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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL (1979)


Em tempos de merdas como "High School Musical" (no momento em que escrevo estas linhas, "High School Music 3" está sendo exibido nos cinemas brasileiros em cópias dubladas e, pior, fazendo dinheiro!), nada melhor do que lembrar dos velhos tempos em que filmes sobre rebeldia juvenil podiam ser engraçados e ainda pregar o rock-and-roll como "ferramenta" para combater as instituições sagradas - entre elas, escola e família. E poucas produções trabalharam tão bem esta proposta quanto o clássico cult ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL, dirigido por Allan Arkush em 1979.

Hoje mais famoso pela presença dos ainda iniciantes (mas já famosos) Ramones, que participam com músicas na trilha sonora e também ao vivo, interpretando eles mesmos, ROCK'N'ROLL HIGH SCHOLL é o típico filme que todo mundo sabe que existe, mas pouca gente realmente viu (até porque ele continua inédito em nossas locadoras).

Trata-se de uma divertida comédia "nonsense", absurda e com uma mensagem hoje politicamente incorreta até o talo. Para vocês terem uma idéia, no final, auxiliados pelos seus ídolos punk rockers, os estudantes da Vince Lombardi High School declaram guerra (literalmente!) aos diretores, professores e aos seus pais caretas, explodem a escola e destróem provas, livros e históricos escolares - tudo porque a diretora da instituição ousou combater o rock-and-roll e queimar os discos dos Ramones numa fogueira, à moda nazista!

Como detonar uma escola com sua banda preferida


A trama em si não é novidade desde "Rock Around the Clock", filme de 1956 que já trazia o ritmo musical preferido da juventude (então ainda uma curiosa novidade) como catalisador das aventuras de adolescentes rebeldes ("Rock Around the Clock" contava com a presença de uma banda de sucesso na época, Bill Halley and the Comets). Mais recentemente, em 1999, a comédia "Detroit Rock City" seguiu o mesmo filão, mas colocando a banda Kiss como "personagem".

Porém a diferença de ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL para estes outros filmes está na forma de contar a história, seguindo a linha caótica de "Clube dos Cafajestes", de John Landis (que havia sido lançado no ano anterior), e de "Hollywood Boulevard", dirigido por Arkush e Joe Dante em 1976. Até o pôster de cinema é bem semelhante ao de "Clube dos Cafajestes"...

Os próprios Arkush e Dante foram os autores do argumento, roteirizado por Richard Whitley, Russ Dvonch e Joseph McBride, em mais um filme barato produzido pela companhia New World, de Roger Corman. Este custou a mixaria de 300 mil dólares, com um calendário de filmagens absurdo que provocou um colapso nervoso em Arkush: ele foi parar no hospital, e o filme teve que ser completado por Joe Dante e Jerry Zucker (um dos diretores de "Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu"), que receberiam crédito como "diretores de segunda unidade".

Para dar uma idéia da pobreza da produção, roupas e objetos de cena de outros filmes produzidos por Corman no ano anterior foram "reciclados" aqui (aparece até uma das motos com design futurista da ficção "Deathsport"). E era tão pouco dinheiro que o produtor convidou jornalistas e críticos de música como figurantes (eles trabalhariam de graça, mas poderiam entrevistar os Ramones em contrapartida).

ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL começa sem meias-medidas: alunos bocejam em sala de aula enquanto o professor de música (interpretado pelo cineasta Paul Bartel) fala sobre as maravilhas da música de Ludwig Van Beethoven. E quando ele vai botar um disco com a 5ª Sinfonia de Beethoven para seus pouco interessados estudantes ouvirem, descobre que o aparelho de som sumiu do local onde devia estar. No pátio, a roqueira Riff Randell (P.J. Soles, morta por Michael Myers em "Halloween" no ano anterior) está usando o aparelho para detonar "Sheena is a Punk Rocker", dos Ramones, a todo volume, colocando toda a escola para dançar enquanto se desenrolam os créditos iniciais.

"Do you, do you, do you, do you wanna dance?"


