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quarta-feira, 28 de março de 2012

THE COCKTAIL HOSTESSES (1973) e THE BEACH BUNNIES (1976)


Edward D. Wood Jr., o nosso querido Ed Wood, é um daqueles raros cineastas celebrados não pelo seu talento, mas justamente pela FALTA de talento. Sua carreira pode ser dividida em duas etapas. A primeira vai de 1953 a 1959 e reúne alguns dos filmes mais apaixonantes de Wood, como "Glen ou Glenda?" e "Plan 9 From Outer Space" - repletos de problemas, da narrativa à continuidade, mas ainda assim divertidíssimos.

A segunda fase é mais complicada: sem dinheiro para filmar seus próprios projetos, afundado em dívidas e no alcoolismo, Wood começou a tirar seu sustento de escrever roteiros para terceiros. E se seus roteiros já eram ruins quando tinham elementos de cinema fantástico, como cientistas loucos, zumbis e invasões alienígenas, imagina só como eles ficaram quando Ed foi contratado para escrever filmes sem esse tipo de coisa, apenas a boa e velha sacanagem!

Uma das parcerias mais duradouras do decadente Wood pós-"Plan 9" foi com o produtor e diretor búlgaro Stephen C. Apostolof, que assinava suas obras como "A.C. Stephen" e fez carreira dirigindo filmes sexploitation baratíssimos entre as décadas de 60 e 70. Para Apostolof, Ed escreveu sete roteiros, sendo que apenas um (o impagável "Orgia da Morte", já resenhado aqui) tinha elementos de cinema de horror.


O restante é tudo pornô softcore de baixo calão mesmo: "Drop Out Wife", "The Class Reunion", "The Snow Bunnies" (todos de 1972), "The Cocktail Hostesses" (1973), "As Fugitivas" (1974) e "The Beach Bunnies" (1976).

Todos esses filmes são muito ruins. E embora sejam relativamente divertidos, por causa daquele charme e ingenuidade das produções eróticas dos anos 70 e dos roteiros horríveis de Wood, também são muito tristes de se ver.

Tristes porque refletem a completa decadência do pobre Ed como "artista": se antes seus trabalhos eram ingenuamente criativos e engraçados, mas frutos de um homem apaixonado por cinema e que não media esforços para transformar seus sonhos em realidade, seus roteiros dos anos 70 são simplesmente ruins, desapaixonados, simplórios - desajeitados até.

Sobre isso é a nossa Sessão Dupla de hoje: uma dobradinha com duas produções da parceria Apostolof-Wood: THE COCKTAIL HOSTESSES e THE BEACH BUNNIES. Portanto, deixe o cérebro de lado, prepare-se para a inevitável vergonha alheia, tire as crianças de perto do computador e vamos em frente!


THE COCKTAIL HOSTESSES (1973)


O roteiro de Wood chamava-se originalmente "Intimate Confessions of the Cocktail Hostesses", e este título, mais a frase do cartaz de cinema ("You pay for the drinks... they do the rest!"), já dão uma bela ideia do que vem pela frente.

Em linhas gerais, THE COCKTAIL HOSTESSES é a história de garotas bonitas que trabalham como garçonetes num bar, e aproveitam a função para fazer "contatos" e oferecer seus corpos por dinheiro - prostitutas disfarçadas, por assim dizer.

Enfim, algo que já não era novidade na época, imagine então hoje. Mas sua abordagem sensacionalista, e a mensagem bem evidente de que "toda mulher gostosa é vagabunda e dá por dinheiro", são de arrepiar os cabelos do sexo oposto, e nem precisa ser muito feminista para sentir-se ofendida com a forma como as mulheres são retratadas aqui.


Mas o filme tem um início simplesmente genial: antes mesmo de rolarem os créditos iniciais, vemos nossa protagonista Toni (Rene Bond) sendo comida de quatro por um sujeito que é a cara do jovem Charles Bronson sem bigode! Quando a transa termina, o casal levanta do sofá, começa a se vestir, a câmera se afasta e percebemos que eles estão num escritório. Toni é apenas uma pobre secretária dando para o chefe numa tentativa de aumentar o salário mixuruca!

Só que a estratégia não está funcionando e ela continua recebendo uma miséria, mesmo prestando "serviços extra-oficiais". E o chefe também não parece muito disposto a abandonar a família e os filhos para ficar com a secretária. (Aliás, repare que um dos filhos do cara, na foto no fundo da cena, parece MUITO com um daqueles moleques afrescalhados do Restart!!!)


Quando Toni chora as mágoas com a amiga Jackie (Terri Johnson), esta resume tudo: "Você está trepando com o cara errado. precisa fazer algo melhor com seu tempo e dinheiro". Jackie conta, então, sobre a "maravilhosa experiência" que está tendo como "cocktail hostess": em uma única noite, ela fatura mais do que Toni numa semana inteira!

