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sábado, 17 de novembro de 2018

TARGET EARTH (1954)


Filme antigo em preto-e-branco. A humanidade está sendo ameaçada por um inimigo desconhecido. A cidade tornou-se um túmulo. Um pequeno grupo de desconhecidos busca abrigo num local abandonado e tenta sobreviver, embora os avanços do Exército contra o inimigo sejam em vão. Isolados e assustados, os personagem começam a lutar e se matar entre eles, demonstrando que diante de uma ameaça desconhecida o ser humano ainda é um inimigo muito pior...

Até parece que estamos falando do clássico "A Noite dos Mortos-Vivos”, de George A. Romero, que redefiniu o horror ao ser lançado lá atrás, em 1968, correto?

Mas não: a descrição acima pertence a uma produção ANTERIOR ao Romero, lançada quase 15 anos antes (em 1954), e que por uma série de fatores (como veremos) não fez o mesmo sucesso, nem é tão memorável quanto o clássico “A Noite dos Mortos-Vivos” - embora talvez tenha influenciado o diretor; é uma pena que ninguém nunca perguntou enquanto ele estava vivo. Estamos falando de TARGET EARTH, uma esquecida ficção científica classe B que, apesar de trazer uma situação-limite bem parecida, não tem mortos-vivos comedores de carne humana, e sim... robôs assassinos do planeta Vênus!!!



TARGET EARTH (exibido nos cinemas brasileiros como “Invasão do Mundo”) foi produzido nos anos 1950, quando os cinemas norte-americanos estavam sendo invadidos por... bem, invasores alienígenas! A febre dos filmes com discos voadores, monstros cheios de tentáculos e robôs assassinos têm uma explicação psicológica: no livro “The Monster Show: A Cultural History of Horror”, o pesquisador David J. Skal argumenta que o fantástico, tanto na literatura quanto no cinema, sempre usou a ansiedade coletiva para provocar uma catarse, de maneira a preparar massas de espectadores para suportar a paranóia e o medo da morte iminente.

Nos anos 1950, quando esses filmes foram produzidos praticamente em escala industrial, o que causava ansiedade no cidadão norte-americano era a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a extinta União Soviética, e o medo de que sua grande nação fosse invadida pelo “perigo comunista” (percebam que certos medos volta-e-meia retornam...).



Assim, o cinema de gênero aproveitou para explorar a ameaça, de maneira simbólica, nos filmes sobre invasões “alienígenas” do período, onde os monstros muitas vezes não apenas dominavam e aniquilavam a raça humana (leia-se Estados Unidos da América), mas também controlavam seus cidadãos ou os substituíam por réplicas sem emoção (em produções como “It Conquered the World”, “Vampiros de Almas” e “Invasores de Marte”), numa alegoria aos “inimigos comunistas” infiltrados entre os “cidadãos de bem”.

TARGET EARTH começa com uma sequência de imagens que lembra outro clássico posterior - o “Psicose” (1960) de Alfred Hitchcock: uma câmera aérea vai se aproximando lentamente do conjunto de prédios de uma grande cidade até “entrar pela janela” de um deles, onde uma moça seminua (para os padrões da época, claro; na verdade ela veste uma recatada camisola) está deitada na cama.

O contexto da cena, entretanto, é completamente diferente de “Psicose”: se lá Marion Crane (Janet Leigh) tinha acabado de fazer sexo, aqui Nora King (Kathleen Crowley, cujo visual e figurino parecem ter inspirado a personagem de Sherilyn Fenn em “Twin Peaks”) acorda de uma mal-sucedida tentativa de suicídio - antes de chegar na moça, a câmera “passeia” pelo chão e passa por sua mão caída ao lado de um vidro de pílulas para dormir, aberto e com alguns comprimidos espalhados, num daqueles belos planos que explicam tudo sem que uma única palavra seja dita.


 
Frustrada por não ter conseguido morrer (o que é irônico, já que ela passará o restante dos 65 minutos do filme lutando pela vida!), Nora levanta, se veste e sai do quarto para descobrir que seu apartamento está sem luz e sem água. Ela sai e não encontra ninguém nos corredores do prédio. Do lado de fora, um silêncio mortal e nenhuma pessoa ou carro nas ruas. É como se ela fosse a última pessoa sobre a terra, tipo Robert Neville no clássico livro “Eu Sou a Lenda”, de Richard Matheson, que por coincidência foi publicado no mesmo ano.

Os próximos minutos mostram o desespero da garota zanzando por ruas completamente desertas de uma grande cidade (segundo o filme, Chicago) sem encontrar ninguém. Até que, virando uma esquina, ela topa tanto com o cadáver de uma garota quanto com um homem bem vivo, Frank Brooks (Richard Denning, que no mesmo ano enfrentou o Monstro da Lagoa Negra no filme homônimo de Jack Arnold).


 
O medo fala mais alto e a mocinha tenta fugir, mas é perseguida e acalmada como os homens costumavam acalmar as mulheres nestes filmes dos anos 1950 (ou seja, com umas porradas). Ele explica que está na mesma situação: após uma noitada num bar, foi drogado, roubado e deixado para “dormir” num beco, e ao acordar também encontrou a cidade deserta. O que terá acontecido?

Pelos primeiros 35 minutos de TARGET EARTH, Nora e Frank irão caminhar pela cidade deserta em busca de um veículo para darem o fora (nenhum deles funciona porque foi convenientemente retirada uma peça do motor), um rádio para ouvir as notícias (igualmente nenhum deles funciona porque convenientemente as baterias também desapareceram) ou outras pessoas vivas que possam explicar o mistério.



Acabam encontrando um bizarro casal (Virginia Grey e Richard Reeves) que aproveita o apocalipse para comer e beber à vontade num restaurante chique. Mas logo a sombra ameaçadora de um perigo desconhecido assusta os sobreviventes, que buscam abrigo num hotel deserto e, através de uma manchete de jornal, finalmente descobrem o que aconteceu: a Terra está sendo invadida por alienígenas vindos de Vênus, que desembarcaram um exército formado por milhares de robôs indestrutíveis para patrulhar as ruas e eliminar qualquer humano que encontrem pela frente com seu “raio da morte”. Chicago foi completamente evacuada pelo Exército (e os sobreviventes deixados para trás estavam ou dormindo, ou muito ocupados para perceber o que acontecia), mas os robôs continuam à solta para eliminar quem sobrou.

E assim, após uns bons 35 minutos atormentando o espectador com o medo do desconhecido, TARGET EARTH finalmente materializa a sua ameaça. E o faz na frustrante forma de um desconjuntado robôzão de borracha, que se locomove a zero quilômetros por hora e é tão ameaça quanto uma tartaruga assassina. Pior: o suposto “exército de milhares de robôs” anunciado pelo jornal (e pela bela arte do pôster de cinema) nunca dá as caras, porque os produtores só tinham dinheiro para fazer um único traje de robô, então é sempre o mesmo robô zanzando solitário de lá para cá atrás dos protagonistas!



Com uma ameaça tão tosca e tão pouco assustadora ou ameaçadora, a trama acaba se beneficiando da tensão entre os humanos, relegando os robôs venusianos a um segundo plano (como Romero faria depois com seus zumbis): não bastasse as discussões entre os dois casais, logo aparece um quinto sobrevivente, um psicopata chamado Davis (Robert Roark), que, armado com um singelo revólver, acaba se demonstrando um horror muito pior (e mais real) do que o raio da morte dos invasores alienígenas.

Infelizmente, a narrativa começa a ser interrompida com bastante frequência por cenas envolvendo reuniões de emergência do Exército para tentar deter a ameaça (pffff...) dos inca... opa, robôs venusianos. Chatíssimas, estas cenas tiram todo o impacto e sensação de tensão e isolamento dos momentos com os sobreviventes na cidade deserta; enquanto os milicos conversam sem parar sobre planos para deter os invasores, cientistas estudam alternativas para eliminar os robôs, que são imunes a balas e bombas.

Lá pelas tantas, finalmente, ondas sonoras surgem como alternativa eficaz para o problema, numa solução que depois apareceu em filmes tão díspares quanto “Invasores Invisíveis / Invisible Invaders” (1959), “Invasão de Discos Voadores / Earth vs. the Flying Saucers” (1966), “Marte Ataca” (1996) e, mais recentemente, “Um Lugar Silencioso” (2018).



TARGET EARTH foi dirigido por Sherman A. Rose, que até então era conhecido como um exímio editor de filmes B de faroeste. Entre 1937 e 1943, ele montou 23 aventuras do hoje esquecido herói Hopalong Cassidy, um valente Texas Ranger que era interpretado por William Boyd no cinema. Depois foi trabalhar como editor em seriados de TV, até ser convidado para seu primeiro trabalho na direção com esta mirabolante trama sobre robôs assassinos do planeta Vênus.