Mas os dias de rebeldia roqueira parecem fadados a um triste fim. Com o antigo diretor da Vince Lombardi High School afastado das suas atividades (ele ficou completamente louco por causa da rebeldia da garotada!!!), assume o cargo a diretora Evelyn Togar (Mary Woronov, excelente no papel). Fazendo o tipo fascista, e sempre acompanhada por dois violentos capangas vestidos como soldados da Segunda Guerra Mundial, a megera pretende botar ordem no galinheiro. E, claro, elege Riff Randell e o rock-and-roll como seus alvos prioritários - ela acredita que, eliminando ambos, conseguirá manter a paz e a ordem na escola, e ainda fazer com que os jovens aprendam alguma coisa.

Só que a missão não será nada fácil: os Ramones, banda preferida de Riff, vão fazer um show na cidade, e ela compra e distribui ingressos para os colegas poderem ver seus ídolos em carne e osso. Paralelamente, Tom Roberts (Vincent Van Patten), o estudante banana do colégio, tenta conquistar a roqueira por quem é apaixonado, sem perceber que a amiga nerd dela, Kate Rambeau (Dey Young), é quem realmente gosta dele. No elenco, também há pontas dos eternos coadjuvantes Dick Smith e Clint Howard (ainda com cabelo!!!).

A história é narrada sem muito compromisso com a lógica, num estilo que depois ficaria imortalizado em comédias malucas tipo "Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu" e "Corra que a Polícia Vem Aí!". Lá pelas tantas, por exemplo, a diretora Togar explica ao seu quadro de professores (resumido a três pessoas, porque a produção é baratíssima e não podia contratar figurantes!) os efeitos nefastos do rock-and-roll no organismo dos jovens: ela põe um disco dos Ramones para tocar e um ratinho de laboratório explode ao som da música!!! (Engraçado é que um termômetro, chamado "Rock-o-Meter", mede o nível de intensidade dos acordes em estágios com nomes de bandas em alta na época, como "Deep Purple"!).

Mais adiante, já no concerto dos Ramones, o professor de música (que ganhou um ingresso grátis de Riff para conferir a banda de que nunca ouviu falar) fuma maconha no meio de um rato gigante, cujo comportamento foi modificado nas experiências com o rock-and-roll (efeitos mecânicos de Rob Bottin, que depois pularia para produções como "Grito de Horror" e "O Enigma do Outro Mundo"), e um índio que fuma Cannabis dentro do seu "cachimbo-da-paz"!

Por estas e outras cenas, ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL parece uma espécie de treino do diretor Arkush para realizar o ainda mais caótico e absurdo (e melhor) "Get Crazy", em 1983, onde ele inclusive repete e melhora várias piadas mostradas antes aqui, como o banheiro da escola tomado por uma cortina de fumaça de maconha!

Além de investir na santíssima trindade "sexo, drogas e rock-and-roll", ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL é particularmente divertido (e histórico) pela participação dos Ramones, que brincam com a própria imagem de rebeldia. Não é uma participação especial, tipo o Kiss fez em "Detroit Rock Music" ou o Aerosmith em "Quanto Mais Idiota Melhor 2". Os Ramones realmente são a alma do filme, e aparecem em diversas cenas, seja num delírio de Riff enquanto escuta o disco dos ídolos, seja no show, onde eles aparecem no palco e nos bastidores.

"Rock, rock, rock, rock'n'roll high school"


E é na conclusão que a banda surge como incentivadora da rebeldia dos estudantes, ajudando a detonar a escola e tocando a música-tema, "Rock'n'Roll High School", enquanto o edifício pega fogo e explode, e a diretora fascista, vencida, é levada embora completamente louca como o seu antecessor - enquanto o professor de música careta, já "transformado" pelo som do punk rock e pelo consumo de drogas, afirma que os Ramones são "o Beethoven da sua época".

