WebsiteVoice

Mostrando postagens com marcador Albert Pyun. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Albert Pyun. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 7 de agosto de 2012

ADRENALINA (1996)


Na segunda metade dos anos 1990, eu estava completamente viciado naqueles jogos de tiro em primeira pessoa para computador. Em 1996 ninguém tinha internet ainda, e os PCs domésticos eram aqueles velhos 486 e Pentium 5, com capacidade de processamento bem menor que as máquinas de hoje. E ainda que os jogos do gênero tenham evoluído bastante nesses quase 20 anos, confesso que prefiro a simplicidade daqueles dos anos 90, que não exigiam que o jogador tivesse que decorar 30 comandos no teclado para poder andar e atirar nos inimigos.

Comecei jogando o clássico Wolfenstein 3D, que a galera da época conhecia como WOLF3D porque era esse o comando executável que você digitava no DOS para rodar o jogo (algo que parecerá aramaico para a geração leite-com-pêra que já pegou computador com Windows). Mas o jogo do gênero pelo qual eu me apaixonei foi Doom. Nada do que veio depois, pelo menos na minha modesta opinião, conseguiu superar as horas de diversão com jogabilidade simples que o velho Doom me proporcionou.


Então, num belo dia entre 1996-97, lá estava eu conferindo os lançamentos em vídeo na locadora quando me deparo com ADRENALINA, uma fita com essa capinha que você vê aí em cima. O filme era estrelado por Christopher Lambert e pela gostosa que tinha feito a alienígena peladona em "A Experiência" no ano anterior, Natasha Henstridge - como as filmagens de ADRENALINA também aconteceram em 1995, eu desconfio que ele foi gravado antes que o dinheirudo "A Experiência", mas isso não vem ao caso.

Levei a fita para casa mais pelo Lambert, pela Natasha e pelo resumo no verso da capa do que pelo diretor: o infame Albert Pyun, que, à época, dirigia de quatro a seis filmes baratos POR ANO para abastecer as locadoras ao redor do mundo. Por exemplo: só em 1996, o ano de ADRENALINA, ele também lançou "Ravenhawk - Instinto Assassino", "Omega Doom - A Maldição", e as partes 3 e 4 de sua franquia "Nêmesis", essas filmadas ao mesmo tempo e com a mesma equipe.


Naquela noite, no conforto de meu lar, assisti ADRENALINA no meu velho videocassete. E é claro que era a típica produção pobretona fimada às pressas por Pyun para lançamento nas locadoras (embora tenha sido exibido nos cinemas em alguns países, inclusive no Brasil). Mas havia algo mais ali: pela primeira vez eu percebi como o clima do jogo Doom poderia ser adaptado para os cinemas.

Não, o roteiro de ADRENALINA não tem nada a ver com Doom: no jogo, você está numa estação espacial enfrentando criaturas vindas do inferno, enquanto no filme, que se passa num futuro hoje passado (2007), policiais caçam uma criatura monstruosa dentro das ruínas de um velho presídio.


Mas vendo aquelas andanças dos (poucos) personagens com lanternas e armas sempre em punho pelos corredores escuros do filme, eu comecei a sentir aquele mesmo clima de quando jogava Doom, igualmente perambulando por corredores escuros com arma em punho e à espera de que a qualquer momento um monstro horrível saltasse das sombras.

Talvez uma coisa não tenha nada a ver com a outra, e peço desculpas pela longa introdução, mas sempre que eu penso nele ou revejo ADRENALINA, é inevitável pensar também em Doom. E provavelmente não tenha sido essa sua intenção, talvez ele nunca tenha jogado Doom na vida, mas Pyun conseguiu chegar muito mais perto do clima do jogo do que aquele filme "oficial" pavoroso lançado quase 10 anos depois, "Doom - A Porta do Inferno", dirigido pelo péssimo Andrzej Bartkowiak!


Também escrito por Pyun, ADRENALINA foi filmado no Leste Europeu (externas na Croácia e na Bósnia, internas num estúdio da Eslováquia) para baratear custos, e realmente aparenta ter custado menos que um salário mínimo, já que a trama toda se desenrola nos corredores escuros de um prédio em ruínas - e, salvo uma pequena mudança aqui e ali, os atores parecem estar SEMPRE NO MESMO CORREDOR ESCURO!

Como todas as produções barateiras filmadas por aqueles lados, vários atores secundários e figurantes foram contratados por lá mesmo, conforme você percebe pela fisionomia e pelo forte sotaque do pessoal. Isso quando não foram visivelmente dublados. Porque os caras simplesmente não ambientaram a história no Leste Europeu para simplificar é algo que foge à minha compreensão.


Nossa história se passa no então futuro de 2007. Uma guerra química fez com que um vírus mortal se espalhasse pela Europa, mas isso nunca é satisfatoriamente explicado - só se sabe que a doença é mortal. Os europeus começaram a emigrar para os Estados Unidos em busca de salvação, e os norte-americanos foram obrigados a construir campos de quarentena que acabaram se transformando em cidades, e onde violentos conflitos explodem a todo momento. Ou, pelo menos, é o que nos conta a narração nos cinco minutos iniciais. Pode esquecer tudo a partir de então, pois já não faz mais diferença.

Estamos num desses campos de quarentena, em Boston, e Natasha Henstridge interpreta Delon, uma policial novata que está tentando tirar o filho pequeno (e doente) desse inferno e enviá-lo para a segurança da cidade descontaminada. Antes que isso aconteça, porém, ela é designada para uma "missão de rotina": investigar estranhos gritos vindos de um prédio em ruínas perto da zona de confronto.


Delon e seu parceiro Volker (Xavier Declie) vão até o edifício condenado, mergulhado na escuridão porque não há eletricidade, e encontram uma sala repleta de cadáveres mutilados. Volker é atacado por um tenebroso mutante que escapou do laboratório e está contaminado com um vírus ainda mais mortal. Delon escapa, mas não encontra mais a saída por aqueles corredores escuros. Desesperada, pede reforços pelo rádio.

É quando entra em ação o bambambam do departamento: o ultra-condecorado policial interpretado por Christopher Lambert, que, pelo menos que eu me lembre, nunca é chamado pelo nome, mas nos créditos finais é identificado como "Lemieux". Ele e os parceiros Cuzo (Norbert Weisser, ator habitual nos filmes de Pyun) e Wocek (Elizabeth Barondes) encontram Delon, mas, ao invés de todo mundo se mandar logo daquele prédio escuro e prestes a desmoronar, resolvem juntar forças para enfrentar o mutante. Claro que dá merda...


Pelo restante do filme, nossos quatro únicos protagonistas ficam zanzando pelos corredores com suas lanternas e armas em punho, à procura de um monstrengo que pode estar escondido em qualquer canto escuro, pronto para pular sobre eles.

Paralelamente, uma equipe militar comandada por Sterns (Andrew Divoff, o Djinn da série "Wishmaster") recebe a missão de localizar e matar o mesmo mutante, já que o vírus em sua corrente sanguínea irá atingir um nível crítico e o monstro pode contaminar o resto do mundo com uma praga mortal - ou algo do gênero. Sterns e seus homens, vestidos com roupas anti-contaminação amarelas e portando armas de grosso calibre, entram nas mesmas ruínas, mas o mutante revela-se um adversário muito mais perigoso do que parece.


ADRENALINA tem todos as qualidades e problemas de uma produção de baixíssimo orçamento. Entre os pontos positivos estão o roteiro enxuto e sem frescura; o filme nunca tenta ser mais do que é, e se limita a mostrar a caçada ao mutante e a subsequente transformação dos caçadores em caça pelo vilão.

Se o mesmíssimo roteiro fosse transformado numa grande produção de Hollywood, os caras certamente iam dar um jeito de tornar tudo mais complexo, aumentando o número de personagens para morrer, quintuplicando a ação e as explosões, os efeitos de maquiagem, e explicando tintim por tintim a origem do mutante, a sua fuga do laboratório até a prisão em ruínas, etc etc etc.


Trabalhando com merreca, e provavelmente um cronograma de filmagens bastante apertado, Pyun não podia se dar a esse luxo e fez o que dava. ADRENALINA é um filme barato, e isso está na tela. Para o bem ou para o mal.

