hit "Crazy", em 2006. Compare as versões originais e sampleada nas janelinhas abaixo:


O original "Nel Cimitero di Tucson"



A versão sampleada, "Crazy"



Nas minhas resenhas anteriores sobre "Django Não Espera... Mata" e "10.000 Dólares para Django", eu lamentei o fato de os atores Ivan Rassimov e Gianni Garko só terem interpretado o personagem uma única vez. Porém quem REALMENTE parece ter sido talhado para personificar Django em uma longa série de filmes é Terence Hill; não só pela sua semelhança física com Franco Nero, mas principalmente porque ele não tenta inventar moda e nem moldar o personagem à sua maneira - o que vemos no filme não é Terence Hill interpretando Django, mas sim Terence Hill interpretando Franco Nero interpretando Django!

Claro que, hoje, fica difícil saber os motivos para o ator não ter sido oficializado como "o novo Django". Deve ter pesado o fato de Terence estar sendo disputado por outros diretores, como Giuseppe Colizzi ("Boot Hill") e Enzo Barboni, para interpretar seus próprios personagens, incluindo o famoso Trinity ("Trinità", no original). Uma pena, porque o ator foi, disparado, o melhor Django depois de Franco Nero, e o único que é realmente parecido com o original.


Considerando que todos os filmes com "Django" no título produzidos depois de 1966 eram ou picaretagens ou aventuras independentes, VIVA DJANGO! tem o grande mérito de ser a única aventura a manter relações bem próximas com o original de Corbucci - além de trazer o "Sub-Django" mais parecido com Franco Nero, não só visualmente, mas também no modus operandi e no uso da metralhadora. É até irônico que esta aventura não-oficial seja muito mais fiel que a continuação oficial de "Django", aquela produzida em 1987!

Portanto, VIVA DJANGO! é simplesmente obrigatório para todos os fãs do personagem e do filme de Corbucci. É uma pena que os realizadores não tenham observado alguns detalhes básicos para poder vendê-lo como prequel oficial do clássico, embora ainda seja possível vê-lo dessa maneira com alguma boa vontade.

E, sinceramente, quem apostaria que o palhaço Terence Hill, lembrado até hoje pelos seus faroestes bem-humorados e comédias-pastelão, acabaria sendo o segundo melhor Django da história do western spaghetti?


Trailer de VIVA DJANGO!



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Preparati la Bara (1968, Itália)
Direção: Ferdinando Baldi
Elenco: Terence Hill, Horst Frank, George Eastman,
José Torres, Pinuccio Ardia, Guido Lollobrigida, Barbara
Simon, Luciano Rossi e Spartaco Conversi.

terça-feira, 23 de junho de 2009

BLINDMAN (1971)


Existem vários westerns em que o protagonista se vê temporariamente cego e precisa enfrentar seus inimigos privado da visão. Um dos mais lembrados é "Mannaja", do Sergio Martino, que traz o saudoso Maurizio Merli como um pistoleiro que, na cena final, tem as pupilas queimadas pelo sol após uma terrível tortura.

Mas não consigo lembrar de outro bangue-bangue em que o protagonista seja um cego de nascença. Só por isso, BLINDMAN já é uma produção diferente e curiosa. Afinal, como pode um pistoleiro sem visão sobreviver num ambiente violento onde sacar primeiro (e ter olhos para mirar, obviamente) faz toda a diferença?

O interessante é que esta pequena pérola inventada pelo próprio astro e co-produtor Tony Anthony não tenta enrolar o espectador com malabarismos sobrenaturais do seu personagem principal: diferente do samurai cego Zatoichi ou do super-herói da Marvel Demolidor, que têm os outros sentidos absurdamente ampliados para compensar a perda da visão, o pistoleiro deficiente de BLINDMAN é, na mais generosa das definições, um completo inútil, que não tem qualquer chance diante dos adversários que enxergam normalmente, e precisa usar de muita astúcia e esperteza para sobreviver. E não é difícil acreditar nas proezas do personagem, provavelmente o mais humano dos heróis cegos já mostrado pelo cinema.


Criador da idéia, o norte-americano Anthony escreveu o roteiro com a ajuda de Pier Giovanni Anchisi e Vincenzo Cerami, e, embora não tenha lá muita pinta de galã, fez questão de interpretar "Blindman", o pistoleiro cego sem nome.

Para dirigir, foi contratado o especialista Ferdinando Baldi, que vinha de vários westerns clássicos do período, como o ótimo "Preparati La Bara/Viva Django", com Terence Hill.