Rose não teve uma carreira muito expressiva na função: depois deste só assinou outros dois filmes, incluindo o clássico trash “Tank Battalion”, de 1958 (um filme de guerra construído ao redor de cenas de arquivo de guerras verdadeiras!). Aí desistiu desse negócio de dirigir e voltou para o departamento de edição, onde trabalhou até o final dos anos 1960. Rose morreu em 1986.

Fica claro que Sherman Rose era apenas um diretor de aluguel, contratado por alguns trocados para tocar o projeto pelo verdadeiro cérebro por trás de tudo: o famoso produtor Herman Cohen, que notabilizou-se por espetáculos sensacionalistas e com nomes apelativos como a cópia feminina de King Kong, “Konga” (1961), e as clássicas picaretagens com monstros adolescentes “I Was a Teenage Werewolf” e “I Was a Teenage Frankenstein”, ambos de 1957.



Numa entrevista à revista Fangoria, em janeiro de 1992, Cohen lembrou que TARGET EARTH nasceu quando ele comprou uma daquelas revistas de pulp fiction tão comuns na época, que traziam contos de ficção científica e horror, e encantou-se com uma história chamada “Deadly City” (Cidade Mortal), escrita por Paul Warren Fairman (1909-1969) usando o pseudônimo “Ivar Jorgensen”. A revista em questão foi a IF Magazine de março de 1953, que inclusive anunciava “Deadly City” na capa.

“Jim Nicholson [James H. Nicholson, então presidente da American International Pictures, que produziu os primeiros filmes de Roger Corman] estava comigo, se interessou pela história e começou a escrever um tratamento, e eu o comprei de Jim por 250 dólares. Mudei o título para TARGET EARTH e comecei a escrever um roteiro com um sujeito chamado Bill Raynor”, explicou o produtor.

Bill Raynor era William Raynor, que roteirizou alguns outros filmes B de ficção científica do período (como “Phantom from Space”, de 1953, e “Killers from Space”, de 1954), antes de também terminar na TV, escrevendo episódios dos seriados “Agente 86” e “Os Gatões”.



À época, Cohen ainda não era o “super-produtor” que acabaria se tornando - ele tinha trabalhado como produtor executivo e produtor associado em outros seis filmes. TARGET EARTH foi sua primeira grande aposta, que ele tirou do papel praticamente sozinho, conforme relatou à Fangoria: “Eu era um jovem com vinte-e-poucos anos e consegui marcar um encontro com Harold Mirisch e Steve Broidy, da Allied Artists. Eles leram minha primeira versão do roteiro e gostaram. Eu disse que poderia filmá-lo por menos de 100 mil dólares, e eles entraram com parte deste dinheiro. No fim gastamos menos que isso, acho que foram uns 85 mil dólares”.

Como é sabido, no universo do cinema barato um orçamento apertado exige vários sacrifícios e muita malandragem dos realizadores para que as coisas funcionem sem gastar muito. No caso de TARGET EARTH, as filmagens tiveram um cronograma apertadíssimo (apenas SETE DIAS!) e aconteceram em julho de 1954, principalmente em estúdio.



Já as cenas que mostravam os atores caminhando pela cidade deserta foram filmadas sem nenhum tipo de permissão e a mais de 3.000 quilômetros da Chicago de verdade, em Los Angeles! L.A. era muito mais movimentada que Chicago, mas também livrava os realizadores de bancarem os custos de transporte até a outra cidade (e vá entender porque simplesmente não trocaram de cidade na história, considerando que a geografia não afeta a trama em absolutamente nada!).

Sem permissão oficial para fechar ruas e desviar o tráfego, Cohen e sua trupe filmavam cedinho da manhã (o céu cinzento começando a clarear é perceptível em várias cenas), quando ainda era possível circular pelas ruas praticamente desertas. “Filmamos nos finais de semana e sem autorização nas ruas desertas de Los Angeles do início da manhã para conseguir as cenas da cidade evacuada”, explicou Cohen. “Um amigo meu era policial e nos acompanhou algumas manhãs vestido com seu uniforme para tornar 'oficial', mas não tínhamos nenhuma autorização e poderíamos acabar com sérios problemas”.



A malandragem deu certo e estas cenas funcionam muito bem, chegando a lembrar “Mortos que Matam / The Last Man on Earth”, a primeira adaptação do livro “Eu Sou a Lenda”, que foi feita dez anos depois de TARGET EARTH. Infelizmente, o material filmado não deve ter sido suficiente na hora da edição, e por isso o filme também usa freeze frames (imagens congeladas) de algumas ruas desertas, num recurso perceptível e muito tosco.

E por falar em tosco, muitas vezes o estilo Sherman Rose/Herman Cohen de fazer cinema lembra bastante um certo Edward D. Wood Jr, ou simplesmente Ed Wood. Tipo o uso de cenas de arquivo de exercícios militares e caças voando para economizar dinheiro com a FILMAGEM destas cenas - algo que Wood faria, cinco anos depois, em “Plan 9 From Outer Space”.

Outro elemento "edwoodiano" diz respeito à maneira como foi feito o casting: o ator Robert Roark, que interpreta o psicopata à solta, faz parte do elenco do filme não exatamente por seu talento como intérprete, mas apenas porque seu pai foi um dos principais investidores! E o próprio produtor Cohen aparece no filme, “interpretando” um dos técnicos do laboratório militar, para economizar dinheiro com figurantes.


É uma pena que TARGET EARTH comece tão bem, explorando a sensação de isolamento, de solidão e de não saber o que está acontecendo, e a partir da entrada em cena dos patéticos robôs venusianos o filme despenque direto para o panteão da comédia involuntária. Porque é impossível assumir como ameaça aquele trombolho que anda se arrastando e dispara um único “raio mortal” por vez, e sem muita mira.

O famigerado robô alienígena de Vênus deveria aparecer aos milhares, para dar a impressão de uma invasão em larga escala, mas os realizadores resolveram economizar dinheiro construindo um único traje de robô - usado por ninguém menos que Steve Calvert, um “ator” que especializou-se em vestir roupa de gorila para interpretar macacos assassinos em filmes como “A Noiva e a Besta” (1958) e “Bela Lugosi Meets a Brooklyn Gorilla” (1952)!


“Atacamos Los Angeles com um único robô!”, divertiu-se o produtor Cohen, ainda na entrevista para a Fangoria. “David Koehler era um técnico de efeitos especiais com quem eu ocasionalmente trabalhava, e ele construiu o negócio na minha garagem”. A julgar pelo robô fajuto de TARGET EARTH, está explicado porque Koehler nunca mais trabalhou em filmes de ficção científica e horror, preferindo migrar para efeitos mais “realistas” em grandes filmes de grandes diretores, como “O Grande Golpe” (1956), do Kubrick, “Morte Sem Glória” (1956), do Robert Aldrich, e “The Chase” (1966), do Arthur Penn.

Ironicamente, no conto “Deadly City”, que deu origem ao filme, a narrativa permanece o tempo inteiro acompanhando a interação entre os personagens humanos, e não traz um único robô alienígena, quem dirá do planeta Vênus. Somente perto do final os protagonistas descobrem, por meio da manchete num jornal esquecido, que a cidade foi evacuada por conta da ameaça de uma invasão extraterrestre, mas os seres de outro mundo nunca aparecem diretamente na história e nem ameaçam os humanos, que ficam à mercê da maldade deles mesmos - personificada pelo sádico assassino Davis.
No final do conto, numa reviravolta ao estilo “Guerra dos Mundos”, descobre-que os alienígenas que chegaram a dominar a cidade estão morrendo vitimados por alguma substância na nossa atmosfera para a qual seu organismo não tem imunidade. Ao contrário do filme, também, o conto de Fairman nunca corta para o Exército planejando o contra-ataque, permanecendo o tempo inteiro com seus confusos e solitários personagens principais. Para quem se interessou, clique aqui para ler “Deadly City” (em inglês).

Mas se o conto não tem robôs, por que diabos eles acabaram em TARGET EARTH?

Bem, primeiramente pela facilidade: era mais prático (e barato) construir um traje de robô do que um de monstro alienígena. E depois porque o cinema de ficção científica do período estava fascinado pelas criaturas mecânicas do espaço sideral desde o Gort do clássico “O Dia em que a Terra Parou” (1951), que foi a inspiração direta para praticamente tudo que veio depois - dos robôs venusianos de TARGET EARTH ao humanóide marciano de “Devil Girls From Mars” (1954), todos iguais na simplicidade do visual e principalmente no raio mortífero disparado pelo que parece ser o “olho” da criatura, tipo Gort já fazia no filme de Robert Wise.


Descontando este pequeno grande detalhe de ter inventado uma ameaça robótica inexistente no material em que se inspirou, até que TARGET EARTH é razoavelmente fiel ao conto de Fairman. Numa interessante inversão de papéis que não era tão comum no período, a adaptação para o cinema deu o protagonismo a Nora, e não a Frank (no conto é ele o personagem principal apresentado por primeiro).

Mas é claro que a Nora de Kathleen Crowley passa longe das mulheres fortes da ficção científica, surgidas principalmente a partir dos anos 1970. Está mais para a típica “mocinha em perigo” da década de 1950, sempre gritando - ou, o que acontece com mais frequência, evitando um grito com as costas da mão - e buscando o abraço do “macho” Frank para tranquilizá-la em momentos de horror. Ainda assim, este é o grande momento da atriz no cinema, ela que depois passaria a ser coadjuvante em seriados de TV como “Bonanza” e o “Batman” do Adam West.



Hoje, mais de 60 anos depois do lançamento de TARGET EARTH, a Terra ainda não foi invadida por extraterrestres, muito menos por robôs - sejam eles de Vênus ou de qualquer outro planeta. Os robôs cinematográficos também evoluíram bastante e perderam o visual de monstrengo de lata para ganhar feições e agilidade humanas, em obras-primas como “Westworld - Onde Ninguém Tem Alma” (1973) e “O Exterminador do Futuro” (1984). 

Mas as latas-velhas que ameaçavam Terra e terráqueos nestas saudosas produções baratas de ficção científica dos anos 1950 conquistaram um lugarzinho de destaque no coração dos cinéfilos e se recusam a morrer. Vide Robby the Robot, criado em 1956 para o clássico “Planeta Proibido”, e que desde então faz participações espaciais (muitas vezes como “Itself”) em seriados de TV e nos filmes dirigidos por Joe Dante!

PS: O autor do conto que deu origem a TARGET EARTH, Paul W. Fairman, está praticamente esquecido hoje, apesar de ter escrito 15 romances e dezenas de contos de ficção científica na sua época. Uma curiosidade sobre o trabalho de Fairman é que um de seus contos, “Beast of the Void”, publicado em 1956 nestas revistas vagabundas de pulp fiction, é considerado o primeiro ou um dos primeiros a apresentar uma substância alienígena inteligente capaz de assumir a forma de outras criaturas através da memória de suas vítimas - uma ideia que seria explorada filosoficamente anos depois, em 1961, por Stanislaw Lem no livro “Solaris”, que por sua vez foi adaptado para o cinema por Andrei Tarkovsky em 1972 e por Steven Soderbergh em 2002!



Trailer de TARGET EARTH





segunda-feira, 10 de março de 2014

VEIO DO INFERNO (1957)


Ao longo dos anos, filmes de ficção científica e horror transformaram em ameaças mortais praticamente todos os exemplares da nossa fauna - dos animais mais óbvios, tipo ursos, baleias e tubarões, até inofensivas formiguinhas e fofuxos coelhinhos. Mas o mesmo não aconteceu com os exemplares de nossa flora, salvo raras exceções, como a famosa planta carnívora Audrey, de "A Pequena Loja dos Horrores" (1960), e as plantas alienígenas assassinas de "O Terror Veio do Espaço" (1963), entre outras.

O motivo para tamanha discriminação é bem óbvio: até as diminutas e inofensivas formiguinhas têm maior capacidade de locomoção do que uma PLANTA, que, salvo boa dose de criatividade dos roteiristas, simplesmente fica lá enraizada e imóvel, sem oferecer risco algum. Um dos maiores argumentos para o ridículo que uma ameaça vegetal representa é VEIO DO INFERNO, um daqueles filmes que você simplesmente não acredita que alguém teve a cara-de-pau de fazer... e a sério!


Pois a grande ameaça de VEIO DO INFERNO atende pelo nome de TABANGA (grafado como "Tabonga" e até "Tobunga" em algumas fontes), e vem a ser uma árvore demoníaca assassina que ataca os nativos e cientistas de uma lha dos mares do Sul! Visualmente, a criatura lembra um antepassado tosco do Monstro do Pântano, mas sem a mesma agilidade do personagem dos quadrinhos (e sem 1% do interesse dele, também).

O maior problema é que sendo uma árvore, e de tamanho considerável, a terrível Tabanga não tem grande poder de locomoção (NENHUM poder de locomoção, a bem da verdade), e "anda", sendo generoso, a uns 2km/h - você quase consegue visualizar lesmas reumáticas e tartarugas com as patas engessadas ultrapassando em disparada a praticamente inofensiva vilã vegetal!


Por causa desse "pequeno detalhe", Tabanga é simplesmente um dos monstros mais ridículos e menos ameaçadores do cinema de horror de todos os tempos, e os diretores e roteiristas tiveram que rebolar para criar as cenas de ataque da criatura - já que até uma velhinha de 100 anos com duas muletas poderia escapar facilmente de Tabanga.

O resultado é um filme tão ruim que inspirou uma das melhores resenhas da história, em que o crítico norte-americano Ed Naha resumiu: "From Hell It Came? Send it back!" (Veio do Inferno? Manda de volta pra lá!).


VEIO DO INFERNO é a segunda e última produção conjunta dos Irmãos Milner, dois esforçados realizadores que tentaram encontrar seu lugar ao sol no universo dos filmes baratos de ficção científica e horror dos anos 50, mas não foram muito bem-sucedidos (embora suas tralhas sejam lembradas, vistas e analisadas até hoje). Antes deste, eles tinham feito o igualmente infame "The Phantom from 10.000 Leagues" (1955), sobre um monstro marinho gerado pela radiação.

Dan Milner, que assina a direção, trabalhava como editor desde os anos 1930, e, ao abandonar os filmes de horror, acabou arranjando um prolífico bico na montagem (e direção, segundo algumas fontes) dos programas do Palhaço Bozo lá nos Estados Unidos; já seu irmão Jack aqui assina a produção, a edição e o roteiro (este em parceria com Richard Bernstein), e terminaria a carreira no departamento de som de diversos seriados de TV.


A trama se passa numa ilha em algum lugar do Oceano Pacífico, e já começa com uma bela amostra da pobreza da produção e do desinteresse dos realizadores em pesquisar os costumes das tribos daquela região. Os índios são atores norte-americanos com a pele escurecida, que falam inglês e vestem roupas que parecem retalhos de cortinas ou toalhas de mesa com estampas floridas (acima). Já vi teatrinhos de colégio com índios melhor caracterizados que estes do filme!

A tal tribo dos Mares do Sul está preparando o sacrifício de Kimo (Gregg Palmer, que parece mais um surfista do que um nativo dos Mares do Sul), que é acusado de ter matado o próprio pai (que era o antigo chefe) e também de se envolver com os "homens brancos" que chegaram à ilha - médicos e cientistas que estão no local estudando os efeitos de testes nucleares realizados nas proximidades.


Amarrado ao chão, Kimo protesta dizendo que seu pai foi assassinado num complô organizado pelo atual chefe, Maranka (Baynes Barron), e pelo feiticeiro Tano (Robert Swan). Mas, para o azar do rapaz, sua própria esposa Korey (Suzanne Ridgeway, eterna figurante de produções classe A de Hollywood) testemunha contra ele, já que também está mancomunada com os conspiradores.

Percebendo que seu destino está traçado, o inocente nativo amaldiçoa seus algozes: "Eu vou voltar do Inferno para fazer com que paguem por seus crimes!". Dito isso, é executado de maneira violenta: um dos índios dá uma cacetada no punhal que outro nativo segura sobre o coração de Kimo, enterrando-o bem fundo. E embora a cena "corte" antes de mostrar o desfecho da paulada, confesso que me deu um arrepio semelhante ao momento em que a máscara é enterrada no rosto de Barbara Steele no início do clássico "A Máscara de Satã", de Mario Bava!


O finado Kimo é colocado num caixão de madeira (???), ainda com o punhal cerimonial enfiado no coração (aposto que os índios têm vários punhais cerimoniais de reserva para futuros sacrifícios), e rapidamente sepultado na vertical (???) no velho cemitério da tribo. Toda essa cena do sacrifício comprova a exaustiva pesquisa antropológica feita pelos realizadores, que misturaram rituais de vodu, tambores africanos e até garotas dançando "hula", tudo isso numa suposta tribo dos Mares do Sul!

É quando o filme finalmente apresenta nossos protagonistas: o médico William Arnold (Tod Andrews, que parece um Humprey Bogart dos pobres) e o antropólogo Clark (John McNamara), os tais cientistas que trabalham num laboratório perto da aldeia. Como as relações com os nativos azedaram depois da morte do antigo chefe, e muitos índios continuam morrendo por consequência da radiação dos testes nucleares, um terceiro integrante é enviado para a ilha, a Dra. Terry Mason (Tina Carver) - que, aparentemente, não tem nenhum grau de parentesco com o famoso advogado Perry Mason.


Terry e Arnold tiveram um breve relacionamento no passado, e isso é a desculpa para toda a "parte novelão" de VEIO DO INFERNO. Durante uns bons 20 minutos, o médico ficará incomodando a pobre mocinha e colocando pressão forte com frases machistas que eram normais na época, mas, hoje, fariam qualquer feminazi chutar a televisão - tipo "Você não pensa em marido e filhos, como todas as outras mulheres?", ou "Por que você não pára de ser médica antes e mulher depois?".

Aí, quando o espectador já está quase fechando os olhos de sono com tamanha enrolação e chauvinismo, os primeiros brotos de Tabanga, a árvore assassina em que o vingativo Kimo se transformou, começam a nascer no solo do cemitério indígena, justamente no local em que o nativo foi sepultado! (E é realmente muito engraçado pensar em Kimo como a "semente" de onde brota Tabanga!!!)


Terry é a primeira a perceber o fenômeno (um tronco que cresce a uma velocidade absurda e tem feições humanas!), e insiste que os colegas devem estudar aquela estranha planta. Bill, como todo cientista de filme B, preferia destruir logo a criatura com fogo, mas é voto vencido. Assim, os cientistas desenterram Tabanga e levam a árvore-monstro para o seu laboratório, onde Terry descobre que o vegetal tem... BATIMENTOS CARDÍACOS!

Mas nenhum dos personagens demonstra uma mínima reação de surpresa diante do fenômeno, como se toda árvore fosse assim. Inclusive a médica acredita que a bizarra planta está morrendo, e pede a ajuda dos colegas para reanimá-la. "Eu não sou cirurgião de árvores", protesta Bill, mais sério do que deveria ao soltar uma frase imbecil como essa. Terry resolve administrar um "soro estimulante experimental" (cof, cof, cof!) na planta, já que ela tem sistema circulatório muito parecido com o de um ser humano (!!!).


Feito isso, o trio sai para cuidar de suas vidas; na volta ao laboratório, eles encontram o local completamente destruído. E não há nenhum sinal de Tabanga, o que quer dizer que o tal soro estimulante experimental saiu melhor que a encomenda, e agora o monstro-árvore do Inferno está livre para se arrastar por aí e finalmente dar início à vingança prometida por Kimo lá no começo do filme (que parece ter acontecido há um século).

Pena que o soro não "estimule" a criatura tão bem assim, e ela continue se locomovendo a uma velocidade absurdamente reduzida para pelo menos parecer ameaçadora. Com isso em mente, os realizadores filmaram duas cenas diferentes em que garotas indefesas se encostam propositalmente na árvore assassina pensando ser uma árvore inofensiva (que conveniente!), poupando Tabanga do trabalho de arrastar-se com dificuldade atrás delas. E se duvida que possa ser tão ruim, confira o vídeo abaixo (que, apesar de parecer, não está em câmera lenta, é desse jeito mesmo!):


"Killing me softly... and slowly!"



Em outra cena ainda pior, o novo chefe usurpador do trono da tribo está afiando sua lança enquanto Tabanga começa a se aproximar dele por trás (hmmm...), e o sujeito não escuta o menor ruído, sendo que aquele monstrengo destrambelhado provavelmente está fazendo barulho pra cacete enquanto se arrasta com dificuldade até sua vítima (talvez ele seja surdo).

É quando acontece o inevitável: Maranka se vira muito em cima da hora e tenta usar sua lança no monstro-árvore. Mas, apesar de estar a apenas 20 centímetros do alvo, o nativo erra e a lança passa por cima de Tabanga (!!!). Para piorar, com toda uma imensidão de floresta para onde correr, o burraldo consegue a façanha de encostar-se numa outra árvore, esta fixa, ficando sem espaço para fugir, e sendo facilmente agarrado e morto pelo monstro. É mole?


Outros nativos parecem um pouquinho mais espertos e tentam destruir a criatura com fogo. Mas isso só deixa Tabanga ainda mais furiosa, embora ela continue se arrastando naquela velocidade entre "leeeeento" e "devagar, quase parando" (antecedendo, de certa forma, os assassinos de filmes slasher, tipo Jason, que mesmo andando devagarzinho sempre conseguem alcançar suas vítimas que saem em disparada!).

Felizmente, o homem branco Bill percebe o ponto fraco do monstro, que aquele o punhal cerimonial ainda cravado em seu tronco, lembra? Assim, ele conclui que a única forma de destruir Tabanga é empurrá-lo mais para dentro, de forma que atinja o seu coração (e não me pergunte de onde o sujeito tirou essa conclusão estapafúrdia). Mas e como chegar perto da terrível árvore assassina? Simples: basta ficar confortavelmente à distância e disparar um tiro certeiro que "empurre" o punhal mais para dentro!