Jackie resume a malandragem: "Uma garota esperta pode fazer muitos contatos servindo coquetéis". E explica que, além de faturar alto em gorjetas, é possível agendar sexo casual, e pago, pós-expediente!


Toni fica empolgada com a possibilidade do dinheiro fácil e vai até o bar, de aparência suspeitíssima. Conhece Larry, o bartender (Forman Shane, figurinha carimbada nos filmes de Apostolof), que explica as regras: "O que vocês fazem fora daqui é negócio de vocês". E a partir daí começa uma sequência ininterrupta de cenas de sexo softcore, até o reencontro entre Toni e seu ex-patrão na conclusão para um pouco excitante final-surpresa.

É óbvio que THE COCKTAIL HOSTESSES não se sustenta como história, e você esquece dos dramas e dilemas da pobre Toni, e do próprio nome dos outros personagem, à medida que o filme vira um quase-pornô repleto de trepadas nas mais variadas posições, mas sempre sem sexo explícito - pelo contrário, é perceptível os pintos moles da galera e o fato de eles só estarem fingindo o rala-e-rola.


Um distribuidor malandro até poderia enxertar uns closes hardcore de penetração, já que a montagem permite isso, intercalando planos gerais do coito simulado e planos de detalhe do rosto de atores e atrizes em êxtase (às vezes um tantinho exagerado). Assim, se alguém colasse uns closes "daquilo entrando naquilo" no meio dessas cenas, o filme passaria tranquilamente por pornô.

O mais divertido de THE COCKTAIL HOSTESSES é como Wood e Apostolof criam as situações mais estapafúrdias para colocar as garçonetes na cama com os clientes ou funcionários do bar. E se ainda não se renderam ao sexo explícito, como outros diretores da época (o clássico "Garganta Profunda" é do ano anterior, 1972), pelo menos eles tentam colocar um pouco de todas as taras e situações sexuais possíveis, de maneira a satisfazer o público fiel desse tipo de produção sexploitation.


Assim, temos ménage a trois, quando o pianista do bar leva duas moças para sua casa; temos um estupro que cai totalmente de pára-quedas na trama, e que é sumariamente esquecido no momento seguinte; temos o sujeito masoquista que precisa levar tapas na bunda para se excitar; temos uma gigantesca orgia em que casais transam espalhados pela sala, e até duas lésbicas brincando com um vibrador - e o efeito sonoro do instrumento é tão exagerado que lembra a turbina de um avião!

E por pior e mais convencional que seja, THE COCKTAIL HOSTESSES vale por três coisas.

A primeira delas é a visionária exibição de uma centopéia humana, exatos 36 anos antes do filme de Tom Mix. Bem, na verdade, o que vemos aqui é uma "sexopéia", com vários homens e mulheres ligados pela boca de um no sexo do outro, como você pode ver nas fotos abaixo. Vamos combinar que é preciso muita criatividade (ou espírito de porco) para inventar uma coisa assim. (E o fato de um pianista tocar para os casais durante a orgia me lembrou o também posterior "De Olhos Bem Fechados".)


O segundo motivo para ver o filme é a belíssima foda entre Toni e o bartender Larry, que tira a sorte grande ao oferecer uma carona para a moçoila. Pois a loira se entrega ao colega de trabalho vestindo apenas fetichistas botas brancas de cano longo, num momento excitante.

Finalmente, o terceiro e grande motivo para ver THE COCKTAIL HOSTESSES chama-se Rene Bond, a deliciosa e voluptuosa protagonista. Essa ex-stripper foi estrelinha primeiro do cinema sexploitation, mas depois migrou para o pornô hardcore, "atuando" inclusive em clássicos X-Rated como "Flesh Gordon" (1974). Rene é um atentado ao pudor ambulante, uma deusa de seios fartos que nem parecem humanos (firmes como mármore antes do silicone virar modinha!), uma delícia daquele tipo que dá vontade de agarrar a TV para sentir mais de pertinho.


Infelizmente, como todas as estrelas pioneiras nesse ramo, a bonitona acabou na rua da amargura quando ficou muito velha para protagonizar cenas explícitas. Ela casou com um colega de profissão, Ric Lutze (que também integra o elenco desse filme), depois divorciou-se, casou mais duas vezes e finalmente saiu de cena no começo dos anos 80. Morreu praticamente desconhecida em 1996, de cirrose, com apenas 46 anos!

Rene trabalhou com Wood e Apostolof em outros três filmes: "The Class Reunion", "The Snow Bunnies" e "As Fugitivas". Também teve a "honra" de estrelar o último filme dirigido por Ed, o pornô explícito "Necromania", de 1971.


