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sábado, 26 de outubro de 2013

PROBLEMAS MODERNOS (1981)


Poderes telecinéticos eram o assunto do momento entre a metade dos anos 1970 e o início da década de 80. Talvez o sucesso do "paranormal" israelense Uri Geller, que naquela época aparecia direto na TV entortando talheres com a "força da mente", tenha desencadeado a febre (depois descobriu-se que Geller era apenas um ilusionista dos bons, mas ele enganou as pessoas durante muito tempo).

São dessa época livros de horror e ficção científica como "Carrie", de Stephen King (publicado em 1974), e "A Fúria", de John Farris (1976), ambos coincidentemente adaptados para o cinema por Brian DePalma (respectivamente em 1976 e 1978), Também no cinema, filmes como "Patrick" (1978, de Richard Franklin), "Armadilha para Turistas" (1979, de David Schmoeller) e "Scanners" (1981, de David Cronenberg) mostravam o lado assustador (e destrutivo) dos poderes telecinéticos quando usados para o Mal.


E não demorou nada para que alguém resolvesse usar o mesmo tema para fazer graça. Assim, em 1981 - o mesmo ano de "Scanners" e suas cabeças explodidas com a força da mente -, chegava aos cinemas PROBLEMAS MODERNOS, de Ken Shapiro, estrelado por um jovem Chevy Chase.

Quem é da nova geração e cresceu vendo caras como Adam Sandler e Will Ferrell pode até não acreditar, mas houve um tempo em que Chevy Chase era um dos caras mais engraçados da comédia norte-americana. E quando você entrava na locadora e topava com um filme estrelado por ele, podia alugar sem medo porque sabia que o nome do astro na capinha era sinônimo de "filme engraçado pra caralho".


Chevy (cujo nome de batismo é, acredite se quiser, Cornelius!!!) começou a brilhar na 1ª temporada do programa humorístico de TV "Saturday Night Live". E isso em 1975, quando o elenco do programa era composto por gênios da comédia como Dan Aykroyd, John Belushi e Gilda Radner. No começo da 2ª temporada, ele já era tão popular nos EUA que resolveu abandonar o programa (foi substituído por outro futuro astro, Bill Murray!) para investir no cinema.

O problema é que o rapaz nunca foi muito esperto para escolher projetos. E após uma estreia bastante promissora com "Golpe Sujo" (1978), onde era praticamente um coadjuvante da verdadeira estrela Goldie Hawn, Chevy passou a intercalar comédias muito divertidas, tipo "Clube dos Pilantras" (1980) e "Férias Frustradas" (1983), com outras nem tanto. PROBLEMAS MODERNOS, feita bem no meio destas duas citadas, se encaixa na categoria "Nem tanto".


Curioso é que PROBLEMAS MODERNOS é aquele típico filme que você vê quando garoto e acha o máximo. Eu tinha gravado da TV, nos longínquos tempos do videocassete, e lembro que costumava reunir os amiguinhos na sala de casa para reassistirmos essa tralha diversas vezes. Todo mundo se mijava de dar gargalhada - e isso que algumas piadas não são exatamente compreensíveis para a faixa etária, se é que vocês me entendem.

Aí você cresce e começa a perceber que aquele clássico da sua infância na verdade é bem ruinzinho. O que, nesse caso específico, não é demérito, já que PROBLEMAS MODERNOS se revela um filme tão errado, e tão - desculpem o trocadilho - PROBLEMÁTICO que se torna até divertido quando você volta a reunir a turma envelhecida e se põe a reassistir, só que dessa vez rindo dos defeitos e da falta de graça generalizada da coisa toda.


No roteiro escrito a seis mãos pelo diretor Shapiro (em seu segundo e último filme) mais Tom Sherohman e Arthur Sellers, Chevy interpreta um estressado controlador de voo nova-iorquino chamado Max Fielder, que está passando por dias complicados: seu trabalho é um horror, seu carro está caindo aos pedaços (o teto solar não fecha justamente numa tarde de chuva torrencial) e sua namorada, Darcy (a gracinha Patti D'Arbanville), acabou de lhe dar um belo pé na bunda, acusando-o de ser excessivamente dominador e ciumento (o que, conforme veremos ao longo do filme, não é nenhuma injustiça por parte da moça!).

