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sábado, 20 de outubro de 2018

O IMPÉRIO DAS FORMIGAS (1977)


Seu nome de batismo é Bert Ira Gordon, mas ele sempre assinou como Bert I. Gordon. As iniciais do seu nome deram origem ao apelido “Mr. B.I.G.”, que sempre lhe fez jus: desde a sua estreia como diretor no impagável “King Dinosaur” (1955), nosso Mr. B.I.G. sempre gostou de monstros gigantes, ainda que o orçamento minúsculo que geralmente tinha à disposição não acompanhasse a grandiosidade de suas ideias e pretensões - para comparação, imagine o James Cameron tentando trabalhar com os valores de produção da The Asylum ou do SyFy Channel.

Gordon e seu alter-ego Mr. B.I.G. surgiram num momento apropriado em que os cinemas norte-americanos estavam sendo invadidos por monstros gigantes, geralmente criados pela radiação - um reflexo imediato, mea culpa para alguns, das bombas atômicas que aniquilaram Hiroshima e Nagasaki em 1945.


Neste período, monstros góticos como vampiros, lobisomens e múmias não estavam com nada: a onda era fazer filmes com dinossauros, animais gigantes e imensos monstros marinhos ou alienígenas. E isso numa época em que os ingênuos “efeitos especiais” ainda se resumiam a trucagens fotográficas, bonecos de borracha e stop-motion.

Foi o período de mestres como Ray Harryhausen (e os monstros em stop-motion que ele animou para clássicos como “O Monstro do Mar / The Beast from 20,000 Fathoms”, de 1953, ou “O Monstro do Mar Revolto / It Came from Beneath the Sea”, de 1955), Jack Arnold (e sua aranha gigante de “Tarântula”, em 1955) e principalmente o japonês Ishirô Honda, o criador de “Godzilla” (cujo primeiro filme é de 1954). Jogando pela lateral, e com um terço do orçamento de qualquer um dos anteriormente citados, surgiu o homem que viria a ser conhecido como Mr. B.I.G.


Bert I. Gordon nasceu em Kenosha, Wisconsin, a mesma cidade de Orson Welles (coincidentemente, os dois trabalhariam juntos em 1972, quando um Welles em fim de carreira foi dirigido por Gordon no terror “O Feiticeiro”). Aos 9 anos de idade, o ainda pequenino Mr. B.I.G. já se divertia fazendo filminhos com a câmera da família; curtas com efeitos fotográficos simplórios no estilo Georges Méliès.

Vinte-e-poucos anos depois, quando apareceu a chance de fazer seu primeiro filme “profissional”, o rapaz-prestes-a-se-tornar-Mr. B.I.G. pensou grande e atacou copiando os sucessos da época com criaturas gigantescas. Seu “King Dinosaur” era uma produção tão furreca que não havia qualquer dinheiro para fazer o monstrão que o título anunciava, muito menos em stop-motion, que era como mestres tipo Harryhausen davam vinda a essas criaturas antes do surgimento da computação gráfica.

A solução encontrada pelo diretor foi hilária: arrumar um monstro-de-gila, aqueles lagartões que realmente se parecem com monstros pré-históricos, e colocá-lo para contracenar com o elenco humano por meio de um truque tão simples quanto eficiente: as cenas com o bichão em tamanho normal eram aplicadas diretamente no negativo, e faziam com que ele parecesse gigante ao lado dos atores!


A partir de então, a “grandiosidade” (que, repito, não se aplicava aos orçamentos) tornou-se uma constante na carreira de Mr. B.I.G.. Talvez para compensar qualquer coisa (insira aqui a sua própria piadinha), ele resolveu se especializar em filmes com coisas gigantes tipo “Beginning of the End” (1957), com gafanhotos gigantes invadindo Chicago; “The Amazing Colossal Man” (1957), sobre um sujeito que fica gigante após contaminação radioativa (e que era o extremo oposto ao “Incredible Shrinking Man” do Jack Arnold); “Earth vs. the Spider” (1958), uma cópia vagabunda de “Tarântula” com outra aranha gigante, e por aí vai.

Apesar da grandiosidade dos seus monstros, o mais perto que Mr. B.I.G. chegou de um “grandioso” sucesso foi em 1976, com sua adaptação do livro “O Alimento dos Deuses”, de H.G. Wells. Neste belíssimo filme B, que aqui no Brasil foi rebatizado “A Fúria das Feras Atômicas”, Marjoe Gortner, Ida Lupino e outros pobres-coitados enfrentam abelhas, galinhas e ratos gigantes. A obra foi distribuída pela American International Pictures (AIP), do lendário Samuel Z. Arkoff, e foi a maior renda da distribuidora naquele ano.


O sucesso de “A Fúria das Feras Atômicas” deve ter subido às cabeças de Mr. B.I.G. e de Arkoff, pois já no ano seguinte eles tentaram repeti-lo filmando outra história de H.G. Wells (desta vez um conto), e novamente com animais gigantes - seria o oitavo filme de Gordon nesta temática. Só que desta vez o resultado foi um clássico da tosqueira chamado O IMPÉRIO DAS FORMIGAS - que o nosso querido SBT rebatizou com um título mais chamativo, “Formigas Gigantes”, e reprisou uma centena de vezes com outros nomes.

“The Empire of the Ants”, o conto de Wells que “inspirou” o filme, só tem em comum com a adaptação o título original e a imagem de um barco em chamas. Para começo de conversa, as formigas de H.G. sequer são gigantes (a maior delas mede 5 centímetros); o caso é que elas desenvolveram inteligência para atacar os humanos e se organizar num grande exército. Escrita no começo do século passado, a história foi publicada pela primeira vez na revista “The Strand Magazine” em 1905, e depois republicada na “Amazing Stories” de agosto de 1926. A partir de 1927, o conto ganharia espaço em “The Short Stories of H.G. Wells”, uma antologia com as histórias curtas do autor. Desconheço se chegou a ser traduzido e publicado no Brasil. Falando nele, a história de Wells se passa, vejam só, aqui no Brasil, onde um capitão da Marinha recebe a missão de liderar um navio de guerra até a vila de Badama, na Amazônia, para investigar relatos de que hordas de formigas estariam ameaçando os humanos. Ele chega ao local e descobre que as bichinhas dizimaram uma aldeia e devoraram seus habitantes até os ossos. Quando um oficial da sua tripulação também morre, vitimado pelo veneno dos insetos, o protagonista assume que não há a menor lógica em combater um inimigo tão pequeno com canhões, e volta para reportar o fracasso da missão. Na conclusão pessimista, projeta-se que em poucos anos as formigas terão dominado a América do Sul e começarão a subir para devastar a do Norte também...

(Quer ler “The Empire of the Ants” em seu idioma original? Então clique aqui!)


Rodado em novembro de 1976 e lançado no ano seguinte, O IMPÉRIO DAS FORMIGAS, o filme, começa com uma bisonha introdução mostrando imagens de singelas formiguinhas trabalhando, enquanto um narrador mais entusiasmado do que deveria destaca algumas das qualidades do bichinho. A voz pertence a Marvin Miller, e se você reconhecê-la de cara é porque Marvin também dublou o mitológico Robby the Robot no clássico da ficção científica “Planeta Proibido”, de 1956.

“Esta é a formiga. Trate-a com respeito, pois ela pode se tornar a próxima espécie dominante do planeta”, alerta a cavernosa voz do narrador. Segundo ele, existem mais de 15 mil diferentes espécies de formigas no mundo, e elas poderiam usar uma substância conhecida como feromônios para “forçar obediência” em seus inimigos. Na vida real não é bem assim, claro, mas como algo semelhante acontecerá no ato final eles precisavam justificar de alguma forma.

Do pequeno documentário sobre formigas, o filme corta para um barco em alto-mar, onde técnico vestidos exatamente como os ginecologistas de “Gêmeos, Mórbida Semelhança” (1988), do Cronenberg, despejam barris de lixo radioativo em pleno oceano. O diretor faz questão de frisar a periculosidade do ato com incontáveis takes, de todos os ângulos possíveis e imagináveis, da mensagem gravada na lateral dos barris: “Danger: Radioactive Waste - Don't open” (acho que o espectador conseguiu entender...).

   
Corta novamente para a costa da Flórida, onde tem início nosso drama pequeno-burguês (e deveras desinteressante) sobre um grupo de pessoas endinheiradas que foi convidado pelos sócios e amantes Marilyn Fryser (interpretada pela inglesa Joan Collins) e Charlie Pearson (Edward Power) para visitar um novo loteamento de luxo chamado Dreamland Shores, que fica numa ilha próxima e terá mansões, campos de golfe, quadras de tênis, marinas, etc etc...

Por ora, entretanto, o local não passa de uma armadilha para os futuros investidores: primeiro, é uma área pantanosa que em nada lembra um loteamento de luxo, com lotes superfaturados localizados simplesmente no meio do nada; e segundo porque um daqueles barris com lixo radioativo identificados com “Danger: Radioactive Waste - Don't open” (o diretor dá um novo close na gravação para não deixar dúvida) foi levado pelas ondas até o local e começou a vazar, atraindo inofensivas formiguinhas que, ao consumir o material tóxico, ficam gigantes e razoavelmente inteligentes.