Mas talvez o aspecto mais curioso do filme seja a presença do ingês Ringo Starr, baterista dos Beatles, tentando investir na carreira de ator apenas um ano depois do fim da banda.


Em primeiro lugar, é bom esquecer o ridículo título nacional "poético" que inventaram para o original BLINDMAN (por que não "O Pistoleiro Cego", ou simplesmente "O Cego"???). "Preso na Escuridão", o tal título poético, foi a tradução adotada pela distribuidora Ocean no recente relançamento do filme em DVD. Antes, na época do VHS, a escolha tinha sido ainda pior: o filme se chamava, sem nenhuma justificativa ou explicação lógica, "O Retorno do Gringo" (!!!), e trazia na capinha uma foto ampliada de Ringo Starr, que nem ao menos é o protagonista!

A trama é sobre Blindman, um cego que, ironicamente, recebeu a missão de escoltar 50 belas garotas para o Texas, onde elas têm casamento arranjado com alguns ricos garimpeiros - que inclusive já pagaram antecipadamente pelas "noivas".

O problema é que o pobre deficiente visual é passado para trás por seu contato, Skunk (Renato Romano), que prefere entregar as mulheres a um bandoleiro mexicano chamado Domingo (Lloyd Battista). Após explodir o amigo traidor com uma banana de dinamite, Blindman resolve que vai cumprir sua missão a qualquer preço, nem que para isso tenha que cavalgar até o México para recuperar as garotas.


Segue-se um diálogo impagável: cavalando às cegas (literalmente), o pistoleiro chega até um homem e pede orientações.

- Para que lado fica o México?
- Como eu posso te mostrar?
- Mostre ao cavalo!


Dito e feito: o cavalo do herói é inteligente e, além de atender prontamente aos chamados do seu dono por assobios, também segue as orientações dadas pelas outras pessoas. Após mais alguns dias de cavalgada, Blindman chega à vila de Domingo e descobre que as garotas estão sendo usadas como isca para seduzir e aprisionar um poderoso general mexicano (Raf Baldassarre). Descobre, também, que o irmão de Domingo, Candy ("interpretado" por Ringo), é apaixonado por Pilar (Agneta Eckemyr), a filha de um fazendeiro, e utiliza a moça como trunfo para conseguir suas noivas de volta.

Primeiro, Blindman tenta convencer Domingo a devolver suas mulheres na camaradagem, mostrando-lhe o contrato de casamento com os garimpeiros e tudo mais. Claro que o vilão não aceita assim tão fácil, e, após aplicar uma sova no cego, joga-o no meio da rua, forçando o herói a transformar a vida de Domingo e sua quadrilha num verdadeiro inferno, utilizando truques sujos e muita habilidade.


Como escrevi no início, BLINDMAN não tenta convencer o espectador de que seu herói cego é capaz de façanhas absurdas: mesmo que ele tenha a audição significativamente apurada para ouvir os passos de seus inimigos, por exemplo, ainda assim ele precisa atirar diversas vezes até conseguir realmente acertar alguém - e continua atirando mesmo quando o inimigo cai morto no chão, pois não tem como saber se o antagonista está mesmo morto. Em diversos momentos do filme, Blindman recebe a ajuda de pessoas que enxergam para se locomover ou montar armadilhas; sem elas, dificilmente o herói sobreviveria muito tempo no filme.

Diferente de outros western spaghetti do período, este tem uma grande quantidade de mulheres nuas - o que não deixa de ser irônico, já que o personagem principal é cego! -, inclusive um banho coletivo das 50 garotas.


Em certo momento do filme, para vingar-se da irmã de Domingo, Sweet Mama (interpretada pela gracinha Magda Konopka, de "Quem Dispara Primeiro?"), Blindman deixa a moça amarrada e completamente nua - embora ele não possa ver, sabe que todos os homens do vilão fatalmente a enxergarão, consumando a humilhação tanto da mulher quanto do seu irmão.

Principalmente por causa destas cenas de nudez, BLINDMAN teve diversos problemas com a censura norte-americana: a cópia foi praticamente retalhada para exibição nos Estados Unidos. Quem adquirir o DVD lançado no Brasil terá a cópia remasterizada e sem cortes, onde é possível perceber direitinho onde agiu a tesourinha da censura, já que as cenas cortadas ainda trazem o áudio original em italiano (não chegaram a ser dubladas em inglês na época do lançamento).