Enfim, não consigo imaginar um exemplo mais perfeito da vitória da "rebeldia roqueira adolescente" contra o "Sistema" do que este divertido filme, que, quem diria, está para fazer 30 anos. Incrivelmente, nada parecido foi produzido desde então, apesar de uma tentativa frustrada de dar seqüência ao sucesso, "Rock'n'Roll High School Forever", lançada em 1991 e sem os Ramones ou produtores originais na parada - embora a atriz Mary Woronov retorne no papel de diretora vilanesca, desta vez enfrentando... Corey Feldman!!!

ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL tem, claro, vários defeitos para os quais é preciso fechar um olho. E é uma comédia para roqueiros; por isso, quem não curte piadas sobre música (e sobre drogas) não deve passar nem perto. Já para quem é do ramo, o negócio é aumentar o volume da TV até o máximo e curtir 1h30min de pura diversão ao som de diversos clássicos dos Ramones (além deles, a trilha conta ainda com Alice Cooper, Velvet Underground, Brian Eno, Devo, Paul McCartney & The Wings e outros monstros da época). "Rock, rock, rock'n'roll high school"... Pelo menos nos filmes, a vida escolar é bem divertida!

PS: Para terminar, uma má notícia: o filme tem remake programado para 2010! Quem sabe até 2011 alguém não faz o favor de finalmente lançar uma edição especial aqui no Brasil...

Trailer de ROCK'N'ROLL HIGH SCHOOL


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Rock'n'Roll High School (1979, EUA)
Direção: Allan Arkush (e Joe Dante e Jerry Zucker)
Elenco: P.J. Soles, Paul Bartel, Mary Woronov,
Vincent Van Patten, Dey Young, Clint Howard,
Dick Smith e The Ramones.

sábado, 20 de dezembro de 2008

CANNONBALL (1976)


Você sabe que CANNONBALL é um autêntico FILME PARA DOIDOS, além de um daqueles "clássicos cult" de todos os tempos, só pela cena em que um afrescalhado chefão da máfia (feito pelo próprio diretor do filme, Paul Bartel) come um balde de frango frito e conversa com outros dois mafiosos, interpretados por, veja você, Martin Scorsese (!!!) e Sylvester Stallone (!!!), ambos em participação especial de 30 segundos! É mole ou quer mais?

Se quer mais, então saiba que CANNONBALL é estrelado por uma respeitável galeria de atores conhecidos, como os irmãos Carradine, Gerrit Graham, Mary Woronov e James Keach (irmão do Stacy), e tem mais um punhado de divertidas participações-relâmpago de gente como Dick Miller, os produtores Roger Corman e Don Simpson e os cineastas Joe Dante ("Gremlins"), Carl Gottlieb ("Amazonas na Lua"), Allan Arkush ("Rock'n'Roll High School") e Jonathan Kaplan ("Acusados").


Na época (anos 70), todos eles - inclusive o jovem Stallone - integravam a turma da New World Pictures, a produtora de Roger Corman, e acabaram entrando nisso que se transformou numa bela brincadeira de cinéfilo. Era uma época, também, em que filmes com carros em alta velocidade estavam na moda, apesar de a garotada de hoje achar que bobagens tipo "Velozes e Furiosos" (argh!) são novidade.

CANNONBALL (que no Brasil ganhou o desnecessário subtítulo "A Corrida do Século") faz parte de um ciclo de filmes de perseguições automobilísticas produzido por Roger Corman. Entre as obras, se destacam o cult "Ano 2000 - Corrida da Morte" (1975, também dirigido por Paul Bartel), "Eat My Dust" (1976) e "Grand Theft Auto" (1977, ambos dirigidos pelo hoje famoso Ron Howard).

Este ciclo foi recentemente homenageado por Quentin Tarantino em "À Prova de Morte", como parte do mal-sucedido projeto "Grindhouse", mas ele não chegou nem perto do clima dos filmes antigos.


E foi em 76, logo após o sucesso de "Ano 2000 - Corrida da Morte", que o mesmo Bartel escreveu o roteiro (com Don Simpson) sobre uma famosa corrida ilegal chamada Cannonball.