Ou pelo menos elas deveriam ser inteligentes segundo o roteiro do filme, mas a verdade é que o requisito sequer é exigência diante da completa imbecilidade de todos os personagens humanos de O IMPÉRIO DAS FORMIGAS.

Aliás, deve-se destacar desde já que o filme provavelmente reúne a maior coleção de pessoas desagradáveis da história do cinema fantástico - dos sócios picaretas de um loteamento de luxo fuleiro aos velhinhos que só foram visitar o local para comer e beber de graça, sem esquecer do sujeito casado que acha a coisa mais normal do mundo quase violentar uma colega de viagem estando ambos a 100 metros do resto da turma!


Felizmente, o capitão da lancha que levou essas pessoas até a ilha, Dan Stokely, é interpretado por Robert Lansing, o “Homem 4-D” em pessoa do filme “Quarta Dimensão”. E ele empresta alguma dignidade a tamanho grupo de calhordas, embora seu personagem seja aquele tipo antissocial que não quer muita conversa com ninguém; perto de pessoas tão horríveis, é o único com quem o espectador pelo menos consegue simpatizar.

Depois de meia hora de lenga-lenga e personagens desagradáveis falando e fazendo coisas desagradáveis, finalmente as formigas gigantes entram em cena para dizimar o elenco humano, praticamente nos levando a torcer para que os insetos não apenas matem todo mundo, mas também conquistem a humanidade inteira.


Num elenco repleto de nomes de pouca expressão e/ou vindos dos seriados de TV, dois destaques são Jacqueline Scott de cara limpa (ela interpretava a chimpanzé Kira no fracassado seriado d'O Planeta dos Macacos, em 1974) e Pamela Susan Shoop como a principal mocinha (ela que é mais lembrada como uma das vítimas de Michael Myers em “Halloween 2”, quando também mostrou as peitolas que nunca vemos aqui em O IMPÉRIO DAS FORMIGAS).

Já os dois grandes astros do filme, Joan Collins e Robert Lansing, sempre renegaram a produção. À época, ambos já tinham passado um pouquinho da idade para ganhar propostas melhores em grandes produções de Hollywood (ela estava com 43 anos, ele com 48), e tinham que se virar com os poucos roteiros que chegavam às suas mãos, tipo esse, para pagar as contas.


Ironicamente, a carreira de Joan ganhou uma sobrevida quatro anos depois, quando ela começou a fazer muito sucesso no elenco do seriado-novelão “Dinastia”, que ficou no ar durante oito anos. A atriz interpretava a charmosíssima perua Alexis Carrington Colby e sua personagem era um sucesso (apareceu em 204 dos 217 episódios!). Por conta desta valorização tardia, O IMPÉRIO DAS FORMIGAS foi relançado em vídeo com uma vexaminosa campanha que fazia referência ao seriado, com chamadas como “Uma DINASTIA de formigas ataca Joan Collins!” e “Veja Joan Collins gritar e ainda parecer maravilhosa!”.

Em sua autobiografia “Past Imperfect”, Joan disse que trabalhar em O IMPÉRIO DAS FORMIGAS foi um pesadelo e uma das experiências mais difíceis de sua carreira (talvez ela tenha que atualizar o livro, pois apareceu no abominável “Os Flintstones - Viva Rock Vegas” anos depois). Em 1976, quando o roteiro caiu em suas mãos, a situação estava tão complicada que ela chegou a procurar agências de emprego em busca de qualquer trabalho, distribuindo autógrafos para fãs desempregados enquanto preenchia formulários.


Segundo a atriz, os “ataques” com as formigonas de borracha arranhavam e machucavam os atores (ela inclusive), e, na filmagem de uma cena em que os protagonistas nadavam num pântano, o elenco estava rodeado por crocodilos reais que tinham que ser afastados por um contra-regra! O fato da pobre Joan passar o filme inteiro zanzando ou correndo por uma floresta bastante real, boa parte do tempo molhada por causa de chuva bastante real ou do lodo de um pântano bastante real (que lhe causou uma infecção bastante real nas pernas), deve ter contribuído para a atriz não guardar boas memórias da produção...