THE BEACH BUNNIES (1976)


Em 1976, ao mesmo tempo em que escrevia feito doido para outros realizadores, Ed Wood pensava no seu retorno à cadeira de diretor. Já tinha até desenterrado um velho roteiro seu, "Night of Silence", uma história policial sem diálogos que pretendia filmar tão logo conseguisse juntar dinheiro com seus bicos como roteirista para terceiros.

Mas quis o destino que THE BEACH BUNNIES, mais um sexploitation que ele escreveu para o produtor Stephen C. Apostolof, acabasse sendo seu último filme. Wood morreu vitimado por um ataque cardíaco fulminante dois anos depois, em 1978, sem nunca mais ter pisado num set de filmagens.


Embora bem mais sem graça do que outras parcerias entre Wood e Apostolof, THE BEACH BUNNIES tem seu valor por trazer alguns temas recorrentes à primeira fase da carreira do artista (neste caso, uma operação de troca de sexo que remonta ao seu primeiro longa, "Glen or Glenda?").

O título e o pôster de cinema devem ter enganado o espectador desavisado da época, já que parece evocar o clima daquelas comédias de praia ingênuas da década de 60, estreladas pelo casal Frankie Avalon e Annette Funicello (como "Bikini Beach/A Praia dos Amores" e "Beach Blanket Bing/Folias na Praia").


Mas não tem nada de ingênuo ou censura livre em THE BEACH BUNNIES; pelo contrário, este é um sexploitation bem sem vergonha, já no limite com o pornô explícito, embora ainda não tenha cenas com penetração, apenas o tradicional sexo simulado dos filmes softcore.

Posteriormente, a obra seria relançada com títulos como "Sun Bunnies" (foi esta cópia que eu vi) e "Red, Hot and Sexy", e novos cartazes dando cara de comédia adolescente ou X-Rated, só para enganar o pobre cinéfilo desavisado!


Nossa história começa na redação de uma revista de fofocas, onde a editora Elaine Street (Brenda Fogarty) passa a maior carraspana num repórter. Ela quer saber se o super-astro de Hollywood Rock Sanders (Marland Proctor) foi à Dinamarca para fazer uma cirurgia de mudança de sexo, como dizem os boatos. Mas o pobre repórter não conseguiu a prova necessária para publicar o furo de reportagem, enfurecendo a editora, que declara aos berros: "Eu preciso saber se Rock Sanders ainda tem pinto!".

(Interessante é analisar o figurino do anônimo repórter: usando terno em tom azul berrante com gravata borboleta, o cara parece mais porteiro de zona do que jornalista!)


Para conseguir a confirmação necessária, a própria Elaine resolve procurar o astro de cinema e checar se ele ainda tem pinto ou se realmente passou por uma cirurgia de mudança de sexo. O plano é simples: ela hospeda-se no mesmo hotel em que Sanders passa as férias escondido da imprensa, com três amigas gostosonas (Linda Gildersleeve, Mariwin Roberts e Wendy Cavanaugh) que servirão como isca para desmascarar o alvo.

Ao longo do restante do filme - mais comédia burlesca e menos sexploitation que "The Cocktail Hostesses" -, Elaine fará tudo ao seu alcance para conseguir a prova necessária, desde seduzir o "bellboy" do hotel para saber o número do quarto de Sanders até arquitetar as estratégias mais mirabolantes para poder apertar o sujeito no meio as pernas e verificar a existência ou não de um pinto no local!


Estas são as partes divertidas do filme, lembrando as pornochanchadas que os brasileiros faziam na mesma época. Tem até um momento hilário em que a repórter simula um ataque de tubarão na praia para tentar atrair o astro, que toma banho de sol na areia; mas o resgate é feito por um turista japonês, que passeia pela praia com câmera fotográfica no pescoço, como manda o clichê.

Já as quatro moças amigas de Elaine passarão o restante do filme envolvendo-se com homens diversos, numa desculpa esfarrapada para incontáveis cenas de sexo simulado na cama, na praia e até num barco.


Como em outras obras da sua parceria, Wood e Apostolof fazem o possível e o impossível para encaixar a maior quantidade de putaria possível em THE BEACH BUNNIES: não basta variar na quantidade de posições durante o coito, mas também nas perversões, incluindo um inesperado ménage a trois quando um sujeito convida seu amigo inseparável para dividir uma garota na cama!

E a exemplo do que já acontecia em "The Cocktail Hostesses", há um momento completamente sem-noção em que uma das garotas (interpretada pela belíssima Linda Gildersleeve) vai passear na praia à noite e é atacada e estuprada por três homens. Esta cena é mais uma daquelas de dar arrepios na mulherada, já que a vítima pára de gritar e protestar e começa a curtir o estupro! Mais tarde, quando conta o ocorrido para as amigas, ela até explica: "Eu tentei gritar... no começo". Inacreditável!


