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sábado, 28 de fevereiro de 2009

O dia em que QUASE conheci John Landis


Essa viagem que fiz para a Europa em janeiro foi uma viagem de "quases". Eu quase peguei o Fantasporto, famoso Festival de Cinema Fantástico na cidade portuguesa de Porto (passei por lá exatamente um mês antes do início do evento!). Eu quase dei de cara com o Jaume Balagueró e o Paco Plaza filmando as últimas cenas de "REC 2" em Barcelona (descobri tarde demais onde ficava o prédio usado para as filmagens, mas esta história eu conto numa próxima postagem). E eu quase, mas quase mesmo, conheci pessoalmente um dos meus ídolos, John Landis.

Para explicar a importância que este senhor barbudo e bonachão de 59 anos teve na minha vida, comecemos do princípio: meu interesse pelo cinema fantástico e de horror se deve a um dos seus clássicos, "Um Lobisomem Americano em Londres" (1981). Até ver esta perfeita mistura de horror, comédia, efeitos especiais e sangue na telinha do SBT, eu, então lá pelos meus 10 anos de idade, odiava (leia-se "morria de medo") filmes de terror. Com "Um Lobisomem Americano em Londres", Landis despertou o monstro que havia em mim - mais ou menos como o lobisomem que "saía de dentro" do David Naughton no filme.

E mesmo que esteja meio sumido há alguns anos (este ano teremos seu retorno com a comédia de humor negro "Burke and Hare", atualmente em pré-produção), Landis já imortalizou seu nome entre os grandes do mundo do cinema com clássicos do calibre de "Os Irmãos Cara-de-Pau" e "O Clube dos Cafajestes", e até pérolas da cultura pop como o imortal videoclip "Thriller", do Michael Jackson (sim, aquele em que o cantor dança com zumbis).

Mas vamos aos fatos: eu estava em Paris com meu irmão Goti e consegui, por acaso, um folder com a programação da Cinemateca Francesa (La Cinèmathèque Française, para os parisienses). Primeiro, fiquei louco ao descobrir que lá estava sendo realizada uma exposição sobre a vida e carreira do cineasta francês Georges Meliès (um dos pioneiros dos efeitos especiais, ainda nos tempos do cinema mudo). A exposição tinha cenários, figurinos, desenhos, câmeras, filmes... enfim, mais de 700 itens relacionados ao trabalho de Meliès, além de promover palestras e seminários sobre sua obra.

Depois, descobri que a Cinemateca tem um famoso museu sobre a história do cinema mundial, onde é possível ver peças famosas de grandes clássicos, como as engrenagens que sugam Charles Chaplin em "Tempos Modernos", a sedutora robô de "Metrópolis", de Fritz Land, e pôsteres de filmes da época.

E então veio o golpe de misericórdia: analisando a programação de filmes da Cinemateca, descobri que, entre retrospectivas dos trabalhos de Dennis Hopper, Freddie Francis e Michael Mann, e de uma exibição de "Luca, O Contrabandista", de Lucio Fulci (!!!), estava para começar um ciclo com todos os trabalhos de John Landis. E estava lá, em destaque, na programação, no dia 28 de janeiro: "Overture de la rétrospective John Landis: 'Inocent Blood', en présence du réalisateur".

Acho que nem preciso dizer que esta última frase significa "com a presença do realizador", não é mesmo?

Surtei. A exibição seria na noite do dia 28, uma quarta-feira. Então era segunda-feira, dia 26, e eu sabia que meu irmão já tinha comprado a passagem de trem para a Suíça, nosso próximo destino. Porra, para quando é que aquele desgraçado teria comprado a passagem, dia 28 ou 29?

Seguiu-se um diálogo mais ou menos assim:

- Goti, quando a gente vai pra Suíça?
- Deixa eu ver aqui... (Mentalmente, Felipe fica repetindo: "Dia 29, dia 29, dia 29!!!") Vamos no dia 28. De manhã.
- Dia 28? (Furioso) Por que não vamos dia 29?
- Mas já vimos tudo aqui em Paris, quer ficar aqui fazendo o quê?
- Tá, mas não dá para ir dia 29?
- Não dá, já comprei as passagens e a reserva do hotel aqui em Paris é só até dia 28. Por quê?
- Goti, tem certeza que não podemos ir dia 29?
- Não. Mas tu quer o quê afinal?
- (Resignado) Nada, nada...


E assim, por umas meras 12 horas de desencontro, eu não consegui conhecer pessoalmente o John Landis. Mesmo que fosse para vê-lo bem de longe, ou de relance - ainda assim eu estaria dividindo o mesmo ambiente com ele (para vocês terem uma idéia, este imenso prédio aí embaixo...).


Talvez eu devesse ter estrangulado meu irmão, rasgado as passagens já compradas para a Suíça e dito: "Nós vamos ficar aqui de qualquer jeito porque eu quero conhecer o John Landis! Essa é uma oportunidade única e não vai ser a tua mania de programar tudo com antecedência que vai me deter!".

Por outro lado, tive que reconhecer a paciência e a organização de meu pobre irmão caçula, que realmente programou tudo com perfeição e ia atrás destes detalhes burocráticos da viagem, como datas e horários de trens e aviões, enquanto eu ficava enchendo a cara e procurando DVDs baratos. Sim, eu devia isso a ele. Não podia esbofeteá-lo nem estrangulá-lo. Além disso, a culpa não era dele, mas sim da Cinemateca Francesa. Não podiam ter marcado o início da retrospectiva antes, tipo para a segunda-feira?

Já conformado em ter perdido o encontro com Landis, aumentei minha dor quando conferi o restante da programação: a retrospectiva do trabalho do cineasta se estenderia durante todo o mês de fevereiro, até 1º de março, com exibições de praticamente todas as obras do cineasta, das mais famosas às mais obscuras, como "The Kentucky Fried Movie" (que na França, estranhamente, foi rebatizado "Cheeseburger Film Sandwich"!!!) e até "Schlock", seu primeiro filme. De todo jeito, o homem em carne, osso e barba só estaria presente no dia 28.

E lembro que fiquei imaginando quando, aqui no Brasil, teríamos uma programação desse nível: uma retrospectiva da obra de um famoso cineasta, internacional ou brasileiro mesmo, com a exibição de todos os seus filmes e a presença do próprio fulano comentando seus trabalhos de antes e de agora.

No ano passado, participei da sessão de pré-estréia de "Encarnação do Demônio" em Porto Alegre, com a presença do Zé do Caixão em pessoa, mas não era a mesma coisa (alguém já promoveu uma retrospectiva completa e comentada da obra de Mojica, incluindo seus pornôs e filmes mais obscuros?). Assim, morri de inveja dos parisienses, das suas retrospectivas maravilhosamente completas e de sua maldita Cinemateca Francesa!

Para terminar este triste relato, na terça-feira, 27 de janeiro, antes da partida para a Suíça, fui tentar afogar minhas mágoas com uma visita à Cinemateca, onde pretendia pelo menos ver a exposição do Meliès e o museu com as relíquias de uma época de ouro do cinema.

E foi quando percebi que estou mesmo precisando me benzer: justamente naquele dia, o meu último dia livre em Paris, toda a estrutura da Cinemateca estaria fechada para preparar o início da Retrospectiva John Landis!!!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

ALERTA TOTAL (1997)


Quando se fala em cinema policial de Hong-Kong, os preconceituosos (aí incluídos muitos críticos e jornalistas "sérios" aqui do Brasil) já começam a pensar em tiroteios mirabolantes como os dos filmes da fase áurea de John Woo, cenas de ação absurdas ou as tradicionais e rocambolescas lutas com os atores suspensos por cabos metálicos.

Felizmente, isso é só preconceito. E filmaços como ALERTA TOTAL, de Ringo Lam, estão aí para esfregar isso na cara de quem não assiste produções orientais por considerá-las exageradas ou fantasiosas.

ALERTA TOTAL é uma daquelas desconhecidas produções do gênero feitas em Hong-Kong numa fase áurea para o cinema policial/de ação: a década de 90. No Brasil, o lançamento do filme foi ridículo e certamente apenas para aproveitar a "Woomania" (febre temporárias pelos filmes orientais do John Woo), saindo apenas naquelas velhas fitas dubladas em português. E é uma pena que obras tão interessantes permaneçam na obscuridade - caso também de "Conflitos Internos", de Wai-keung Lau e Siu Fai Mak, excelente filme policial que só começou a ganhar projeção depois de ser refilmado por Martin Scorsese como "Os Infiltrados".


Ironicamente, dada a obscuridade da produção até entre os entendidos da área aqui no Brasil, qualquer resenha estrangeira que você ler sobre ALERTA TOTAL trará elogios como "sublime" ou "quase perfeito". E acredite: não é fogo de palha.

Ringo Lam filmou-a no retorno à sua terra natal, após uma experiência traumática em Hollywood. Em 1996, como outros colegas do Oriente (e como o próprio John Woo), Lam foi "importado" para os EUA apenas para dirigir filmes de ação esquemáticos e sem maior interesse. O debut norte-americano foi "Risco Máximo", com Jean-Claude Van Damme, que nem é dos piores, mas que perde feio para o que Lam fazia em Hong-Kong (depois ele dirigiria, ainda nos EUA, os igualmente fracos "Replicante" e "Hell", todos com Van Damme).

E eis que na volta a Hong-Kong o diretor resolveu deixar de lado o show pirotécnico para concentrar-se na história e na relação entre os personagens de lados opostos da lei. Assim, surgiu um filme policial com cérebro e sentimentos, onde as ações dos personagens não são idiotas e nem "cinematográficas", e onde ninguém fica correndo sobre 100 bandidos disparando duas pistolas (por mais que isso seja bastante divertido... hehehe).

ALERTA TOTAL começa com um cadáver, já em decomposição, sendo encontrado na caixa d’água de um edifício - e o diretor não poupa o espectador de detalhes nojentos, como a informação de que vários inquilinos ficaram doentes ao beber a água "batizada". O cadáver pertence a um arquiteto que foi esfaqueado e afogado por Mak Kwan (o excelente Francis Ng, de "Infernal Affairs 2"), um jovem que trabalha com demolição na construção civil, e que de bandido não tem nada.


Investigando o crime está um policial estressado, o inspetor Pao (Ching Wan Lau, de "Máscara Negra", também perfeito). Dez anos antes da febre "Tropa de Elite", Pao já é um policial à beira de um ataque de nervos, estilo Capitão Nascimento, quase a ponto de explodir, que vê o caso do assassinato do arquiteto como um último grande caso antes de, quem sabe, pendurar as chuteiras - já que, como confidencia à esposa, passa os dias com medo de dar e de levar tiros.

Não demora para que a lei chegue a Kwan, já que, criminoso de primeira viagem, ele deixou diversas pistas no apartamento da vítima. O jovem confessa o assassinato, mas se recusa a falar sobre outras coisas que a polícia encontra em sua casa, como plantas do que parece ser um cofre e material para construção de explosivos. Tarimbado pelos muitos anos à frente da força policial, Pao sabe que Kwan está aprontando algo grande.

E está, claro. Associado a um perigoso bandido chamado Zang (Jack Kao), Kwan está tramando o "roubo perfeito": assaltar o jóquei-clube de Hong-Kong na final de um grande torneio, quando o cofre de segurança máxima está recheado com milhões em grana viva.

O local é impenetrável, mas, sendo um engenheiro e tendo estudado as plantas do local ao lado do arquiteto que assassinou, Kwan conhece o único ponto fraco da construção. E como ele está preso, seus "sócios" correm contra o relógio para libertá-lo, enquanto Pao e seus homens tentam fechar o cerco, sem saber ao certo o que a quadrilha está tramando.


Não há golpes de kickboxing em ALERTA TOTAL, nem elaborados tiroteios com dezenas de vítimas. Ringo Lam prefere centrar o foco na relação entre Pao e Kwan. Fica claro, desde o início, que ambos são bem parecidos, embora estejam em lados opostos da lei. O próprio Kwan é representado como alguém que virou criminoso por acaso: embora pareça frio e implacável, ele passa o filme com a consciência atormentada pelo único assassinato que cometeu na vida.

ALERTA TOTAL também mostra com bastante riqueza o relacionamento entre herói e vilão com os personagens secundários: a equipe de policiais e a família de Pao de um lado, os cúmplices, o irmão e a namorada de Kwan do outro. Quando Pao e Kwan se chocam de frente, os dois lados saem perdendo, levando a uma conclusão dramática e bem longe do tradicional "tudo acabou bem".

Por sinal, a impressão que fica é de que ALERTA TOTAL é uma espécie de versão oriental do clássico "Fogo Contra Fogo", de Michael Mann, com Wan Lau no lugar de Al Pacino e Ng no de Robert DeNiro. E a obra de Lam não faz feio em comparação.

Completando a lista de qualidades, o filme faz questão de mostrar a maneira como seu "herói", Pao, vai se tornando mais frio e obcecado na sua caçada, ao ponto de atingir um pedestre inocente com um tiro durante uma perseguição aos bandidos - e continuar a caçada por mais alguns minutos, sem nem ligar para a vítima da bala perdida -, ou ainda de arrebentar um dos seus desafetos a porradas quando finalmente consegue colocar as mãos nele. Como o Capitão Nascimento, Pao também passa o filme todo tomando calmantes para aliviar a tensão.


E embora não tenha nada tão mirabolante e exagerado quanto outras produções do gênero (especialmente as de John Woo), ALERTA TOTAL traz algumas cenas explosivas em seu realismo, como uma fantástica perseguição de carros (veja o vídeo abaixo) que lembra os bons tempos de William Friedkin.

Os malabarismos feitos pelos motoristas pelas ruas repletas de veículos são reais, sem CGI nem truques de câmera, o que só aumenta a tensão da cena - cujo clímax inclui carros invadindo os trilhos do trem e desviando por detalhes de um trem que vem em sentido contrário, momento que, diz a lenda, foi filmado de maneira ilegal, sem permissão das autoridades e sem que o condutor do trem soubesse. São 9 minutos de pura nitroglicerina, que deveriam deixar com vergonha os diretores destes "Velozes e Furiosos" da vida.

Logo, não deixe de garimpar sua locadora atrás desta perola. E ignore a dublagem ridícula em português. Vale a pena. Nem que seja para ver mais um filme policial sobre "crime perfeito", aqui executado com maestria e muita tensão e suspense.

A ótima perseguição de carros de ALERTA TOTAL


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Go Do Gaai Bei/Full Alert (1997, Hong-Kong)
Direção: Ringo Lam
Elenco: Ching Wan Lau, Francis Ng, Amanda
Lee, Jack Kao, Monica Chan, Kar Lok Chin,
Wing Lin Sho e Emily Kwan.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Os DVDs que eu trouxe na mala

Minha principal missão na viagem que fiz à Europa em janeiro, além daquelas coisas típicas de turista (subir a Torre Eiffel, visitar o Coliseu, fumar maconha em Amsterdam...), era trazer o maior número possível de DVDs europeus para complementar minha coleção aqui no Brasil. Ou pelo menos a maior quantidade que eu conseguisse comprar com meus parcos euros e conseguir transportar numa única e pobre mochila.

Para começar a conversa: quem gosta de cinema, e de colecionar filmes, como eu, se sente um merda em lugares onde estas duas paixões são realmente respeitadas. Sim, porque se aqui no Brasil você está acostumado a comprar DVDs em que os únicos "extras" são seleções de capítulos e menus animados (!!!) por um preço caríssimo, e as chamadas "edições de colecionador" mais parecem brincadeira de mau gosto e desrespeito com o colecionador (também a preços exorbitantes), na Europa o negócio funciona. Até filmes chinfrins ganham edições especiais maravilhosas por lá.

Portugal foi minha primeira parada, e, como não achei nenhuma produção portuguesa nas lojas que visitei, acabei comprando a famosa "Edição Estendida" do "O Senhor dos Anéis", aquela mesma que a Warner se recusou a lançar no Brasil dizendo que era economicamente inviável (saiu até matéria na SET), provocando uma febre de importações da edição norte-americana ("economicamente inviável", né?).


Aqui mesmo, na minha cidade, tenho um amigo que se orgulhava de ter comprado as caixas com edições estendidas made in USA dos três filmes da série, pela "bagatela" de 38 dólares (uns 98 reais) cada. Não perca as contas: as edições estendidas dos três filmes custaram quase 300 reais para este meu pobre amigo!

A caixinha que eu comprei era do primeiro filme, "A Sociedade do Anel" (em Portugal, "A Irmandade do Anel"), que, acreditem ou não, é o único da trilogia que eu realmente gosto (não tenho saco para rever os outros dois, muito longos). O box português é idêntico ao norte-americano, com quatro discos numa caixa bonitaça repleta de mapas e desenhos. Os dois primeiros discos trazem a versão normal do filme e também a estendida, além de uma paulada de comentários de áudio; já os outros dois têm milhões de extras que o cara provavelmente nunca vai conseguir ver na vida.

Sabe a única diferença deste box português para a edição norte-americana, além da óbvia presença de legendas em português (de Portugal)? O preço! Morra de inveja, meu amigo que gastou 300 reais nos boxes gringos, mas esse que eu comprei, completinho, custou apenas 19,95 euros. Trocando em miúdos, menos de 60 reais!!!

A segunda parada da viagem, a Espanha, foi a mais produtiva em matéria de compras, até porque os espanhóis têm uma longa tradição em cinema fantástico. Infelizmente, clássicos de gente como Paul Naschy, Armando de Ossorio e Juan Píquer Simon ainda não são valorizados por lá (mais ou menos como o Zé do Caixão por aqui), e você só encontra filmes tipo "Slugs", ou a versão espanhola de "Oasis of the Zombies", do Jess Franco, em versões bem simples que parecem até aqueles DVDs da Works que tínhamos por aqui. E todos a preços altos: 15 euros por um disco pelado, quando paguei 20 pela caixinha de "O Senhor dos Anéis" em Portugal! Nem pensar!

Em compensação, cineastas espanhóis contemporâneos que começam a fazer sucesso fora da Espanha já ganham edições mais caprichadas de seus filmes. Assim, resolvi trazer três edições de colecionador de filmes que já conhecia e gosto muito: "Tesis", do Alejandro Amenábar (no Brasil, "Morte ao Vivo"), "Fragiles" (no Brasil, "Terror em Mercy Falls") e "REC", do Jaume Balagueró.


Os três filmes foram lançados lá em edições de disco duplo, cheios de extras (comentários do diretor, bastidores, cenas eliminadas, material promocional, material gráfico, enfim, aquele tipo de coisa que as distribuidoras brasileiras acham bobagem colocar num DVD). O "REC" ainda vem numa bonita embalagem com caixinha de papelão e livreto trazendo notas de produção, outra coisa misteriosamente abolida das edições brasileiras.

Ainda na Espanha, aproveitei para comprar um box caprichado com 6 DVDs trazendo os filmes da série "Peliculas Para No Dormir", uma espécie de "Masters of Horror" espanhol, onde cada filminho (com cerca de 60 minutos) foi dirigido por algum grande nome do cinema de lá (alguns destes até já saíram no Brasil). Os diretores são Alex de la Iglesia, Jaume Balagueró, Narciso Ibañez Serrador, Mateo Gil, Enrique Urbizu e Paco Plaza. O preço disso tudo foi uma verdadeira bagatela: não chegou a 60 euros. Só o duplo do "REC" custava 9 euros (27 reais), para dar uma idéia do bom negócio que fiz!


Em Amsterdam, minha parada holandesa, eu estava louco para talvez encontrar edições especiais dos primeiros filmes do Paul Verhoeven (que, para quem não sabe, é holandês), ou talvez tralhas como "O Elevador Assassino" (que também é holandês!).

Infelizmente não achei nada disso, mas em compensação trouxe para casa a magnífica "Ultimate Edition" de "Duna", filme do David Lynch que provavelmente só eu gosto.


Existe uma edição nacional ultrabagaceira que não faz jus a este clássico cult, mas a edição holandesa é mais completa até do que a norte-americana: são três discos, o primeiro com a versão oficial do filme (135 minutos), o segundo com a versão estendida renegada pelo Lynch (188 minutos), e o terceiro só com documentários, making-ofs, entrevistas da época e fotos do filme. Coisa de maluco mesmo! Preço: 16 euros e uns quebrados. Em reais, pouco mais de 50 contos. O DVD nacional bagaceiro custava inacreditáveis 75 reais!

A passagem pela França foi tão corrida que acabei nem visitando lojas de filmes por lá. Fiquei até feliz, porque queria mesmo era guardar dinheiro para torrar na Itália, a última parada da viagem, onde eu podia gastar toda a minha grana sem me preocupar com o dia de amanhã.

Bom, em primeiro lugar, um momento de confissão: me decepcionei bastante com os DVDs italianos. Já estava fantasiando maravilhosas edições dos filmes do Lucio Fulci ou do Umberto Lenzi, mas a coisa não funciona bem assim. Algumas lojinhas mais descoladas de Roma até têm prateleiras separadas para o horror italiano, mas o que você encontra por lá são DVDs bem chinfrins, que não fazem jus ao material original. Por incrível que pareça, as edições de colecionador de clássicos como "The Beyond", "Cannibal Holocaust" ou dos gialli produzidos aos baldes na Itália só saíram nos Estados Unidos, através de distribuidoras como Anchor Bay e Blue Underground. Na Itália, que é a terra dos caras, você só encontra DVDs pelados e simplezinhos. Um pecado!

Um dos únicos diretores de horror que tem maior projeção por lá é o Dario Argento, por isso você até encontra os últimos filmes dele em versão de colecionador, com dois discos. Mas os antigos, como "O Pássaro das Plumas de Cristal" e "Prelúdio para Matar", só saíram em DVD italiano simples, onde o único extra é o trailer, às vezes nem isso - a despeito de haverem belíssimas edições norte-americanas destes filmes em DVDs duplo e até triplo, repletas de extras!

Mas pelo menos os caras têm certa consideração com os clássicos filmes policiais produzidos às dúzias na Itália entre os anos 60-70. Clássicos como "La Mala Ordina", de Fernando di Leo, são vendidos em versões com 2 DVDs cheios de extras. Aproveitei para trazer para o Brasil o box "L'Asse Della Violenza", que traz quatro DVDs com clássicos do período: "Torino Violenta", de Carlo Ausino (com George Hilton); "Paura in Città", de Giuseppe Rosati (com Maurizio Merli); "Milano Odia: La Polizia Non Puo' Sparare", de Umberto Lenzi (aka "Almost Human", com Henry Silva e Tomas Millian), e "Milano Trema: La Polizia Vuole Giustizia", de Sergio Martino (aka "Violent Professionals", com Luc Merenda), cada disco com comentários em áudio, trailers e outros extras.


E foi no último dia de viagem que eu comprei uma belíssima "Edizione Speciale" em dois discos do clássico "La Maschera del Demonio", do Mario Bava. O filme foi lançado no Brasil pela Works, mas esta edição, além da arte belíssima da capa, contém também um livrinho com curiosidades e notas de produção e, entre os extras inéditos por aqui, uma entrevista com Barbara Steele e o documentário longa-metragem "Mario Bava - Maestro of the Macabre", de Charles Preece. Preço? 12 euros (36 reais). O mesmo preço do DVD nacional pelado da Works antes de ele ir parar nos ofertões da vida.

Ainda na Itália: algumas lojas têm espaços separados para grandes celebridades italianas, e aí você encontra, lado a lado com os filmes do Fellini, do Vittorio De Sica e do Pasolini, as comédias da dupla Terence Hill e Bud Spencer! E as grandes lojas de Roma também têm prateleiras enormes para os clássicos "spaghetti westerns", mas infelizmente são DVDs tão pelados e sem graça quanto estes que a Ocean Filmes lança aqui no Brasil. Acabei não comprando nenhum.


Claro que é foda ser um turista-colecionador brasileiro com pouco dinheiro para torrar e pouco espaço na bagagem diante das maravilhas que você encontra lá fora. "Edições de colecionador", na Europa, são dignas desse nome: você pode comprar uma caixa do "Cães de Aluguel", do Tarantino, que traz junto os bonequinhos de todos os personagens (tive que morder o lábio para não comprar isso), ou a edição especial do "Homem de Ferro" dentro de uma embalagem com a forma da máscara da armadura do herói (em tamanho natural)! Ou ainda uma caixa da trilogia "Um Drink no Inferno" trazendo 4 DVDs (um disco é só com extras) e uma miniatura do Titty Twister, o cabaré onde vivem as putas-vampiras da série!

Porém o que mais me surpreendeu foi encontrar, na Itália, uma edição especial do "Dawn of the Dead", do George A. Romero. Eu achei que aquela versão norte-americana da Anchor Bay, que vinha numa caixa com 4 discos e toneladas de extras, era a definitiva. Pura ingenuidade: a edição italiana tem 5 DISCOS (!!!), um deles só para a trilha sonora da banda Goblin, e alguns extras diferentes, tudo numa caixa metálica (!!!) que, ao que parece, teve o dedo do Dario Argento. O preço exorbitante da peça (algo como 50 euros) me impediu de trazer também este que é um dos meus filmes preferidos.

E para quem está até hoje esperando que as distribuidoras brasileiras lancem filmes recentes e inéditos, como "Death Proof", do Tarantino, ou "Redacted", do Brian DePalma, uma última provocação: em Portugal, um jornal popular estava dando esses DVDs de graça (!!!) para quem pagasse uns trocos a mais pela edição de domingo do periódico (os títulos portugueses para estes filmes são "À Prova de Morte" e "Censurado", respectivamente).

E aqui, quem diria, as distribuidoras fingem que estes filmes nem existem, e ainda acham que estão fazendo um favor ao espectador quando mandam para as locadoras três ou quatro anos depois que eles foram originalmente lançados.

Terceiro Mundo, literalmente, é foda...

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A MORTE DO CHEFÃO (1973)


Parece uma espécie de "vendetta": enquanto os produtores italianos realizavam ótimos filmes a partir de temas tipicamente norte-americanos, como o western e a Guerra do Vietnã, os produtores norte-americanos ironicamente responderam fazendo alguns clássicos a partir de um tema tradicionalmente italiano, a Máfia.

A MORTE DO CHEFÃO, de Richard Fleischer, é um belo exemplo: foi produzido em 1973, entre "O Poderoso Chefão" (1972) e "O Poderoso Chefão 2" (1974). Mas se a obra de Coppola ganhou status de clássico, a de Fleischer ficou famosa apenas como cópia barata de "O Poderoso Chefão", o que é injusto - mesmo que seja óbvia a intenção de copiar a fórmula de sucesso dos filmes de Máfia para faturar uns trocados.

Mesmo assim, A MORTE DO CHEFÃO é um filmaço policial repleto de personagens e reviravoltas, aquele tipo de roteiro que, hoje, Guy Ritchie e Joe Carnahan adorariam dirigir, porém puxando mais para o lado da comédia, enquanto Fleischer leva o material bastante a sério.


O título original ("The Don is Dead") e mesmo a adaptação para o português são auto-explicativos, mas a narração do trailer original de cinema já resume perfeitamente a trama do filme: "Em 1971, Don Angelo DiMorra começou um inocente romance com uma bela garota. Isso deu início à mais sangrenta série de crimes da história da América".

E a história é simples assim: se passa numa cidade dominada por três famílias mafiosas que convivem com respeito e harmonia, cada uma no seu cantinho, realizando suas atividades criminosas sem interferir nos negócios da outra - enfim, mantendo um equilíbrio estável construído a partir de anos de diálogos e boas relações entre seus chefões. Isso até que o "don" de uma das famílias morre de causas naturais. O que acontecerá com o "território" desta família, agora desguarnecida do seu líder?

Para resolver o impasse, os líderes de todas as famílias mafiosas do pedaço se reúnem em Las Vegas (que é território neutro!!!) para deliberar. O filho do falecido Don, Frank Regalbuto (um jovem Robert Forster), quer assumir o comando das atividades da família. Isso vai contra os interesses das outras duas famílias que comandam a cidade, os DiMorra e os Bernardo, que acham que Frank é muito jovem (além de marginalzinho traficante de drogas) para assumir um pequeno império. Assim, para evitar um banho de sangue, os "dons" sugerem que os homens e o território dos Regalbuto sejam divididos entre as duas famílias restantes. E o chefe do clã DiMorra, Don Angelo (Anthony Quinn), resolve adotar Frank como filho, já que não tem um descendente legítimo.

A desavença parece solucionada. Mas Orlando (Charles Cioffi), o "consiglieri" da família Bernardo (já que o chefão Don Bernardo está na prisão), arquiteta um plano maquiavélico para ficar com o controle sobre toda a cidade, fazendo com que as duas outras famílias se matem entre si.


O pivô da discórdia é a cantora Ruby (Angel Tompkins), namorada de Frank. Aproveitando uma viagem do rapaz para a Itália a "negócios", Orlando consegue fazer com que o chefão Don Angelo se aproxime da garota e se apaixone por ela. Quando Frank volta para a cidade, descobre que foi trocado, mas nem imagina por quem. E responde destruindo o rosto da ex-namorada a pancadas.

Furioso pela atitude do "filho adotivo", e pela agressão covarde à sua amada, sem nem imaginar que tudo faz parte de um plano maligno, Don Angelo responde mandando executar Frank. Só que o jovem escapa do atentado, onde morre seu "consiglieri", Vito (George Skaff).

Agora é a vez de Frank ficar furioso com a dupla traição de seu protetor: aliado a uma quadrilha de criminosos comuns da cidade, os irmãos Tony (Frederic Forrest) e Vince (Al Lettieri), ele declara guerra à família DiMorra. E Orlando comemora enquanto as duas famílias se matam violentamente, tingindo de sangue as ruas da cidade.

Como toda boa história de Máfia, esta também está repleta de traições (chega um ponto em que nem o espectador sabe mais em quem confiar), retaliações, emboscadas e sangrentas execuções a tiros. Mas o melhor do filme é como o ótimo roteiro de Christopher Trumbo, Michael Butler e Marvin H. Albert (baseado no livro deste último) narra de maneira brilhante o festival de tragédias que começa com um simples e ardiloso bilhete anônimo escrito por Orlando.


A partir de então, a seqüência de crimes sangrentos se desenrola de forma imbecil e desenfreada, apenas pela total incapacidade dos dois lados do conflito de sentarem juntos para conversar e chegar a um acordo - parece até aquelas briguinhas de casal, onde nem marido e nem mulher querem assumir que estão errados.

A MORTE DO CHEFÃO não tem "mocinhos": todos os personagens são bandidos sujos com quem o espectador dificilmente consegue simpatizar; implacáveis, eles não pensam duas vezes em matar friamente alguém com quem conversaram tranqüilamente horas antes.

A principal semelhança com o clássico "O Poderoso Chefão" é o personagem de Tony (interpretado por Forrest, de "Apocalypse Now"). Como uma espécie de Michael Corleone dos pobres, Tony é o único na trama que tem certo juízo: ele não quer saber de viver (ou morrer) como criminoso, e pretende deixar o irmão Vince no comando da quadrilha para arrumar um trabalho mais "normal"; porém, quando explode a guerra entre as duas famílias, o jovem se vê arrastado para o meio dela e precisa assumir o comando dos "negócios" quando o irmão é executado.

Já Frank, que inicialmente parece ser o personagem principal, acaba relegado a um segundo plano como o pivô da sangrenta guerra. Burro e com sede de poder, ele impede que o conflito seja resolvido ainda no princípio e cai como um pato no plano de Orlando, declarando guerra à poderosa família DiMorra. Ainda a exemplo de "O Poderoso Chefão", o filme de Fleischer também tem, no clímax, uma série de assassinatos em seqüência, quando Tony e seus homens deflagram um festival de execuções dos homens-chave da família DiMorra.


Visto hoje, A MORTE DO CHEFÃO também serve como uma coletânea de todos os principais clichês dos filmes de Máfia, já que muito do que aparece aqui (bandido morto a navalhadas quando está no barbeiro; mafioso assassinado a golpes de taco de beisebol no deserto...) foi mostrado diversas vezes, antes ou depois, em outros filmes do gênero.

Mas a direção segura de Fleischer consegue contornar estes clichês; apesar de ser excessivamente dialogado (mas com diálogos necessários para o andamento da trama, bem diferente do que fez Tarantino em "À Prova de Morte", por exemplo), o filme nunca fica chato, justamente pelo talento do injustiçado Fleischer, capaz de fazer o máximo mesmo a partir de uma produção visivelmente pobre.

Fleischer nunca recebeu os devidos méritos por uma carreira repleta de sucessos e ótimos filmes, dos clássicos da Sessão da Tarde "20 Mil Léguas Submarinas" e "Viagem Fantástica" a pérolas como "Tora! Tora! Tora!" e "Mr. Majestyk". Longe de ser um cineasta autoral, ele era o homem contratado pelos estúdios quando precisavam de alguém para tocar produções simples e rápidas como esta. E acabou na obscuridade graças a um festival de porcarias que filmou já no final da vida (entre eles, "Amityville 3-D" e "Guerreiros de Fogo").

A MORTE DO CHEFÃO é um dos meus filmes de Máfia preferidos, e certamente um dos melhores da filmografia de Fleischer: amoral até a medula (ou "politicamente incorreto", se preferirem um termo mais atual), repleto de assassinatos praticados por pura estupidez, trata-se de um pequeno clássico sobre o mundo do crime, que merece ser descoberto nestes tempos de Tarantino e Guy Ritchie.

PS: Olho vivo para descobrir um já careca Sid Haig em aparição-relâmpago como um dos capangas de um traficante no tiroteio que abre o filme.

Trailer de A MORTE DO CHEFÃO


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The Don is Dead (1973, EUA)
Direção: Richard Fleischer
Elenco: Anthony Quinn, Robert Forster,
Frederic Forrest, Al Lettieri, Angel Tompkins,
Abe Vigoda, Victor Argo e Charles Cioffi.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Got Milk?


Hoje estréia nos cinemas brasileiros "Milk - A Voz da Igualdade", de Gus Van Sant, estrelado por um Sean Penn em estado de graça que dificilmente vai deixar de ganhar o Oscar de Melhor Ator (mas eu estou torcendo pelo Mickey Rourke, só para dar nos dedos do Rubens Edwald Filho, que chamou o ator de "freak"!).

É claro que "Milk" não tem o perfil de um FILME PARA DOIDOS, mas eu resolvi falar umas palavrinhas sobre ele antes que a crítica nacional se derreta em elogios a um filme que é legalzinho, mas não tem nada de extraordinário (apesar de ter sido indicado a inacreditáveis 8 Oscars!!!), e mesmo assim vem sendo endeusado pela crítica internacional desde seu lançamento (um jornal de Portugal disse que o filme "já nasceu obra-prima", por exemplo).

Antes de Sean Penn ter encarnado com tanta convicção o papel-título, duvido que muita gente aqui no Brasil tenha ouvido falar deste tal Harvey Milk, primeiro homossexual assumido que chegou a um cargo público nos ultraconservadores Estados Unidos da América dos anos 70. Considerado o "Martin Luther King gay", Milk conseguiu mobilizar a comunidade gay norte-americana a partir do bairro Castro, em San Francisco, e, após três derrotas consecutivas nas urnas, elegeu-se supervisor municipal da Prefeitura de San Francisco (um tipo de vereador), apenas para ser assassinado a tiros por Dan White, um "ex-colega" supervisor, em 27 de novembro de 1978 - sem conseguir fechar nem um ano de governo!

Bem, começo com uma recomendação aos homofóbicos e preconceituosos: podem ver "Milk" sem medo, pois o filme não traz nenhuma fervorosa cena de sexo entre gays. A história também funciona além da temática homossexual, já que trata da luta de uma minoria por seus direitos. Neste caso específico são os homossexuais, mas podia ser qualquer outra.

O grande lance de "Milk" é a luta de Harvey contra uma polêmica proposta apresentada por adversários políticos, e que pretende demitir funcionários suspeitos de homossexualismo das escolas públicas, acreditando que sua influência pode ser "negativa". Acredite, os caras são tão otários que chegam a alegar que, como os gays não podem se reproduzir, a forma de fazê-lo é tentar seduzir as crianças nas escolas!!! Esta luta impossível de uma minoria homossexual pelos seus direitos é o melhor do filme e rende algumas realmente emocionantes.


Mas o filme tem muitos pontos negativos, e é por isso que não consigo acreditar que está sendo indicado a tantos Oscars. Seu maior problema é o roteiro absurdamente comum de Dustin Lance Black (que, inacreditavelmente, está concorrendo ao Oscar na categoria!!!). O diretor Van Sant (ele próprio um homossexual assumido) até faz um bom trabalho em mesclar cenas reais da San Francisco da época com a filmagem atual, mas não dá para engolir o desenvolvimento "A até B" da história.

Uma das coisas mais forçadas do roteiro bisonho de Black é simplificar ao máximo a relação entre os personagens. Tipo: James Franco é o primeiro namorado de Milk. Diego Luna é o segundo namorado de Milk. E não sabemos mais nada sobre os dois personagens além disso. E além deles existem vários, com tão pouca importância no desenvolvimento da trama que você até esquece que eles existem. No final, Van Sant coloca letreiros para o espectador saber onde estão aquelas pessoas hoje, quando funde imagens dos atores do filme com fotos dos verdadeiros personagens da história. Bem, eis que ali aparecem pessoas que eu nem lembrava que estavam no filme, de tão pouco que aparecem (e tão pouco que fazem).

E embora Sean Penn esteja ótimo no papel (ele É Harvey Milk, com uma expressão corporal e vocal que nos fazem esquecer completamente qualquer trabalho anterior do ator), o mesmo não se pode dizer de outros nomes do elenco, que entregam os tipos "homossexuais estereotipados", com inflexão vocal e gestos à beira da sátira, tão forçados que podiam estar num quadro do Zorra Total. Um dos piores em cena é Emile Hirsch: quando ele aparece pela primeira vez, andando aos pulinhos, rebolando e até com mãozinha virada, só faltou mesmo gritar um "Olha a facaaaaa!!!". E o pobre Diego Luna então? Numa cena ele tenta representar um faniquito gay de ciúmes, mas sai algo estilo Piti-Bicha. Será que os homossexuais "de verdade" não se sentiram ofendidos com estas "interpretações"?

Chegamos então ao pior do filme na minha humilde opinião: da metade para o final, Milk e seus amigos combatem a tal emenda contrária aos direitos dos homossexuais. E eis que um dos namorados do político, o jovem interpretado por Luna, comete suicídio no auge do bafafá. E o que acontece então? NADA! O roteiro simplesmente esquece do recém-falecido e não se fala mais nele! Ou seja, o amante gay de um político gay cometeu suicídio às vésperas da votação de uma proposta anti-gay, durante uma campanha acirrada de adversários políticos tentando convencer a opinião pública de que os homossexuais são "perigosos", e não se toca mais no assunto? Essa não dá para engolir...


Porém, o filme vale por não endeusar o personagem de Harvey Milk. Ele é representado como um ser humano fraco e com muitos defeitos, mas idealista e engajado a uma causa, tanto que paga com a vida por isso. Surpreendentemente, em várias cenas Milk é mostrado como sendo um político bem sacana (como ao melar um acordo que tinha feito com seu colega e futuro carrasco Dan White, interpretado por Josh Brolin), e um ser humano bem menos simpático do que o divertido trailer faz supor.

Além disso, o que também é positivo, "Milk" em nenhum momento tenta demonizar o algoz do personagem-título. Pelo contrário, o Dan White de Brolin aparece em cena como um cara legal, que tenta entender o comportamento de Milk e até o convida para o batizado de seu filho, e que só vai se tornando amargo e rancoroso por acreditar que Milk está puxando seu tapete e roubando a cena política. Claro que isso não justifica o que White fez, mas pelo menos no filme ele não aparece como típico personagem malvado - dá até pra sentir um pouco de pena do sujeito.

PS: Na saída do cinema em Roma onde assisti a sessão de "Milk", um rapaz entregou-me um folheto convidando para uma manifestação em prol dos direitos dos homossexuais italianos. Seria Harvey Milk reencarnado?

PS 2: Vou me recolher à minha insignificância neste Carnaval, então até quarta-feira não farei novas postagens. Aproveito para propor uma enquete: vocês preferem vídeos do YouTube ou fotos nos textos sobre filmes? Responda já e concorra a nada!

Trailer de MILK

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

GOTCHA! - UMA ARMA DO BARULHO (1985)


Quando eu tinha lá meus 12 ou 13 anos, os grandes clássicos do cinema, na minha opinião, eram comédias oitentistas como "Porky's", "A Vingança dos Nerds" e GOTCHA!, filme que no Brasil recebeu o asqueroso subtítulo em português "Uma Arma do Barulho" (Globo e você, tudo a ver!). É que na época os tradutores nacionais adoravam usar expressões "cool" da garotada nos títulos, como "Não-sei-o-quê da Pesada" e "Tal-coisa do Barulho".

GOTCHA! foi, durante muito tempo, um "hours-concours" da Sessão da Tarde, mas anda sumido da grade de programação da TV aberta (e de qualquer outra TV também). Uma pena, pois é uma comédia de ação, ou filme de ação cômico, que merece uma revisão, principalmente para saudosistas dos anos 80.

"Gotcha!" é uma corruptela da expressão em inglês "Got you!" (Te peguei!), dita o tempo inteiro pelo personagem principal. O mais bizarro é que, na dublagem nacional quando o filme foi exibido na TV, os caras mantiveram a palavra "Gotcha!" (com sotaque brasileiro mesmo!), ao invés de substituí-la por "Te peguei!".

Maldita música-tema grudenta!


Basicamente, GOTCHA! é "O Albergue" sem todo sangue e tortura. Como no filmaço de Eli Roth, o roteiro de Dan Gordon coloca um jovem norte-americano em confusões indesejadas (e violentas) quando ele vai se aventurar numa parte um tanto perigosa da Europa, neste caso a antiga Berlim Oriental.

Sim, o mundo mudou bastante desde 1985, quando o filme foi feito, mas naquela época o mundo vivia a Guerra Fria (EUA versus União Soviética) em plena fúria, e a Alemanha era dividida em duas partes, Ocidental e Oriental, sendo que a Oriental era comunista e coalhada de espiões russos - e os norte-americanos não eram bem-vindos, claro.

Anthony Edwards, ainda adolescente e cabeludo, interpreta Jonathan Morris, um universitário banana que participa de um jogo de paintball disputado pelos alunos da sua escola; armados com pistolas que disparam tinta, eles se caçam pelos corredores do colégio como numa brincadeira de polícia-e-ladrão, e nosso herói sempre solta um "Gotcha!" quando acerta seu alvo.

Bem, como diz o velho ditado, "sorte no jogo, azar no amor". E, apesar de ser fera no gatilho, Jonathan não consegue perder a virgindade por sua falta de jeito com as mulheres. Sim, é o tema de 11 entre cada 10 comédias da década de oitenta, mas aqui o tema felizmente não domina a narrativa.

Acontece que é ano de formatura, e a turma vai fazer uma excursão pela Europa. Jonathan vê aí a chance de finalmente perder o cabaço, e convence os pais a bancarem a viagem. A primeira parada é Paris, na França, onde seu colega de quarto, Manolo (Nick Corri, de "A Hora do Pesadelo"), pega mulher geral fingindo ser um terrorista argeliano chamado Carlos!!! Mas Jonathan só se mete em furada. Até que, certa tarde, ele está num café parisiense e conhece uma linda estudante de origem tcheca chamada Sasha (Linda Fiorentino, linda e maravilhosa do alto de seus 27 aninhos!).

Usando seu sexy sotaque europeu e a típica pose de mulher fatal, Sasha seduz Jonathan e lhe tira a virgindade - várias vezes! Depois, quando o peixe está fisgado, a moça o convence a fazer uma rápida "viagem de negócios" à Alemanha Oriental. Acontece que Sasha é uma espiã, e pretende usar Jonathan como disfarce, ou bode expiatório, numa missão de recuperação de dados secretos. Mas espiões russos, liderados pelo sinistro Vlad (o alemão Klaus Löwitsch), começam a perseguir o casal, e é quando o rapaz terá que usar sua habilidade no jogo de paintball com armas de verdade.

Sim, é foda se comunicar em francês...


GOTCHA! foi dirigido por Jeff Kanew, que no ano anterior (1984) havia feito "A Vingança dos Nerds", também estrelado por Edwards ao lado de Robert Carradine. GOTCHA! felizmente não é tão idiota (e infelizmente não tem tanta mulher pelada e sacanagem) quanto "A Vingança dos Nerds", e funciona mais como sátira aos filmes de espionagem do que como pornochanchada adolescente. Talvez por isso o filme continue funcionando bem hoje, mais de 20 anos depois de seu lançamento, enquanto outras comédias adolescentes do período parecem tão debilóides...

Os grandes momentos do roteiro são as dificuldades de comunicação de Jonathan com os parisienses e depois com os alemães, principalmente do outro lado da "Cortina de Ferro". Hoje, revendo o filme, eu inclusive me identifiquei com várias cenas, principalmente quando o rapaz tenta se comunicar com um arrogante garçom francês, que se recusa a responder em inglês e só consegue atrapalhar ainda mais o diálogo (o vídeo pode ser visto acima).

Outra cena engraçada é o diálogo de Jonathan com seus pais, quando tenta convencê-los a bancar a viagem para a Europa, e que eu reproduzo abaixo:

Pai: Você não vai para a Europa, e ponto final!
Jonathan: Mãe...
Pai: Nada de "Mãe"!
Mãe: Al...
Pai: Nada de "Al"! Ele diz "Mãe", você diz "Al", e aí sempre sobra para mim.


O final da cena é uma repetição do diálogo, o que torna a piada mais divertida:

- E posso levar a sua Nikon, pai?
- Minha Nikon? Nem pensar!
- Mãe...
- Al...


(O pai, engraçadíssimo, é interpretado por Alex Rocco, que quase sempre aparece em papéis de mafioso ou bandido nos filmes.)

Melhores momentos


GOTCHA! é um filme que eu só posso recomendar a saudosistas dos anos 80, ou para quem viu o filme há séculos na Sessão da Tarde e não lembra mais de nada (acredite, vale uma reassistida). Não sei se a nova geração vai curtir, ainda mais considerando as mudanças culturais e, principalmente, políticas e geográficas ocorridas de 1985 para cá - a história não vai fazer muito sentido, nem terá a mesma graça, para os que não viveram aqueles tempos de Guerra Fria.

Porém eu acredito sinceramente que qualquer filme com a gatíssima Linda Fiorentino vale pelo menos uma olhada, e este aqui tem até uma rápida cena em que ela aparece com os peitos de fora. Logo, vale arriscar e embarcar numa viagem de 1h30min pelo túnel do tempo direto a uma década em que as comédias eram bem menos idiotas que as atuais. GOTCHA! continua bastante divertido, com diálogos inspirados e um pouco de suspense aqui e ali, comprovando que é possível fazer comédias inteligentes sobre espionagem, como o posterior, e ainda melhor, "Espião por Engano", com Richard Griecco.

Só um alerta de amigo: a música-tema, cantada por Thereza Bazar, é um grude só. Prepare-se para passar dias cantarolando "Gotcha! I got you where I want,
Just too late to talk right now"...


PS: A brincadeira de espionagem no campus rendeu um filme "sério" no ano seguinte (1986). No suspense "Tag – O Jogo Assassino", de Nick Castle, estudantes se perseguem pela escola usando pistolas que disparam dardos de borracha, até que um deles enlouquece e passa a matar os adversários de verdade com um revólver real. O elenco desta pérola traz Robert Carradine, Linda Hamilton e Bruce Abbott!

Trailer de GOTCHA!


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Gotcha! (1985, EUA)
Direção: Jeff Kanew
Elenco: Anthony Edwards, Linda Fiorentino,
Nick Corri, Alex Rocco, Marla Adams, David
Wohl e Klaus Löwitsch.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Vincent Vega falou a verdade


Em "Pulp Fiction", antes de morrer metralhado no banheiro da casa de Butch, o assassino profissional Vincent Vega revelou algumas interessantes informações sobre sua passagem pela Europa. Todas elas, quem diria, são verídicas, conforme eu pude comprovar pessoalmente, atestando assim o talento do diretor-roteirista Quentin Tarantino em levar toneladas de cultura inútil à boca dos seus personagens. Com vocês, Vincent Vega:

"Em Amsterdam o haxixe é legal, mas não 100% legal. Quer dizer, você não pode sair de um restaurante, enrolar unzinho e começar a fumar ali mesmo. Você deve fazer isso em casa ou em certos lugares, como os bares de haxixe. É legal comprar, é legal ter e, se você for dono de um bar de haxixe, é legal vender."

Quem vai para Amsterdam, provavelmente a cidade mais famosa da Holanda (e uma das mais famosas da Europa), espera encontrar um ambiente digno de Cheech & Chong. Mas não é bem assim na prática. Certo, a cidade respira drogas e sacanagem, mas nada tão liberal quanto muita gente pensa.

Como muito bem explicou nosso amigo Vincent em "Pulp Fiction", o cara não pode chegar lá e fumar um baseado na rua. A lei é rigorosa e inclusive proíbe qualquer tipo de fumo na rua. O Vincent não falou, mas até cigarro comum é proibido por lá! Eu estava saindo da estação de trem com meu irmão e vi dois policiais abordando um outro turista e pedindo para ele apagar o cigarro que estava fumando na rua. E não era maconha, era cigarro normal de tabaco!

Mas estas drogas mais "leves", como maconha e haxixe, são toleradas pela polícia de lá com a devida discrição, e não tem como você caminhar pelas ruas de Amsterdam sem lembrar disso. Afinal, de cartões-postais a souvenirs, praticamente tudo traz o desenho da folha de maconha. Isso sem contar que os caras vendem qualquer produto que seja possível fabricar com Cannabis: chás, chocolates, pirulitos, sabonetes, xampus, perfumes e até licor feito de maconha...

O pessoal de lá ainda pode comprar sementes de Cannabis sativa para plantar sua própria mudinha no aconchego do lar. Claro que não dá nem para pensar em levar estas sementes para fora do país. A não ser que você queira ter uma conversinha com o pessoal da Polícia Federal.

Agora, quem pensa que vai encontrar toneladas de hippies chapados espalhados pelas praças e ruas de Amsterdam ou traficantes violentos em cada esquina está tendo uma idéia errada da cidade. Amsterdam, na verdade, é uma cidade "normal", bem séria e até careta na aparência. Isso porque fumar maconha e haxixe é um hábito concentrado aos chamados "coffee shops", que de café não têm nada: são bares estilo pub, escuros e com música, onde você entra para comprar e fumar o cigarrinho do diabo.

Estes bares têm menus com os tipos de maconha e haxixe à venda, como se fosse um cardápio de cerveja ou de drinks; você escolhe, fecha o baseado e fuma ali mesmo. Alguns bares têm ambientes separados: um para o fumacê, outro para quem quer apenas tomar sua cervejinha. Outros, mais especializados, oferecem até utensílios como narguilé.

O mais legal disso tudo é que o produto vendido nos coffee shops tem garantia de qualidade - até porque o preço vai lá nas alturas (uma quantidade irrisória da maconha mais barata custa 20 euros, quase 60 reais!). Mas pelo menos você sabe que a coisa é boa, sem semente, folha seca e bosta de vaca misturada, como os espertinhos costumam fazer aqui no Brasil. E é realmente o máximo você entrar num bar e comprar um baseado como se fosse a coisa mais comum do mundo, sem se preocupar em estar fazendo alguma coisa errada!

Entretanto, para quem está pensando em ir para Amsterdam para puxar um, fica a dica: procurem os coffee shops menores e mais "escondidos". Além do preço ser mais em conta, você pode fumar sossegado sem estar rodeado de turistas xaropes rindo, falando alto e fazendo bagunça só para mostrar que estão chapados.

E um alerta: se você não sabe fechar baseado ou tem preguiça, leve alguém que saiba. Não seja bobo de comprar os baseados já fechados vendidos nos coffee shops, pois eles não passam de cigarrinhos bem fracos com uns 15% de maconha e muito tabaco para fazer volume e fumaça. Sim, Amsterdam é bem longe do Brasil, mas lá também tem dessas malandragens...

Ah, e para quem duvida que a coisa lá é liberada mesmo, saibam que ao fazer o check-in em nossa pensão, eu e meu irmão ganhamos um saquinho com um pouco de maconha e haxixe como "oferta da casa". Alguns hotéis deixam um bombom como brinde para o hóspede; outros um chocolatinho. Em Amsterdam, vejam só que maravilha, você já ganha entorpecentes na chegada!!!


"Sabe o que é mais legal na Europa? As pequenas diferenças. A maior parte das merdas que a gente tem aqui, eles têm por lá. Só que são um pouco diferentes... Em Amsterdam, a gente pode comprar cerveja no cinema. E não em copo de papel, em copo de vidro. Em Paris, a gente pode comprar cerveja no McDonald's. E sabe como eles chamam o quarteirão com queijo em Paris? Royale with cheese. Porque eles têm outro sistema métrico."

Eu não fui no cinema em Amsterdam para saber se realmente vendem cerveja - seja em copo de vidro ou de plástico.

Mas em Paris e Roma, descobri que as salas de cinema têm bares na entrada. Não aquelas bomboniéres xaropes vendendo baldões de pipoca e Coca-Cola, como temos aqui, mas bares mesmo, onde você pode sentar e tomar uma cervejinha antes ou depois da sessão. E é costume do pessoal - na Itália, pelo menos - sair da sessão e parar ali para tomar cervejas discutindo o filme que acabaram de ver. Sabem como é, povo culto é outra coisa...

E sim, em Paris é possível comprar cerveja no McDonald's, bem como em outras partes da Europa (na Suíça também, mas estes foram os dois únicos McDonald's que entrei, por pura necessidade de sobrevivência). O problema é que a cerveja de lata vem quente, pelo menos nas duas lanchonetes que fui.

Finalmente, chegamos ao "royale with cheese". Quem diria, esta famosa frase do "Pulp Fiction" não é lorota, e lá em cima está a foto do cardápio de um McDonald's parisiense para provar.

Todos os outros nomes em inglês, como Big Mag e McFish, foram mantidos (e olha que os franceses realmente odeiam falar inglês, como diz a lenda). Mas, por causa do sistema métrico diferente (eles não têm "quarteirões" na França), eis que o sanduichinho foi rebatizado "royale com queijo", bem como nos informou o poliglota Vincent Vega!

Pena que eu não gosto de McDonald's, pois ia ser muito divertido entrar com a maior cara de John Travolta e pedir um "royale with cheese", ou quem sabe um "Le Big Mac".


"E sabe o que eles botam na batata-frita na Holanda? Maionese! Eu vi com meus próprios olhos, eles mergulham as batatas naquela merda!"

Sei que no Brasil também tem gente que gosta de colocar um pouquinho de maionese na batata-frita junto com o ketchup (sabe como é, mau gosto não se discute).

Mas na Holanda (e também na Bélgica), a coisa é feia: eles vendem estes conezinhos de papelão com batatas-fritas na rua, e sobre as batatas metem um montão de maionese, como vocês podem ver na foto ali em cima.

É o lanchinho típico dos caras, vai fazer o quê? Mas eu é que não quis experimentar essa gororoba!

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Lost in translation - Final


Depois das minhas experiências um tanto frustradas nos cinemas de Portugal e Espanha, as próximas paradas da Eurotrip foram breves: Amsterdam, Bélgica e Luxemburgo. E em lugares onde maconha e sacanagem são orgulho nacional (Amsterdam), e há mais de quatrocentas marcas de cerveja para degustar (Bélgica e Luxemburgo), não tive muito tempo (nem vontade) para ir ao cinema.

Chegando à França, foi complicado encontrar um cinema que exibisse filmes "V.O.". Sabe aquela história que eles não gostam de falar inglês e nem fazem questão de se comunicar neste idioma? É pura verdade! Sendo assim, você tem que ir ao cinema e agüentar o Leonardo DiCaprio dublado em francês (assim vi o trailer do "Revolutionary Road"). Ou tentar descolar alguma sala com filmes no idioma original e legendas em francês, o que por lá é beeeeeem raro. Malditos orgulhosos e arrogantes!!!!

Ah, quer um exemplo bizarro da arrogância francesa, para não achar que estou exagerando? Então, vi uns pedaços do "De Volta para o Futuro" dublado em francês na TV no hotel de Paris. Lembra que quando o Michael J. Fox volta para os anos 50, o pessoal acha que o nome dele é Calvin Klein, porque este era o nome escrito na sua cueca? (Piada inspiradíssima, por falar nela). Pois é, acredite ou não, mas na França o "nome de cueca" do personagem na dublagem não é Calvin Klein, mas sim PIERRE CARDIN, que é um estilista francês!!!! É dose, mas é verdade...

Voltando ao cinema francês: eu já estava desanimado para ver um filme local em Paris, já que não entendo bulhufas do idioma, e o único filme originalmente francês que me interessava em cartaz era "LOL", uma comédia dramática de Lisa Azuelos estrelada por Sophie Marceau. (O trailer é bem interessante, como vocês podem conferir abaixo).

Trailer de LOL


Mas como eu não queria gastar meus preciosos euros vendo um filme para entender 15% do que acontecia, estava para desistir quando, durante uma caminhada inocente, recebo um sinal dos céus: um enorme luminoso de cinema anunciando "Slumdog Milionaire" em versão "V.O.". Não pensei duas vezes, e também não me arrependi: adorei o filme do Danny Boyle, só para ir na contramão da crítica nacional. Também falarei mais sobre ele em futura postagem. E acho mesmo que vai faturar o Oscar de Melhor Filme.

Na Suíça, fiquei uns dias em Genebra bastante interessado em ir ao cinema. Mas lá não havia produções próprias: minha vontade era ver as duas partes de "Che", do Steven Soderbergh, que estavam passando simultaneamente por lá. Mas a idéia de ficar 4h30min no cinema, vendo um filme falado em inglês/espanhol com legendas em francês (veja que surpresa, na Suíça a população fala mais francês que alemão!), não me seduziu ao ponto de deixar o conforto do hotel para encarar tal maratona cinematográfica.

E assim chegamos ao fim da viagem, a Itália. E lá eu estava desesperado para ver qualquer coisa de produção nacional, esquecendo que o cinema italiano hoje é uma instituição praticamente falida (atualmente, quase todos os cineastas trabalham na TV).

Para piorar, aquele negócio de dublagem de filmes estrangeiros era ainda mais forte na Itália: passei por uns seis cinemas e só encontrei um exibindo filmes "V.O.". Como meu irmão ia no jogo do Milan, tirei aquela noite para ver "Milk", do Gus Van Sant. Foi o típico filme "tapa-buraco" que eu só vi por não ter nada melhor para fazer mesmo, e provavelmente não veria aqui no Brasil. Até achei bem interessante, mas não é tudo isso - e estou louco para ouvir comentários elogiosos para que eu possa retrucar (os críticos portugueses taxavam de "obra-prima").

Ah, sabe aquela história de que os cinemas italianos fazem um intervalo no meio da projeção? Quem diria, é verdade! Estou lá sentado todo confortável e, na metade do filme, as luzes se acendem e aparece a mensagem "Fin do Primo Tempo", ou algo assim, seguida de um intervalo de uns 10 minutos para o pessoal ir no banheiro ou comprar pipoca!

Me arrependi mesmo por não ter ido conferir o único filme italiano que estava em cartaz, uma comédia chamada "Italians", dirigida por Giovanni Veronese. É que os cinemas estavam exibindo o filme num horário ingrato, no começo da tarde, e nestas horas eu estava fazendo coisas de turista - visitando o Coliseu, o Vaticano, tomando cerveja italiana...

Trailer de ITALIANS


Outro filme 100% italiano ainda não havia estreado (pra variar, isso iria acontecer apenas quando eu não estivesse mais por lá...), mas vi tantas propagandas na TV italiana que foi quase como uma lavagem cerebral: trata-se de um romance adolescente mela-cueca (pelo que parece) chamado "Questo Piccolo Grande Amore", dirigido por Riccardo Donna. Tem tantas cenas lacrimejantes e açucaradas no trailer que já visualizo salas de cinema lotadas de meninas em prantos por toda Roma... Mas, sabem, fiquei curioso para conhecer também este! Vejam o trailer abaixo e chorem vocês também! hahahaha.

Trailer de QUESTO PICCOLO GRANDE AMORE


E assim terminou minha curta aventura nos cinemas europeus!

Agora, olhando para trás, realmente me lamento por não ter conseguido ver o 007 português "Contrato" em Portugal... Bom seria se tivesse encontrado, talvez, alguma retrospectiva de cinema de horror espanhol em Barcelona, ou quem sabe uma mostra dos filmes de Dario Argento na Itália...

Dei azar também de passar por Porto, em Portugal, praticamente um mês antes do início do Fantasporto, o famoso Festival de Cinema Fantástico lusitano, que estava marcado para fevereiro (e que, na programação, tinha uma retrospectiva do cinema de Mario Bava!!!).

Mas são coisas da vida, e o que vale mesmo é a experiência de ter podido compartilhar sessões de cinema em luxuosas salas de rua, fora de shopping centers, ao lado de pessoas educadas.

Sabem, eu nunca vi um filme no Brasil em que a sala de cinema lotada (caso das sessões de "Slumdog Milionaire" em Paris e de "Milk" em Roma; a do "The Spirit" estava praticamente vazia porque era sessão das onze da noite!) ficasse no mais completo silêncio. E percebi que realmente estava em outro mundo quando, no final das duas sessões supracitadas, no momento em que os créditos finais surgiram, o público todo aplaudiu o filme que acabava de acabar. Isso mesmo, o povo de lá aplaude o filme!

Realmente, povo culto é outra história...

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Lost in translation - Parte 1

"Não acredito que você assistiu a três filmes que estão para estrear por aqui. Por que não foi ver coisas que nem em sonho passariam nos cinemas brasileiros ? :("

Vou aproveitar esta primeira parte de meu relato sobre minha experiência cinematográfica européia para responder à pergunta que o Leandro Caraça me fez dois posts abaixo. Afinal, por que eu não vi "coisas que nem em sonho passariam nos cinemas brasileiros"? Três justificativas: falta de sorte, decisão equivocada e, principalmente, problemas de comunicação.


Madri, Espanha


Quando me meti a fazer esta viagem pela Europa, ir ao cinema era algo que nem estava em cogitação. Meu grande plano, isso sim, era trazer o maior número de filmes em DVDs e livros que jamais encontraria no Brasil. Mas eis que as noites se revelaram mais longas do que pareciam, e o fato do meu irmão Goti ser praticamente um padre, pouco afeito a noitadas e bebedeiras, me deixou subitamente sozinho no momento em que o sol descia no horizonte e a noite cobria as metrópoles européias. Surgiu, então, a opção de conhecer o cinema europeu.

E que cinema! Nas grandes cidades que visitei, eles têm, como no Brasil, cinemas de shopping. Mas também existem muitas, e enormes, salas de cinema de rua, como havia no Brasil (só que por aqui hoje são raras). Estes cinemas de rua, ao contrário do que acontece no nosso país, são luxuosíssimos, com aquelas enormes propagandas de filmes nas fachadas, ambiente confortável, distribuição de material informativo e revistas apresentando as estréias e futuros lançamentos, e por aí vai.

Para melhorar: ao contrário do Brasil, por lá você dificilmente vê hordas de garotos mal-educados tomando as salas de cinema. Pelo contrário: os filmes que eu vi foram ao lado de bem apessoados casais vestidos com roupas chiques de noite - em Paris, principalmente, cheguei a pensar que tinha entrado na sala errada e iria ver uma apresentação de ópera ao invés de um filme.

Mas minhas três incursões cinematográficas européias foram, ironicamente, de produções norte-americanas: vi o "The Spirit" do Frank Miller num cinema de Madri, na Espanha; "Slumdog Milionaire" (no Brasil, "Quem Quer Ser Um Milionário?"), do Danny Boyle, em Paris, França; e "Milk", do Gus Van Sant, num cinema na famosa Via del Corso, em Roma, Itália.

O que me consola é que nenhum dos três filmes estreou no Brasil ainda, assim pelo menos minhas escolhas não parecem tão imbecis...

Entendam o seguinte: embora eu tivesse muita curiosidade em conhecer um filme de cada país, o problema de comunicação foi uma grande dificuldade. Aqui no Brasil, costumamos reclamar quando filmes são exibidos dublados em português nos cinemas. Pior: dizemos que é coisa de burro, de analfabeto, e por aí vai.

Mas, vejam vocês, nos países da Europa que visitei, eles fazem questão de DUBLAR os filmes na sua própria língua. Nada de legenda: é dublagem, e isso vale até para os trailers exibidos na TV (ver Hugh Jackman e Nicole Kidman pessimamente dublados em espanhol no trailer de "Austrália" na TV me deixou com menos vontade ainda de ver o filme...).

Não sei se é ultranacionalismo, se é preguiça de ler as legendas ou o quê, mas é fato: a não ser que você queira ver Sean Penn falando italiano, os indianos do Danny Boyle falando francês e o Spirit brigando com o Samuel L. Jackson em espanhol, o negócio é procurar pelas (poucas) salas que exibem filmes "V.O.", ou seja, Versão Original (sem dublagem, com legendas no idioma falado em cada país). E, acredite ou não, estas salas são raras: o povo lá gosta de filme dublado, vão pra PQP!!!

Explicado isso, vamos para a segunda parte da justificativa: se os caras já dublam os filmes estrangeiros, não seria muita ingenuidade esperar ver um filme francês num cinema francês com legendas em inglês?

Claro, isso não seria problema em Portugal e na Espanha, que têm idiomas mais acessíveis. E eu realmente procurei por filmes de produção própria nestes países. Aí o que aconteceu foi puro azar.

O pior foi no caso de Portugal! Quem diria, o país dos patrícios está com uma invejável produção cinematográfica: só em janeiro, estrearam seis filmes portugueses, daquele tipo que a gente nunca ouve falar por aqui e nunca chega aos cinemas brasileiros (a não ser, claro, que algum deles concorra ao Oscar de Melhor Filmes Estrangeiro).


Por que "invejável"? Porque os portugueses, ao contrário de nossos "geniais" cineastas brasileiros, fazem filmes em diversos gêneros, não apenas fábulas sobre as favelas cariocas ou sobre a miséria do Nordeste.

Três filmes portugueses que estreariam em janeiro inclusive me deixaram bastante interessado: "Second Life", de Alexandre Cebrian Valente, é um filme narrado por um homem assassinado em sua festa de aniversário, e que, através de flashbacks e tramas paralelas, explica como acabou comendo capim pela raiz; "Veneno Cura", de Raquel Freire, estreou no Brasil (no Festival de São Paulo de 2008) e é uma história de amor hardcore (a crítica de lá falava sobre "cenas bastante chocantes" e taxava o filme de "violento e amoral"); e, finalmente, "Contrato", de Nicolau Breyner, filme de ação português (!!!) onde Pedro Lima interpreta o assassino profissional Peter McShade, copiando o universo dos filmes de James Bond!!!

Resumindo: eu estava louco para ver qualquer um dos três, depois que comprei uma revista que falava sobre "o novo cinema português" elogiando as três produções - queria ver principalmente "Contrato", pois a idéia de um James Bond português, com tiroteios, explosões e mulher pelada, me fez lembrar dos bons tempos em que havia filmes de ação brasileiros. Mas, e eis o azar, os três filmes estreariam na metade do mês de janeiro, quando eu já tinha deixado Portugal.

Trailer de CONTRATO


Assim, a única produção "100% portuguesa" nas telas lusitanas era "Amália, O Filme", cinebiografia dirigida por Carlos Coelho da Silva sobre uma famosa cantora portuguesa (famosa lá, porque eu nunca ouvi falar). E foi justamente por falta de interesse pela história (que se arrastava por duas horas e lá vai paulada) que resolvi deixar a Amália cantar só para os portugueses mesmo...

Na Espanha o problema foi o mesmo: só se falava de blockbusters como "Austrália", "Valquíria" e "The Spirit", enquanto os filmes de produção espanhola foram empurrados para o final de janeiro, quando eu não estaria mais por ali.

Uma curiosidade: sabe-se lá por que cargas d'água, os cinemas espanhóis estavam exibindo, com grande estardalhaço inclusive, DOIS filmes do inglês Guy Ritchie: além de "Rock'n'Rolla", que passou também no Brasil, estava em cartaz "Revólver", que Ritchie dirigiu em 2005, e que ficou inédito por lá este tempo todo (inclusive no Brasil, onde saiu só em DVD). Não seria interessante fazer uma sessão dupla de Guy Ritchie no cinema?

De qualquer jeito, eu já tinha visto "Revólver" e não ia ver "Rock'n'Rolla", que estava passando no Brasil. As opções então eram poucas: o péssimo remake "Quarentena" (que os críticos espanhóis sentavam a lenha direto, endeusando o original espanhol "REC"), que eu também já tinha visto; o musical-bizarro "Repo! The Genetic Opera", de Darren Lynn Bousman (o diretor de estimação da série "Jogos Mortais"), e o "The Spirit".

Escolhi este último porque estava seco para ver, louco que sou por Will Eisner e pelo próprio Frank Miller. Mas agora me arrependo, devia ter ficado com o "Repo!", que provavelmente não vai chegar ao Brasil - e o filme do Miller é uma merda, como falarei num post futuro.

Entre as estréias "nacionais" do mês, "El Truco del Manco", de Santiago Zannou, drama sobre a criminalidade urbana que me lembrou o cinema brasileiro, e que estava sendo elogiado pelos críticos espanhóis, e "Los Muertos Van Deprisa", uma comédia de humor negro, cujo diretor Ángel de la Cruz era comparado a Buñuel e Alex de la Iglesia! Ambos estreariam no final de janeiro, e são dois filmes que ainda quero ver.

Trailer de LOS MUERTOS VAN DEPRISA


Outra coisa interessante é que os cinemas espanhóis ainda distribuem, na entrada, aqueles releases com informações sobre a história do filme, o elenco e notas de produção, tipo faziam no Brasil dos anos 80 para baixo. É ótimo você pegar estas folhas (impressas frente e verso, em preto-e-branco) para se familiarizar com os filmes que estão em cartaz, especialmente sobre aqueles que não conhece bem!

Continuo meu relato em 48 horas. Não queria cansá-los com tanta informação inútil!

(continua...)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL (1979)


Em tempos de merdas como "High School Musical" (no momento em que escrevo estas linhas, "High School Music 3" está sendo exibido nos cinemas brasileiros em cópias dubladas e, pior, fazendo dinheiro!), nada melhor do que lembrar dos velhos tempos em que filmes sobre rebeldia juvenil podiam ser engraçados e ainda pregar o rock-and-roll como "ferramenta" para combater as instituições sagradas - entre elas, escola e família. E poucas produções trabalharam tão bem esta proposta quanto o clássico cult ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL, dirigido por Allan Arkush em 1979.

Hoje mais famoso pela presença dos ainda iniciantes (mas já famosos) Ramones, que participam com músicas na trilha sonora e também ao vivo, interpretando eles mesmos, ROCK'N'ROLL HIGH SCHOLL é o típico filme que todo mundo sabe que existe, mas pouca gente realmente viu (até porque ele continua inédito em nossas locadoras).

Trata-se de uma divertida comédia "nonsense", absurda e com uma mensagem hoje politicamente incorreta até o talo. Para vocês terem uma idéia, no final, auxiliados pelos seus ídolos punk rockers, os estudantes da Vince Lombardi High School declaram guerra (literalmente!) aos diretores, professores e aos seus pais caretas, explodem a escola e destróem provas, livros e históricos escolares - tudo porque a diretora da instituição ousou combater o rock-and-roll e queimar os discos dos Ramones numa fogueira, à moda nazista!

Como detonar uma escola com sua banda preferida


A trama em si não é novidade desde "Rock Around the Clock", filme de 1956 que já trazia o ritmo musical preferido da juventude (então ainda uma curiosa novidade) como catalisador das aventuras de adolescentes rebeldes ("Rock Around the Clock" contava com a presença de uma banda de sucesso na época, Bill Halley and the Comets). Mais recentemente, em 1999, a comédia "Detroit Rock City" seguiu o mesmo filão, mas colocando a banda Kiss como "personagem".

Porém a diferença de ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL para estes outros filmes está na forma de contar a história, seguindo a linha caótica de "Clube dos Cafajestes", de John Landis (que havia sido lançado no ano anterior), e de "Hollywood Boulevard", dirigido por Arkush e Joe Dante em 1976. Até o pôster de cinema é bem semelhante ao de "Clube dos Cafajestes"...

Os próprios Arkush e Dante foram os autores do argumento, roteirizado por Richard Whitley, Russ Dvonch e Joseph McBride, em mais um filme barato produzido pela companhia New World, de Roger Corman. Este custou a mixaria de 300 mil dólares, com um calendário de filmagens absurdo que provocou um colapso nervoso em Arkush: ele foi parar no hospital, e o filme teve que ser completado por Joe Dante e Jerry Zucker (um dos diretores de "Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu"), que receberiam crédito como "diretores de segunda unidade".

Para dar uma idéia da pobreza da produção, roupas e objetos de cena de outros filmes produzidos por Corman no ano anterior foram "reciclados" aqui (aparece até uma das motos com design futurista da ficção "Deathsport"). E era tão pouco dinheiro que o produtor convidou jornalistas e críticos de música como figurantes (eles trabalhariam de graça, mas poderiam entrevistar os Ramones em contrapartida).

ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL começa sem meias-medidas: alunos bocejam em sala de aula enquanto o professor de música (interpretado pelo cineasta Paul Bartel) fala sobre as maravilhas da música de Ludwig Van Beethoven. E quando ele vai botar um disco com a 5ª Sinfonia de Beethoven para seus pouco interessados estudantes ouvirem, descobre que o aparelho de som sumiu do local onde devia estar. No pátio, a roqueira Riff Randell (P.J. Soles, morta por Michael Myers em "Halloween" no ano anterior) está usando o aparelho para detonar "Sheena is a Punk Rocker", dos Ramones, a todo volume, colocando toda a escola para dançar enquanto se desenrolam os créditos iniciais.

"Do you, do you, do you, do you wanna dance?"


Mas os dias de rebeldia roqueira parecem fadados a um triste fim. Com o antigo diretor da Vince Lombardi High School afastado das suas atividades (ele ficou completamente louco por causa da rebeldia da garotada!!!), assume o cargo a diretora Evelyn Togar (Mary Woronov, excelente no papel). Fazendo o tipo fascista, e sempre acompanhada por dois violentos capangas vestidos como soldados da Segunda Guerra Mundial, a megera pretende botar ordem no galinheiro. E, claro, elege Riff Randell e o rock-and-roll como seus alvos prioritários - ela acredita que, eliminando ambos, conseguirá manter a paz e a ordem na escola, e ainda fazer com que os jovens aprendam alguma coisa.

Só que a missão não será nada fácil: os Ramones, banda preferida de Riff, vão fazer um show na cidade, e ela compra e distribui ingressos para os colegas poderem ver seus ídolos em carne e osso. Paralelamente, Tom Roberts (Vincent Van Patten), o estudante banana do colégio, tenta conquistar a roqueira por quem é apaixonado, sem perceber que a amiga nerd dela, Kate Rambeau (Dey Young), é quem realmente gosta dele. No elenco, também há pontas dos eternos coadjuvantes Dick Smith e Clint Howard (ainda com cabelo!!!).

A história é narrada sem muito compromisso com a lógica, num estilo que depois ficaria imortalizado em comédias malucas tipo "Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu" e "Corra que a Polícia Vem Aí!". Lá pelas tantas, por exemplo, a diretora Togar explica ao seu quadro de professores (resumido a três pessoas, porque a produção é baratíssima e não podia contratar figurantes!) os efeitos nefastos do rock-and-roll no organismo dos jovens: ela põe um disco dos Ramones para tocar e um ratinho de laboratório explode ao som da música!!! (Engraçado é que um termômetro, chamado "Rock-o-Meter", mede o nível de intensidade dos acordes em estágios com nomes de bandas em alta na época, como "Deep Purple"!).

Mais adiante, já no concerto dos Ramones, o professor de música (que ganhou um ingresso grátis de Riff para conferir a banda de que nunca ouviu falar) fuma maconha no meio de um rato gigante, cujo comportamento foi modificado nas experiências com o rock-and-roll (efeitos mecânicos de Rob Bottin, que depois pularia para produções como "Grito de Horror" e "O Enigma do Outro Mundo"), e um índio que fuma Cannabis dentro do seu "cachimbo-da-paz"!

Por estas e outras cenas, ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL parece uma espécie de treino do diretor Arkush para realizar o ainda mais caótico e absurdo (e melhor) "Get Crazy", em 1983, onde ele inclusive repete e melhora várias piadas mostradas antes aqui, como o banheiro da escola tomado por uma cortina de fumaça de maconha!

Além de investir na santíssima trindade "sexo, drogas e rock-and-roll", ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL é particularmente divertido (e histórico) pela participação dos Ramones, que brincam com a própria imagem de rebeldia. Não é uma participação especial, tipo o Kiss fez em "Detroit Rock Music" ou o Aerosmith em "Quanto Mais Idiota Melhor 2". Os Ramones realmente são a alma do filme, e aparecem em diversas cenas, seja num delírio de Riff enquanto escuta o disco dos ídolos, seja no show, onde eles aparecem no palco e nos bastidores.

"Rock, rock, rock, rock'n'roll high school"


E é na conclusão que a banda surge como incentivadora da rebeldia dos estudantes, ajudando a detonar a escola e tocando a música-tema, "Rock'n'Roll High School", enquanto o edifício pega fogo e explode, e a diretora fascista, vencida, é levada embora completamente louca como o seu antecessor - enquanto o professor de música careta, já "transformado" pelo som do punk rock e pelo consumo de drogas, afirma que os Ramones são "o Beethoven da sua época".

Enfim, não consigo imaginar um exemplo mais perfeito da vitória da "rebeldia roqueira adolescente" contra o "Sistema" do que este divertido filme, que, quem diria, está para fazer 30 anos. Incrivelmente, nada parecido foi produzido desde então, apesar de uma tentativa frustrada de dar seqüência ao sucesso, "Rock'n'Roll High School Forever", lançada em 1991 e sem os Ramones ou produtores originais na parada - embora a atriz Mary Woronov retorne no papel de diretora vilanesca, desta vez enfrentando... Corey Feldman!!!

ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL tem, claro, vários defeitos para os quais é preciso fechar um olho. E é uma comédia para roqueiros; por isso, quem não curte piadas sobre música (e sobre drogas) não deve passar nem perto. Já para quem é do ramo, o negócio é aumentar o volume da TV até o máximo e curtir 1h30min de pura diversão ao som de diversos clássicos dos Ramones (além deles, a trilha conta ainda com Alice Cooper, Velvet Underground, Brian Eno, Devo, Paul McCartney & The Wings e outros monstros da época). "Rock, rock, rock'n'roll high school"... Pelo menos nos filmes, a vida escolar é bem divertida!

PS: Para terminar, uma má notícia: o filme tem remake programado para 2010! Quem sabe até 2011 alguém não faz o favor de finalmente lançar uma edição especial aqui no Brasil...

Trailer de ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL


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Rock'n'Roll High School (1979, EUA)
Direção: Allan Arkush (e Joe Dante e Jerry Zucker)
Elenco: P.J. Soles, Paul Bartel, Mary Woronov,
Vincent Van Patten, Dey Young, Clint Howard,
Dick Smith e The Ramones.