Numa entrevista à revista Starlog, em dezembro de 1989, o já falecido Lansing também detonou Mr. B.I.G. e seu filme: “Eles compraram o título do conto do H.G. Wells, mas não acho que havia qualquer interesse em realmente filmar a história. Meu Deus, aquilo era horrível! O problema principal era o diretor, ele era um monstro. Um cara que descobriu uma maneira de fazer efeitos especiais, e, rapaz, isso era a única coisa que ele sabia!”.


Falando no dito cujo, o diretor Gordon declarou (em sua autobiografia “The Amazing Colossal Worlds of Mr. B.I.G.”) que tinha o sonho de adaptar “The Empire of the Ants” para o cinema desde a tenra juventude, pois este era um de seus contos preferidos de H.G. Wells. Por que exatamente ele resolveu trocar as formigas de tamanho normal, organizadas com inteligência e estratégia, por formigas gigantes nunca saberemos, porém eu imagino que tenha sido para ficar alinhado com seu apelido e a fama a ele atribuída.

Por outro lado, talvez tenha algo a ver com o lançamento, três anos antes, de uma obra-prima chamada “Fase IV - A Destruição” (1974), o único longa-metragem dirigido pelo artista Saul Bass, e que já mostrava, de forma magistral, a humanidade sendo desafiada por uma raça de formiguinhas inteligentes, que combatiam o inimigo maior de tamanho com esperteza, e não com força bruta.


É possível que, num momento de extrema humildade indigno do seu apelido, Mr. B.I.G. tenha imaginado que não conseguiria fazer nada minimamente parecido com “Fase IV” usando formigas de tamanho normal. Ou então ele simplesmente quis fazer um remake disfarçado e colorido de “Them! - O Mundo em Perigo” (1954), de Gordon Douglas, que já trazia formigonas tocando o terror - essas tinham sido criadas pelos famosos testes atômicos no Novo México.

Na primeira meia hora de O IMPÉRIO DAS FORMIGAS, num toque à la “Tubarão” (1975), Mr. B.I.G. esconde suas formigas do espectador. A única coisa que as identifica como antagonistas é um curioso efeito fotográfico de imagem multiplicada, como se fosse a “visão em primeira pessoa” dos bichinhos. Nunca entendi se existe qualquer evidência científica de que as formigas enxergam desse jeito, embora esta “certeza” me acompanhe desde a primeira vez que vi O IMPÉRIO DAS FORMIGAS. Eu já li que, na realidade, elas são quase cegas e se guiam mais pelas antenas e por substâncias químicas deixadas pelas colegas. Algum entomologista de plantão gostaria de esclarecer o caso?


Quando as formigas gigantes anunciadas pelo título brasileiro do SBT finalmente entram em cena... Bem, digamos que não é exatamente a mais crível das ameaças! Quando eu vi o filme ainda criança, por volta de 1988, tudo parecia muito mais convincente; talvez porque a transmissão do SBT lá em casa era bem ruim, e a gente via mais sombras do que qualquer outra coisa. Revendo o filme agora, com imagem cristalina, salta aos olhos a vagabundagem dos truques fotográficos adotados por Mr. B.I.G.

O que o diretor faz é intercalar planos gerais em que os atores “interagem” com os monstros graças à magia da ampliação fotográfica com outros planos mais fechados em que, aí sim, uma formiga gigante “real”aparece atacando os protagonistas!


No primeiro caso, formiguinhas de verdade foram filmadas em outra hora e lugar e ampliadas por meio de uma técnica conhecida como “macrofotografia”; depois, usando o recurso do split screen, ou tela dividida, estas imagens ampliadas dos insetinhos foram sobrepostas nas cenas em que elas precisavam aparecer (sempre em alguma das extremidades do quadro), dando a impressão de que as formigas são maiores do que os atores (como Gordon faz desde os tempos de “King Dinosaur”).

No segundo caso, trata-se de um óbvio bonecão inexpressivo e que mal se mexe. O diretor tentou consertar a falsidade do seu monstro filmando todo e qualquer ataque com a câmera sacudindo freneticamente, de maneira que o espectador não consiga reconhecer nada com muita clareza, muito menos o bonecão inexpressivo - visionário, Gordon adotou o “operador de câmera epilético” 25 anos antes de Danny Boyle transformar isso em tendência com “Extermínio”, de 2002.


Devo dizer que eu particularmente prefiro as cenas em que os atores interagem com algo “físico e palpável”, mesmo que seja o tal bonecão, do que com as trucagens terríveis que colocam formigas reais junto com os atores. Porque é óbvio que, nestas montagens, os coitados estão olhando para nada, fingindo que veem formigas que serão inseridas apenas na pós-produção, numa pré-histórica montagem pré-CGI que é artificial tanto para o ator quanto para o espectador que assiste.

Mas não se engane: as formigonas de O IMPÉRIO DAS FORMIGAS são muito menos eficientes do que aquelas que ameaçaram a humanidade em “Them! - O Mundo em Perigo”, vinte anos antes, e que também eram uns bonecões bem inexpressivos, só que aproveitados com mais estilo e criatividade.

Boa parte do orçamento miserável que Gordon tinha deve ter ido para a confecção dessas formigonas, projetadas e construídas pelo mestre Ellis Burman Jr., do Burman Studios, que no mesmo ano  faria as máscaras dos alienígenas de “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”, do Spielberg, e em 1985 criou a maquiagem do lendário Sloth, de “Os Goonies”. O número de agosto de 1977 da Famous Monsters of Filmland, que era “a” revista sobre cinema fantástico antes da popularização da Fangoria, trouxe um passo a passo do making-of da construção das formigonas pelo pessoal do Burman Studios, que você pode ver abaixo (clique na imagem para ampliar).


Para os que acham que estou sendo muito injusto com os “defeitos especiais” de um filme que já tem 40 anos, é bom lembrar que este departamento já estava sendo criticado NA ÉPOCA DO LANÇAMENTO DO FILME, quando boa parte do que se vê na tela já era considerado tosco tanto pelo público quanto pela crítica - ainda mais depois do diretor Gordon ter dado dezenas de entrevistas louvando os “revolucionários” processos fotográficos que tinham sido usados na produção. Claro que o fato de o filme ter estreado no mesmo ano de 1977 de produções repletas de ÓTIMOS EFEITOS, como “A Ilha do Dr. Moreau” do Don Taylor e o próprio “Guerra nas Estrelas” original do George Lucas, não ajudou em nada.

Justiça seja feita: algumas das trucagens ópticas de O IMPÉRIO DAS FORMIGAS até enganam, como as formigas andando pelo píer para chegar a uma lancha. Outras, entretanto, ficaram mais ou menos, como o casal de velhinhos que precisa fingir horror por encontrarem-se supostamente rodeados de formigas gigantes que não estavam ali quando a cena foi filmada (e algumas delas parecem estar voando, já que aparecem “caminhando” onde não há nenhuma superfície para tanto). E há momentos que chegam às raias da tosquice, com formigas “aplicadas” sobre o negativo que lembram um borrão escuro desenhado com caneta hidrocor. (Os exemplos citados podem ser conferidos nas imagens abaixo)


Anos atrás, em uma entrevista a Mike Gencarelli, do site MovieMikes, o diretor Gordon explicou que uma parte considerável das filmagens de O IMPÉRIO DAS FORMIGAS aconteceu num quarto de hotel na América Central: “As formigas reais eu filmei no Panamá. Entrei na selva com um entomologista da UCLA (Universidade da Califórnia) e filmamos as cenas que aparecem no início do filme. Então o entomologista coletou um montão de formigas ali mesmo. Elas eram venenosas, mas tinham corpos maiores. Eu as levei para o meu quarto de hotel, onde tinha uma tela azul e luzes, e filmei ali mesmo todas as cenas com as formigas reais, até porque eu não queria trazer nenhuma delas comigo para os Estados Unidos!”

Já o ator Robert Pine, um dos pobres-coitados que foi obrigado a “interagir” com os monstros no filme, lembrou como eram as filmagens numa entrevista ao livro “A Sci-Fi Swarm and Horror Horde”, de Tom Weaver: “É claro que nós nunca víamos as nossas inimigas, as formigas. Para dar uma ideia da importância dos seres humanos neste filme, o plano de filmagem era de 11 semanas, sendo cinco para os seres humanos e seis para as cenas com as formigas de verdade! Então nós todos pensamos: 'Bem, espero que corra tudo bem nas seis semanas de filmagem com as formigas, ou então nós vamos parecer muito estúpidos no filme finalizado'. E infelizmente não correu tudo bem, porque as formigas que eles ampliaram com trucagens ficaram parecendo... Isso mesmo, formigas comuns que foram ampliadas com trucagens!”.


O ator lembrou também do famigerado bonecão com quem teve que contracenar na cena em que “morre” atacado pelas terríveis formigas gigantes (imagens acima): “Para os planos de detalhe eles tinham essas formigas enormes de borracha que eram cortadas na cintura. Então um dos caras da equipe precisava segurar esses bonecões de borracha e sacudi-los para cima de nós. Era tão ridículo!”.

Diante do exposto, O IMPÉRIO DAS FORMIGAS poderia ser apenas mais um terror de baixo orçamento sobre humanos enfrentando insetos gigantes, só que o roteiro de Jack Turley (um veterano roteirista de TV, em seu único crédito para cinema) ainda reserva um ato final abominável e completamente absurdo, que lança o filme inteiro no território da comédia involuntária.

Quando os sobreviventes finalmente conseguem deixar a ilha e chegar à civilização, descobrem que a humanidade (ou parte dela, pelo menos) foi dominada pelas formigas gigantes inteligentes, e que a rainha do formigueiro - convenientemente montado numa refinaria de açúcar! - está transformando os humanos em escravos para trabalhar para elas, usando os tais “feromônios” citados na abertura (ahá!) para dominá-los.


Assim, os protagonistas que mal escaparam vivos ganham uma nova motivação: salvar o mundo da ameaça das formigonas escravizadoras de humanos, numa reviravolta tão tosca quanto mal-encaixada - até porque não faz sentido o fato de, durante toda a hora inicial do filme, as formigas parecerem mais preocupadas em MATAR os humanos do que em escravizá-los. Quando foi que elas mudaram de ideia, e por quê?

E se O IMPÉRIO DAS FORMIGAS termina com uma falsa sensação de segurança, é bom lembrar que os caras vestidos como os ginecologistas de “Gêmeos, Mórbida Semelhança” lançaram um montão de barris com lixo radioativo no oceano lá no começo do filme, e logo logo algum deles deve chegar a outra praia para reiniciar o processo de criação de insetos monstruosos...


O IMPÉRIO DAS FORMIGAS chegou aos cinemas norte-americanos em julho de 1977, mas passou longe de repetir o sucesso de “A Fúria das Feras Atômicas” - quem sabe porque ratos gigantes parecem muito mais ameaçadores do que formigas. Talvez Mr. B.I.G. estivesse certo em aumentar o tamanho dos insetos, porém: no mesmo ano, o telefilme “Formigas Assassinas”, de Robert Scheerer, foi um fracasso completo ao mostrar atores pagando mico, tentando que fingir total terror diante de minúsculas e inofensivas formiguinhas de tamanho normal!

Em parte por causa do sucesso de Joan Collins em “Dinastia” (lá fora) e das incontáveis reprises pelo SBT (aqui), O IMPÉRIO DAS FORMIGAS ganhou ares de filme de culto com o passar do tempo; mais uma daquelas tralhas divertidas que permanecem no imaginário popular, para o horror principalmente dos atores envolvidos - que esperavam, com razão, que o negócio fosse esquecido para sempre.

Revisto hoje, este filme que me impactou na infância parece não apenas datado em tudo, como ainda extremamente desinteressante, com personagens ruins agindo de maneira estúpida em uma narrativa titubeante, até chegar à escalafobética meia hora final na refinaria de açúcar que até parece outro filme. Se havia algum potencial na produção, Bert I. Gordon não soube explorá-lo tão bem quanto em “A Fúria das Feras Atômicas”. E é óbvio que um roteiro melhorzinho, com protagonistas e situações mais interessantes, ajudaria bastante.


Curiosamente, as formigas gigantes sobrevivem no imaginário popular, volta-e-meia reaparecendo inclusive em superproduções de Hollywood, ainda que como criaturas inofensivas (tipo aconteceu em “Querida, Encolhi as Crianças”, ou nas duas aventuras do Homem-Formiga).

Como monstros, elas também foram vistas recentemente na tosquice “Glass Trap / Armadilha de Vidro” (2005), de Fred Olen Ray, e numa produção obscura sem maiores referências chamada “GiAnts” (o trocadilho, pelo menos, é genial!), de 2008. A diferença é que aqueles terríveis efeitos fotográficos do Mr. B.I.G. deram lugar a criaturas de computação gráfica ainda menos convincentes!

PS 1: Embora seu último fime para cinema seja “Força Satânica”, de 1989, Bert I. Gordon continua vivo e atuante, ou pelo menos estava “até o fechamento desta edição”. Em 2015, ele lançou o pouco visto “Secrets of a Psychopath” direto em DVD, e logo logo deve estar completando a invejável marca de 100 anos de idade (em 24 de setembro de 2022, para ser mais exato).

PS 2: Para quem gosta de checar os créditos dos filmes em busca de nomes curiosos, O IMPÉRIO DAS FORMIGAS reserva uma curiosa surpresa: a assistente do diretor chamava-se “Adrienne Bourbeau”, e por um momento cheguei a imaginar que tratava-se de Adrienne Barbeau, a atriz cult de “Fuga de Nova York” e “A Bruma Assassina”. Mas não: trata-se de uma quase-homônima que, logo depois, foi assistente de Tobe Hooper no fantástico “Pague para Entrar, Reze para Sair” (1981).