Sensacionalista pra caramba, o filme também aproveita as especulações sobre o homossexualismo do galã de Hollywood Rock Hudson, "homenageado" com o personagem do astro de cinema chamado Rock Sanders. Revistas de fofoca da época sempre desconfiavam de que Hudson agasalhava o croquete, mas o ator conseguiu disfarçar isso até o fim. A confirmação de que ele era gay veio somente após sua morte (por complicações decorrentes da Aids, em 1985), quando descobriu-se que ele tinha um amante há um bom tempo tempo.

Que se registre, inclusive, que THE BEACH BUNNIES está repleto daqueles diálogos pavorosos que Wood tinha um talento especial para escrever. Além dos já citados, tem uma cantada inacreditável em que um sujeito fala à garota que é piloto de avião, e ela responde, sem titubear, que é "a melhor pista de pouso da cidade"!


O grande problema do filme, além dos habituais e costumeiros nas produções conjuntas de Wood e Apostolof, é a protagonista interpretada por Brenda Fogarty (foto acima). Embora ela tenha timing cômico e até se defenda como atriz, é feia e desajeitada para pagar de gostosona, e as várias cenas em que ela precisa usar seu "poder de sedução" soam absurdas. Até porque suas três amigas são muito mais bonitas e gostosas do que ela. Rene Bond, a loiraça-escândalo de "The Cocktail Hostesses", seria uma escolha bem mais apropriada para o papel.

(Inexplicavelmente, Brenda Fogarty apareceu em várias produções softcore do período, usando pseudônimos como "Shannon Korbel" e "Rene Letona", antes de também despencar direto para o anonimato.)


THE BEACH BUNNIES traz uma conclusão esquisita: você espera o tempo todo por um desfecho inesperado para a situação envolvendo a repórter e o mistério da mudança de sexo do astro de cinema, mas Wood e Apostolof (que faz uma ponta como pianista) optaram pelo final mais clichê e sem graça. Uma pena.

Bobo, levemente sacana e chato na maior parte do tempo (pela falta de ousadia das cenas de sexo softcore), THE BEACH BUNNIES não é uma despedida à altura para o pobre Ed Wood. Seria ótimo se ele tivesse conseguido filmar "Night of Silence" ou algum outro dos seus muitos roteiros encalhados (como "The Vampire's Tomb", que seria originalmente estrelado por Bela Lugosi) antes de bater as botas.


Como isso não aconteceu, a sacanagem softcore e hardcore acabou sendo o legado do pobre Ed, seja pelos roteiros que escreveu para outros, seja pelo seu derradeiro trabalho como diretor, "Necromania" - há alguns anos, um outro pornô que teria sido dirigido por Wood, "The Young Marrieds", foi encontrado nos Estados Unidos, e ainda não se sabe com certeza se foi filmado antes ou depois de "Necromania".

Com a morte do seu grande colaborador, o diretor e produtor Apostolof também ficou desnorteado. Depois de THE BEACH BUNNIES, ele só fez mais um filme, "Hot Ice" (1978), a partir de um roteiro seu. Só que já não havia mais espaço para o softcore com a popularização do sexo explícito. Apostolof até tentou fazer algo mais arrojado, misturando sexo simulado a uma trama policial ao invés da comédia de costume, mas não funcionou e ele nunca mais dirigiu mais nada.


Hoje, seus filmes sacanas ficam como registro de uma época ingênua e divertida. Principalmente suas parcerias com Ed Wood, pois a pouca habilidade de Apostolof como diretor soma-se à inépcia de Ed como roteirista, dando origem a hilárias comédias involuntárias. Infelizmente, nada no nível de "Bride of the Monster" ou "Plan 9 From Outer Space". Ou mesmo do primeiro trabalho de Wood e Apostolof, "Orgia da Morte".

PS: "Night of Silence", o roteiro em que Wood trabalhava antes de morrer, foi filmado apenas em 1998, vinte anos após a morte do artista, pelo diretor Aris Iliopulos, e rebatizado como "I Woke Up Early the Day I Died". Ironicamente, o filme tem um elenco de atores famosos com o qual o pobre Ed jamais poderia sonhar quando vivo: Billy Zane, Tippi Hedren, Christina Ricci, Ron Pearlman, Andrew McCarthy, Karen Black, Sandra Bernhard, Tara Reid, John Ritter e até a veterana Vampira, de "Plan 9"!


