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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO (1983)


É com MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO que começa o MITO Chuck Norris. Antes ele já tinha estrelado várias aventuras, algumas muito acima da média até. Mas você consegue ver Steven Seagal no lugar de Chuck como o Sean Kane de "Ajuste de Contas". Ou Jason Statham como o Josh Randall de "Golpe Mortal". Ou ainda um Clint Eastwood quarentão estrelando "Os Bons Se Vestem de Negro".

A partir de MCQUADE, entretanto, torna-se impossível separar astro e personagens: ele VIVE os heróis de maneira que fica impossível dissociá-los. Stallone jamais poderia ser Braddock; Schwarzenegger não convenceria como o Major McCoy, de "Comando Delta". Mas, principalmente, não consigo imaginar nenhum outro ator na pele do ranger barbudo, sujo e mal-encarado J.J. McQuade - talvez o melhor personagem de toda a carreira de Chucko.


O irônico é que este filme não foi desenvolvido pensando nele, mas sim como um projeto originalmente estrelado por Kris Kristofferson! Quando Kris pulou fora - para estrelar o interessante, mas muito inferior "Por Trás de um Assassinato" -, Norris entregou-se de corpo e alma ao papel. Como eu falei lá atrás, Chuck Norris É J.J. McQuade, e você simplesmente não engoliria um outro ator no papel (e espero que pensem bem nisso antes de sequer cogitarem um remake do filme).

MCQUADE também é, disparado, o grande trabalho dessa primeira fase da carreira do ator, que vim analisando na última semana. Eu sempre tive um carinho muito grande pela obra desde moleque, quando foi exibido no SBT, mas é revendo-o agora, como adulto, que percebo com mais clareza a qualidade do conjunto da obra.

(Só uma rápida interrupção: não é irônico que "Ajuste de Contas" e MCQUADE tenham sido tantas vezes exibidos pelo SBT, mas lançados em vídeo pela GLOBO Vídeo???)


Bem, para começo de conversa, este trabalho do Chucko também é um dos mais belos tributos ao western spaghetti já feitos, superior até à homenagem feita por Tarantino em "Kill Bill".

E isso fica muito evidente desde os créditos iniciais, que trazem imagens de rotoscopia e freeze frames de um lobo correndo pela planície (emulando as vinhetas animadas dos faroestes italianos, tipo "Por um Punhado de Dólares"), e nomes dos atores escritos com uma fonte típica de western, tudo sublinhado pela MA-RA-VI-LHO-SA trilha sonora do mestre italiano Francesco De Masi .


E se só os créditos iniciais já deixam qualquer fã de western spaghetti empolgado, espere só para ver a cena de abertura: vestido como um autêntico cowboy do século 19, o Texas Ranger McQuade observa, pela mira telescópica do seu rifle, a ação de um grupo de ladrões de cavalo na fronteira com o México, desde o momento em que eles organizam a "carga" até uma ação desastrada de um grupo de policiais, que são facilmente mortos ou subjugados pelos bandidos. Finalmente, nosso herói intervém e salva alguns dos homens da lei, explodindo carros com tiros de rifle, quebrando dentes a chutes e massacrando quase todos os bandidos com tiros de metralhadora.

Descontando alguns elementos evidentemente modernos, como as metralhadoras Uzi, os veículos motorizados e um helicóptero, parece que o que estamos vendo é um autêntico filme de faroeste, e o diretor Steve Carver demonstra ser um grande conhecedor do gênero ao usar closes nos olhos e no rosto dos personagens, e ações embaladas pela trilha sonora de Francesco De Masi. Simplesmente perfeito.


Embora tenha eliminado a quadrilha, prendido o chefão dos bandidos e salvado a vida dos policiais aprisionados, McQuade leva uma puta mijada do seu superior, que acha que o herói precisa ter uma imagem mais apresentável (em outras palavras, limpinha, perfumada e barbeada), agir mais burocraticamente e, pasmem, frequentar a igreja e formar família.

Claro que McQuade é aquele tipo de ranger que prefere defender a lei à moda antiga - ou seja, à bala -, e sempre agindo sozinho, por isso o apelido "lobo solitário". É um legítimo personagem de western italiano: fala pouco, está sempre barbudo e coberto de poeira, e raramente - para não dizer jamais - dá um sorriso. Para fazer jus ao apelido, prefere viver sozinho numa cabana bagunçada e suja, acompanhado apenas de um lobo de estimação, e onde passa o dia treinando tiro em alvos de madeira.