Trailer de O IMPÉRIO DAS FORMIGAS




sexta-feira, 16 de outubro de 2009

KING DINOSAUR (1955)


Muitos leitores do FILMES PARA DOIDOS devem conhecer uma engraçadíssima comédia dos anos 80 chamada "As Amazonas na Lua", dirigida por um time de feras (Joe Dante, John Landis, Carl Gottlieb, Peter Horton e Robert K. Weiss), e dividida em quadros que satirizavam, entre outras coisas, comerciais e programas de televisão. Um dos momentos mais hilariantes era a exibição de um filme falso, supostamente uma ficção científica classe B da década de 50, chamada "Amazon Women on the Moon". Essa parte, claro, ironizava os clichês, as interpretações canastronas e principalmente os defeitos técnicos (e absurdos científicos) das produções daquela época.

Para quem já viu "As Amazonas na Lua", torna-se ainda mais engraçado topar com uma ficção científica classe B da década de 50 que se leve a sério, por mais ridículo que ela possa parecer nos dias hoje. É o caso dessa pequena gema trash chamada KING DINOSAUR, de 1955, que não passa de uma versão séria de "As Amazonas na Lua" - também dá para perceber que foi uma grande inspiração para os realizadores da sátira, que inclusive fizeram piada com várias cenas outrora sérias deste filme!

A produção é de um nome conhecido para os que curtem "cinema alternativo": Bert I. Gordon, ou Mister BIG (olha a pretensão do sujeito), o responsável por coisas como "The Amazing Colossal Man", de 1957, e o clássico do SBT "O Império das Formigas", de 1977. KING DINOSAUR é seu primeiro filme, e, vendo-o hoje, ninguém apostaria que o sujeito conseguiria chegar tão longe - e olha que o Mister BIG dirigiu filmes até o começo dos anos 90, embora atualmente esteja sumido.


Esta ficção científica é tão trash e ingênua que poderia muito bem rivalizar com o posterior "Plan 9 From Outer Space", de Ed Wood, pelo prêmio de "pior filme de todos os tempos" - na verdade uma injustiça, já que tem coisa bem pior e menos divertida do que ambos os filmes. A verdade é que KING DINOSAUR é tão ruim e mal-feito que para o espectador contemporâneo já funciona automaticamente como comédia na mesma linha de "As Amazonas na Lua". Alguém poderia exibi-lo nos cinemas hoje dizendo que é uma sátira aos filmes B dos anos 50, e não uma produção séria!

Eu nem sei por onde começar a falar sobre as "qualidades" do filme. Só sei que qualquer produção que tenha uma frase como "Eu trouxe a bomba atômica. Essa parece uma boa hora para usá-la..." merece entrar com louvor para o panteão dos clássicos do cinema trash.

KING DINOSAUR inicia com uma tonelada de cenas de arquivo (espírito de Ed Wood?) e uma narração explicando que foi descoberto um novo planeta em nosso Sistema Solar, batizado, sem qualquer originalidade, de "Planeta Nova". Os Estados Unidos formam um time com quatro cientistas para uma missão de reconhecimento no novo astro.


Tal equipe conta com o zoogeógrafo Richard Gordon (Douglas Henderson, que havia feito uma pontinha no "A Guerra dos Mundos" original), com a especialista em minerologia Norah Pierce (Patti Gallagher), com o médico Ralph Martin (William Bryant, que ironicamente faria uma ponta em "As Amazonas na Lua"!!!) e com a química Patricia Bennett (Wanda Curtis). Os quatro são os únicos atores "humanos" do filme, que certamente não entrou para a história do cinema pelo seu numeroso elenco...

A narração interminável dura mais de 10 minutos, com uma voz cavernosa explicando todo detalhe possível e imaginável sobre a missão, da construção do foguete que levará os quatro intrépidos aventureiros ao Planeta Nova até a explicação minuciosa dos testes feitos para assegurar o sucesso da viagem espacial ("Novos metais precisam ser criados para resistir à pressão atmosférica. Fraquezas estruturais também são estudadas e testadas... Cada teste possível é feito por máquinas e homens. Não há margem para erros", e por aí vai...).

Finalmente, o foguetinho em miniatura preso por um fio de nylon chega a Nova, e você percebe que a produção é furreca simplesmente porque não há qualquer cena no interior da nave (talvez não houvesse dinheiro para construir o cenário!). Já o momento que mostra dois dos astronautas improvisados descendo do foguete é hilariante: percebe-se claramente que uma miniatura de metal foi colocada bem pertinho da lente da câmera para dar a impressão de que existe uma estrutura imensa ali, e não apenas os atores descendo por uma escada de lugar nenhum! Veja a imagem abaixo e tire suas próprias conclusões:


Chegando a Nova, a coisa só vai ficando mais e mais engraçada, com direito a todos os diálogos toscos e cientificamente imprecisos que se espera de uma ficção dos anos 50: os quatro aventureiros descobrem que a atmosfera de Nova tem oxigênio (uma desculpa para eliminar as roupas de astronauta), e resolvem explorar o planeta.

É quando descobrem que o lugar é habitado por criaturas gigantescas, que se materializam através de tosquíssimos efeitos especiais de sobreposição de imagens (bichos filmados em seu tamanho real são "aumentados" sobre os fotogramas para os atores parecerem bem menores).

Saiba, por exemplo, que o "rei dinossauro" do título é um tiranossauro rex "interpretado" por uma iguana comum. Através de truques fotográficos simples, a pobre iguana "interage" com os atores humanos como se fosse um bicho gigantesco - o que obviamente não é.


E tome cenas da iguana andando de lá para cá num cenário em miniatura para parecer gigantesca. E tome cenas da iguana lutando com outros "gigantescos dinossauros", neste caso um lagarto e um filhote de crocodilo! (As lutas dos bichinhos são verdadeiras, com direito à morte dos pobres seres, décadas antes dos produtores italianos exterminarem animais em seus clássicos filmes sobre canibalismo.)

KING DINOSAUR é rápido e rasteiro, com 63 minutos de duração e um número tão expressivo de risadas por minuto que bate tranqüilamente qualquer "comédia" contemporânea do Will Ferrell ou do Adam Sandler.

Acredite: o filme do Mister BIG é engraçadíssimo, não só pela tosquice dos seus efeitos especiais e pelos répteis comuns "interpretando" dinossauros, mas especialmente pelos diálogos sem noção escritos anos antes da conquista do espaço, quando a mente fértil dos roteiristas de ficção científica ainda podia voar beeeem longe.


Vejamos alguns diálogos que dão uma bela idéia do que estou tentando explicar. Que tal este, entre um dos casais da expedição:
- Você tem idéia da hora?
- Talvez umas três da tarde no horário da Terra...
- Mas não sabemos quantas horas têm o ciclo do dia aqui. Talvez o tempo aqui passe mais rápido do que o nosso.
- Bem, vamos chutar três da tarde de qualquer jeito. Isso nos dá umas quatro horas antes de escurecer.


Ou este, que começa quando uma das moças faz uma pergunta inocente a um dos rapazes:
- Talvez você possa me ajudar. Lembra algo de química?
- O bastante para saber da química entre nós!


Ou ainda a reação de um dos casais ao topar com a "iguana rex":
- O que é aquilo?
- Não sei. Algo pré-histórico!
- Ai, é horrível! Atire nele...
- Pra quê? Não vai ajudar.



E por aí vai... Se fosse para elencar todos os diálogos antológicos de KING DINOSAUR, eu poderia muito bem publicar o roteiro na íntegra. Além disso, o diretor Gordon mostra que é realmente muito fácil e barato fazer um filme de ficção científica usando imagens de arquivo e até cenas roubadas de outra produção ("One Billion B.C.", dirigida por Hal Roach e Hal Roach Jr. em 1940).

Não bastasse toda a ruindade natural da coisa, KING DINOSAUR ainda brilha pela "intrépida" atuação de Douglas Henderson, que, sem qualquer jeitinho para lidar com as moças que dividem a cena com ele, acaba empurrando as pobres coitadas de um lado para o outro, isso quando não as arrasta brutalmente pelo chão, visivelmente machucando as atrizes.

E é por esse conjunto de brilhantismo que essa película merece seu lugar de honra entre os grandes trash movies jamais produzidos!

PARA ENCERRAR, UM SPOILER: Nada, mas nada mesmo, pode preparar o espectador para a conclusão, quando, após explodir Nova com uma bomba atômica portátil que levavam em sua nave, os astronautas declaram, sem o menor constragimento: "Acabamos de trazer a civilização para o Planeta Nova". hahahahahahaha. Genial genial...

Trailer de KING DINOSAUR


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King Dinosaur (1955, EUA)
Direção: Bert I. Gordon
Elenco: William Bryant, Wanda Curtis,
Douglas Henderson, Patti Gallagher e
um monte de répteis!