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The Cocktail Hostesses (1973, EUA)
Direção: A.C. Stephen (aka Stephen C. Apostolof)
Elenco: Rene Bond, Terri Johnson, Kathy Hilton, Douglas
Frey, Forman Shane, Jimmy Longdale, Candy Samples,
Ric Lutze e Sandy Dempsey.

The Beach Bunnies (1976, EUA)
Direção: A.C. Stephen (aka... ah, você sabe muito bem!)
Elenco: Brenda Fogarty, Linda Gildersleeve, Marland Proctor,
Mariwin Roberts, Wendy Cavanaugh, Harvey Shain, Cory
Brandon, Forman Shane e Con Covert.

domingo, 15 de janeiro de 2012

ORGIA DA MORTE (1965)


No começo dos anos 1960, o produtor de cinema búlgaro Stephen C. Apostolof resolveu tentar a sorte no mercado de cinema sexploitation de Hollywood. Foi quando seu amigo e diretor de fotografia William C. Thompson disse que conhecia alguém especializado em fazer filmes baratos e rápidos. Seu nome: Edward D. Wood Jr. Ou simplesmente Ed Wood.

Thompson, que tinha sido diretor de fotografia de quase todos os filmes de Wood (inclusive os famigerados "Plan 9 From Outer Space" e "Glen or Glenda?"), marcou um almoço para que Apostolof e Ed se conhecessem, num restaurante que costumava reunir a nata do cinema em Los Angeles. Imaginem a surpresa do búlgaro quando Wood apresentou-se vestindo suéter angorá, saia acima dos joelhos, peruca loira e bigode!


Foi dessa forma meio torta (e definitivamente engraçada) que Apostolof e Wood se conheceram e iniciaram uma bizarra parceria: o primeiro produzia e dirigia a preço de banana, o segundo escrevia roteiros escalafobéticos com temáticas cada vez mais absurdas. E o primeiro trabalho da dupla foi o inacreditável ORGIA DA MORTE - tradução brasileira infeliz para "Orgy of the Dead", ou "Orgia dos Mortos".

ORGIA DA MORTE pode ser definido como a mais porca desculpa da história do cinema para se fazer um longa-metragem. Também pode ser definido como um dos roteiros mais estúpidos e sem propósito já "escritos" por Wood, pior até do que o já célebre "Plan 9" (que pelo menos tinha algo próximo de uma narrativa, algo que não existe aqui).


Além disso, o projeto é uma das mais esdrúxulas reuniões de "talentos" (ou "desprovidos de..."), juntando num mesmo balaio strippers, o pseudo-médium Criswell (!!!) e dois manés com fantasias de carnaval de lobisomem e múmia! ]

E sabe o quê? Por tudo isso, o filme é divertidíssimo de tão tosco e sem-vergonha - mais um autêntico "Filme para Doidos" em sua mais pura essência!


Embora tenha sido dirigido e produzido por Apostolof (espertamente escondido atrás do pseudônimo "A.C. Stephen"), ORGIA DA MORTE é puro Ed Wood. Tudo que caracteriza o cinema do célebre cineasta aparece no filme: os erros grosseiros de continuidade (dia vira noite e depois vira dia novamente), o elenco habitual de Wood (Criswell e uma dublê de Vampira, recrutada quando a original pulou fora do projeto!) e os diálogos ridículos sendo declamados com empolgação shakesperiana pelos "atores".

É muito fácil e rápido falar sobre a "trama", porque, na verdade, ela não existe: a exemplo de "Plan 9" e "Night of the Ghouls", duas obras anteriores escritas e dirigidas por Wood, ORGIA DA MORTE começa com um close na fuça de Criswell, que "acorda" dentro de um caixão e levanta-se para o seu tradicional discurso sem pé nem cabeça (algo que José Mojica Marins copiaria posteriormente nas aberturas dos filmes do Zé do Caixão).


Visivelmente lendo textos escritos em cartazes ou cartões atrás da câmera (perceba os movimentos dos olhos, que ele nem tenta disfarçar), e com a maior cara de encachaçado, o ator-apresentador anuncia: "Eu sou Criswell. Durante anos, tenho dito coisas quase inacreditáveis, relatado o irreal e mostrado que ele é mais do que um fato. Agora vou contar uma história sem limites, tão surpreendente que alguns de vocês podem até desmaiar. Esta é a história de pessoas na hora do crepúsculo. Uma vez humanos, agora monstros, presos entre a vida e a morte. Monstros para sentir pena, monstros para desprezar. Uma noite de assombrações, que renascem das profundezas do mundo".

(E Wood é tão sem-vergonha que simplesmente reproduziu o mesmo discurso inicial do mesmo Criswell em um filme anterior, "Night of the Ghouls", cujo título inclusive é citado na última frase proferida pelo personagem!!!)