E vou além: J.J. McQuade é um personagem tipicamente Sam Peckinpah-esco. Afinal, um tema que permeia todos os trabalhos de Bloody Sam também tem bastante destaque aqui: o herói ultrapassado, símbolo de um passado recente, que recusa-se a viver no "presente" e prefere resolver as coisas à moda antiga.

Ora, McQuade é um autêntico dinossauro, daquele tipo que pensa ainda estar no Velho Oeste, onde qualquer dilema poderia ser resolvido à bala, sem as amarrar burocráticas da lei. Ele é um sujeito que vive fora do seu tempo, e a cena que sintetiza isso é aquela em que o ranger olha entre desconfiado e assustado quando um colega tenta "encontrar pistas" utilizando um computador!


A diferença é que se nos filmes de Peckinpah os heróis "ultrapassados" geralmente encontravam a morte diante da modernidade (como no final de "Meu Ódio Será Sua Herança", em que os pistoleiros tentam enfrentar a "moderna" metralhadora), aqui o ranger à moda antiga representa a única solução em tempos "modernos", mas ainda bárbaros sob o manto da "civilidade".

(Parece até que Peckinpah deu umas escapadinhas do set de "O Casal Osterman", filmado no mesmo ano, para trocar umas ideias com Steve Carver e sugerir-lhe algumas características para o herói McQuade...)


Mas, apesar de durão e casca-grossa, o "lobo solitário" tem uma ex-esposa (Sharon Farrell, de "Nasce um Monstro") e uma bela filha adolescente, Sally (a gracinha Dana Kimmell, que um ano antes enfrentou Jason em "Sexta-feira 13 - Parte 3").

Certa noite, Sally e seu namoradinho vão curtir um momento romântico no deserto e dão o azar de testemunhar o roubo de um carregamento de armas do Exército. Os bandidos são liderados pelo sádico Rawley Wilkes (David Carradine!), um campeão europeu de karatê que adora exibir suas habilidades - e dirige um veículo cuja placa diz "Karate"!!! Como o grupo não pode deixar testemunhas, o rapaz é metralhado e o carro em que Sally está é jogado de um penhasco.


A moça sobrevive por detalhes, e, ao descobrir o que fizeram com sua filha, McQuade fica furioso e começa a investigar quem são os responsáveis, ajudado/atrapalhado pelo policial Kayo (Robert Beltran), um dos homens da lei que ele salvou no começo do filme, e por um ranger veterano chamado Dakota (L.Q. Jones).

Lá pelas tantas, também entra em cena a belíssima nicaraguense Barbara Carrera, interpretando Lola Richardson, a amante de Wilkes, que acaba trocando de lado e passando para a cama de McQuade. Barbara era a grande "sex symbol latina" dos anos 1980 e uma musa da minha infância/adolescência - o equivalente, hoje, a Jennifer Lopez e Salma Hayek, mas muito mais linda, gostosa e talentosa.


A delícia protagoniza duas cenas fantásticas em MCQUADE, uma extremamente sensual e outra de muito mau gosto. A primeira é o rala-e-rola com o herói: ele é tão durão que se atraca com a moça no meio da lama mesmo! Já a cena de mau gosto acontece quando, após trocar um único beijo com McQuade, Lola assume o papel de esposa, enfurecendo o ranger ao fazer faxina em seu casebre, chegando ao cúmulo de jogar toda a sua comida gordurosa e cervejas no lixo, trocando-a por vegetais e vitaminas!!!

(No mesmo ano, Barbara Carrera enfrentaria outro grande herói, o James Bond interpretado por Sean Connery em "Nunca Mais Outra Vez", conquistando um lugar de honra na galeria das Bond Girls mais fogosas!)


Na conclusão, MCQUADE abandona um pouco o tom de western para virar uma aventura exagerada e barulhenta, como já havia acontecido antes em "Ajuste de Contas", o filme anterior que Carver dirigiu com Chuck Norris.