Por causa disso, a cada cinco minutos os atores deixam de falar inglês para falar italiano, dando uma idéia da quantidade de cortes que o filme sofreu! Curiosamente, a censura também havia retirado várias falas do próprio Blindman para tentar transformá-lo num herói mais honesto e boa gente - o que ele está bem longe de ser!

BLINDMAN também é bastante violento em comparação a outros filmes daquele período, graças principalmente à direção do sanguinário Baldi. Os tiros aqui já deixam sangrentos buracos de bala à la "Meu Ódio Será Sua Herança", de Peckinpah (que é de 1969), o herói não tem o menor problema em atingir inimigos desarmados pelas costas, e há até um massacre de soldados realizado com uma metralhadora gatling, à la "Django", de Corbucci, e "Preparati La Bara/Viva Django", do próprio Baldi.



Já o duelo final entre Blindman e Domingo sofreu tantos cortes da censura norte-americana que deve ter ficado incompreensível; mas, para dar uma idéia da crueza do troço, o vilão tem seus olhos queimados com um charuto (!!!) por um amigo de Blindman, para que o duelo com o herói possa ser de igual para igual!!!

BLINDMAN ainda reserva boas surpresas num gênero em que normalmente as idéias se repetem. Há uma cena de forte suspense em que os vilões colocam uma cobra venenosa entre os pratos do jantar do cego - e é preciso ter sangue de barata para não ficar arrepiado com aquela serpente zanzando a centímetros das mãos do pobre herói, que nem desconfia do perigo.

Também há uma cena numa estação de trem, "sonorizada" pelos barulhos do lugar, que lembra bastante o início do clássico "Era Uma Vez no Oeste". E o duelo final, claro, acontece num cemitério!



Outro ponto positivo do filme é o vilão Domingo, representado como uma figura menos caricatural do que a média do período. Domingo tem uma relação de grande carinho por seus irmãos Candy e Sweet Mama, que o torna mais humano e menos clichê do que outros vilões do western spaghetti.

Embora tenha sido um grande sucesso na época de seu lançamento, o filme não deu origem a seqüências. O que é ótimo: seria difícil acreditar que Blindman sobreviveria muito tempo caso acabasse envolvido em uma nova aventura (a própria cena final reforça isso, mostrando como é fácil enganar o pobre herói sem visão!).

Dez anos depois, em 1981, Baldi e o astro/roteirista/co-produtor Anthony se reuniram para filmar a aventura "Comin' at Ya!", que é considerada uma espécie de refilmagem disfarçada de BLINDMAN, só que em 3D (e com uma jovem Victoria Abril no elenco). Finalmente, em 1994, Armand Assante assumiu o papel de outro pistoleiro cego num filme norte-americano feito para a TV, "Vingança Cega", mais uma refilmagem disfarçada da obra de Baldi, com direção de Richard Spence e um elenco de caras conhecidas (além de Assante, Elizabeth Shue, Robert Davi e até um jovem Jack Black).


Mas duvido que qualquer um dos dois (que eu não vi) seja tão divertido quanto BLINDMAN, que ainda tem o mérito de trazer aquele que possivelmente é o mais realista e dramático herói sem visão já criado, um homem comum que se vê diante de grandes dificuldades, e que só sobrevive porque é mais esperto que seus antagonistas - além de contar com uma boa dose de sorte, é claro. Enfim, bem diferente do excesso de fantasia de um Zatoichi ou de um Demolidor. Se os cegos de verdade pudessem ver, tenho certeza que iriam aplaudir de pé.

Para terminar, uma curiosidade: anos depois, Tony Anthony produziu um filme aqui no Brasil, o clássico do mau gosto "Orquídea Selvagem", estrelado por um então decadente Mickey Rourke e filmado na Bahia e no Rio de Janeiro!

Dica: Vale a pena comprar o DVD Duplex lançado pela Spectra Nova. Normalmente, os DVDs de western spaghetti lançados no Brasil são um lixo, mas este surpreende por trazer uma imagem razoável em letterbox e a versão sem cortes do filme. Tem ainda, como programa duplo, o ótimo "Quem Dispara Primeiro?", de Giulio Petroni (que em breve também estará aqui no blog). Uma bela (e barata, cerca de R$ 9,90) aquisição para colecionadores do gênero.

Trailer de BLINDMAN


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Blindman/ Il Cieco (1971, Itália/EUA)
Direção: Ferdinando Baldi
Elenco: Tony Anthony, Ringo Starr, Lloyd
Battista, Magda Konopka, Raf Baldassarre
e Marisa Solinas.