Como todos sabemos, limitações orçamentárias geralmente obrigam os realizadores a usar a criatividade. Pyun não é exatamente o mais talentoso dos diretores, mas seu trabalho aqui é honesto e quase sempre eficiente. Ele mostra pouco o mutante para não entregar a maquiagem barata, e limita as cenas de ação porque não tem dinheiro para grandes efeitos. Mas volta-e-meia se sai com uns rompantes de inventividade que merecem elogios.


Uma das grandes cenas do filme acompanha o drama de dois dos policiais enquanto eles estão sob intenso fogo do mutante - que roubou a pistola de uma das suas vítimas. Em momento claramente inspirado na cena do sniper de "Nascido para Matar", de Stanley Kubrick, o vilão fica sadicamente atirando nas pernas e nos braços das suas vítimas, que não conseguem fugir dali porque levam um novo tiro a cada tentativa de levantar-se. É talvez o ponto alto de ADRENALINA, com a câmera "atingindo" os atores como se fosse as balas de revólver!

Outro belo trabalho de câmera é a cena inicial do filme, em que uma policial percorre o laboratório-hospital após a fuga do mutante. Trata-se de uma longa cena aparentemente sem cortes, em que a câmera assume o ponto de vista da policial enquanto ela percorre um corredor repleto de cadáveres e sangue. Certo, a câmera como ponto de vista do personagem não era exatamente novidade na época, mas é interessante como Pyun arquitetou uma longa e tensa cena em primeira pessoa numa aventura de baixo orçamento - um momento que, mais uma vez, remete aos jogos estilo Doom!


E há uma surpresa bem-vinda para quem esperava pura rotina: o herói interpretado por Lambert na verdade não é tão fodão quanto parece e se dá mal lá pela metade do filme, precisando da ajuda da novata Natasha para escapar vivo da fuzarca! Por isso, quem espera uma aventura com Lambert chutando traseiros pode se decepcionar.

Já a pobreza da produção torna a coisa toda mais divertida - embora o humor seja involuntário. Claro, é preciso fechar um olho para curtir o filme, porque está na cara que ele custou uma merreca (um espectador acostumado aos blockbusters de Hollywood não vai passar dos primeiros cinco minutos).


Os principais problemas de ADRENALINA decorrem da pobreza generalizada. Por exemplo, como engolir que a história se passa em Boston se os caras não tinham dinheiro sequer para mudar a inscrição "Policia" nas viaturas e nos coletes dos policias para "Police"? Não sei se "policia", sem acento, é croata ou espanhol, mas só iria funcionar se Pyun conseguisse nos convencer de que, no futuro, os imigrantes mexicanos dominaram os Estados Unidos!

Também chega a ser engraçado o fato de ninguém decidir sair daquele maldito prédio em ruínas e incendiá-lo ou explodi-lo para matar o mutante de uma vez. Não, eles preferem perder-se no labirinto de corredores escuros para virar alvo fácil do vilão. E o que dizer do "hospital de quarentena de segurança máxima" com janelas abertas e sem grades (foto abaixo), por onde os contaminados poderiam fugir a qualquer momento?


Por falar em furos de roteiro, a heroína interpretada por Natasha tem uma chance claríssima de matar o mutante logo no começo do filme, mas surta e deixa o vilão escapar. Sim, se ela tivesse atirado teríamos um curta ao invés de um longa-metragem, mas é o tipo de cena que poderia ter sido feita de outra forma. Até porque ficamos com a maior raiva da nossa protagonista pelo restante do filme, e o fato de ela ser novata não justifica a burrada!

Mas tudo bem, eu geralmente prefiro essas aventuras de fundo de quintal que vão direto ao assunto e divertem do que a maioria dos pretensiosos blockbusters que Hollywood produz hoje. E sim, prefiro rever um ADRENALINA do que um "Avatar". Porque, de alguma forma inexplicável, consigo aceitar um mutante mal-maquiado zanzando por um prédio em ruínas muito melhor do que Smurfs gigantes perambulando por um cenário feito por computador durante três intermináveis horas.


Uma curiosidade para fechar a resenha: ADRENALINA tem duas versões, como diversos filmes de Pyun. A versão lançada no Brasil em VHS e DVD é o corte norte-americano, que tem apenas 77 minutos (!!!) e é muito mais direto ao assunto: aquela longa cena inicial com a câmera percorrendo o hospital foi cortada e a trama já começa praticamente dentro do prédio em ruínas, onde várias cenas também foram diminuídas para agilizar a ação.

Na Europa, foi lançada uma versão mais longa, com 94 minutos, que tem mais "história" do que a anteriormente citada, incluindo um momento em que Delon encontra uma espécie de "toca" do vilão, com recordações de quando ele era humano, e uma conclusão significativamente diferente.

Embore eu goste de várias coisas dessa versão mais longa (como a já citada cena inicial em primeira pessoa), acho que uma história tão fraquinha quanto essa funciona melhor em 77 minutos e sem tanta enrolação. Em todo caso, recomendo ver as duas se você também é fã de aventuras de baixo ou nenhum orçamento.


E é uma pena que ninguém tenha pensado em Albert Pyun e ADRENALINA quando o projeto de levar Doom aos cinemas começou a ganhar corpo. Até porque Doom é o tipo de coisa que funcionaria muito melhor no universo do baixo orçamento - fico imaginando como seria uma adaptação produzida por Roger Corman, ou Charles Band.

Para encerrar, acho que ficou mais do que evidente, mas não custa reforçar: fique longe, muito longe desse filme se o seu ideal de diversão for algo muito diferente de ver Christopher Lambert e Natasha Henstridge perseguindo um mutante assassino num prédio em ruínas bósnio-croata num filme classe Z dirigido por Albert Pyun. Porque a coisa não vai muito além disso.


Aí o leitor do FILMES PARA DOIDOS pode querer questionar: "Mas Felipe, você realmente está dizendo que GOSTA de um filme em que dois ou três atores ficam caminhando por corredores escuros durante mais de uma hora?".

Aí eu respondo: um dos maiores classicos do cinema "cult-cabeça" de todos os tempos é exatamente isso, dois ou três atores caminhando por corredores escuros com medo de algo que pode ou não pular sobre eles a qualquer momento. Estou falando de "Stalker" (1979), do russo Andrey Tarkovskiy (um dos cineastas mais chatos da história).

A diferença é que no filme de Pyun os caras perambulam por corredores vazios durante uma hora, enquanto no do Tarkovskiy (muito mais respeitado, é claro, embora seja um porre!), a agonia dura quase três horas. E não tem nenhum mutante assassino esperando na escuridão para atacar os personagens. E nem o Christopher Lambert. E nem a Natasha Henstridge.

Na boa? Fico com o filme do Pyun!


PS 1: O dublê Craig Davis interpretou o mutante assassino. Logo depois, ele foi para Hollywood e começou a trabalhar nas equipes de dublês de vários filmes de super-heróis: "Batman & Robin", a trilogia "Homem-Aranha" de Sam Raimi, "Hellboy" e "Capitão América: O Primeiro Vingador", entre outros blockbusters. Nada mal para quem começou sua carreira como vilão de um filme furreca filmado no Leste Europeu...

PS 2: Não há nenhuma explicação plausível para a palavra em inglês "Adrenaline" ter sido escrita errada no título original (sem o "E"), mas vá saber o que se passa na cabeça de Albert Pyun...

Trailer de ADRENALINA



*******************************************************
Adrenalin: Fear the Rush (1996, EUA)
Direção: Albert Pyun
Elenco: Christopher Lambert, Natasha Henstridge, Norbert
Weisser, Elizabeth Barondes, Xavier Declie, Craig Davis,
Nicholas Guest e Andrew Divoff.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A espetacular história do Espetacular Homem-Aranha da Cannon Films


Estreou no começo deste mês (julho/2012) a nova aventura cinematográfica do herói aracnídeo da Marvel Comics, “O Espetacular Homem-Aranha”, dirigida por Marc Webb. Eu não vi o filme, e nem pretendo ver tão cedo. Antes que algum curiosão pergunte o motivo, citarei três: primeiro, porque o Homem-Aranha deixou de ser um dos meus heróis preferidos depois que passei dos 13 anos de idade; segundo, porque já tive minha dose suficiente de Homem-Aranha com a trilogia recentemente dirigida por Sam Raimi, e terceiro, porque acho uma estupidez fazer um remake (ou “reboot”, o novo termo favorito dos nerds) de uma série que mal completou 10 anos. Lembrem-se que o primeiro “Homem-Aranha” do Raimi é de 2002!