Aí McQuade, Kayo e um terceiro ajudante, o agente do FBI Jackson (Leon Isaac Kennedy), armam-se até os dentes com pistolas, metralhadoras e bazucas para enfrentar o exército de Wilkes numa "hacienda" mexicana. E tome granadas, tiros, explosões, mortos e feridos, num daqueles finais apoteóticos e exagerados que os filmes de ação dos anos 1980 adoravam mostrar. Claro que tudo evolui para uma luta final entre Norris e Carradine - depois que o vilão tenta deter o herói com um... tanque de guerra?!?.


Hoje pode até parecer difícil mensurar a importância desta luta final para os fãs do gênero daquele período, mas vale lembrar que não apenas Chuck Norris era um talentoso campeão de karatê, como Carradine era um hábil lutador de kung fu, arte marcial que começou a praticar depois de estrelar o popular seriado "Kung Fu", na década de 70.

Sendo assim, o combate Norris versus Carradine foi algo na linha de um "Marvel Vs. DC". E ambos deixaram os produtores de cabelos em pé ao protagonizar a cena em carne e osso, sem o auxílio de dublês - como Chuck já havia feito com Bruce Lee em "O Vôo do Dragão".

O resultado é uma daquelas lutas de cair o queixo, bem filmada, extremamente bem coreografada e, principalmente, intensa, como se os dois atores estivessem realmente querendo machucar um ao outro - consta que Chuck chegou a reclamar com Carradine sobre a força dos seus chutes "cenográficos"!

McQuade versus Bill!



A luta, claro, ganha contornos épicos graças à música do italiano De Masi (veja o vídeo acima e se emocione), lembrando aqueles climáticos duelos finais dos filmes de Sergio Leone. Inclusive muito da riqueza e da beleza de MCQUADE vem da trilha sonora. Por exemplo, o tema romântico de McQuade e Lola, com coro feminino lembrando muito o tema de Claudia Cardinale em "Era Uma Vez no Oeste", é de arrepiar de tão lindo!

(De Masi foi um dos grandes compositores de temas de western spaghetti, ao lado de Morricone e Bruno Nicolai. Entre seus trabalhos, estão as belíssimas trilhas de filmes como "Vou, Mato e Volto", "Arizona Colt" e "Sete Dólares para Matar").

"Lola and McQuade Theme"



É uma pena que Steve Carver não tenha dirigido mais filmes com Norris, já que foi responsável por dois dos melhores da carreira do astro. É uma pena, também, que não tenha realizado outros westerns contemporâneos como este, em que usa e abusa da paisagem árida e desértica da cidade texana de El Paso, na fronteira com o México.

Na verdade, Carver não assinou outros trabalhos expressivos depois de MCQUADE - o mais memorável é "O Rio da Morte", com Michael Dudikoff, que ele dirigiu para a Cannon Films em 1989. Seu último filme é de 1996. E, enquanto isso, patetas como Rob Cohen e Stephen Sommers continuam arrumando emprego...


Quentin Tarantino deve ter visto MCQUADE várias vezes. Afinal, seu grande tributo ao western e aos filmes de artes marciais, "Kill Bill", divide com este filme o fato de ter David Carradine como grande vilão e de mesclar o clima de faroeste com exibições de artes marciais. Principalmente, ambos têm uma cena em que o herói é enterrado vivo!

Aqui, o próprio Norris acaba sendo sepultado sob toneladas de terra no interior do seu jipe, depois de apanhar feito cachorro de Carradine. Mas, por ser Chuck Norris, nem se abala: abre uma cervejinha no interior da sua "cova", engata a primeira no jipe e sai com a maior facilidade de debaixo da terra, numa cena hilária de tão absurda!

(Numa outra cena de ação, McQuade também fica pendurado no capô de um carro em alta velocidade, em momento que lembra bastante o que acontece com Zoe Bell em "À Prova de Morte".)


Para fechar a conta, MCQUADE tem todas aquelas frases prontas que tornam as aventuras de Norris ainda mais divertidas. Como quando o herói encara um guarda-costas em quem já bateu duas vezes e apenas pergunta, com sua característica cara de buldogue: "Quer tentar uma terceira vez?".

Ou quando o ranger dá uma sova em vários capangas de Wilkes que estavam surrando seus amigos. O vilão aparece cínico e tenta minimizar o negócio: "Os rapazes estavam apenas se divertindo". Aí McQuade olha para o vilão, novamente com aquela cara de cachorro bravo, e questiona: "E você? Quer se divertir também?".