Com o valor de alguns galões de gasolina e David Carradine, o astro de seu filme anterior, ele rodou esta pequena gema - que alguns desavisados sites informam ser continuação de "Ano 2000...", quando os dois filmes não têm qualquer relação. Curiosamente, no mesmo ano de 76, foi lançado outro filme com o mesmo tema, a comédia "The Gunball Rally".


Tanto CANNONBALL quanto "The Gunball Rally" são inspirados numa famosa corrida fora-da-lei real, criada pelos amigos e pilotos Brock Yates e Steve Smith em 1971, e batizada "Cannonball Baker Sea-To-Shining-Sea Memorial Trophy Dash".

Era, ao mesmo tempo, uma homenagem e um protesto ao sistema rodoviário norte-americano: homenagem porque celebrava a boa condição das estradas, e protesto porque fazia escárnio do reduzido limite de velocidade nas mesmas estradas. O objetivo da tal corrida era pilotar qualquer veículo de quatro rodas de Nova York até Los Angeles, driblando a polícia e outros competidores.

A mesma competição deu origem à famosa comédia "The Cannonball Run" (no Brasil, "Quem Não Corre, Voa!"), em 1981.


E é a tal competição ilegal a verdadeira protagonista deste filme do Bartel: os demais personagens são apenas caricaturas, uma espécie de versão adulta e violenta do desenho "Corrida Maluca", e a graça de CANNONBALL é ver pilotos e veículos se estrepando em fantásticas cenas em alta velocidade, realizadas por dublês, anos antes da computação gráfica tornar fichinha a produção desse tipo de malabarismos.

O nome da corrida ilegal do filme é "Trans-America Grand Prix", com trajeto entre Los Angeles, California e Nova York. O "Cannonball" do título é o apelido do piloto interpretado por David Carradine, Coy "Bala de Canhão" Buckman, ex-presidiário em liberdade condicional que tenta retomar sua carreira no automobilismo justamente vencendo o tal torneio, que dá uma bolada em dinheiro como prêmio.


Junto com Coy, competem outros malucos em máquinas envenenadas, usando de trapaças, golpes sujos e violência para eliminar os rivais pelo caminho e faturar o prêmio. Entre os competidores estão o malvado Cade Redman (Bill McKinney), que pilota acompanhado de um astro da música country (Gerrit Graham, de "O Fantasma do Paraíso"); uma van com três gostosas, conduzida pela estrelinha cult Mary Woronov (que, na vida real, nem sabia dirigir); um alemão arrogante que dirige falando sozinho (James Keach), e até um simpático casal de adolescentes apaixonados (Robert Carradine, irmão de David, e Belinda Balaski, atriz de estimação do Joe Dante).

Num toque de gênio, Coy disputa a corrida auxiliado pelo seu mecânico, Zippo Friedman (Archie Hahn), que pilota um outro carro, idêntico ao seu, para confundir os rivais!


É claro que, à medida que os quilômetros são superados e a rivalidade aumenta, CANNONBALL descamba para incríveis acidentes e explosões. Só duas destas cenas já valem o filme todo: Coy acelerando seu carro para saltar o trecho ainda não-construído de um viaduto (cena que se tornaria clichê do "cinema de velocidade", e aqui realizada com maestria), e um incrível engavetamento envolvendo dezenas de veículos, numa sucessão de batidas e explosões digna do final de "Os Irmãos Cara-de-Pau", de John Landis!

Como os carros e cenas em alta velocidade (filmadas e editadas com maestria) são as verdadeiras atrações, e os atores e participações especiais acabam ficando em segundo plano, torna-se até desnecessário tentar acompanhar a história, que, como no caso de "Ano 2000 - Corrida da Morte", tem vários toques de humor, principalmente aqueles que envolvem os criativos truques usados pelos pilotos para tirar seus rivais da jogada ou para fugir da polícia - destaque para as garotas da van, que seduzem dois policiais para não serem presas por dirigir em alta velocidade! O trailer é uma aula de como vender um filme de ação.


No fim, o espectador se pega até torcendo para que o seu piloto preferido cruze antes a linha de chegada (eu fiz o mesmo em "Quem Não Corre, Voa!"). E é este mosaico de personagens excêntricos e suas rivalidades que transformam CANNONBALL num divertido e barulhento filme de ação à moda antiga. Nem que seja só para curtir as participações especiais.

