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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

GYMKATA - O JOGO DA MORTE (1985)


Imagine, só por um minuto, que você é o chefe da "SIA" (Special Intelligence Agency!!!) e precisa despachar um agente para defender todo o mundo ocidental numa missão arriscadíssima, repleta de espiões, traições, ninjas e perigos. E aí, quem você escolheria para a missão? Jack Bauer? Os Boinas Verdes? O agente 007? John Matrix e Stallone Cobra?

Digamos que todas essas são ótimas opções. Mas que tal ser ousado e original, escolhendo um decadente campeão de ginástica olímpica (!!!), para então treiná-lo em karatê (em algumas poucas semanas) e finalmente enviá-lo para arriscar o pescoço e a segurança de todo o Ocidente?

Pois é exatamente essa a opção do chefão da SIA em GYMKATA, um impagável e hilário filme de ação dos anos 80 que começa absurdo desde a premissa - afinal, se um campeão de ginástica olímpica pode mesmo ser tão letal quanto é mostrado nesse filme, então nossa Daiane dos Santos seria uma autêntica arma de destruição em massa! (Sorte que o Bush tinha birra com o Iraque e não notou...)


GYMKATA foi dirigido por Robert Clouse em 1985. Mais conhecido por ter assinado dois sucessos estrelados por Bruce Lee ("Operação Dragão" e "O Jogo da Morte"), Clouse ficou marcado como diretor de artes marciais, mas naqueles tempos encontrava-se em tempos de vacas magras.

Aí algum espertalhão teve a idéia de tirar o sujeito da aposentadoria e dar-lhe mais uma aventura de artes marciais, mas com essa idéia estapafúrdia de ter um ginasta como herói, no lugar de um lutador "de verdade".

Essa "honra" coube a Kurt Thomas, um ginasta igualmente decadente na época, e que havia ganhado várias medalhas de ouro em competições mundiais de ginástica nos anos 70 - mas nunca chegou a participar das Olimpíadas, sua grande frustração.


GYMKATA é o primeiro e único filme de Thomas como protagonista (algo plenamente justificável, considerando sua atuação sofrível), e sua "carreira" se encerrou com apenas mais uma participação, agora como coadjuvante, numa produção obscura de 2003.

Além de péssimo ator, Kurt Thomas tem tudo de ruim: é feio, desengonçado, tem cabelo mullet e é nanico demais para convencer nas inúmeras cenas de ação do filme (nossa, isso ficou parecendo crítica do Rubens Ewald Filho!). A batata-quente ficou nas mãos do diretor de fotografia, que na maior parte do tempo filma o "ator" de baixo para cima, tentando "aumentar" seu tamanho.


A história é inspirada no livro "The Terrible Game", escrito por Dan Tyler Moore em 1957, e filmada na Iugoslávia, que aparece transformada num fictício país chamado Parmistão. Ali, uma pequena vila realiza uma dura prova conhecida como "O Jogo", em que campeões do mundo inteiro precisam superar uma série de provas enquanto são implacavelmente perseguidos pelos melhores guerreiros parmistanenses.

Quem chegar ao final do Jogo tem o direito de fazer um desejo (?!?) ao rei do Parmistão. Quem ficar pelo caminho, morre. Simples, não? Ah, creio que seja relevante informar que, em 900 anos, "O Jogo" não teve nenhum vencedor. Mas eles continuam tentando! Logo, sejamos otimistas...


Eis que a SIA pretende enviar um representante norte-americano para vencer o Jogo e usar seu desejo (hahahaha, não consigo não rir disso...) para adquirir a autorização do rei do Parmistão para instalar um sistema de satélites de defesa no país - mas pode esquecer isso, são apenas burocracias do enredo.