Resumindo: MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO é um excelente filme de ação não só para a época em que foi feito, mas principalmente em comparação com todas essas porcarias que se faz hoje. É só analisar a qualidade do filme, a beleza da fotografia e o casamento perfeito entre a música e as imagens para perceber que o negócio é trabalho de artesão, feito com amor por um cara apaixonado por western, e não só para embolsar o cheque no final das gravações.

Além disso, a luta entre Norris e Carradine é uma coisa de louco, sem os exageros, cabos de aço, câmeras tremidas, dublês evidentes e cortes rápidos do cinema de ação atual - são três minutos de pancadaria que valem por "Os Mercenários" inteirinho!


E McQuade, como eu escrevi lá no começo, pode muito bem ser o melhor e mais interessante personagem que Chuck Norris interpretou em seus mais de 30 anos de carreira. Tanto que nunca conseguiu se livrar dele, e entre 1993 e 2001 interpretou um outro homem da lei durão no seriado televisivo "Walker, Texas Ranger".

Diz a lenda que o ranger do seriado seria o próprio McQuade originalmente, mas a emissora que o produziu (CBS) não tinha os direitos sobre o personagem, e então criou um outro, Cordell Walker, como uma espécie de "versão envelhecida" de McQuade. As semelhanças entre um e outro são tão evidentes que os realizadores de MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO entraram com um processo contra os criadores do seriado, resolvido posteriormente com um acordo entre as partes.

Infelizmente, o ranger televisivo não passava de um "McQuade da terceira idade", como se o herói do filme tivesse resolvido entrar nos eixos depois de todas aquelas pressões do seu superior, inclusive optando por andar ajeitadinho e prender os bandidos dentro da lei ao invés de enchê-los de chumbo. Porque, sabe como é, não se fazem mais heróis como antigamente...


Assim, com a resenha desse filmaço, completo essa maravilhosa MARATONA CHUCK NORRIS. Foi ótimo revisitar algumas obras que eu tinha visto originalmente há muito tempo atrás (como "Ajuste de Contas" e "Comboio de Carga Pesada").

Acompanhe o calendário de atualizações para ler as resenhas que perdeu:
COMBOIO DE CARGA PESADA (Breaker! Breaker!, 1977)
OS BONS SE VESTEM DE NEGRO (Good Guys Wear Black, 1978)
FORÇA DESTRUIDORA (A Force of One, 1979)
OCTAGON (The Octagon, 1980)
AJUSTE DE CONTAS (An Eye for an Eye, 1981)
GOLPE MORTAL (Forced Vengeance, 1982)
MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO (Lone Wolf McQuade, 1983)


O que aconteceu depois desse seleto grupo de filmes é bem conhecido: Norris, já transformado em super-astro mundial, assinou um contrato com a Cannon Films e foi, durante quase uma década, o seu principal e mais lucrativo astro. E a partir de então estrelou uma longa série de sucessos: "Braddock - O Super Comando", "Código do Silêncio", "Invasão USA", "Comando Delta", e por aí vai.

Mas todos eles ficam para uma próxima Maratona, pois o excesso de testosterona desta fez com que minha barba crescesse dez vezes mais rápido e minha voz engrossasse. Além disso, passei a acreditar que todos os problemas do dia-a-dia podem ser resolvidos com Rondhouse Kicks. Maldito Chuck Norris!


E se é uma pena que Chucko tenha se aposentado em 2005 com um filme extremamente convencional e indigno do seu talento ("Resgate de Risco"), ao mesmo tempo será ótimo poder rever o cara-de-buldogue na tela grande no futuro "Os Mercenários 2", em que Stallone finalmente conseguiu reunir o dream team do cinema de ação (só faltou Steven Seagal).

Seu personagem se chamará Booker (homenagem/citação a "Os Bons Se Vestem de Negro", talvez?), e eu espero sinceramente que Stallone não cague fora da panela e dê ao velho Norris um papel à altura do seu mito. Porque, como eu já brinquei anteriormente por aí, com Chuck Norris no time, todos os outros "mercenários" tornam-se absolutamente dispensáveis!

PS: Quem tem olho vivo para enxergar um jovem Kane Hodder, posteriormente imortalizado como Jason Voorhees, "interpretando" um dos muitos bandidos que tomam porrada de McQuade?