Resumindo: diversão pura e simples para pessoas de bom gosto. Pena que, ao contrário de "Quem Não Corre, Voa!", que teve duas seqüências, CANNONBALL ficou apenas neste primeiro filme. Seria divertido ver Coy "Cannonball" Buckman encarar outras edições do "Trans-America Grand Prix", disputando quilômetros com outros pilotos ainda mais malucos.

Só espero que o Paul W.S. Anderson, que maculou "Ano 2000 - Corrida da Morte", não invente de refilmar este também.

Trailer de CANNONBALL



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Cannonball (1976, EUA)
Direção: Paul Bartel
Elenco: David Carradine, Bill McKinnney, Veronica
Hamel, Dick Miller, Paul Bartel, Gerrit Graham,
Robert Carradine e Belinda Balaski.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

HOLLYWOOD BOULEVARD (1976)


Com a câmera armada no tripé e pronta para filmar, um diretor de cinema orienta seus dois atores, que estão fora do quadro: "Bobbi, esta é sua grande cena. Sua fala é a mais importante, ela representa toda a essência do filme, entendeu? Então vamos lá: Ação!". A câmera começa a rodar e os atores - um homem e uma mulher completamente pelados! - finalmente entram no quadro, ela com um facão apontado para ele, ameaçando: "Get it up or I'll cut it off!" (Levanta esse troço ou eu corto fora!).

Só esta cena simbólica já dá uma idéia do que é HOLLYWOOD BOULEVARD, comédia de 1976 perdida nas poeiras do tempo, ao mesmo tempo uma homenagem e uma sátira irônica às pequenas produtoras que, com um mínimo de recursos e condições, rodavam exploitation movies baratíssimos, repletos de sexo e violência, para exibição em drive-ins na década de 70. "Homenagem" porque o filme inclui toneladas de referências a pessoas e produções da época (inclusive cenas de outros filmes, usadas na edição); "sátira irônica" porque a história é um retrato cômico, porém bastante fiel, do que fazia a própria produtora New World, de Roger Corman, que bancou esta comédia.


Escrito por Danny Opatoshu com o pseudônimo Patrick Hobby (ele depois escreveria o ainda mais alucinado e engraçado "Get Crazy"), HOLLYWOOD BOULEVARD foi a chance que o produtor Corman deu a dois jovens colaboradores da New World para que dirigissem seu primeiro filme, desde que o fizessem em tempo recorde (10 dias) e com um orçamento minúsculo até em comparação às produções baratas rodadas por Corman na época (custou 60 mil dólares).

Os jovens colaboradores, então completos desconhecidos, eram Allan Arkush ("Rock'n'Roll High School", "Get Crazy") e Joe Dante ("Piranha", "Gremlins"). E este primeiro trabalho está no nível do que ambos fariam depois: maluco e anárquico, porém nostálgico e respeitoso ao universo em que ambos se criaram, o dos filmes classe B.

A história começa com uma ingênua garota do interior, Candy Hope (a bela Candice Rialson), chegando a Hollywood com o objetivo de tornar-se estrela de cinema. Mas ela não consegue emprego nos estúdios por ser inexperiente na área. Após participar, sem querer, de um assalto a banco, ela acaba se associando a um agente picareta chamado Walter Paisley (o eterno coadjuvante Dick Miller, aqui em raro papel principal), e, através dele, vai parar nas produções baratas da Miracle Pictures (cujo slogan é: "Se é um bom filme, é um Milagre"!!!).


Sempre sob a direção do excêntrico cineasta Erich Von Leppe (Paul Bartel, ele próprio um cineasta cult na época!), Candy acaba estrelando exploitation movies como "Machete Maidens of Mora Tau" (rodado nas Filipinas!!!) e "Atomic War Brides", que começa como um roteiro de aventura nos anos 50 e se torna ficção científica pós-apocalíptica no decorrer das filmagens!!!