E o que o governo norte-americano faz? Recruta o atleta Jonathan Cabot (Thomas), cujo pai - um agente secreto - foi considerado desaparecido no Parmistão há algumas semanas. Cabot passa alguns dias sendo treinado por especialistas em artes marciais ao estilo Pai Mei em "Kill Bill", e desse treinamento nasce a tal "gymkata": uma mistura das habilidades de Jonathan como ginasta com os movimentos do karatê. Acredite, os caras levam isso a sério no filme!


Nesse meio-tempo, também, o jovem agente secreto ginasta apaixona-se pela Princesa Rubali (Tetchie Agbayani), filha do rei do Parmistão.

Após uma série de perigos envolvendo traidores e espiões, que são facilmente vencidos por Jonathan com seus movimentos de gymkata (hahahaha), a comitiva norte-americana finalmente chega ao Parmistão, onde vários campeões mundiais preparam-se para o jogo.

Aí, nosso herói descobre que sua amada está prometida em casamento para Zamir (Richard Norton, estrela de vários filmes de ação classe C da época), um dos melhores guerreiros do país, além do líder do time que irá caçar (e tentar matar) os participantes do Jogo no dia seguinte. Será que tendo Jonathan como rival pelo coração da princesa ele vai levar a coisa para o lado pessoal?


GYMKATA foi um fiasco na época do seu lançamento, e não é difícil imaginar o porquê. Com o tempo, entretanto, ganhou certa fama cult, justamente pela sua ruindade, entrando sempre em destaque nas listas de piores filmes de todos os tempos.

O auge da popularidade dessa divertida bomba veio em 2006, quando, nos EUA, a Warner Bros. e a Amazon.com fizeram uma enquete na internet para que cinéfilos do mundo todo escolhessem algum título ainda inédito do catálogo do estúdio para ser lançado em DVD. Pois GYMKATA ganhou de lavada, recebendo seu próprio disquinho em 2007.


A verdade é que o filme de Clouse é divertidíssimo - pelos motivos errados, óbvio. Some a péssima atuação de Kurt Thomas com o absurdo da situação toda (um ginasta karateka?), mais a história bisonha (como engolir esse lance do "desejo"... hahahaha... para quem vencer um jogo estúpido de resistência?) e a quantidade colossal de buracos no roteiro e situações forçadas, e pronto: temos um candidato a clássico instantâneo do FILMES PARA DOIDOS!

Só para o leitor ter uma ideia dos furos do roteiro: durante o Jogo, Jonathan enfrenta a fúria do rival Zamir, que quer matá-lo a qualquer custo. Mas não parece.


Quando os competidores precisam escalar uma corda até o topo de uma fortaleza, por exemplo, Zamir e seus guerreiros derrubam vários dos participantes com flechadas certeiras. Pois quando Jonathan está no meio da escalada, Zamir resolve não usar as flechas (que significariam morte certa), mas sim incendiar a corda por onde o rapaz sobe (!!!). Desnecessário dizer que o herói escapa, né?

Mais adiante, nova estupidez: os competidores precisam agarrar-se a uma corda para atravessar um penhasco enorme. Novamente, Zamir e seus guerreiros usam flechadas certeiras para derrubar todos os outros participantes. Mas quando Jonathan está no meio da travessia, o que faz seu rival? Descarta as flechas mortais (óbvio) e corta uma das extremidades da corda, esquecendo que o ginasta poderá utilizá-la como "cipó" e brincar de Tarzan para balançar-se até o outro lado do penhasco! Dã...


E nada pode preparar o espectador para os 20 minutos finais de GYMKATA, quando Jonathan enfrenta a última etapa do jogo: atravessar uma vila-fantasma sendo atacado por seus moradores.

Maltrapilhos e armados com machados e forcados, os caras parecem zumbis ou fantasmas, e inclusive agem como tal, numa cena que parece saída de algum filme de horror barato - e que destoa totalmente do clima até então! Tem até um sinistro sujeito com duas caras, como você pode ver na foto abaixo:


Embora Robert Clouse tenha dirigido o filme "a sério", às vezes ele solta umas evidências de que parece estar levando a coisa meio na brincadeira, como se aquilo fosse uma sátira ao gênero, e não uma aventura convencional.