A cena inicial de PROBLEMAS MODERNOS é bastante feliz ao apresentar a rotina caótica do protagonista como controlador de voo em um grande aeroporto, onde a discussão do preço de um sanduíche de atum é interpretada pelo piloto como as coordenadas que deve seguir para pousar, e um copo de café derrubado num monitor provoca um pequeno incêndio que o colega ao lado se recusa a apagar - pelo contrário, ele acende seu cigarro usando a chama!


Quando parece que sua vida não pode piorar, Max é exposto ao lixo radioativo despejado de um caminhão. E ao invés de transformar-se num monstro mutante, ou derreter tipo aquele vilão de "Robocop", o protagonista ganha incríveis poderes telecinéticos. Usando o poder da mente, Max pode mover facilmente objetos e pessoas, além de provocar as reações mais extremas nos seres humanos.

E é óbvio que o pobre Max utilizará esses poderes para recuperar Darcy e ainda se vingar de seus rivais, principalmente o careca escroto que está tentando pegar sua ex (interpretado por Mitch Kreindel). Naquela que é disparado a melhor cena do filme, Max usa seus novos poderes para provocar um exagerado sangramento nasal no rival durante um jantar romântico num restaurante chique, em cena cujo mau gosto lembra a explosão do gordão em "O Sentido da Vida", do Monty Python (que saiu dois anos depois, em 1983).


Mas parece que Max não sabe direito o que fazer com seus novos poderes. E - vejam só que coisa - o diretor e co-roteirista Ken Shapiro também não. Por isso, PROBLEMAS MODERNOS praticamente desmorona depois de um início promissor. Da metade para o final (principalmente depois dos primeiros 40 minutos), o roteiro se perde completamente e parece até que estamos vendo outro filme. E bem sem graça.

Este ponto de virada na qualidade começa quando Max e Darcy, agora novamente juntos, são convidados para passar um final de semana na casa de praia dos amigos Brian (Brian Doyle-Murray, irmão de Bill Murray) e Lorraine (Mary Kay Place), ele um veterano do Vietnã confinado a uma cadeira-de-rodas, e ela a ex-esposa do próprio Max. Também aparece para o final de semana um famoso e arrogante escritor de livros de auto-ajuda, o "guru" Mark Winslow (Dabney Coleman), que irá bater de frente com o protagonista.


Esta segunda metade do filme é tão ruim que chega a ser constrangedora: sem nenhum motivo aparente, considerando que já recuperou sua amada, Max entra em depressão profunda e perde o controle sobre seus poderes. Durante a crise, descarrega sua frustração sobre Mark durante o jantar com os amigos. O tom é de um filme de horror, inclusive com o escritor humilhado arrumando um revólver para tentar deter a "ameaça" de Max.

A única parte digna de nota dessa segunda metade do filme é outro dos poucos momentos memoráveis de PROBLEMAS MODERNOS: Dorita (Nell Carter), a empregada haitiana que vive na casa, tenta "exorcisar" Max e faz um círculo com "pó mágico" ao redor dele; pois o protagonista aspira alucinadamente todo o pó branco do chão, como se fosse uma gigantesca carreira de cocaína (esta cena geralmente era cortada nas reprises do filme à tarde)!

"I like it!!!"



O diretor Shapiro é o grande culpado pela comédia de erros que é PROBLEMAS MODERNOS. Como escrevi lá em cima, este é o seu segundo e último filme; antes, ele só havia dirigido uma comédia chamada "The Groove Tube" (1974), também com Chevy Chase (em pequena participação). Só que não era bem um longa, e sim uma coletânea de esquetes sem relação, na linha de "The Kentucky Fried Movie" e "As Amazonas na Lua" (mas anterior aos dois).

Isso talvez explique porque PROBLEMAS MODERNOS, mesmo narrando uma história única e linear, sofra de uma perceptível falta de coesão. Não são apenas dois atos bem distintos (o primeiro, bom, com Max recuperando sua amada, e o segundo, ruim, com Max perdendo o controle sobre seus poderes, estilo "Carrie, A Estranha"); em vários momentos, Shapiro se perde na estrutura de "esquetes soltas" do seu trabalho anterior.


Para exemplificar: existe uma cena, sem nenhuma relação com a trama ou seus personagens, em que Max vai a um restaurante, e os casais em três mesas estão flertando um com o(a) acompanhante do(a) outro(a), através de trocas de olhares e piscadelas. É uma verdadeira sinfonia de sedução, com uma bela e rápida montagem das trocas de olhares, mas é um momento que só funciona "per se", e que não tem nada a ver com o resto do filme!

Por causa dessa narrativa episódica, alguns personagens até desaparecem sem maiores explicações. No ato final, por exemplo, o que acontece ao casal Bill e Lorraine depois que Max fica descontrolado? Não se sabe; talvez eles tenham ficado com medo e fugido para um filme melhor do que este. O personagem de Mark também some da história de repente, deixando o restante do show para Chevy, Patti e Nell Carter.


PROBLEMAS MODERNOS é mais um daquelas comédias que são engraçadas justamente pela falta de graça, e onde só podemos lamentar o potencial desperdiçado. Afinal, o personagem de Chase tem poderes fantásticos que poderiam render momentos muito divertidos, mas o diretor-roteirista Shapiro parece nunca saber o que fazer com seu personagem ou com suas habilidades.

Shapiro teria declarado, na época do lançamento, que seu filme era uma mistura de "Carrie" e "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa". Só que Chevy Chase não é Woody Allen, portanto não há nenhuma razão para dar-lhe um personagem que passa a maior parte do tempo introspectivo, na fossa ou com cara-de-cu - em outras palavras, sem ser engraçado.


O próprio Chevy Chase hoje assume que o filme é muito ruim, e deve ter péssimas memórias da sua realização, já que quase morreu durante as filmagens. Isso aconteceu na gravação de uma cena de pesadelo, em que Max vê a si mesmo como se fosse um avião em pleno voo. O ator teve luzes presas ao corpo, com fios que passavam por baixo da sua roupa. Quando os fios elétricos entraram em curto circuito, Chevy foi eletrocutado e chegou a ficar inconsciente, à la Lasier Martins naquele famoso vídeo da Festa da Uva!

E embora Chevy seja um sujeito naturalmente engraçado, que não precisa de um roteiro genial para provocar gargalhadas, em PROBLEMAS MODERNOS a direção lhe deu muita liberdade, e ele aparece careteiro demais, estilo Jim Carrey em "Ace Ventura". Sempre que Max usa seus poderes, o espectador não apenas é bombardeado com ridículos efeitos sonoros cômicos, mas ainda precisa aturar as caretas exageradas do ator - mas vem cá: se os poderes são mentais, por que ele precisa fazer aquelas caras e bocas ao invés de simplesmente usar a força do pensamento?


Com tantos defeitos, é até curioso constatar que PROBLEMAS MODERNOS acabou servindo de base para várias outras comédias, de ontem e de hoje, que exploram tema similar - ou seja, o sujeito comum que leva uma vida ordinária e de repente recebe poderes fantásticos, mas os utiliza principalmente para ridicularizar os rivais. "Click" (2006), com Adam Sandler, e "Todo Poderoso" (2003), com Jim Carrey, só para citar dois exemplos populares, são exatamente assim.

Inclusive "Todo Poderoso" tem uma cena muito parecida com PROBLEMAS MODERNOS: em ambos os filmes, os protagonistas usam seus super-poderes para fazer "sexo sem contato" com suas namoradas. Aqui, Chevy dá orgasmos múltiplos a Darcy apenas olhando para ela e fazendo suas caretas! Pena que Patti D'Arbanville não apareça pelada, enquanto Dabney Coleman (pasmem) aparece!


No fim, eu diria que esta comédia é muito mais divertida enquanto explora verdadeiramente os "problemas modernos" do protagonista (o estresse no emprego, os problemas com o carro), do que quando Max finalmente adquire seus poderes telecinéticos. Os efeitos especiais continuam eficientes (ainda mais considerando que já têm mais de 30 anos de idade), mas é de se lamentar a falta de criatividade de todos os envolvidos por não conseguirem criar situações mais interessantes envolvendo Max e seu "dom".

E embora eu já não ache PROBLEMAS MODERNOS tão engraçado quanto achava na minha infância, confesso que ainda prefiro um Chevy Chase fraquinho do que qualquer coisa desses "comediantes" de hoje (Adam Sandler, Will Ferrell, Kevin James, Danny McBride e cia). Até porque o filme termina sem dar nenhuma lição de moral: Max não aprende nada durante sua "jornada", e provavelmente continuará sendo um escroto ao perder seus poderes - além de tomar um belo processo judicial do personagem de Dabney Coleman pelas agressões sofridas!


Chevy só encontraria seu rumo e o verdadeiro sucesso no cinema com o filme seguinte, "Férias Frustradas". A partir de então, ele engatou uma comédia hilária atrás da outra, onde interpretava ou o patriarca atrapalhado, ou o tipo sedutor e malandrão. Para quem quer ver o homem no auge do talento, sugiro deixar esse de lado e procurar por "Os Espiões que Entraram Numa Fria", "Os Três Amigos" e "Assassinato por Encomenda", filmaços de afastar qualquer mau humor, e todos melhores e mais inteligentes do que qualquer comédia que se faça hoje.

Infelizmente, na vida real Chevy não era um cara legal como nos seus filmes. Diz-se que era insuportável de tão arrogante, e até teria trocado socos com Bill Murray nos bastidores do "Saturday Night Live". Depois de tentar dar um novo rumo à sua carreira, com o mais sério "Memórias de um Homem Invisível" (1992), ele mergulhou direto para o ostracismo, e hoje aparece em alguma pontinha aqui ou acolá, ou como coadjuvante no seriado "Community".

E fico até triste em dizer isso de um dos meus ídolos da juventude, mas hoje Chevy Chase está tão sem graça que nem mesmo os poderes telecinéticos de PROBLEMAS MODERNOS poderiam salvar sua carreira...

Trailer de PROBLEMAS MODERNOS



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Modern Problems (1981, EUA)
Direção: Ken Shapiro
Elenco: Chevy Chase, Patti D'Arbanville,
Dabney Coleman, Nell Carter, Mary Kay Place,
Brian Doyle-Murray e Mitch Kreindel.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL (1992)


Hoje, amiguinhos, o FILMES PARA DOIDOS tem uma missão difícil: tentar redimir o maior fracasso comercial da carreira do mestre John Carpenter, e provavelmente o seu filme mais criticado.

Estamos falando de MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL, comédia que o criador de "Halloween" e "Fuga de Nova York" filmou em 1992. Não é exagero dizer que esse é um dos filmes mais odiados de um cineasta cuja filmografia é quase irretocável, com raras obras fracas e muitos títulos memoráveis.


Mas Carpenter nunca teve sorte quando trabalhou com grandes estúdios e grandes orçamentos. Parece até maldição: "O Enigma do Outro Mundo" (1982) mal recuperou, nas bilheterias, a grana que custou, enquanto "Os Aventureiros do Bairro Proibido" (1986) foi um fiasco tão grande nos cinemas que fez o diretor voltar às produções independentes jurando nunca mais comandar um blockbuster.

"O Príncipe das Sombras" e "Eles Vivem" (respectivamente de 1987 e 88) foram produções menores, mais baratas e mais bem-sucedidas. Mas aí, quatro anos depois, a Warner sacudiu um maço de verdinhas diante de Carpenter e o diretor resolveu sair do exílio para dirigir sua produção mais cara até então.

A gênese de MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL não foi simples. Esse talvez seja o projeto mais impessoal de Carpenter (que, por isso, não colocou seu tradicional "John Carpenter's" sobre o título). Quem mandou e desmandou na produção, além da Warner, foi o astro do filme, Chevy Chase.


Chevy é um rosto que ficou marcado em comédias dos anos 80, principalmente a franquia "Férias Frustradas". A exemplo de outros colegas do humor da época (especialmente Bill Murray), ele estava ficando velho e queria dar um novo rumo, mais sério, à sua carreira.

Em 1986, o ator comprou os direitos sobre o livro "Memoirs of an Invisible Man", de H.F. Saint, uma bem-humorada variação do tema, sobre um corretor da bolsa que fica invisível após um acidente de laboratório e precisa fugir da CIA, que pretende usá-lo como arma de guerra.

A primeira versão do roteiro foi escrita pelo veterano William Goldman e oferecida a diretores como Ivan Reitman, mas nenhum estúdio tinha interesse em bancar o projeto porque achavam que o público não queria ver Chevy Chase num papel mais sério.


Finalmente, em 1990, o material acabou nas mãos de Carpenter e ele aceitou a missão, mas exigiu mudanças para que o filme virasse mais uma fantasia de humor negro. Robert Collector e Dana Olsen reescreveram totalmente aquele primeiro roteiro de William Goldman.

Em MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL, Chevy interpreta Nick Halloway, um corretor que, durante uma ressaca infernal, vai participar de um seminário num grande laboratório e acaba adormecendo no banheiro.

Só que uma experiência dá errado e metade do edifício, inclusive o pobre Halloway, ficam invisíveis. A imagem do prédio com vários pedaços faltando é uma das grandes cenas do filme.


Quando nosso herói acorda e descobre o que lhe aconteceu, sua primeira providência é procurar ajuda. Só que as intenções do agente da CIA David Jenkins (Sam Neill, ótimo) não são das melhores.

Sem nenhuma intenção de tornar-se rato de laboratório, Halloway foge - apenas para descobrir que a vida de homem-invisível não é nada divertida, e muito solitária. Principalmente quando ele lembra que tem encontro marcado com uma documentarista gatíssima (interpretada por Daryl Hannah) e não pode aparecer - literalmente!


A idéia de Carpenter (com as bênçãos de Chevy, na sua tentativa de ser "mais sério") era dar mais destaque ao drama da solidão provocada pela invisibilidade e menos às palhaçadas cometidas pelo homem-invisível, embora ainda existam umas cenas bem divertidas.

Mas o resultado dividiu o público e a crítica: o filme não é tão engraçado quanto esperavam os fãs de Chevy Chase, e nem tem tanta ação e suspense quanto queriam os fãs de John Carpenter. Por causa disso, a produção de 40 milhões de dólares foi um fiasco de bilheteria, mal arrecadando 14 milhões.


Se quiser ter uma ideia do quanto MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL é odiado, tente procurar por alguma crítica positiva na internet. Eu mesmo não tinha boas recordações do filme, e lembrava dele apenas como uma comédia estúpida e pouco inspirada.

Foi revendo-o agora que mudei meu conceito. Mesmo muito distante dos grandes filmes de Carpenter, MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL tem ótimas qualidades e efeitos especiais que continuam funcionando mesmo depois do seu "primo milionário", "O Homem Sem Sombra", de Paul Verhoeven - outra história contemporânea sobre invisibilidade, mas cujo roteiro eu acho bem pior do que o do filme do Carpenter.


Para quem conhece bem a obra do diretor, essa comédia-aventura-suspense não parecerá um trabalho tão impessoal assim. Afinal, ainda que o filme eventualmente se renda ao humor, o que se vê é um perfeito exemplo do gênero fantástico, com ótima utilização de criativos efeitos e trucagens para "dar vida" à invisibilidade do protagonista.

Acontece que o acidente no laboratório não deixa apenas o protagonista invisível, mas também suas roupas (eliminando o trabalho de ter que andar pelado para desaparecer). Porém, coisas que "entram" no corpo invisível do protagonista, como comida, água ou a fumaça de um cigarro, tornam o interior do seu organismo visível, o que rende cenas muito interessantes - principalmente o vômito visto "por dentro" ou a fumaça do cigarro moldando os pulmões de Nick.


Ao mesmo tempo, Carpenter narra uma história de suspense - a caçada dos agentes ao protagonista -, que lembra vários dos seus filmes anteriores em que um personagem solitário precisa enfrentar a caçada sem tréguas dos representantes do governo (de "Starman" a "Eles Vivem").

Uma das grandes críticas a MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL ironiza o fato de Chevy Chase continuar aparecendo durante boa parte do filme, mesmo quando deveria estar invisível, forçando o espectador a "imaginá-lo" invisível.

Por mais que isso realmente possa parecer uma grande falha, a maioria das cenas em que o astro continua "aparecendo" justifica-se plenamente. E não só pelo fato de que não adiantaria nada ter um ator famoso para usar apenas a sua voz na maior parte do filme.


Acontece que diversas cenas só fazem sentido quando VEMOS o homem-invisível (novamente, por mais que isso pareça idiota). Por exemplo, a cena em que Halloway usa suas mãos para abrir e fechar a boca de um homem desacordado (para poder "dublá-lo" durante uma corrida de táxi) perderia totalmente a graça e a função de existir caso não víssemos Chevy Chase fazendo isso com o pobre sujeito, IMAGINANDO que ele está invisível embora possamos vê-lo.