Há ainda um mistério a resolver: várias atrizes da Miracle Pictures andam morrendo misteriosamente em "acidentes", como pára-quedas que não abrem e tiros de verdade disparados pelas armas de figurantes (cena que antecedeu em duas décadas a morte real do ator Brandon Lee no filme "O Corvo"). Quem será o misterioso assassino? O diretor Von Leppe? A estrela ciumenta da produtora, Mary McQueen (interpretada pela musa de Bartel, Mary Woronov)? O roteirista frustrado Patrick (Jeffrey Kramer)? Ou o produtor P.G. (Richard Doran), que costuma selecionar suas atrizes transando com elas na traseira de uma van?

O roteiro de HOLLYWOOD BOULEVARD é o que menos interessa, já que o filme na verdade é uma seqüência caótica e não-linear de piadas/homenagens ao mundo do cinema, que inclusive pode ser vista como se fossem quadros isolados, estilo "Amazonas na Lua".


Fãs de cinema em geral vão se divertir muito: a citação já começa com o título, uma brincadeira com o clássico "Crepúsculo dos Deuses" (no original, "Sunset Boulevard"). Já as tralhas da Miracle Pictures mostram cenas retiradas de "clássicos" reais da New World, como "Ano 2000 - Corrida da Morte", "The Big Bird Cage", "Sombras do Terror" e "Big Bad Mama".

O Von Leppe de Bartel (que parece estar interpretando ele mesmo) é a síntese dos cineastas exploitation. Nas filmagens nas Filipinas, ele explica às suas atrizes, vestidas com enormes decotes e portando metralhadoras: "Sua motivação é... massacrar 3.000 soldados asiáticos!", e na cena seguinte vemos as moças metralhando indiscriminadamente multidões de figurantes filipinos (em cenas tiradas de "The Big Bird Cage" e "The Big Doll House", ambos produzidos por Corman e dirigidos por Jack Hill nas Filipinas).

O mesmo Von Leppe tenta convencer Candy que uma cena sensacionalista de estupro coletivo por nativos filipinos é "o sonho de toda atriz", e não perde a pose nem quando os figurantes levam a coisa a sério demais e se recusam a atender a ordem de "corta!" do diretor!

Mais adiante, durante as filmagens de "Atomic War Brides", aparecem cenas, carros e figurinos de "Ano 2000 - Corrida da Morte", que o próprio Bartel havia dirigido em 1975 com David Carradine e Sylvester Stallone. A cena em que figurantes usam qualquer fantasia existente no depósito da produtora para criar "mutações pós-apocalípticas" é hilária, e lembra muito filme bagaceiro onde isso foi feito de verdade. Quando uma atriz reclama que uma das "mutações" não passa de um figurante com uma máscara de gorila, o produtor P.G. simplesmente coloca um capacete de astronauta na cabeça do figurante, dizendo: "Agora é uma mutação simiesca". Trata-se, claro, uma homenagem ao ridículo "Robot Monster", dos anos 50, onde o grande vilão era um gorila com um escafandro na cabeça!


Há toneladas de outras referências ao cinema barato daquela época: quando Candy, Walter e Patrick vão à pré-estréia de "Machete Maidens of Mora Tau" (num drive-in!!!), outros dois filmes são exibidos, "Zombie in the Attic" e "Moonmen from Mars" (!!!), o primeiro aproveitando cenas com Boris Karloff retiradas de "Sombras do Terror", e o segundo mostrando um ridículo e sangrento duelo entre monstros bagaceiros (asquerosamente semelhantes a um pênis e uma vagina), tirado de "Battle Beyond the Sun", ambos também produzidos por Corman.

E mais: Dick Miller interpretou um personagem chamado "Walter Paisley" em "A Bucket of Blood" (dirigido por Roger Corman em 1959), e uma sangrenta cena de assassinato a punhaladas foi dirigida por Joe Dante com inspiração confessa nos filmes do italiano Mario Bava! De tão violenta, a tal cena de esfaqueamento acabou sendo utilizada em outros filmes produzidos pela New World (posteriormente rebatizada Concorde), como "The Slumber Party Massacre" e "Vampiro das Estrelas".

Quem não é do ramo também pode se divertir com HOLLYWOOD BOULEVARD, mesmo sem pegar estas citações todas. Não tem como não rir imaginando que muitos filmes classe B da época (principalmente os da New World) realmente eram realizados da mesma forma que as produções da Miracle Pictures, e sempre estrelados por garotas ingênuas que não tinham vergonha de tirar a roupa diante das câmeras sonhando se tornar grandes estrelas de cinema.

Uma ótima cena mostra Candy e duas outras atrizes (interpretadas pelas gatas Rita George e Tara Strohmeier) revoltando-se quando um dos membros da equipe de filmagens vai espiá-las tomando banho de sol de topless - e isso que elas ficaram completamente nuas durante a maior parte das cenas gravadas momentos antes. "Se quer ver nossos peitos, vai ter que pagar a entrada!", reclama uma delas. Como todo bom filme sobre o universo exploitation, HOLLYWOOD BOULEVARD também está repleto de cenas gratuitas de nudez e violência!

Para tornar ainda mais saborosa a brincadeira, o elenco tem diversas caras conhecidas em pequenas participações. Além de todos os já citados, o diretor Joe Dante aparece como figurante numa festa chique de Hollywood, ao lado de Forrest J. Ackerman (editor da antológica revista Famous Monsters of Filmland), do roteirista Opatoshu, do futuro diretor Lewis Teague (de "Alligator" e "Olhos de Gato") e até do robô Robby, do clássico sci-fi "Forbidden Planet"!!!


Também surgem, em pequenas participações, os cineastas Allan Arkush, como um xerife; Jonathan Kaplan ("Acusados"), como o diretor de produção da Miracle Pictures, e Jonathan Demme ("O Silêncio dos Inocentes"), vestindo uma fantasia de Godzilla!!! Só estas participações já fazem de HOLLYWOOD BOULEVARD um autêntico FILMES PARA DOIDOS!

O mais irônico é que tanto Dante quanto Arkush se dedicaram de corpo e alma à produção desta sua primeira obra por pensarem que não teriam outras chances no cinema! Sorte que esta previsão pessimista não se tornou realidade: um logo saltou para os blockbusters, mas mantendo aquele climão de classe B das produções que dirigiu para Roger Corman ("Gremlins", por exemplo, é um típico filme B com orçamento classe A, e tem até Dick Miller no elenco!); o outro teve tempo de fazer uma das melhores comédias dos anos 80, "Get Crazy", antes de cair no limbo dos produtores de filmes para a TV...

PS 1: Infelizmente, HOLLYWOOD BOULEVARD ficou tão obscuro com o tempo que não há vídeos do filme no YouTube, apenas este divertido clip da música "Everybody's Doing It", por Commander Cody and his Lost Planet Airmen, que invade uma cena de romance da película. Como a música é divertida (e a interpretação da banda idem), fica como aperitivo para entrar no clima do filme.

PS 2: Várias piadas acabaram sendo reaproveitadas em outros filmes. É o caso de "Amazonas na Lua", co-dirigido por Joe Dante, onde aparece um exploitation movie produzido pela "Miracle Pictures", inclusive com a reprodução do já clássico slogan "Se é um bom filme, é um Milagre".

PS 3: Em 1988, Corman produziu e Steve Barnett dirigiu "Hollywood Boulevard 2", lançado em vídeo no Brasil como "Um Filme Muito Louco". Apesar do título original, é um remake, e não seqüência, do filme de 76. No elenco, as atrizes pornô Ginger Lynne e Tracy Lords.

Videoclip de "Everybody's Doing It"



Joe Dante fala sobre HOLLYWOOD BOULEVARD



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Hollywood Boulevard (1976, EUA)
Direção: Joe Dante e Allan Arkush
Elenco: Candice Rialson, Mary Woronov, Paul
Bartel, Rita George, Jeffrey Kramer, Dick Miller,
Richard Doran e Tara Strohmeier.