VEIO DO INFERNO é um daqueles filmes tão ruins que até mesmo Ed Wood - injustamente imortalizado como o pior diretor de todos os tempos - teria vergonha de assinar. Por coincidência, Wood escreveu o seu próprio roteiro sobre planta assassina, "Venus Flytrap", que se transformou em um filme muito mais divertido (embora bem mais obscuro) dirigido por Norman Thomson em 1970.

O principal problema aqui é a falta de ritmo em todos os departamentos. Além de Tabanga não ser a mais ágil e ameaçadora das criaturas, a trama se arrasta de maneira sonolenta, colocando o monstro-árvore para atacar apenas aos 47 minutos (e isso que o filme só tem 70 minutos no total!). Durante a maior parte do tempo, o que vemos é Bill assediando Terry e os nativos zanzando para lá e para cá, temendo a anunciada vingança de Kimo.


Por isso, VEIO DO INFERNO provavelmente despencaria direto para o inferno do esquecimento, como muitas outras produções classe C da mesma época, se não fosse pela "gentileza" dos autores Harry e Michael Medved, que, em 1980, publicaram um divertido livro chamado "The Golden Turkey Awards". A obra é uma coletânea do pior do cinema mundial, e uma das grandes responsáveis por ressuscitar o então esquecido Ed Wood ao dar-lhe o título de "pior diretor de todos os tempos".

Eis que o livro dos Irmãos Medved também desenterrou a patética Tabanga, indicando a criatura ao "prêmio" de "Monstro mais ridículo da história do cinema", ao lado de concorrentes igualmente toscos como os monstrengos de "A Mulher de 15 Metros" (1958), "The Alligator People" (1959), "The Creeping Terror" (1964), "Gamera" (1965) e "Robot Monster" (1953), cujo gorila com escafandro de mergulhador ficou com o título.


Num daqueles fenômenos da cultura popular que volta-e-meia acontecem, "The Golden Turkey Awards" provocou não um distanciamento das obras eleitas como "piores", mas sim uma entusiasmada corrida de cinéfilos para conhecer estes títulos fuleiros analisados com tanto esmero. Logo, Tabanga e VEIO DO INFERNO ganharam uma segunda chance e o status de "cult", que sobrevive até hoje.

Vale ressaltar que o design da criatura foi feito pelo lendário criador de monstros da época Paul Blaisdell, o mesmo responsável pelo tosquíssimo alienígena venusiano Beluah, de "It Conquered the World" (1956), de Roger Corman, uma obra-prima do cinema trash que em breve também dará o ar de sua graça aqui no FILMES PARA DOIDOS.


Mas a culpa não é toda dele: Blaisdell fez apenas alguns esboços da árvore assassina para os Irmãos Milner, que depois levaram os desenhos do artista para o Don Post Studios construir um traje de borracha que pudesse ser vestido por um dublê (o lutador profissional Chester Hayes), alterando bastante o design original de Tabanga. O resultado é aquilo que se vê na tela: um monstrengo tosco e nada ameaçador que poderia até fazer figuração em alguma produção da Disney - ou aparecer entre os simpáticos "Ents" da série "O Senhor dos Anéis".

Mas não se engane: apesar do monstro atrapalhado, e dos seus risíveis ataques a patéticas vítimas que não conseguem escapar de uma criatura que se locomove a 2km/h, VEIO DO INFERNO é bem menos divertido do que poderia ser, e bem pior do que parece.


A curiosidade por ver uma árvore assassina em ação não sobrevive à narrativa arrastada, e os momentos de humor involuntário não compensam as péssimas piadas "voluntárias", principalmente aquelas que envolvem o alívio cômico feminino interpretado por Linda Watkins, que é irritante na sua falta de graça.

Talvez o filme funcione melhor pelas cenas isoladas, e nesse caso eu recomendo que o leitor procure pelos "melhores momentos" no YouTube ao invés de encarar a bagaça inteira. Ou que assista usando a tecla Fast Foward para passar os inúmeros tempos-mortos da narrativa antes da entrada em cena de Tabanga.

De qualquer forma, seja pela sua incompetência como monstro assassino, seja pela fama adquirida graças ao livro "The Golden Turkey Awards", Tabanga ganhou bem mais que os tradicionais 15 minutos de fama, mantendo-se até hoje "enraizada" na galeria das piores criaturas do cinema de horror classe B de todos os tempos. Não é pouca coisa - ainda mais para uma árvore assassina!


Trailer de VEIO DO INFERNO



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From Hell It Came (1957, EUA)
Direção: Dan Milner
Elenco: Tod Andrews, Tina Carver
, Linda Watkins,
John McNamara, Gregg Palmer, Robert Swan,

Chester Hayes e Suzanne Ridgeway.