Trailer de MCQUADE, O LOBO SOLITÁRIO



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Lone Wolf McQuade (1983, EUA)
Direção: Steve Carver
Elenco: Chuck Norris, David Carradine, Barbara Carrera,
Leon Isaac Kennedy, Dana Kimmell, R.G. Armstrong,
Robert Beltran, L.Q. Jones e Sharon Farrell.

domingo, 8 de janeiro de 2012

AJUSTE DE CONTAS (1981)


Se os primeiros quatro filmes que traziam o karateka barbudão como protagonista variam do ruim ao bonzinho (com muita generosidade), não se pode reclamar dos quatro seguintes, que antecederam a bem-sucedida "fase Cannon Films" do astro. AJUSTE DE CONTAS (1981), "Fúria Silenciosa" (1982, sobre o qual falaremos num futuro próximo), "Golpe Mortal" (1982) e "McQuade, O Lobo Solitário" (1983) continuam uns filmaços até hoje, e dão de laço em muita produção recente.

Comecemos com AJUSTE DE CONTAS, título que o filme recebeu ao ser lançado em VHS pela Globo Vídeo, mas quem era moleque nos anos 1980 certamente vai lembrar de tê-lo visto no SBT com uma tradução literal do nome original, "Olho por Olho".


Como posteriormente muitos outros filmes ganharam o mesmo título "Olho por Olho" no Brasil (tipo "Steele Justice", com o Martin Kove, e aquele filme de vingança dirigido por John Schlesinger, com Sally Field e Kiefer Shuterland), é até bom usarmos o nome dos tempos da Globo Vídeo para diferenciar.

Na minha resenha de "Os Bons Se Vestem de Negro", eu citei uma frase dita por Chuck numa entrevista, confessando que em seus primeiros filmes tentava copiar o modelo de cinema de ação realizado por Clint Eastwood na época.


Pois depois de interpretar veteranos do Vietnã e karatekas nos seus quatro trabalhos anteriores, em AJUSTE DE CONTAS ele tem a sua primeira oportunidade de interpretar um policial durão e implacável à la Dirty Harry - um papel que ele levaria à perfeição num dos melhores filmes da sua carreira, "Código do Silêncio", de 1985.

Mas o mais curioso desse belo policial é o fato de vermos Chuck Norris enfrentando... Drácula?!? Exato: o grande vilão, acredite se quiser, é interpretado por Christopher Lee, que alguns anos antes também tinha dado dores de cabeça a James Bond em "007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro".


Quem diria: o cara que foi Drácula, Scaramanga, Saruman, Conde Dooku e uma infinidade de outros vilões fodões também já tomou uns cascudos de Chuck Norris...

(Engraçado é que a trama tenta fazer mistério, revelando apenas no final que o personagem de Lee é o sujeito por trás de tudo. Até parece que ninguém desconfiava! Eu vi o filme pela primeira vez na TV, quando moleque, com minha mãe do lado. Só ao ver o nome do ator nos créditos iniciais, ela disse algo assim: "Christopher Lee? Esse cara fazia o Drácula, aposto que é ele o bandido!".)


Em AJUSTE DE CONTAS, Chucko interpreta Sean Kane, um policial da Narcóticos de San Francisco (sim, o astro voltou à cidade depois do patético "Massacre em San Francisco"!), que atua disfarçado para desbaratar uma quadrilha de traficantes. Dessa vez o ator raspou seu tradicional bigodão e atua de cara limpa, como nos tempos de "Comboio de Carga Pesada".

Durante uma missão arriscada, ele e o parceiro Dave (Terry Kiser, de "Um Morto Muito Louco") caem numa emboscada armada por um informante corrupto. Tiros voam para todos os lados, carros explodem, e o pobre parceiro morre horrivelmente, queimado vivo, sem que Sean possa fazer algo para salvá-lo.


Furioso ao descobrir que a justiça está de mãos amarradas, nosso herói surta, mata um suspeito após um "interrogatório" na base da pancada e toma a maior mijada do seu superior. Aí, entrega o distintivo (claro!) e sai numa vendeta pessoal contra os traficantes.

Vendeta esta que se torna ainda mais pessoal quando os mesmos sujeitos matam brutalmente uma outra amiga sua, a repórter Linda Chan (Rosalind Chao, de "O Grande Lutador"), que era esposa de Dave. A moça estava justamente preparando uma reportagem sobre a conexão entre os traficantes de San Francisco e as Tríades de Hong Kong e Bangkok.


Para fazer frente aos perigosos inimigos, que parecem estar por toda parte, Sean é obrigado a unir forças com o pai da finada Linda, um velhote especialista em artes marciais interpretado pelo lendário Mako (de "Conan, o Bárbaro", "Resposta Armada" e tantos outros filmes legais). Seu personagem, James Chan, funciona como um eficiente alívio cômico, sempre resmungando de todas as atitudes do herói.

Eventualmente, Sean também se envolverá com a bela Heather (Maggie Cooper, em seu único trabalho fora da TV), uma amiga da jornalista assassinada. Juntos, eles descobrirão que o responsável por tudo é o próprio patrão de Linda, o magnata da imprensa Morgan Canfield (Christopher Lee, quem mais?), que usa de sua posição e de sua influência para dominar o tráfico de entorpecentes na cidade.


AJUSTE DE CONTAS pode não trazer nada de tão novo na trama, principalmente em comparação aos filmes anteriores (e até posteriores) de Norris: ele mais uma vez interpreta um sujeito legal forçado a reagir com chutes giratórios quando os bandidos começam a matar seus conhecidos.

A diferença para seus trabalhos até então é que este funciona que é uma beleza, ao contrário dos quatro anteriores, que ou têm ação de menos ou roteiro ruim demais.


Por coincidência, esta é a primeira colaboração do astro com dois sujeitos que seriam responsáveis pelos melhores filmes da sua carreira. O primeiro é o roteirista James Bruner, que co-escreveu AJUSTE DE CONTAS ao lado de William Gray ("Projeto Filadélfia"). Este aqui foi o primeiro roteiro de Bruner, e depois ele escreveu outros cinco sucessos de Chuck (entre eles, "Braddock", "Invasão USA" e "Comando Delta"!).

O outro parceirão é o diretor Steve Carver, um eficiente cineasta saído da "Escola Roger Corman de Produção de Filmes Baratos". Para Corman, ele dirigiu filmes como "Big Bad Mama" (1974) e "Capone, o Gângster" (1975, com um jovem Sylvester Stallone no elenco). Com Chuck, ele fez depois "McQuade, O Lobo Solitário", outro dos grandes trabalhos da carreira do astro.


E como vários dos primeiros filmes de Norris, este também tem um elenco impressionante, cheio de caras conhecidas. Além de todos os já citados (Lee, Kiser, Mako), também aparecem Richard Roundtree (o Shaft original!) como o superior casca-grossa do herói; Matt Clark ("Candyman 2") como um policial corrupto, e o monstruoso Professor Toru Tanaka como, claro, um monstruoso capanga do vilão.

O falecido Tanaka inclusive rouba a cena toda vez que aparece, e se você ainda não ligou o nome à pessoa, pense no gigantesco Subzero, um dos lutadores que enfrenta Schwarzenegger no ótimo "O Sobrevivente".

Em AJUSTE DE CONTAS, Tanaka protagoniza pelo menos duas cenas antológicas: quando persegue Rosalind Chao numa estação de metrô destruindo tudo que aparece pela frente, inclusive um Fusca (!!!), e o duelo final, primeiro contra Mako, depois contra Norris. O violentíssimo confronto entre o herói e Tanaka, embora rápido, pode ser incluído tranquilamente entre os melhores momentos de toda a carreira de Chuck.


Por sua vez, Norris está muito bem como policial durão. Se nos seus filmes anteriores ainda faltava definir um estilo, e os realizadores sempre levavam sua persona muito a sério, aqui ele adota pela primeira vez aquele jeito fanfarrão que levaria pelo resto da sua carreira.

Ok, na primeira meia hora de AJUSTE DE CONTAS, Chuck ainda está copiando a fórmula Eastwood-Dirty Harry, interpretando um policial durão e implacável. A cena inicial, da emboscada num beco escuro durante uma chuva que não pára, é muito boa e poderia estar em qualquer filme do Dirty Harry. Sua furiosa retaliação contra os bandidos depois da morte do parceiro também.


Mas aí o filme tem um ponto de virada, a partir do encontro do herói com Mako, e o policial durão e mais realista se transforma numa espécie de herói absurdo de história em quadrinhos. Só para dar uma ideia: ele vive numa casa à beira-mar que é uma verdadeira fortaleza, acompanhado apenas de um cachorro com quem conversa como se fosse gente (!!!).

E ainda faz todo tipo de palhaçada, como colocar um travesseiro debaixo da cabeça de um bandido depois de nocauteá-lo, ou ameaçar quebrar uma caríssima antiguidade enquanto interroga seu proprietário! Norris continuaria investindo nesse tipo de personagem a partir daqui, atingindo o ápice do cartunesco com o herói Matt Hunter, de "Invasão USA".


O exagero e o inverossímil se estendem à trama. O roteiro de Bruner e Gray começa emulando os policiais sérios da década anterior (tipo as aventuras de Dirty Harry, que eu não parei de citar), mas vai ficando progressivamente mais absurdo à medida que o tempo passa.

Quando Norris vai encontrar Mako, por exemplo, bandidos pipocam de todos os lados e até um helicóptero aparece disparando rajadas de metralhadora. Na conclusão explosiva, a dupla de heróis invade a fortaleza dos vilões distribuindo golpes de karatê, sendo seguida por policiais da Swat, que colaboram na "limpeza" do local.


Os intermináveis tiroteios no final, com bandidos de terninho e gravata sendo chacinados a rajadas de metralhadora, lembram o que John Woo faria quase uma década depois em filmes como "Alvo Duplo".

Assim, de certa forma, AJUSTE DE CONTAS parece fazer uma ponte entre aqueles policiais mais contidos e realistas dos anos 1970 e as aventuras violentas e exageradas que virariam moda ao longo da década de 80, como "Comando para Matar" e seu massacre de centenas na cena final.


Infelizmente, o grande vilão Christopher Lee escapa de tomar um castigo mais violento no final: Sean apenas estrangula o bandido "um pouquinho" até a chegada da polícia, que o impede de ir além e leva o malvado para a cadeia. E ou Lee é um puta ator, ou Norris estava apertando o pescoço dele muito forte, pois parece que os olhos do velhote vão saltar das órbitas! Seria mítico ver o Drácula tomando um Roundhouse Kick de Chuck, mas é o que temos para hoje...

É uma pena que o SBT e a TV aberta em geral tenham deixado de exibir AJUSTE DE CONTAS (ou "Olho por Olho", como preferirem) há uns bons anos. Porque o lugar certo para essas aventuras canastronas de Chuck Norris é o Domingo Maior, ou a Sessão das Dez.

Hoje, filmes modernos bem inferiores ocuparam o espaço antes reservado ao astro barbudo, que durante anos reinou absoluto nas videolocadoras e sessões de "filmes para macho" das nossas emissoras.


Aliás, AJUSTE DE CONTAS também é uma ausência muito sentida no nosso mercado de DVD, já que a fitinha da Globo Vídeo virou fumaça há mais de uma década!

Lá fora existe uma edição em DVD lançada pela MGM, mas a qualidade de imagem é pavorosa e os caras ainda cortaram 40 segundos do filme, uma ceninha quase inocente em que Norris transa com Maggie Cooper no chuveiro e aparecem os peitinhos da moça (abaixo tem uma foto da cena como está no VHS). Não faço ideia do porquê do corte, mas talvez tenha sido pelo vergonhoso "diálogo de filme pornô" entre o casal:
- Como está a água, meu bem?
- Quente.
- Hmmmm, do jeito que eu gosto!



Se você é daqueles que só conhece Chuck Norris de fama, mas nunca preocupou-se em analisar profundamente a filmografia do ator, este aqui é um bom ponto de partida. Até porque é a aventura que define o estilo caricatural e "super-macho" que ele adotaria a partir de então.

De lambuja, também é uma bela mistura entre trama policial e filme de ação oitentista, com uma contagem absurda de cadáveres e todos aqueles exageros típicos do período.

E convenhamos: não é todo dia MESMO que você vê o Drácula apanhando do Chuck Norris...

Trailer de AJUSTE DE CONTAS



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An Eye for an Eye (1981, EUA)
Direção: Steve Carver
Elenco: Chuck Norris, Christopher Lee, Maggie Cooper,
Mako, Matt Clark, Richard Roundtree, Rosalind Chao,
Terry Kiser e Professor Toru Tanaka.