Corta para o carro do nosso casal de protagonistas, e você sabe que está vendo um legítimo filme de Ed Wood (embora ele não seja o diretor aqui) quando os planos gerais foram filmados à luz do dia e os planos médios dos atores na escuridão da noite!!!

Nossos "heróis" são o casal Bob (William Bates, no primeiro de seus dois filmes) e Shirley (Pat Barrington, que a partir de então se transformaria numa estrelinha do cinema sexploitation). Ele é um escritor de histórias de horror em busca de um velho cemitério onde pretende conseguir inspiração (não pergunte...); ela é uma ruivinha deliciosa, mas infelizmente chata e resmunguenta.


Antes que a ação comece, segue-se um diálogo hilário entre o casal:
- Visitar um cemitério numa noite como essa deve dar muitas ideias para uma boa história de horror.
- Mas tem tantas coisas boas para escrever, Bob.
- É claro que tem, e eu tentei todas elas. Peças de teatro, histórias de amor, westerns...
- Mas histórias de horror? Por que histórias de horror?
- Shirley, eu escrevi durante anos sem conseguir vender uma única palavra. Meus monstros me fizeram bem. Você acha que devo desistir deles para escrever sobre árvores, cachorros ou margaridas?


(Inclusive percebe-se algo de auto-biográfico no personagem de Bob, já que o próprio Ed Wood fez tudo isso - peças teatrais, romances, westerns... -, mas acabou mais lembrado pela sua "contribuição" ao cinema fantástico, escrevendo e dirigindo histórias de horror e ficção científica.)


Perto dali, num velho cemitério abandonado (que conveniente!), o Imperador das Trevas (Criswell, quem mais?) desperta do túmulo ao lado de sua amada/criada, a Princesa das Trevas (quanta inspiração, Wood!), vivida pela deliciosa Fawn Silver. Nos créditos, a moça aparece batizada como "Black Ghoul".

Pelo figurino e pelo estilo, o cinéfilo com um mínimo de conhecimento da obra de Wood vai perceber que o papel da moça foi escrito para Maila Nurmi, na época popular como a personagem Vampira, com a qual apresentava filmes de horror na TV. Vampira havia trabalhado com Ed em "Plan 9" e sabiamente pulou fora desse filme aqui, mas os produtores resolveram criar uma personagem semelhante para deixar bem claro que a intenção inicial era ter Vampira no elenco!


(Mais um adendo: sabe-se que Maila processou Cassandra Peterson anos depois, alegando que a personagem desta, a popular Elvira, era um plágio de Vampira. Ora, quem devia ter processado Cassandra era a pobre Fawn Silver, pois Elvira é uma cópia cuspida e escarrada da "Black Ghoul" de ORGIA DA MORTE, no traje, no penteado e até nos peitões!!!)

Voltando ao filme: de tempos em tempos, em noites de lua cheia, o Imperador das Trevas sai do túmulo para julgar as "almas condenadas" dos recém-falecidos, obrigadas a humilhar-se diante dele para sua diversão e satisfação.


No papel parece bonito; na prática, o que veremos pelos próximos 60 minutos são meninas entrando e saindo de um cenário fuleiro imitando cemitério para fazer shows de strip-tease (!!!); esporadicamente, cansado de ver peitos balançando, o Imperador das Trevas ordena que seus súditos torturem algumas delas, mas são cenas fuleiras e sem nenhum valor sádico ou masoquista.

Sim, e você leu corretamente: apenas "almas condenadas" de MENINAS são julgadas durante o filme e obrigadas a dançar e tirar a roupa diante do Imperador e da Princesa das Trevas. O personagem de Criswell justifica isso rispidamente - "E quem quer ver um homem dançar?" -, uma explicação com a qual eu concordo plenamente.


Quando o carro de Bob e Shirley capota na estrada (não havia dinheiro para filmar o desastre, então quem "capota" é a câmera, girando várias vezes para simular o acidente), eles são aprisionados pelas forças do mal e obrigados a acompanhar a dancinha das strippers até o restante do filme, quando a Princesa das Trevas pretende sacrificá-los para a sua própria diversão (aparentemente, ela não curte strip-teases como o seu mestre).

É impossível o leitor ter uma ideia da pobreza e do absurdo de ORGIA DA MORTE sem realmente ver o filme. O argumento não passa disso (casal aprisionado é obrigado a assistir terríveis shows de strip-tease de "almas condenadas" - todas elas gostosas e peitudas, claro!), e deve haver uns 20 ou 30 diálogos O FILME INTEIRO, com o restante da narrativa sendo preenchida pelas mulheres nuas dançando e sacudindo os peitos, ao som de uma trilha sonora que é impossível de definir, de tão "excêntrica"!!!