O mesmo vale para o momento, perto do final, em que Halloway tira e segura seu casaco (sujo de cimento, e, portanto, "visível") para enganar seu perseguidor. A cena não teria o mesmo impacto caso não VÍSSEMOS o homem-invisível (sim, isso soa estúpido).


E quer saber? Essa reclamação também não tem muito fundamento, porque em boa parte de MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL o protagonista realmente não aparece, num festival de efeitos especiais ainda surpreendentes envolvendo roupas que andam "sem corpo".

Segundo disse Carpenter numa entrevista posterior, foi a tecnologia desenvolvida para o seu filme que originou os efeitos fantásticos de várias produções que vieram depois, como apagar as pernas de Gary Sinise em "Forrest Gump".


Há ainda um belíssimo momento em que a amada de Halloway resolve devolver um rosto ao protagonista com o uso de maquiagem - e, por alguns momentos, tudo o que vemos é um "rosto flutuante" e inexpressivo.

Boa parte do filme enfoca justamente essa insólita relação amorosa entre a personagem de Daryl Hannah e um homem que ela não consegue ver (a não ser durante uma chuva, em outro momento muito bonito).

E também a dura vida de homem-invisível, que pode espionar os outros sem ninguém saber (o que é divertido), mas ao mesmo tempo pode descobrir o que seus amigos realmente pensam dele ou acompanhar uma broxante cena de sexo (o que definitivamente NÃO é).


Alguns críticos mais "sérios" poderão enxergar o filme como uma metáfora sobre como o indivíduo se torna "invisível" numa sociedade moderna altamente competitiva, já que o pobre Nick Halloway não era notado por ninguém ANTES de ficar invisível, justamente por levar uma vida insignificante. Mas eu não chegaria tão longe: para mim, pessoalmente, a obra funciona mais como aventura descompromissada do que qualquer outra coisa.

Infelizmente, Carpenter também tem a história de suspense (envolvendo a perseguição de Halloway) para contar, e é essa parte que tira um pouco do brilho da história. Acredito que MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL ficaria bem melhor caso se concentrasse mais nas dificuldades do protagonista para viver invisível, já que ele não pode nem comer porque seria descoberto - já que a comida em seu estômago continua visível!


Mas, no fim, o resultado dessa mistura não é nada desprezível, muito menos tão horroroso quanto eu lembrava. O próprio Carpenter declarou exatamente isso, que o filme não é tão ruim quanto ele achava que era, porém foi um fracasso mesmo assim.

O fiasco comercial quase enterrou a carreira do diretor e do astro: Chevy nunca mais conseguiu bons papéis e acabou preso à série "Férias Frustradas" (seu último filme memorável - ainda que ruim - é "Férias Frustradas em Las Vegas", de 1997). Já Carpenter voltou a ser "independente" e ficou três anos remoendo o fracasso até voltar com o superior "À Beira da Loucura".


Ainda que tenha defeitos óbvios (principalmente a falta de atenção com personagens secundários, como o "melhor amigo" de Nick), MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL é um filme que eu recomendo para revisão - principalmente por quem também viu na época do lançamento e não tem boas lembranças.

O tempo e o amadurecimento às vezes fazem justiça a algumas produções, e eu diria que essa simpática "comédia fantástica" de John Carpenter é um desses casos. E, bem, muito melhor que o remake "A Cidade dos Amaldiçoados", esse sim um indiscutível ponto fraco da carreira do diretor!

PS: Duas piadas internas. Primeiro, a cidade onde fica o laboratório chama-se Santa Mira, a mesma cidade (fictícia) de "Vampiros de Almas" e "Halloween 3" (esse último produzido por John Carpenter). E a personagem de Daryl Hannah supostamente voltou do Brasil, sendo que a própria atriz estava filmando no Brasil no ano anterior a MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL (o filme era "Brincando nos Campos do Senhor", de Hector Babenco).

Trailer de MEMÓRIAS DE UM HOMEM INVISÍVEL



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Memórias de um Homem Invisível
(Memoirs of an Invisible Man, 1992, EUA)

Direção: John Carpenter
Elenco: Chevy Chase, Daryl Hannah, Sam Neill,
Michael McKean, Stephen Tobolowsky, Jim Norton,
Pat Skipper e Patricia Heaton.