Agora pare um pouco e pense comigo: qual a lógica de pagar para ver a mesmíssima origem do herói sendo recontada quando a versão apresentada por Sam Raimi ainda é tão recente? Por que perder tempo revendo a picada da aranha radioativa, o bullying sofrido por Peter Parker no colégio, a morte do Tio Ben e o clichê do “Grandes poderes, grandes responsabilidades”, somente com outros atores e ângulos de câmera? Ainda mais considerando que a origem do herói mostrada por Raimi era bem fiel aos quadrinhos, e nem os nerds chorões podiam se queixar disso - tá bom, o Aranha de 2002 tinha lançadores de teia biológicos, mas quem em sã consciência engole um moleque criar em casa uma cola semelhante a teia de aranha e lançadores mecânicos para dispará-la?


Enfim, mesmo que as três aventuras estreladas por Tobey Maguire tenham lá seus defeitos (e têm muitos), também têm várias qualidades e são razoavelmente divertidas e fiéis à fonte. Não vejo muita lógica em recomeçar tudo da origem se bastava continuar contando novas aventuras do Homem-Aranha estreladas por outros atores e dirigidas por outros diretores - mais ou menos como Joel Schumacher tentou fazer ao herdar o Batman de Tim Burton, ou Bryan Singer com seu “Superman Returns”, por piores que sejam estes filmes.

Mas chega de “O Espetacular Homem-Aranha”, porque vocês podem ler sobre ele na maioria dos sites e blogs de cinema pela internet afora. E somente aqui no FILMES PARA DOIDOS você vai encontrar um outro Homem-Aranha, um inexistente, mas que durante quase uma década povoou os sonhos de muitos cinéfilos. Estou falando, é claro, do Espetacular Homem-Aranha da Cannon Films!

Quem cresceu na década de 80 certamente lembra das produções baratas da Cannon, lançadas no Brasil pela América Vídeo com aquelas tradicionais capinhas azuis com estrelinhas brancas. Não vou me repetir: se quiser saber mais sobre Cannon/América Vídeo, leia meu post sobre o assunto clicando aqui.

A Cannon era bem popular pelas aventuras baratas estreladas por Chuck Norris, Charles Bronson e Michael Dudikoff, mas nunca escondeu o sonho de comandar produções milionárias. O problema é que eles se estreparam nas raras oportunidades em que gastaram um pouquinho mais de grana.

Para dar um exemplo: em 1987, Menahem Golan e Yoram Globus, os primos israelenses que presidiam a Cannon, viraram assunto na mídia por pagarem uma fortuna (15 milhões de dólares) para Sylvester Stallone estrelar o filme “Falcão - O Campeão dos Campeões”, cujo orçamento total ficou em 25 milhões (ou seja: Stallone embolsou sozinho a maior parte da grana!!!). Mas a carreira de “Falcão” nos cinemas foi um fiasco, e a bilheteria mal cobriu o que o astro do filme custou.

Tá, mas onde o Homem-Aranha entra nessa história toda?

Pois o personagem criado por Stan Lee e Steve Ditko nos anos 60 estava praticamente implorando para virar filme. Até então, ele tinha ganhado sua própria série de desenhos animados (exibida entre 1967-1970), um seriado de TV live-action com 13 episódios chamado “The Amazing Spider-Man” (entre 1977-79), e até um seriado japonês chamado “Supaida-Man”, que estreou em 1978 e teve um total de 41 episódios, mostrando o herói às voltas com monstros e ninjas - e sim, ele também tinha um robô-gigante tipo “Jaspion” e “Changeman”.


Abertura do seriado “The Amazing Spider-Man”


Abertura do seriado “Supaida-Man”


Mas embora fizesse sucesso na TV e nos quadrinhos, o Homem-Aranha continuava inédito nos cinemas. Isso, claro, relevando-se picaretagens como a aventura turca “3 Dev Adam”, de 1973, que trazia Capitão América e El Santo enfrentando um Homem-Aranha malvado que, além do uniforme pobretão, em nada lembrava o personagem dos quadrinhos, muito menos lançava teias!

Mas eis que, em 1978, Richard Donner fez o mundo todo acreditar que o homem podia voar com “Superman - O Filme”, que transformou-se numa referência para toda e qualquer aventura cinematográfica de super-heróis - e, com uma bilheteria monstruosa, atraiu a atenção de outros produtores, que passaram a investir em filmes baseados em personagens dos quadrinhos tão díspares quanto Flash Gordon e Popeye.

Ironicamente, o mesmo Super-Homem que mostrou que era lucrativo fazer filmes de super-heróis também comprovou o perigo de investir em adaptações de quadrinhos, quando o fracasso comercial de “Superman III”, em 1983, deixou os grandes estúdios em alerta vermelho.


A partir de então, as aventuras de super-heróis migraram para as produções de baixo orçamento, onde permaneceriam até o "Batman" de Tim Burton.

E foi por volta dessa época que os nossos amigos da Cannon Films adquiriram os direitos para fazer sua própria versão cinematográfica do Homem-Aranha. A produção do filme começou a tomar corpo em 1984, quando a Cannon comprou uma página na Variety (famosa revista semanal especializada em cinema) e publicou o primeiro anúncio de “Spider-Man - The Movie”, com produção executiva de James Galton e Joseph Calamari (Galton era presidente e Calamari um diretor da Marvel à época).


O ARANHA DE TOBE HOOPER
Em 1984, Tobe Hooper era mais conhecido como um diretor de clássicos do horror, tipo “O Massacre da Serra Elétrica” e “Pague Para Entrar, Reze Para Sair”. Mas também tinha fama de encrenqueiro e junkie (diz-se que fazia quilômetro de arrancada com cocaína nos bastidores das filmagens), e saiu brigado do blockbuster “Poltergeist - O Fenômeno” (1982), produzido por Steven Spielberg. Uma das lendas mais famosas sobre o mundo do cinema garante que foi Spielberg quem realmente dirigiu o filme, com Hooper servindo apenas de figura decorativa.

Queimado em Hollywood por conta da experiência e da forma como lidou com ela, Hooper resolveu bandear-se para a Cannon em 1983, porque à época a produtora prometia total liberdade para seus diretores trabalharem. Assinou um celebrado contrato que lhe garantia dirigir três filmes, e a única exigência era que um deles fosse “O Massacre da Serra Elétrica 2”. Sabe-se lá quem teve a ideia de jerico de colocar logo Hooper para comandar o filme do Homem-Aranha, mas provavelmente Golan e Globus queriam aproveitar o fato de Tobe ter trabalhado com Spielberg em “Poltergeist” - àquela altura, Tobe era o mais próximo de “um grande diretor de Hollywood” fazendo filmes na Cannon, o que daria certa moral à produtora.

Mas parecia um desastre anunciado. E foi. Só que a culpa dessa vez não era de Hooper...

Acontece que a Cannon contratou o roteirista Leslie Stevens para escrever a adaptação para o cinema. Stevens era um veterano da TV norte-americana, que produziu e escreveu seriados como “Quinta Dimensão” (The Outer Limits, 1963-1965) e “Buck Rogers” (1979-1981), mas nunca deve ter lido um único gibi do Homem-Aranha. Ao invés de seguir a linha dos quadrinhos, o sujeito resolveu dar sua própria visão do personagem, aproveitando apenas o nome do herói!

Dá só uma sacada: no roteiro de Stevens, Peter Parker seria um fotógrafo trabalhando para um poderoso laboratório chamado Zyrex Corporation. Seu diretor, o maligno Dr. Zyrex, faria experiências com Parker sem o consentimento do rapaz, bombardeando-o com raios radioativos. Quando uma inofensiva aranha entra na mistura, Parker sofre uma mutação estilo “A Mosca”, transformando-se num monstro meio homem, meio tarântula, com oito patas (!!!). Zyrex convida o recém-criado “Homem-Aranha” para integrar seu exército de mutantes e dominar o mundo, mas ele prefere voltar-se para o lado do bem e combater o cientista e seus monstros, numa aventura que estava mais para “A Ilha do Dr. Moreau” do que para o Homem-Aranha que todo mundo conhece!

Àquela altura, Hooper estava em Londres filmando seu primeiro longa para a Cannon, a mistura de horror e ficção científica “Força Sinistra”, baseada no livro “Space Vampires”, de Colin Wilson. Golan e Globus tentavam emplacar o projeto há anos (antes, ele tinha passado pelas mãos de diretores como Luigi Cozzi e Michael Winner!), e investiram pesado para que aquele fosse um dos grandes blockbusters de 1985 (o que não aconteceu: o filme custou 25 milhões e rendeu apenas 11 milhões nos cinemas...).

Enquanto filmava “Força Sinistra”, Tobe recebia relatos sobre a polêmica em torno daquele que seria o seu primeiro filme de super-herói. Um artigo da revista Cinefantastique sobre a adaptação de Homem-Aranha enfureceu os fãs do herói e o próprio co-criador do personagem, Stan Lee, que exigiu mudanças no roteiro para ficar minimamente parecido com os gibis. Preocupados com a repercussão negativa, Golan e Globus voltaram à estaca zero: demitiram Leslie Stevens e chamaram Ted Newsom (que até então havia escrito apenas roteiros de filmes pornográficos!) e John D. Brancato para escrever um novo roteiro usando ideias do próprio Stan Lee.

Só que, enquanto o novo roteiro era escrito, foi Tobe Hooper quem resolveu desligar-se do projeto. Ele decidiu que o segundo de seus três filmes para a Cannon seria um projeto dos sonhos: a refilmagem da ficção científica “Invasores de Marte” (1953), um dos seus filmes preferidos quando criança. Na época, vários mestres do terror estavam revisitando seus clássicos da infância dos anos 1950: John Carpenter refilmou “The Thing”, David Cronenberg logo estaria refilmando “The Fly”. Embora nostálgico e bem intencionado, o remake de Hooper naufragou e foi seu segundo fracasso consecutivo para a Cannon. “O Massacre da Serra Elétrica 2” seria o terceiro, jogando o até então promissor Tobe num ostracismo de dar pena...


O ARANHA DE JOSEPH ZITO
Com a saída de Tobe Hooper, o Homem-Aranha da Cannon estava sem diretor. Mas pelo menos tinha um roteiro novo, escrito a quatro mãos por Newsom e Brancato a partir dos pitacos de Stan Lee. Era bem mais fiel ao personagem dos gibis do que aquela aberração anterior, mas tomava algumas liberdades poéticas em relação à origem do Homem-Aranha: Peter Parker seria aluno do cientista Otto Octavius, o Dr. Octopus, e ambos ganhariam seus poderes a partir de um acidente no laboratório do mentor do herói.

A partir de então, enquanto Octopus inicia sua carreira de crimes, o jovem Peter aproveita seus novos poderes primeiro numa exibição de luta-livre com Hulk Hogan (um astro do esporte popularíssimo na época), depois participando do “The Tonight Show with David Letterman” - e sim, as duas celebridades estavam cotadas para aparecer no filme! Então seu Tio Ben seria morto pelo mesmo bandido que ele deixou escapar horas antes, fazendo surgir um Homem-Aranha bem fiel aos gibis.

Se quiser ler este roteiro nunca produzido, basta clicar aqui.


Vários personagens e situações dos quadrinhos já apareciam nesse roteiro, como o valentão da escola, Flash Thompson, que abusava de Peter Parker, mas ao mesmo tempo era fã do Homem-Aranha. E, claro, o editor-chefe do Clarim Diário, patrão e arquiinimigo do herói, J. Jonah Jamenson - que, vejam só, seria interpretado pelo próprio Stan Lee!

Mas o detalhe mais interessante deste roteiro era em relação ao interesse romântico do herói. Nem Gwen Stacy, nem Mary Jane Watson: Newtom e Brancato optaram por colocar Liz Allen (imagem abaixo), que, nos gibis, foi o primeiro interesse romântico de Peter Parker! Ignorada em todas as outras adaptações para o cinema, ela era namorada de Flash Thompson e apareceu já nas primeiras aventuras do Aranha, entre 1962-1965, mas nunca chegou a realmente namorar Peter - pelo contrário, mais tarde ela acabou se casando com seu amigo, Harry Osborn!

Numa entrevista recente, Ted Newsom comentou a decisão de colocar Liz (ao lado) como interesse romântico do herói: “Nós não escolhemos Liz Allen, John e eu originalmente queríamos Gwen Stacy, e o filme terminaria com a sua morte nas mãos do Duende Verde e tudo mais. Mas Stan era totalmente contra isso, e ele queria usar o Dr. Octopus como vilão. Depois de Gwen, Liz Allen era nossa única escolha, porque Mary Jane não era a pessoa certa para Peter naquele momento. Seria como se Raquel Welch com 40 anos se apaixonasse por um moleque de 14 anos. Mary Jane conhece Peter na fase certa nos quadrinhos, mas antes disso ele não teria nenhuma chance com uma gata como ela. Assim, nossa Liz era o tipo de garota pela qual todo mundo ficaria atraído no colégio: bonita, mas não linda demais, inteligente e divertida”.

O roteiro também foi aprovado pelo presidente da Marvel e produtor executivo James Galton, que, numa carta timbrada a Cannon, escreveu: “O script é soberbo. A esse ponto eu já li uns 12 roteiros e tratamentos para filmes do Homem-Aranha, mas esse é de longe o melhor!”.

(Na mesma carta, Galton reclama de um outro projeto que estava sendo tocado pela Cannon na época e que não saiu do papel: o filme do Capitão América, que seria dirigido por Michael “Desejo de Matar” Winner. Galton queixou-se que o roteiro de Winner e Stan Hey era “bloody awful”, decretando a morte prematura da produção. Mas esta é outra história que contaremos em breve por aqui...)

Sem Tobe Hooper, a Cannon resolveu chamar outra das suas galinhas dos ovos-de-ouro para comandar o filme do Aranha: Joseph Zito, que havia feito “Sexta-feira 13 Parte 4” para a Paramount e desde então trabalhava exclusivamente com a Cannon. Seus trabalhos anteriores para a produtora (“Braddock - O Super Comando” e “Invasão USA”, ambos com Chuck Norris) custaram pouco e renderam uma boa grana.

Zito era fã dos gibis do Homem-Aranha desde criança e ficou emocionadíssimo com o convite. Como piada interna, resolveu colocar um trecho do velho desenho animado do herói numa cena em que Chuck Norris assistia TV em “Braddock”, anunciando assim, extraoficialmente, que seu próximo projeto seria o filme live-action do Aranha. Pena que não rolou...

Mas o projeto pelo menos começou a tomar forma, novamente com James Galton e Joseph Calamari como produtores executivos. O dublê Scott Leva foi contratado para interpretar Peter Parker e o Homem-Aranha, e o inglês Bob Hoskins seria o Dr. Octopus. Embora Hoskins nunca tenha sido oficialmente contratado, Leva chegou a fazer fotos de divulgação vestindo o uniforme do Aranha, e uma delas foi usada na capa da revista “The Amazing Spider-Man” nº 262, de março de 1985 (ao lado), atiçando ainda mais a curiosidade dos fãs.

A pré-produção não parou por aí: Zito escolheu estúdios na Itália e na Inglaterra para rodar o filme, e contratou os renomados ilustradores Mentor Huebner e Nikita Knatz para desenhar os storyboards.

Foram feitos testes de efeitos especiais para ver como ficariam os movimentos do Homem-Aranha balançando em suas teias e dos tentáculos do Dr. Octopus. Também foi produzido um teaser trailer que não mostrava muita coisa além do uniforme do herói, anunciando “Joe” Zito como diretor.


Teaser trailer do "Homem-Aranha" da Cannon!


A Cannon gastou 1,5 milhão de dólares só nessa etapa de pré-produção do filme, e tudo indicava que agora o Aranha finalmente sairia dos gibis para o cinema. Tanto que a produtora chegou a comprar duas páginas na edição de outubro de 1985 da Variety para divulgar “Spider-Man - The Movie”.

Mas aí recomeçaram os problemas: o roteiro já estava pronto e aprovado, mas Zito resolveu chamar seu amigo Barney Cohen (que escreveu "Sexta-feira 13 Parte 4") para “polir” o trabalho de Newsom e Brancato. Aí o produtor Menahem Golan, usando o pseudônimo “Joseph Goldman”, aproveitou para mexer no roteiro também, dando origem a um segundo tratamento no começo de 1986.

As principais mudanças em relação ao roteiro anterior é que o Dr. Octopus ganhou uma expressão característica (“Ookey-dookey”, repetida toda hora) e um capanga chamado Weiner, que seria o responsável por matar o tio de Peter Parker. O herói também foi representado de uma maneira mais dark e violenta (chupa, Zack Snyder!), inclusive surrando o rival Flash Thompson quase até a morte em determinado momento!



A Cannon já tratava “Spider-Man - The Movie” como seu principal lançamento de 1986, marcando a data de lançamento para o Natal daquele ano. Foram produzidos teaser posters e banners anunciando a chegada do Homem-Aranha aos cinemas em “Christmas 86”, mas então um novo empecilho emperrou de vez a produção: os problemas financeiros que a pequena produtora enfrentava na época.

Como outros filmes de super-herói feitos nos anos anteriores tinham dado prejuízo (entre eles o péssimo “Supergirl”, em 1984), Golan e Globus achavam arriscado investir entre 15 e 20 milhões numa aventura do Homem-Aranha. Eles precisavam de um outro projeto que fosse garantia de bom retorno nas bilheterias, e cujo lucro pudesse ser depois investido no filme do Aranha.

Ironicamente, a opção foi por “Superman IV - Em Busca da Paz”! A Cannon torrou 17 milhões, um valor expressivo na época, para colocar o finado Christopher Reeve em sua quarta aventura como Super-Homem. Mas o resultado foi um fracasso: o filme arrecadou pouco mais de 15 milhões nas bilheterias, colocando a saúde financeira da produtora praticamente em coma.

No mesmo ano de 1987, outra cacetada: a Cannon investiu US$ 22 milhões em “Mestres do Universo”, a versão live-action do desenho animado do He-Man, com Dolph Lundgren. Tinha tudo para ser um sucesso, mas os fãs do desenho não engoliram a produção barateira - que transferia os personagens de Eternia para o planeta Terra para economizar em cenários e figurinos. A resposta nas bilheterias ficou em 17 milhões, bem abaixo do custo do filme.

Com duas decepções em tão pouco tempo, ainda mais considerando que eram produções relativamente caras para os padrões da produtora, os cofres da Cannon Films sofreram danos irreparáveis. E o filme do Aranha, claro, foi abortado pela segunda vez, enquanto Golan e Globus colocavam em prática um plano desesperado: investir no maior número possível de aventuras baratas com Chuck Norris, Charles Bronson e Michael Dudikoff, os “astros” da Cannon àquela altura, para tentar estancar a sangria, pagar as dívidas e colocar-se de volta no jogo.



O ARANHA DE ALBERT PYUN
Em 1987, a Cannon perdeu temporariamente os direitos sobre o Homem-Aranha para a New World Pictures, mas a pequena produtora também não conseguiu levar o herói para os cinemas. Golan e Globus não desistiram e compraram de volta os direitos. Durante um curto espaço de tempo, os produtores ofereceram o projeto para quem quer que estivesse trabalhando com eles e fazendo filmes que dessem dinheiro. Até mesmo o italiano Ruggero Deodato, de “Cannibal Holocaust”, que tinha acabado de fazer a cópia de Conan “Os Bárbaros” (1987) para a Cannon, disse que chegou a ser sondado para dirigir a tal aventura do Aranha!

“Spider-Man - The Movie” voltou a ser a menina-dos-olhos da Cannon em 1988, e Albert Pyun acabou sendo o terceiro diretor oficialmente contratado para levar o aracnídeo aos cinemas. Ele vinha numa carreira ascendente no cinema independente: depois da bem-sucedida aventura pós-apocalíptica “Viagem Radioativa” (1985), fez três filmes para Golan e Globus que se pagaram (“Caçada Perigosa”, “O Tesouro de San Lucas” e “Uma Estranha em Los Angeles”, entre 1986 e 1987).

Mais do que isso, Pyun provou aos primos israelenses em dificuldade financeira que conseguia não apenas trabalhar rápido e com pouco dinheiro, mas ainda fazer milagres: o diretor chegou a completar um filme deixado inacabado por outro diretor, e que se transformaria numa aventura incompreensível batizada “Jornada ao Centro da Terra” (para cumprir compromissos assumidos com distribuidores).

Pyun teria um orçamento irrisório de 10 milhões de dólares para filmar seu Homem-Aranha, mas não esmoreceu. Se desse certo, seria um belo empurrãozinho para produções maiores em grandes estúdios. Só que os planos foram se complicando: de repente, os produtores resolveram filmar “Spider-Man” e “Mestres do Universo 2” ao mesmo tempo, e reutilizando os mesmos cenários, para economizar dinheiro. E as duas aventuras seriam dirigidas back-to-back por Pyun: num momento ele filmaria o Aranha entrando por uma porta; uma hora depois, o He-Man entrando pela mesma porta!


O diretor chegou a dar entrevistas falando sobre a adaptação do Aranha - uma delas publicada na revista Cinefantastique em 1988. Ele chamou o ator Don Michael Paul para escrever um novo roteiro, já que a história com o Dr. Octopus jamais poderia ser filmada com um orçamento tão baixo.

A essa altura, os executivos da Marvel já tinham deixado a produção executiva, que ficou com Tom Karnowski, o produtor habitual dos filmes baratos de Albert Pyun.

A nova aventura do Homem-Aranha seguiria os passos da anterior, narrando a origem do herói, mas com um vilão “original”: o cientista Russell Tanner, que se transformava num híbrido de humano e morcego chamado The Night Ghoul (nossa, que original!).


Enquanto Don Michael Paul escrevia seu roteiro, os produtores publicaram sobre a pré-produção do filme na Variety de 24 de outubro de 1988. Meses depois, a revista fez uma reportagem sobre a obra e inclusive entrevistou Stan Lee, que falava otimista sobre a adaptação.

O problema é que quando o novo script ficou pronto, os produtores perceberam que este também tinha fugido do clima dos gibis - era uma história cheia de sangue e violência. Decidiram chamar às pressas Shepard Goldman (roteirista de “Salsa - O Filme Quente”, musical com Robby Rosa produzido pela Cannon) para “corrigir” o script, dando um tom mais leve e censura livre à trama. Goldman acabou creditado como único roteirista em alguns materiais de divulgação, tal a quantidade de alterações que fez no script original de Don Michael Paul.

Apesar de nem haver um roteiro definitivo, a Cannon continuava marcando o “lançamento” do filme, dessa vez para o Natal de 1989. Mas precisou baixar ainda mais o orçamento, obrigando Pyun a buscar um novo roteiro. Dessa vez foi Ethan Wiley (diretor-roteirista de “A Casa do Espanto 2”!) quem assumiu a bronca, dando origem a mais uma história sem pé nem cabeça, à altura daquela criada por Leslie Stevens lá em 1984.


Olha só que bagaça: Peter Parker seria um pobre estudante de ciências vivendo no Queens, bairro pobre de Nova York, e que trabalha como pupilo para um cientista louco. Este cria uma poderosa droga batizada T-Devil, que vende para a Máfia. O entorpecente dá superpoderes aos usuários (!!!), mas seu consumo constante provoca a explosão do coração do infeliz! Finalmente, durante uma experiência frustrada, tanto o cientista quanto Peter ganham superpoderes: ele vira o Homem-Aranha, e o vilão uma mistura de homem e escorpião, que seria combatido pelo novo herói!

Até esse momento, o dublê Scott Leva continuava sendo sondado para viver Peter Parker/Homem-Aranha na telona. Ele leu todas as versões do roteiro feitas desde 1985, testemunhando como o negócio foi degringolando. Num artigo publicado pela revista Starlog em 2002, intitulado “The Man Who Was Almost Spider-Man”, declarou: “O roteiro de Ted Newsom e John Brancato era bom, mas ainda precisava de alguns detalhes. Infelizmente, ele foi reescrito por outros roteiristas tantas vezes que foi do bom para o ruim, até chegar ao terrível!”.

A Variety de 22 de fevereiro de 1989 (abaixo) traz mais uma vez o filme do Aranha como “futuro projeto” da Cannon, com data de início das filmagens marcada para março daquele ano, ao lado de outros filmes que realmente foram produzidos, como “De Volta Para o Futuro 2”.


Aí veio o golpe de misericórdia: tanto a empresa de brinquedos Mattel (que tinha os direitos sobre He-Man) quanto a Marvel rescindiram o contrato com a Cannon devido aos problemas financeiros da produtora, e a tão sonhada filmagem conjunta de “Mestres do Universo 2” e “Spider-Man - The Movie” foi cancelada de vez.

Como Pyun já havia gasto bastante dinheiro na pré-produção dos dois filmes, inclusive construindo cenários e figurinos para as aventuras, foi contratado para dirigir “Cyborg - O Dragão do Futuro”, com Van Damme, praticamente de graça, como tapa-buraco, reaproveitando os materiais produzidos originalmente para as aventuras do He-Man e do Homem-Aranha! Assim, da próxima vez que você ver o filme do Van Damme, tente imaginar que podia ser o escalador de paredes, ou o He-Man, andando por aqueles cenários...

“Cyborg - O Dragão do Futuro” acabou sendo o último filme da Cannon a chegar aos cinemas, já que a produtora pediu falência no final da década de 80.


O ARANHA DE JAMES CAMERON
No mesmo ano de 1989 em que a Cannon cancelou de vez a produção do filme do Aranha, o “Batman” de Tim Burton estreou arrebentando a boca do balão e mostrando que aventuras inspiradas em heróis dos quadrinhos ainda podiam ser lucrativas. Afinal, a Warner faturou mais de 410 milhões de dólares no mundo todo com um filme que custou “apenas” US$ 35 milhões (calcule aí o lucro).

A Cannon já não existia mais a essas alturas, mas um de seus sócios, Menahem Golan, criou a 21st Century Film Corporation e achava que aquele era o momento certo para emplacar seu “Spider-Man - The Movie”. Ele jogou no lixo todos aqueles scripts horríveis de baixo orçamento e recuperou o roteiro que Newsom e Brancato escreveram lá atrás em 1985 - aquele com o Dr. Octopus como vilão.


Em maio de 1989, no Festival de Cannes, Golan disse que começaria a filmar em setembro e conseguiu vender os direitos para lançamento doméstico, que ficaram com a Columbia Pictures. Através dela, o diretor Stephen Herek (“Criaturas”) chegou a ser cogitado para comandar a adaptação. Mas o estúdio pediu algumas alterações no script. Dois roteiristas foram contratados e entregaram seus tratamentos: primeiro Frank LaLoggia (diretor-roteirista de “A Dama de Branco”, e mais associado ao cinema de horror); depois Neil Ruttenberg (roteirista de aventuras vagabundas como “Deathstalker 2”, produzido por Roger Corman).

Enquanto isso, Golan não parava de publicar anúncios na Variety sobre a suposta “pré-produção” da aventura, numa tentativa de tentar atrair possíveis investidores. O primeiro anúncio saiu em 1990, e dizia: “1990 - O ano do Homem-Aranha!”.

O segundo é de 1991 (ao lado), e anuncia como roteiristas Ruttenberg e “Joseph Goldman” (o próprio Golan), além da produção executiva de Stan Lee e Joseph Calamari (de volta ao projeto depois da “fase Pyun”).

O máximo que Golan conseguiu dessa vez foram alguns testes de efeitos especiais realizados em 1990 pela empresa canadense Light and Motion e pelo animador em stop-motion Steven Archer, que trabalhara em “Krull” e “Fúria de Titãs”.

Vencido pelas dificuldades de trabalhar com baixo orçamento, Golan desistiu do Aranha e partiu para a produção daquela aventura do Capitão América que também vinha tentando fazer desde os anos 80, e que seria bem mais fácil porque envolvia um herói mais humano, sem exigir grandes efeitos especiais. O resultado foi aquele trashão dirigido por Albert Pyun em 1990, com Matt Salinger no papel principal.

Já os direitos sobre o Homem-Aranha passaram para uma outra companhia, a Carolco de “Rambo 3”, “O Vingador do Futuro” e “O Exterminador do Futuro 2”. E, graças à mudança de casa, um certo James Cameron acabou se interessando pelo projeto.

Cameron resolveu escrever o seu próprio filme do Homem-Aranha, e enviou um pré-roteiro com 47 páginas para os executivos da Carolco em 1991. Esse tratamento conta a origem do herói e traz dois vilões de uma só vez, Electro e Homem-Areia (algo que depois viraria moda nos filmes de super-heróis).

Mas Cameron não se manteve tão fiel aos gibis, preferindo criar a sua própria versão da origem desses bandidões. O filme terminaria com uma batalha épica no topo do World Trade Center, quando Peter Parker revelaria a Mary Jane que era o Homem-Aranha.

Quer ler como seria o “James Cameron's Spider-Man”? Então clique aqui!

Embora o argumento tenha sido bastante elogiado à época, os produtores discordavam do tipo de aventura que Cameron pretendia fazer. Eles queriam um filme censura livre e divertido para a garotada, mas o pré-roteiro do diretor tinha violência, um Homem-Aranha que falava palavrões (inclusive xingando os vilões de “filho da puta”) e até uma cena de sexo entre Parker e Mary Jane - afinal, eram os anos 1990, quando todo mundo estava trepando no cinema!

Com o andar da carruagem, o projeto começou a ser revisado. A Carolco anunciou nas páginas da Variety a pré-produção de “Spider-Man - A James Cameron Film”, e o diretor de “Titanic” chegou até a mexer naquele antigo roteiro de Newsom e Brancato, anunciando que gostaria de ter Arnold Schwarzenegger como Doutor Octopus (o que nunca aconteceu, mas restou ao gigante austríaco o “consolo” de interpretar um vilão da DC, o Senhor Frio, no abominável “Batman & Robin” de 1997).


Aí foi a vez de a Carolco falir, e com ela o Homem-Aranha acabou perdido nas teias da burocracia, passando de um estúdio a outro, numa trajetória longa e complicada demais para resumir aqui. Parecia até um projeto amaldiçoado, e, como tal, ninguém mais quis gastar dinheiro com ele.

Até a Columbia/Sony finalmente produzir o “Homem-Aranha” de Sam Raimi em 2002, quase 20 anos depois da primeira concepção de uma aventura cinematográfica do herói.

Coincidentemente, Raimi também era um diretor associado ao cinema de horror, como Tobe Hooper, que foi a primeira escolha para dirigir o filme do Aranha lá atrás, em 1984...


O resto é história: se a Cannon suava para juntar uns 20 milhõezinhos para poder fazer o seu “Spider-Man - The Movie”, a Columbia transformou a primeira aventura do herói num blockbuster de US$ 139 milhões, que arrecadou, no mundo inteiro, assombrosos 821 milhões de dólares!

Apesar disso, eu confesso que fico imaginando como seria aquele Espetacular Homem-Aranha pobretão da Cannon Films, e o que diretores tão díspares quanto Tobe Hooper, Joseph Zito, Albert Pyun e James Cameron poderiam ter feito com o personagem...

PS: A tragicômica história do Homem-Aranha da Cannon Films estava praticamente esquecida, mas foi resgatada há alguns anos através do livro “Spider-Man Confidential: From Comic Icon to Hollywood Hero”, de Edward Gross, e pelos relatos publicados nos sites The Cannon Films Archive e Video Junkie, principais fontes de pesquisa para esse dossiê em português. Curtiu? Então divulgue e torne pública a espetacular jornada do herói aracnídeo pelo mundo do baixo orçamento!

domingo, 15 de abril de 2012

CYBORG - O DRAGÃO DO FUTURO (1989)


Em 1987, a Cannon Films começava a pré-produção de dois blockbusters. Quer dizer, "blockbusters" para os padrões barateiros da companhia, é claro. Os filmes eram "Mestres do Universo 2", continuação daquela versão live-action do desenho do He-Man (dirigida por Gary Goddard e estrelada por Dolph Lundgren), e "Homem-Aranha", adaptação dos quadrinhos da Marvel que era a menina-dos-olhos da Cannon (e cuja história você pode ler clicando aqui). Albert Pyun era o diretor contratado para dirigir os dois filmes praticamente ao mesmo tempo.

Só que aí deu zebra: a Cannon, que já vinha mal das pernas, começou a sentir o baque nas finanças; a Mattel e a Marvel, parceiras da produtora nos dois projetos, pularam fora, e subitamente não havia mais dinheiro para filmar os dois, aham, "blockbusters". Mas, na pré-produção, a Cannon já tinha gastado US$ 2 milhões para elaboração de cenários, figurinos e objetos para os filmes. Como recuperar essa grana agora que os projetos haviam sido cancelados?


Pois para não perder dinheiro, Golam e Globus (os cabeças da Cannon) pediram que Albert Pyun fizesse um novo filme reaproveitando tudo aquilo que já tinha sido feito para os abortados "Mestres do Universo 2" e "Homem-Aranha". Como já haviam queimado dois milhões, Pyun teria apenas a mixaria de 500 mil (!!!) para dirigir a aventura tapa-buraco.

E assim, resumidamente, nasceu CYBORG - O DRAGÃO DO FUTURO.

Pyun é um cineasta com mais detratores do que admiradores. Eu confesso que gosto de vários filmes dele ("Jogo de Assassinos", "Dollman - 33 cm de Altura... E Atira!", "Adrenalina", "Nêmesis"). Mas CYBORG é, de longe, a grande obra-prima do diretor - um filmaço pós-apocalíptico que ficou ainda melhor com o tempo, principalmente por causa do excesso de viadagem dessas aventuras modernas.


Como toda aventura pós-apocalíptica, esta também se passa num futuro não-determinado em que o planeta foi destruído por causas igualmente nunca reveladas pelo roteiro de Kitty Chalmers. O primeiro take do filme é uma visão da Brooklyn Bridge, em Nova York, parcialmente desmoronada, enquanto uma simpática barata caminha nos escombros da civilização em primeiro plano - algo barato e eficaz.

Em breve descobriremos que neste triste futuro a expectativa de vida é bem curta: quem não morre contaminado por uma praga letal e sem cura é brutalmente executado pelos Piratas, bárbaros violentos liderados por Fender (Vincent Klyn), um gigante sempre de óculos escuros que gosta do mundo do jeito que ele ficou e mata quem quer que cruze seu caminho.


Felizmente, ainda existe gente boa dedicada a ajudar o próximo - guerreiros conhecidos como "Slingers" que, por dinheiro, escoltam pessoas pelas cidades devastadas, defendendo-as dos cruéis Piratas.

Um dos Slingers é Gibson, interpretado por um jovem baixinho belga chamado Jean-Claude Van Damme. Ele tinha recém-saído do set de "O Grande Dragão Branco", e na verdade foi a segunda escolha para estrelar CYBORG - a primeira, acredite se quiser, era Chuck Norris! Hoje, é difícil dissociar Van Damme deste filme, que praticamente carimbou o passaporte do belga para a fama.


Gibson parece ter um motivo particular para lutar contra os Piratas, e um ódio profundo por Fender. Ele é procurado por Pearl (Dayle Haddon), que está sendo caçada pelos vilões e precisa chegar a Atlanta. A moça na verdade é uma cyborg (eis o título do filme), e em seu cérebro eletrônico está armazenada a cura para a praga que vem dizimando a humanidade, e que só pode ser sintetizada num laboratório de Atlanta. Os Piratas, claro, querem pôr as mãos na garota robótica para serem os únicos proprietários da cobiçada cura.

Só que Gibson não consegue defender Pearl, que é levada por Fender e sua gangue. Acompanhada por outra garota, esta de carne e osso - Nady, interpretada por Deborah Richter -, o Slinger continua sua jornada rumo a Atlanta, para resgatar a cyborg e acabar com Fender de uma vez por todas.


E isso, basicamente, é CYBORG. Uma aventura simples, direta e violenta, daquele jeito que parece que os caras desaprenderam a fazer com o passar dos anos. É até curioso reassisti-lo hoje e constatar que praticamente não há diálogos, e as poucas falas trocadas pelos personagens são para fazer a história andar, e não para ficar enrolando ou matando tempo.

Mas tudo bem, ninguém precisa de um longo diálogo expositivo ou de um texto introdutório explicando quem são os vilões e o quanto eles são perigosos quando Pyun já os apresenta de maneira foda no início do filme, numa cena em que os sujeitos vêm caminhando em câmera lenta com um incêndio ao fundo. Não precisa falar nada: esses caras mal-encarados são os vilões, e eu certamente atravessaria para o outro lado da rua caso topasse com eles por aí...


Vou até chutar alto agora: para mim, CYBORG é, para as ficções pós-apocalípticas classe B, o que "Era Uma Vez no Oeste", de Sergio Leone, foi para o western spaghetti.

O próprio Pyun já confessou que sua ideia original era fazer uma ópera-rock em preto-e-branco e sem diálogos. Bem, felizmente os produtores não deixaram, mas, mesmo com cores e alguns diálogos aqui e acolá, o resultado está bem perto de uma ópera de ação, com cenas de pancadaria perfeitas, sem aquele exagero das aventuras de Hong-Kong, mas ao mesmo tempo um nível acima do que se fazia na época.


Sem muitas firulas ou efeitos especiais, as lutas são coreografadas e filmadas como se os atores fossem bailarinos atuando num musical. Um toque de gênio é o fato de existirem poucas armas de fogo no futuro imaginado pelos realizadores, então o herói é praticamente obrigado a buscar o contato com os inimigos, seja com os punhos e pés, seja com armas brancas, como facas.

(O IMDB informa que o coreógrafo e treinador de Van Damme, não-creditado no filme, foi Michel Qissi, aquele gigante que interpretou o vilão Tong Po e enfrentou o próprio belga em "Kickboxer - O Desafio do Dragão".)


Por sinal, a coisa é tão "física" que muitas vezes você se pergunta como é que os atores não se machucaram durante as filmagens. Bem, neste caso nem tudo foram flores: durante uma luta de facas com um dos Piratas, interpretado por Jackson "Rock" Pinckney, Van Damme errou o alvo e atingiu o ator no olho, cegando-o de verdade.

A produção era tão barata que não deu tempo de refazer o take, então podemos ver parcialmente, na versão final do filme, o herói esfaqueando o olho do coitado do figurante - isso acontece na cena final, pouco antes de Van Damme enfrentar o próprio Fender. Um tempo depois, Pinckney processou o belga pela perda da visão e faturou 500 mil dólares.


Infelizmente, cenas mais violentas foram limadas para que o filme não ganhasse uma classificação etária "X" (a mesma dos pornôs) ao invés de "R" lá nos Estados Unidos. Os cortes são perceptíveis, principalmente quando um dos adversários de Van Damme simplesmente desaparece durante uma luta! Estes momentos mais sangrentos foram perdidos, portanto não estão nem no DVD - mas, curiosamente, o que ficou no corte final já é suficientemente violento para não sentirmos falta de mais sangue. Tem até corpos sendo despedaçados pelos Piratas e vítimas crucificadas pelas ruas de Nova York!

Além de filmar as lutas com maestria, em planos abertos que permitem ao espectador acompanhar o "ballet" da pancadaria, Pyun também recorre a quantidades absurdas de câmera lenta, que tornam os embates ainda mais climáticos e plasticamente bonitos. Poucas vezes Van Damme foi tão bem dirigido quanto aqui, e isso anos antes de sua parceria com John Woo em "O Alvo".


E o belga está ótimo como um Mad Max que usa artes marciais ao invés de carros velozes. Seu Gibson é uma espécie de samurai do futuro, um guerreiro errante que oferece seus dotes de lutador a quem pagar mais, mas que, no fundo, busca vingança por motivos pessoais: através de flashbacks mostrados esporadicamente ao longo do filme, descobrimos que Fender e seus Piratas mataram a família do herói.

Como um videogame, a narrativa vai pulando de confronto para confronto do herói com os vilões sem muito tempo para conversa fiada e sem deixar o espectador respirar. Gibson enfrenta inimigos em prédios e fábricas abandonadas, foge por túneis de esgoto, luta dentro de um rio e, por fim, enfrenta Fender nas ruínas de Atlanta, num violento confronto final durante uma chuva torrencial - mais épico, impossível.


Mas, antes de chegar aí, existe uma cena fantástica e antológica em que o herói é espancado pelos Piratas e crucificado no mastro de um navio. Críticos mequetrefes, como nosso célebre Rubinho Ewald Filho, torceram o nariz alegando que Van Damme tinha pretensões messiânicas (!!!), uma bobagem sem tamanho. Fato é que a cena é ótima, e poucas vezes um herói sofreu castigo tão tenebroso quando este inflingido ao pobre Gibson.

CYBORG também tem muita coisa legal além da ação. Como foi originalmente concebido para ser uma "ópera-rock", vários dos personagens principais foram batizados com o nome de empresas que produzem guitarras e outros instrumentos musicais: Gibson, Fender, Nady, Marshall e Pearl.


Além disso, é difícil não ficar imaginando onde e como todos aqueles cenários e figurinos iriam ser usados nos nunca filmados "Mestres do Universo 2" e "Homem-Aranha". Uma das melhores cenas de ação do filme acontece numa velha fábrica em ruínas que lembra muito uma usina elétrica. Seria um cenário construído para "Homem-Aranha", já que o vilão em uma das primeiras versões do roteiro era Electro?

E mesmo sabendo que CYBORG foi produzido com sobras da pré-produção de outros dois filmes, é incrível como as coisas se encaixam direitinho aqui, principalmente os figurinos e objetos de cena. As armas e roupas, por exemplo, parecem realmente instrumentos fabricados com os restos de um mundo destruído, e não itens novinhos em folha, como era comum nesse tipo de aventura.


Sendo uma produção barata e improvisada, CYBORG pagou-se com facilidade: o filme chegou aos cinemas apenas em 1989, mas só nos Estados Unidos faturou mais de 10 milhões de bilheteria, segundo dados do IMDB. Considerando que o orçamento foi de 500 mil (ou US$ 2.500.000, considerando o que já tinha sido investido em "Mestres do Universo 2" e "Homem-Aranha"), o retorno não foi dos piores.

Vale ressaltar que esta foi a última produção da Cannon Films a chegar aos cinemas. Logo depois, Golam e Globus decretaram falência e fecharam aquela pequena produtora responsável por tantas pérolas da ação barata e absurda dos anos 80...


E embora CYBORG tenha ganhado certa fama graças ao vídeo e (muito depois) ao DVD, com um grande contingente de admiradores no mundo inteiro, o diretor Albert Pyun sempre demonstrou-se insatisfeito com o resultado final. Acontece que, segundo ele, o CYBORG que todo mundo conhece não é a "sua" versão oficial do filme.

Em 1988, Pyun teria entregado um primeiro corte, originalmente batizado "Slinger", para a Cannon; os produtores e o astro Van Damme teriam então assumido o controle criativo da edição, convidando o cineasta a abandonar os trabalhos (ou expulsando-o, conforme o próprio Pyun), e finalizando o filme como o conhecemos hoje.


Em 2011, Pyun finalmente lançou sua "director's cut" de CYBORG, usando aquele seu primeiro corte realizado em 1988, e que só sobreviveu através de velhas fitas VHS (portanto, a qualidade de som e de imagem não é das melhores).

Embora esta nova versão traga a visão que o diretor supostamente tinha desde o começo, não posso deixar de comemorar o fato de ele ter sido afastado da edição do longa, pois este é mais um daqueles casos em que a versão original, dos produtores, é muito superior à do diretor (algo que eu também acho de "Blade Runner", pois não consigo gostar da director's cut do Ridley Scott).


Entre outras esquisitices da director's cut de Pyun está um letreiro inicial (foto acima) que identifica os Piratas como adoradores de Satã (!!!), e uma série de diálogos em off ou sermões de Fender fazendo alusão ao Diabo, como se todos os crimes cometidos por eles durante a aventura fossem em nome do Coisa Ruim!

"Slinger" também já começa com a imagem de Gibson crucificado, e a partir de então se desenrola a história mostrando o que aconteceu para o herói acabar assim. Os flashbacks com o destino da sua família estão todos concentrados na primeira parte do filme, e não distribuídos ao longo da narrativa, como acontecia na versão original.


Há ainda duas alterações bem esquisitas nessa director's cut: o violento ataque dos Piratas ao porto para roubar um barco foi totalmente cortado por Pyun, assim como metade do confronto final com Fender. Se na versão do estúdio Fender era atingido por uma facada, parecia morto e então voltava para o segundo round, numa luta muito mais longa, aqui Van Damme resolve a parada na primeira facada mesmo, usando a lâmina para cortar a cabeça do vilão ao meio (imagens acima).

Por outro lado, Pyun resgatou um momento cortado do original: o garotinho jogando bola, que é salvo por Gibson em determinado momento da trama, aparece sendo morto e esquartejado por bandidos numa cena que só existe na versão do diretor (imagens abaixo), quando na montagem do estúdio ele simplesmente sumia da narrativa logo após a cena em que é salvo pelo herói.


Já a personagem de Nady tem um forte motivo para acompanhar Gibson na sua busca pelos Piratas nesta director's cut: a personagem explica que era namorada do sujeito que atuava como guarda-costas da cyborg, e que foi morto por Fender logo na primeira cena do filme.

E assim chegamos à mudança mais drástica de "Slinger": todas as menções à praga foram deletadas, portanto não aparecem mais cenas como essa abaixo, da versão do estúdio. Na visão de Pyun, a cyborg não leva mais a cura para a doença em seu cérebro eletrônico. Pelo contrário, ela tem informações para "restaurar a eletricidade e a tecnologia para mudar o mundo", algo que Fender e sua trupe não querem de forma alguma.


Na conclusão, numa mudança corajosa de Pyun, sugere-se que a cyborg e os cientistas de Atlanta na verdade não são a última esperança da humanidade, mas sim vilões com algum plano de dominação mundial: nos diálogos redublados, um dos cientistas pergunta se Gibson não vai "causar problemas", e a cyborg responde que nada mais pode detê-los. Curioso, para dizer o mínimo. E uma aula de como um filme pode mudar completamente de tom apenas na mesa de edição.

Apesar das boas intenções do diretor, eu continuo achando a versão "oficial" de CYBORG muito superior a esta sua director's cut, que inclusive tem uma nova trilha sonora mais rock-and-roll que soa deslocada em comparação com a original (de tom mais "épico", casando com o aspecto operístico com que as cenas de ação foram filmadas).


É difícil que, hoje, alguém não tenha visto CYBORG, graças principalmente às intermináveis exibições na TV aberta, ou à velha fitinha da América Vídeo (o filme depois foi relançado em DVD pela MGM). Se você é um desses poucos infelizes que nunca teve curiosidade pela ópera pós-apocalíptica de Albert Pyun e Van Damme, agora é uma boa hora para abandonar este preconceito e conferir.

Primeiro porque tanto o diretor quanto o belga estão sem realizar um filmaço tão impactante há um bom par de anos, se não décadas. Segundo porque a última aventura pós-apocalíptica decente produzida foi, talvez, "Doomsday/Juízo Final" (2008), do Neil Marshall, que, mesmo com muito mais grana, perde feio em comparação a CYBORG.


E terceiro, e mais importante, porque este filme tem aquele charme barateiro e improvisado típico das produções da Cannon Films. Quando se sabe que Pyun e os demais envolvidos realizaram algo tão foda a partir de sobras de outras duas produções canceladas, não tem como não tirar o chapéu - especialmente ao lembrar da quantidade de bombas realizadas com orçamentos milionários nesses tempos modernos.

Portanto, dispa-se do preconceito e encare uma sessão de CYBORG, este pequeno grande filme produzido há quase 25 anos. E prepare-se para engrossar o séquito de fãs.


PS 1: Nos anos 90, outros produtores e diretor (Michael Schroeder) produziram duas sequências com pouca ou nenhuma relação com o original, "Cyborg 2" (1993) e "Cyborg 3 - A Criação" (1994). A única coisa realmente interessante em ambos é o elenco, trazendo nomes como Zach Galligan, Richard Lynch, Malcolm McDowell, William Katt (todos na Parte 3), Elias Koteas, Jack Palance e Billy Drago (na Parte 2). No segundo filme, também, a bela cyborg é interpretada por uma jovem gostosíssima chamada Angelina Jolie, em seu primeiro papel principal. E ela ainda aparece pelada!

PS 2: Recentemente, Albert Pyun divulgou o teaser de seu novo projeto, uma prequel de CYBORG (!!!) chamada "Cyborgs: Rise of the Slingers" (você pode ver o vídeo clicando aqui). O teaser até não é dos piores, mas não sei o que esperar de um retorno ao universo de Slingers x Piratas mais de 20 anos depois. E Pyun já disse que a trama é inspirada na sua versão do diretor (com a subtrama do mundo sem energia). Agora é esperar para ver. E bem que o Van Damme podia fazer uma pontinha...

Trailer de CYBORG - O DRAGÃO DO FUTURO



*******************************************************
Cyborg (1989, EUA)
Direção: Albert Pyun
Elenco: Jean-Claude Van Damme, Deborah Richter, Vincent Klyn,
Dayle Haddon, Blaise Loong, Ralf Moeller, Terrie Batson, Alex
Daniels, Jackson "Rock" Pinckney e Haley Peterson.