A obra se encaixa num subgênero do sexploitation conhecido como "nudie-cuties", ou simplesmente "nudies". Realizados antes da popularização dos pornôs softcore e (posteriormente) hardcore, os nudies limitavam-se a mostrar mulheres nuas, mas em tal quantidade que a história ficava em segundo, até terceiro plano - histórias que se passavam em campos nudistas, por exemplo, eram bem comuns e livraram o diretor ou roteirista de pensar numa justificativa para pelar a mulherada.

ORGIA DA MORTE é por aí: após filmar 10 minutinhos que servem apenas como desculpa narrativa, os realizadores devem ter percorrido todas as casas de "shows adultos" da região em busca de strippers que trabalhassem por miséria.


São 10 números de dança ao longo do filme, e as caracterizações das moças são simplesmente hilárias: elas aparecem vestidas como índias, espanholas, havaianas e lá pelas tantas aparece uma fantasiada de gatinho (!!!), que tira a roupa enquanto toma chicotadas de um dos servos do Imperador das Trevas!!!

Menos mal que todas as meninas são gostosas pra caramba, e se os showzinhos ficam no limite entre o cômico e o brochante, pelo menos a variedade de peitos (grandes, pequenos, firmes, caídos...) garante a atenção do público masculino.


A própria Pat Barrington aparece num segundo papel, com cabelo loiro, e, graças ao milagre da edição, dança diante dela mesma. Em cena chupinhada de "007 Contra Goldfinger", a dançarina é castigada por sua "ambição" (não pergunte...), sendo mergulhada num caldeirão com ouro derretido, de onde sai com o corpo todo dourado!

As outras delícias em cena são Mickey Jines, Barbara Nordin, Bunny Glaser, Nadejda Klein, Coleen O'Brien, Lorali Hart (aka Texas Starr), Rene De Beau, Stephanie Jones e Dene Starnes. A Princesa das Trevas Fawn Silver infelizmente não tira a roupa.


A "carreira" das moças não foi muito adiante (pelo menos fora das casas de strip-tease), mas duas viraram celebridades cult com o tempo: os peitões de Lorali/Texas Starr foram motivo de piada em dois filmes da série "Corra que a Polícia Vem Aí!" e motivo de punheta no pornô "Mature Women"; já a búlgara Nadejda continuou fazendo filmes, e em 2011 foi ressuscitada com um pequeno papel em "Mega Python vs. Gatoroid"!

Além de Criswell, da clone de Vampira, do casal de "mortais" e das strippers, ORGIA DA MORTE também conta com dois tosquíssimos monstros que aparecem como servos do Imperador das Trevas - um lobisomem e uma múmia.


Ambos funcionam como "alívio cômico", fazendo piadinhas e comentários sem graça entre as dancinhas, mas podiam até ficar de boca fechada, pois seu figurino pobretão já garante as risadas naturalmente - com destaque para o lobisomem que, em certo momento, levanta a cabeça e exibe ao espectador o pescoço limpinho do ator, onde o maquiador esqueceu de colar pêlos...

Na conclusão da "trama", a luz do sol chega para salvar Bob e Shirley de um triste destino. Os raios solares transformam todas as assombrações em esqueletos, e é curioso como Apostolof repete um erro grosseiro que Wood havia feito em "Plan 9": quando Criswell se dissolve, resta apenas um esqueleto com a capa que o personagem vestia, como se ele estivesse pelado por baixo da capa!!!


Outra referência a "Plan 9" é o fato de Criswell entrar em cena segurando a capa em frente ao rosto, como fazia o dublê de Bela Lugosi em "Plan 9" (lembre-se que ele precisava esconder o rosto por não ser nada parecido com o falecido ator!).

Acredito até que Wood escreveu o personagem do Imperador das Trevas pensando no já falecido Lugosi para o papel. Até porque Criswell veste uma capa originalmente usada por Lugosi em "Bud Abbott Lou Costello Meet Frankenstein" (1948).


De dancinha em dancinha, de peitos desnudos em peitos desnudos, surgem aqueles hilários diálogos que somente Ed Wood sabe escrever. Como Criswell questionando a presença de Bob e Shirley no cemitério: "Vivos onde apenas os mortos deveriam estar?". Ou esta acachapante conversa entre o casal amarrado e prestes a morrer:

Uma bela hora para discutir a relação



Nos créditos iniciais, Ed Wood aparece como autor do roteiro "baseado em seu livro 'Orgy of the Dead'"! E eu confesso que sempre fiquei me perguntando como poderia haver um livro disso, considerando que 80% do filme são meninas tirando a roupa.