Evidência número 1: Um personagem explica a Jonathan que ele irá viajar para "Karabal, no Mar Cáspio". Um segundo depois, a cena corta para um navio no mar com a legenda repetindo literalmente o que o sujeito falou: "Karabal, on the Caspian Sea"!


Evidência número 2: Jonathan sempre se dá bem nas cenas de perigo porque seus inimigos são muito burros. Por exemplo, eles preferem descarregar a munição das suas metralhadoras em paredes e garrafas, e depois ficam sem balas para acertar o herói!

Evidência número 3: Sempre que alguém cai de um penhasco ou de uma grande altura, a sonoplastia usa efeitos de desenho animado (aquele TUMPF! exagerado de quando o Coiote se estatela no desenho do Papa-Léguas).


Mas verdade seja dita: trash involuntário ou não, GYMKATA nunca é chato. Pelo contrário, é um filme de ação movimentadíssimo, em que acontece um tiroteio ou perseguição seguida de luta a cada cinco ou dez minutos.

Se Kurt Thomas não convence como ator, até que ele vai muito bem como lutador de "gymkata" (hahaha), embora suas habilidades como ginasta se resumam a dar pulinhos e piruetas bem boiolas por cima dos inimigos.

Somente no final é que o herói começa a mostrar uns movimentos realmente legais, tipo umas tesouras voadoras e malabarismos sobre um "cavalo" improvisado (o aparelho de ginástica, não o animal). Essa cena, sozinha, já vale o filme todo, e como eu sou camarada vou até postar aqui para vocês conferirem:

Como vencer uma vila inteira com ginástica olímpica
(Mas eles precisam atacar um de cada vez!)



E depois que você esquece que a tal "gymkata" (hahaha) não passa de uma baita estupidez, até que as cenas de luta são bem interessantes, além de bem filmadas e coreografadas, com a câmera abrangendo o cenário e os atores de corpo inteiro fazendo seu showzinho, sem os closes estapafúrdios e cortes rápidos que estragam as cenas de ação nos filmes atuais.

Além disso, a coisa toda tem aquele climão de aventura pobre do 007, com perigos e traições em países exóticos, inimigos exagerados, tiros e pancadarias. E, claro, as habilidades sobrenaturais do herói, capaz de vencer 30 inimigos sem disparar um único tiro, apenas com sua "gymkata" (hahahaha).


Visto com o devido clima e humor, GYMKATA é um filme bem divertido, que merece ser redescoberto por uma nova geração de cinéfilos. Trash até a medula, sim, mas daquele tipo que você ri, faz piada, vibra e até se espanta com algumas qualidades que ninguém parece ter percebido.

Que sirva de lição para o governo brasileiro, também: na próxima ocupação de favela no Rio, mandem a Daiane dos Santos e a Daniele Hypólito junto com o Bope. Se as duas usarem "gymkata" contra a marginália, vai ser uma verdadeira chacina!


PS 1: Ao ser lançado em VHS no Brasil, GYMKATA ganhou o dispensável subtítulo "O Jogo da Morte", talvez para linkar com o conhecido filme póstumo do Bruce Lee que Clouse dirigiu. Pensando bem, podia ser pior - algo como "Operação Gymkata - O Jogo da Morte".

PS 2: Se GYMKATA tivesse feito sucesso, qual seria o próximo projeto de Robert Clouse? KARATANGO, sobre um dançarino de tango treinado em artes marciais para combater um ditador na Argentina? Ou MIMITÊ, que traria o famoso mímico francês Marcel Marceau aliando mímica e karatê contra algum terrorista europeu?

Opa, é melhor não dar ideias...

Trailer de GYMKATA - O JOGO DA MORTE



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Gymkata - O Jogo da Morte
(Gymkata, 1985, EUA)

Direção: Robert Clouse
Elenco: Kurt Thomas, Tetchie Agbayani, Richard
Norton, Edward Bell, John Barrett, Conan Lee,
Bob Schott e Buck Kartalian.

sábado, 4 de dezembro de 2010

O ÚLTIMO GUERREIRO (1975)


Se hoje os heróis de infância da garotada são Harry Potter, Percy Jackson e outros bunda-moles, eu tive a sorte de crescer ao lado de pais cinéfilos (e sem-noção) que me deixavam ver filmes como "Stallone Cobra" e "Comando para Matar" já aos 10 anos de idade!

Assim, meus heróis de infância eram gente como Snake Plissken, Mad Max, Braddock e, entre os menos conhecidos, Carson, o inexpressivo mercenário careca interpretado por Yul Brynner em O ÚLTIMO GUERREIRO, objeto de nossa análise de hoje.

Nunca entendi direito o porquê do meu fascínio por Carson, mas, ainda criança, achava o personagem mais interessante do que o próprio filme.


Revendo agora, depois de "velho", a obra escrita e dirigida por Robert Clouse, constatei que O ÚLTIMO GUERREIRO na verdade é ótimo, e o personagem de Yul Brynner continua tão legal quanto me lembro dos meus tempos de moleque.

O filme é de 1975. Clouse gozava de certa fama, à época, por ter dirigido algumas produções de artes marciais numa parceria Oriente-Ocidente, incluindo o sucesso "Operação Dragão" (1973), com Bruce Lee (depois ele também seria chamado para "remendar" o último filme de Lee, "O Jogo da Morte", quando o astro morreu durante as filmagens).

O ÚLTIMO GUERREIRO, entretanto, não tem nada a ver com artes marciais, e é um dos antecessores daquele "boom" de aventuras pós-apocalípticas que tomaria o cinema nos anos 80, depois da febre "Mad Max 2".


Com vaga inspiração em "O Último Homem Sobre a Terra" (1971), de Boris Sagal, o roteiro de Clouse se passa no cabalístico ano de 2012, trinta anos depois que uma misteriosa praga devastou o planeta, matando pessoas, animais e toda a vegetação.

Na cidade de Nova York (sempre ela!), agora transformada em terra de ninguém, os sobreviventes vivem agrupados em colônias, trancafiados atrás de muros e grades. Afinal, basta pôr o pé na rua para ser brutalmente atacado por bárbaros, que matam a pauladas e pedradas para roubar roupas e sapatos - e, não raramente, praticar canibalismo.

Há duas facções principais na extinta metrópole. De um lado, um intelectual conhecido como O Barão (Max von Sydow, emprestando bastante respeito à produção), que prega uma sociedade comunista e pacifista, onde os poucos víveres são distribuídos em porções iguais e todos trabalham.


Do outro lado, o vilão Carrot (William Smith, malvado como sempre), que por sua vez reúne os maiores degenerados num antigo presídio, de onde volta-e-meia saem para caçar e matar os desavisados que encontram pelas ruas.

Na comunidade do Barão, um botânico chamado Cal (Richard Kelton) conseguiu operar um milagre, reproduzindo sementes férteis de legumes.

Essas sementes podem representar o retorno da vida vegetal ao planeta, e o Barão resolve que são importantes demais para germinar ali: é preciso levá-las a um lugar afastado, onde possam ser espalhadas na natureza e dar início ao marco zero de um novo mundo.


Mas como tirar as sementes da fortaleza nova-iorquina se basta pôr o pé do lado de fora para ser morto pelos bárbaros que vivem nas ruas, ou ainda pelos bandidos liderados por Carrot?

A resposta está em Carson, o tal mercenário que aparece silenciosamente vindo de lugar nenhum, e, sem muitas palavras, resolve ajudar o Barão e seus amigos - incluindo a filha do líder (Joanna Miles), que está grávida.

É claro que um confronto mortal com Carrot e seus homens será inevitável.


O ÚLTIMO GUERREIRO não esconde o fato de ser uma produção barata, e o diretor Clouse usa de bastante criatividade para contornar o orçamento baixo.

No início, por exemplo, ele utiliza na montagem fotografias de pontos turísticos de Nova York, completamente desertos, com um som de vento por cima, como se estivesse exibindo cenas de desolação ao invés de fotos estáticas - uma solução muito mais barata do que fechar Nova York para filmar, como fizeram recentemente com "Eu Sou a Lenda".

A despeito desses improvisos, a direção de arte do filme é fantástica, com um excesso de detalhes que salta aos olhos - como as teias de aranha por toda parte numa velha padaria, os enfeites de Natal semi-destruídos numa estação de metrô e o vagão de trem repleto de esqueletos de vítimas do holocausto.


Embora O ÚLTIMO GUERREIRO tenha bastante ação, com Carson enfrentando inúmeras vezes os bárbaros das ruas e os asseclas de Carrot (além do próprio no final, é claro), há uma fortíssima mensagem crítica que faz do filme algo mais do que uma simples aventura descerebrada.

Por exemplo, a comunidade "pacífica" do Barão é ironicamente a mais problemática: enquanto no presídio comandado por Carrot a vida é sempre uma farra, na fortaleza dos "bonzinhos" acontecem brigas de hora em hora por causa da distribuição da comida, dos furtos, da inveja e das fofocas.

Numa cena, um inocente acusado erroneamente é morto sem direito de defesa, demonstrando a fragilidade do senso de "justiça" daquela nova sociedade.


O destino sombrio da comunidade do Barão (e do seu líder) na conclusão só reforça a dificuldade que o ser humano tem de viver em sociedade - mesmo quando está tentando reconstruí-la.

Nesse ponto, o filme é bem deprê e muito cruel: não poupa o espectador de diversas matanças de inocentes, inclusive de um bebê!

Porém o melhor de O ÚLTIMO GUERREIRO é a riqueza de seus personagens, que fogem daquele estereótipo sem muita profundidade dos filmes do gênero.


É o caso do personagem principal, Carson. Bem distante da noção tradicional de "herói" (e por isso escrevo o termo entre aspas), Carson não vai ajudar a comunidade do Barão por razões humanitárias ou porque é bonzinho e justo, mas somente porque o líder lhe prometeu "um estoque ilimitado de charutos"!!!

O triste desse detalhe é que, como todos sabem, o astro Brynner morreu de câncer provocado pelo hábito de fumar, e inclusive gravou um depoimento, exibido na TV após a sua morte, incentivando os fumantes a largarem o cigarro.

Você pode ver esse triste vídeo (que mostra o ator fisicamente debilitado por causa da doença) no link abaixo:

Yul Brynner recomenda: "Não fumem!"



O ÚLTIMO GUERREIRO é um dos últimos papéis do careca no cinema, e nem parece que ele estava com 55 anos na época das filmagens: sarado, musculoso e ágil, sempre com um olhar de pedra e sorrisinho cínico no rosto, Brynner é a própria definição do "cool".

Ele se sai muito bem e ainda convence nas cenas de ação e luta. Sem contar que é daqueles "heróis" que não fazem prisioneiros: ao invés de dar sopapos ou apenas desacordar os inimigos, Carson passa a faca neles sem pensar duas vezes, sem dó nem piedade!

E há uma curiosa beleza no seu personagem que transcende os limites do filme. Acho que esse é o charme de Carson no fim das contas, que o torna tão cool e memorável. O "herói" quase não abre a boca durante o filme, e, ao fazê-lo, não se preocupa em falar sobre sua vida pregressa, deixando no ar, até o final, esse mistério.


Afinal, quem é Carson? Tudo o que vemos e sabemos sobre ele é que o sujeito tem o corpo coberto de cicatrizes, nunca sorri, fala pouco e usa como única arma um punhal, que leva atado à parte de trás de seu cinto.

A habilidade do sujeito no uso da faca e dos punhos levanta a possibilidade de que Carson seja um ex-soldado (ou até um ex-presidiário). E por quantas lutas terá passado antes, para colecionar as cicatrizes pelo corpo?

Salta aos olhos até a maneira meticulosa com que o personagem coloca seu punhal de pé, apoiado pelo cabo, quando não está usando a arma.


Trata-se de um personagem riquíssimo e interessantíssimo justamente pelo que o filme NÃO conta, e eu odeio esses roteiros onde os caras explicam tintim por tintim o passado, presente e futuro dos protagonistas. Ao deixar a maior parte para a imaginação do espectador, O ÚLTIMO GUERREIRO transforma Carson num personagem realmente melhor do que o próprio filme!

O detalhismo se estende ao vilão de William Smith - aliás, que diabos de nome de vilão é esse, "Carrot" (em bom português, "cenoura")??? Implacável e cruel, o bandidão tem uma enorme cicatriz no pescoço cuja origem também nunca é explicada, fazendo com que o espectador imagine várias teorias para o passado do sujeito.

(E o duelo final entre Carson e Carrot é ótimo, com direito a uma inesperada e terrível mutilação do herói, algo pouco usual no cinema de ação norte-americano!)


Finalmente, chegamos ao Barão de Max von Sydow, um sujeito que, numa análise simplista, poderia ser descrito como um líder humanitário que tenta reerguer uma sociedade justa e pacífica. Só que, numa análise mais apurada, o Barão se revela um personagem de duas-caras: autoritário, quase um ditador, cujas sentenças e regras passam longe do conceito de "justiça", e mais preocupado em consertar relógios antigos do que com o futuro da sua comunidade.

Não se pode dizer que Robert Clouse era um mestre do cinema de ação (eu acho "Operação Dragão" e "O Jogo da Morte", que ele dirigiu, os dois filmes mais fracos do Bruce Lee).

Mas o sujeito tem uma filmografia bem interessante que nunca recebeu o devido valor - valem uma olhada, por exemplo, "O Grande Lutador", com Jackie Chan, "Force Five" e "Gymkata - O Jogo da Morte". Ele morreu meio esquecido em 1997. À época, estava sem filmar já há cinco anos.


Uma curiosidade mórbida dos bastidores envolve Richard Kelton, que interpreta o botânico Cal. Esse candidato a astro tinha um futuro promissor, mas morreu três anos depois de O ÚLTIMO GUERREIRO, aos 35 anos, num acidente estúpido: durante as filmagens do episódio de uma série de TV, Kelton trancou-se em seu trailer para decorar as falas e descansar, sem saber que havia um vazamento de gás no interior do veículo. O ator desmaiou, foi envenenado pelo gás e encontrado muitas horas depois, já morto.

Muitas aventuras pós-apocalípticas foram feitas depois de O ÚLTIMO GUERREIRO, e diversas delas mostraram uma Nova York devastada - de produções baratas como "2019 - After the Fall of New York", de Sergio Martino, à superprodução "Eu Sou a Lenda".


Mesmo assim, esse filme de Clouse tem um charme todo especial que eu nem consigo explicar direito: vem do elenco interessante (Brynner, Von Sydow e William Smith NO MESMO FILME?), do ótimo personagem principal, do belo uso dos cenários devastados, da crueldade daquele mundo bárbaro...

Enfim, O ÚLTIMO GUERREIRO é um filmaço que merece ser redescoberto - antes tarde do que nunca.

Pelo menos antes que façam um remake bilionário, con Vin Diesel ou Jason Statham emprestando suas carecas ao personagem que foi de Yul Brynner.

Carson em ação em O ÚLTIMO GUERREIRO



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O Último Guerreiro (The Ultimate
Warrior, 1975, EUA)

Direção: Robert Clouse
Elenco: Yul Brynner, Max von Sydow, William Smith,
Joanna Miles, Richard Kelton, Stephen McHattie,
Darrell Zwerling e Lane Bradbury.