Recentemente, descobri que "Orgy of the Dead", o livro, foi publicado na mesma época em que o filme chegou aos cinemas, numa espécie de "venda casada", e na verdade não é uma novelização da trama de ORGIA DA MORTE, mas sim uma coletânea de contos de Wood (incluindo os famosos "The Night the Banshee Cried" e "The Final Curtain").

No caso, os contos ocupam, no livro, o espaço que as dancinhas ocupam no filme. A primeira edição tinha prefácio assinado por Forrest J. Ackerman, como você pode ver na reprodução da capa ao lado (e eu definitivamente compraria um livro com essa capa e esse título!).

O diretor Apostolof trabalharia com roteiros de Wood em diversos outros filmes, progressivamente piores, como "Drop Out Wife" (1972) e "The Beach Bunnies" (1976).

Cada vez mais miserável, Ed entregou-se ao alcoolismo e fez um último trabalho como cineasta, o pornô "Necromania", em 1971. Ele morreu de ataque cardíaco em 1978; Apostolof faleceu recentemente, em 2005.

Alguns anos antes de falecer, Apostolof gravou uma entrevista falando sobre ORGIA DA MORTE, e explicou que seu sonho era fazer uma continuação contemporânea do filme (!!!), em que pretendia explicar detalhes do original, como a relação entre a múmia e o lobisomem (palavras do próprio diretor). A história se passaria no futuro, no ano 3000 (!!!), e teria menos shows de strip-tease e mais narrativa.


(In)Felizmente, ele morreu sem realizar seu sonho, mas deixou como legado esse impressionante trash movie, um daqueles filmes inacreditáveis e charmosos exatamente pela ruindade.

Considerando que quase não há história nem diálogos, eu recomendo exibições de ORGIA DA MORTE em telões ao fundo de shows de rock (as imagens casariam perfeitamente com um show da banda Damn Laser Vampires, por exemplo), ou em bares com temática de rock e cinema fantástico, como o (atualmente fechado) Astronete em São Paulo.


Mas uma qualidade do filme eu preciso ressaltar: mesmo com a ruindade generalizada em todos os departamentos, o uso de cores vivas nas cenas ("In shocking SEXICOLOR", anunciava o pôster de cinema) é impressionante, lembrando a fotografia nas obras de diretores italianos como Mario Bava e Dario Argento - especialmente o vermelho, sempre presente em detalhes do figurino ou da maquiagem das meninas, e no cabelo de Shirley.

Já o restante irá apetecer apenas aos fãs de sacanagem (embora as dancinhas de topless sejam bem inocentes para os padrões atuais) e de trash movies. Não sem motivo, outro notório diretor de tralhas esteve envolvido na produção: Ted V. Mikels (responsável por "The Astro-Zombies"!!!) assumiu o cargo de assistente de direção que pertencia a Ed Wood, quando Apostolof expulsou o roteirista do set por encher a cara durante as filmagens!


Por tudo isso, e já me estendi demais, ORGIA DA MORTE é um daqueles filmes cujo fascínio é difícil de explicar.

Você pode até odiar a si mesmo enquanto estiver assistindo essa porcaria, pode até acionar a tecla Fast Foward incontáveis vezes até os créditos finais começarem a subir, mas com certeza se pegará pensando nas imagens (e nas bobagens) nos dias seguintes, até surgir uma incrível vontade de rever, nem que seja para mostrar para os amigos, para eles rirem junto.

Portanto, prepare-se para ser hipnotizado por ORGIA DA MORTE você também - ou, no mínimo, curtir oitenta e poucos minutos de mulheres gostosas fazendo strip-tease sem a necessidade de gastar grana num puteiro!

UPDATE: Hugo Malavolta, leitor contumaz do FILMES PARA DOIDOS e enciclopédia viva sobre cinema mundial, acaba de enviar para o meu e-mail duas incríveis fotos dos bastidores das filmagens dessa tralha. Não sei de onde ele tirou, mas não duvidaria se Hugo tivesse participado das gravações em pessoa. A primeira mostra a gostosa da Pat Barrington sendo pintada de dourado para a cena chupada de "Goldfinger"; na segunda podemos ver o diretor de fotografia Robert Caramico em ação. Valeu, Malavolta!



Melhores momentos de ORGIA DA MORTE



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Orgy of the Dead (1965, EUA)
Direção: A.C. Stephen (aka Stephen C. Apostolof)
Elenco: Criswell, Fawn Silver, Pat Barrington,
William Bates, Mickey Jines, Bunny Glaser,
Nadejda Klein e Texas Starr (aka Lorali Hart).


* A quem interessar possa, esta foi a capinha (feia pra caralho!) do filme quando lançado em VHS no Brasil pela famigerada Continental, reconhecidamente uma das piores distribuidoras do país: