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sábado, 26 de janeiro de 2013

DJANGO DESAFIA SARTANA (1970)


"Crossover" é o nome dado ao encontro de personagens de mídias ou histórias distintas, e, embora os nerds acreditem que seja uma coisa recente (graças a HQs como "Marvel vs. DC" ou filmes tipo "Alien x Predador"), o recurso é antiquíssimo, inclusive no mundo do cinema, que já mostrou insólitos encontros como "Abbott and Costello Meet the Mummy" (1955) e  "King Kong vs. Godzilla" (1962). O curioso é que embora o "crossover" se encaixe como uma luva no universo do western, já que os fãs do gênero adorariam ver seus personagens preferidos duelando para saber quem é o mais rápido no gatilho, produções neste sentido demoraram para aparecer.

A partir do começo dos anos 70, Django já não era o pistoleiro mais popular do western spaghetti: desde 1968, ele rivalizava as atenções do público com outro personagem, Sartana, surgido em "Se Encontrar Sartana, Reze Pela Sua Morte", de Gianfranco Parolini. E embora o intérprete "oficial" do personagem seja Gianni Garko nos quatro filmes da série, logo pipocaram vários "Sotto-Sartanas", ou Sartanas genéricos, interpretados por gente como William Berger e George Ardisson.


Era questão de tempo para que algum espertinho resolvesse juntar os dois lucrativos personagens num único filme, e isso aconteceu em 1970. Infelizmente, o "crossover" entre os gatilhos mais rápidos do Oeste não foi comandado por um cineasta apto, tipo os diretores que assinaram as aventuras de origem de ambos (Sergio Corbucci e Parolini). Pelo contrário: o responsável por DJANGO DESAFIA SARTANA foi ninguém menos que Demofilo Fidani!

Se o nome "Demofilo Fidani" não significa nada para você, caro leitor, meus parabéns: você é um cinéfilo de bom gosto, que foge de filmes e diretores ruins como o Diabo da cruz. Apenas permita-me alertá-lo de que você está deixando de se divertir bastante. Apelidado de "Ed Wood do Western Spaghetti", Fidani era um débil mental cuja ruindade ultrapassa até a de nomes conhecidos do universo trash, como Bruno Mattei e Alfonso Brescia (para ficar só nos italianos). Definitivamente, eu não recomendaria uma obra dele para alguém que não cultive uma paixão incondicional por filmes ruins.


DJANGO DESAFIA SARTANA foi o título adotado nos lançamentos em VHS e DVD, e, considerando a trama do filme, não poderia ser mais inadequado: apesar de passar a ideia de que teremos um grande duelo entre os dois famosos personagens, na verdade eles lutam lado a lado contra uma dupla de vilões. Nos cinemas brasileiros, o filme foi batizado como "Django e Sartana - Até o Último Sangue", resumindo o título original italiano ("Quel Maledetto Giorno d'inverno... Django e Sartana all'ultimo Sangue").

Curioso é que, apesar de o título divulgar com tanto entusiasmo o encontro dos dois personagens famosões, nenhum deles é chamado pelo nome até o ato final do filme, quando finalmente descobrimos que Jack Betts interpreta Django e Fabio Testi (em começo de carreira) é Sartana, embora use outro nome durante todo o resto do filme!


O roteiro escrito pelo próprio Fidani em parceria com a esposa Mila Vitelli Valenza não podia ser mais simplório: a pequena cidade de Black City recebe um novo xerife, Jack Ronson (Testi), recém-chegado de Denver City. Os pacíficos moradores esperam que ele acabe com os dois perigosos foras-da-lei que dominam o lugar, Bud Willer (Dino Strano, visto também em "Django não Espera... Mata") e o mexicano Paco Sanchez (Benito Pacifico).

O problema é que Ronson é um xerife de primeira viagem, ainda inexperiente e meio cagão, que não sabe exatamente como lidar com os bandidos e prefere evitar o confronto direto, deixando-se inclusive humilhar por eles numa visita ao saloon. Para a sorte do rapaz, também chega à cidade um misterioso pistoleiro vestido de preto (o norte-americano Jack Betts, que usava o pseudônimo "Hunt Powers"). Ele é o caçador de recompesas Django, mas só se identificará como tal no fim do filme.


Percebendo que Ronson ainda não está preparado para enfrentar os vilões, Django consegue fazer com que um dos bandidos, Willer, desafie o xerife para um duelo; então, o caçador de recompesas dá um sumiço em Ronson e veste suas roupas, enfrentando o bandidão de igual para igual. Adivinha só quem vai sacar primeiro?

Com Willer morto, seu sócio Paco resolve levar o inferno a Black City. Mas ele e seus homens serão enfrentados por um misterioso pistoleiro com o rosto semi-encoberto. Será Django outra vez, passando-se pelo xerife, ou será que Ronson finalmente tomou coragem para combater os criminosos?


Na última cena de DJANGO DESAFIA SARTANA, quando os dois heróis finalmente se apresentam, a última frase do personagem de Testi (e do próprio filme!) é algo como "Aqui vocês me conhecem como Jack Ronson, mas meu verdadeiro nome é Sartana", apenas para justificar o título do filme.

Parece até mudança feita de última hora, apenas para faturar uns trocados com os fãs dos dois personagens, pois àquela altura Sartana era tão popular quando Django - Fidani provavelmente pensou que se um herói já levava público aos cinemas, os dois juntos levariam o dobro!


Outra evidência de que batizar o personagem de Testi como Sartana na cena final pode ter sido uma ideia de última hora é o fato de que o sujeito não tem absolutamente nada a ver com Sartana da forma como é representado no filme (a não ser, claro, que Fidani esteja fazendo um "prequel", contando a história de como Sartana começou sua longa carreira de pistoleiro implacável).

E nem é ignorância do diretor, pois nos anos anteriores ele já havia feito duas aventuras não-oficiais de Sartana: "Sartana - A Sombra da Morte" e "Sou Sartana... Venham em Quatro para Morrer", ambas de 1969 e ambas estreladas por Jeff Cameron. Logo, se DJANGO DESAFIA SARTANA tivesse sido planejado como "crossover" entre os personagens desde o início, por que Fidani não chamou Cameron para repetir o papel?


Embora também não tenha muito em comum com o Django de Corbucci e Franco Nero, o Django de Jack Betts pelo menos está melhor caracterizado; barbeado pela primeira vez, ao contrário das outras encarnações oficiais e não-oficiais do personagem, ele é apresentado como caçador de recompensas (como o Django de Gianni Garko em "10.000 Dólares para Django"). Betts também mantém aquele tom cínico e calado da interpretação de Franco Nero, além de vestir figurino parecido, todo preto (a novidade é uma vistosa cicatriz no rosto).

Em relação aos vilões, não há nada de muito especial: Strano encarna o bandido fanfarrão que adora humilhar e desafiar os outros, e Pacifico o típico bandido mexicano extremamente malvado, também com uma cicatriz enorme que ocupa metade do seu rosto. Nenhum deles é particularmente memorável ou ameaçador, ou tem alguma característica marcante. São bandidos de meia-tigela, perfeitos para uma aventura de meia-tigela como esta.


DJANGO DESAFIA SARTANA foi filmado em 1969 e lançado no ano seguinte, e parece ser uma produção melhorzinha do que outros trabalhos de Fidani no gênero, pelo menos visualmente. Já nos outros departamentos, percebe-se que o orçamento também é minúsculo, ou inexistente. Fidani era um especialista em fazer faroestes baratos rapidamente, e sempre apresentando todo um repertório de erros grosseiros, problemas de ritmo e inépcia geral, que também podem ser encontrados aqui.

Por exemplo: entre 30 e 35 minutos da narrativa correspondem a um gigantesco flashback em que os dois heróis sequer aparecem (!!!), e que apenas mostra como os vilões Willer e Paco ascenderam ao poder e dominaram Black City. Com direito a momentos descartáveis apenas para comprovar a crueldade dos bandidos, como quando eles entram num bar (um cenário mais pobre que o Restaurante da Dona Florinda, do seriado "Chaves") e matam os fregueses e uma dançarina anônimos antes de sair gargalhando!


Vale destacar que Quentin Tarantino também usou um tempão para contar a origem da vilã O-Ren-Ishii em "Kill Bill". Mas é claro que a história dos dois vilões aqui não têm nenhum interesse, e só é tão longa porque Fidani provavelmente precisava enrolar para manter o tempo de duração de um longa-metragem!

Em relação a Django e Sartana, os dois personagens famosos que estão no título, pouca coisa acontece até a meia hora final. Django até mata um montão de bandidos, mas Jack Ronson/Sartana não faz absolutamente NADA até os últimos 10 minutos. Se for para analisar o tempo em cena de cada personagem, o filme bem que poderia ser rebatizado como "Ascenção e Queda de Bud Willer e Paco Sanchez"!


Há algo de interessante na ambientação, uma cidadezinha em pleno inverno (justificando a primeira parte do título italiano, "Aquele Maldito Dia de Inverno..."), castigada por ventos fortes que obrigam os personagens a usarem casacos grossos e cachecóis - o extremo oposto da maioria dos westerns, que se passam em cidades desérticas com o sol a pino e personagens sempre sujos e suados.

Mas Fidani não tem capacidade para fazer nada de muito memorável com a ambientação ou com os personagens, simplesmente pulando de uma cena de tiroteio/briga para a outra. Numa entrevista de anos atrás (o diretor faleceu em 1994), havia uma estapafúrdia justificativa do velho Demofilo para os contrastes da sua obra: "O filme tem um belo início e um belo final. As coisas que eu gostava, dirigi bem. Já as outras...". Que figura!


Claro que quem for ver o filme baseado no título enganoso adotado no Brasil vai quebrar a cara, pois não há desafio algum entre os dois personagens em DJANGO DESAFIA SARTANA (alô, Procon?!?). A não ser que os distribuidores estivessem se referindo a uma rápida troca de socos entre Django e Ronson/Sartana, que acontece quando ambos discordam numa questão e resolvem resolvê-la com sopapos (o que eu não consideraria um "desafio").

O nome de Sartana no título é uma enganação pura e simples, já que quem domina a aventura é Django. Dentro de suas limitações, Jack Betts consegue encarnar um Django bem decente e divertido (ele foi o ator que mais vezes interpretou o personagem, três ao todo). Ao menos o roteiro lhe dá oportunidades de atirar em vários bandidos ao longo do filme, e ele ainda protagoniza várias cenas divertidas, como quando acende um cigarro riscando o fósforo nos dentes de um barman impertinente, ou ao disparar um tiro no meio da moeda que usa para pagar o mesmo sujeito!


Já o pobre Testi parece completamente perdido no filme. A ideia de um xerife iniciante que precisa pegar as manhas da coisa justamente numa cidade dominada por dois perigosos bandidões é boa, mas mal-aproveitada por Fidani. Na maior parte do tempo, Testi só fica zanzando pela cidade e olhando para o outro lado quando encontra os vilões, para não se comprometer.

O máximo de conflito, antes do tiroteio final, é um hilário momento à la "Falcão, O Campeão dos Campeões" (mas 17 anos ANTES), quando Ronson/Sartana desafia Willer para uma queda de braço, com velas acesas nas duas extremidades da mesa (para queimar a mão do perdedor)! Juro que estou até agora tentando encontrar algum propósito nesta cena!


Na época do lançamento, Testi foi identificado por um pseudônimo em inglês (no seu caso, "Stet Carson"). Este aqui é um dos seus primeiros papéis principais (ou quase), mas ele já havia feito grandes filmes, como os clássicos "Três Homens em Conflito" (1966) e "Era Uma Vez no Oeste" (1968), de Sergio Leone, respectivamente como dublê e figurante. Foi Fidani quem deu as primeiras oportunidades para o ator, inclusive sua estreia no cinema foi num filme do diretor, "Gringo, Reze para Morrer", de 1967.

Anos mais tarde, quando Testi ficou famoso e começou a fazer filmes bem melhores usando o próprio nome de batismo ao invés do ridículo "Stet Carson", novas cópias de DJANGO DESAFIA SARTANA tiveram os créditos iniciais mudados para que o nome "Fabio Testi" aparecesse em destaque. Em entrevistas recentes, o ator lembrou entre risadas da sua experiência com Fidani: em diversos filmes, Testi trocava de roupa cinco ou seis vezes para fazer figuração como diferentes bandidos anônimos alvejados pelos heróis!
 

Recomendado apenas a fãs de trash movie e escolados no cinema de Demofilo Fidani (que assina como "Miles Deem", o mais popular dos seus 12 pseudônimos), DJANGO DESAFIA SARTANA é a típica produção que funciona pelos motivos errados - neste caso, por ser engraçada de tão ruim.

Sem nunca tentar ser mais do que é, a produção barata assume-se como uma mera desculpa para tiroteios e cenas de ação, com dublês que morrem fazendo exagerados malabarismos e revólveres que disparam 16 tiros sem precisar recarregar. Enfim, o típico western descartável, casca-grossa e rápido e rasteiro que meu finado avô, grande fã do gênero, adorava assistir - para ele, vejam só que heresia, os westerns de Leone e Corbucci eram muito enfeitadinhos e complexos!


Mas Fidani faria coisa bem pior (e mais divertida) num novo encontro entre os personagens, "Django e Sartana no Dia da Vingança", que também é uma picaretagem de dar dó! E, provando que era mesmo o "Ed Wood do Western Spaghetti", ele ainda juntou cenas destes dois filmes para fazer um terceiro, "Uma Balada para Django", conforme veremos em futuros capítulos dessa nossa MARATONA VIVA DJANGO!.

PS 1: O elenco conta também com dois atores habituais do cinema Fidaniano: o brasileiro Celso Faria e a bela filha do diretor, Simonetta Vitelli, sempre usando o pseudônimo "Simone Blondell".

PS 2: Django desafiaria mesmo Sartana, desta vez sem propaganda enganosa, em "Django x Sartana - Duelo Mortal", de Pasquale Squitieri, lançado no mesmo ano.

Trailer de DJANGO DESAFIA SARTANA



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Quel Maledetto Giorno d'inverno... Django e 

Sartana all'ultimo Sangue (1970, Itália)
Direção: Demofilo Fidani
Elenco: Jack Betts, Fabio Testi, Benito Pacifico,
Dino Strano, Luciano Conti, Simonetta Vitelli,
Attilio Dottesio e Celso Faria.

quinta-feira, 26 de março de 2009

LUCA, O CONTRABANDISTA (1980)


O diretor italiano Lucio Fulci é conhecido pela extrema violência de seus filmes de horror, entre eles os clássicos populares "Zombie" e "The Beyond". Ironicamente, uma das obras mais sangrentas e brutais do cineasta não tem nada a ver com zumbis ou entidades sobrenaturais, mas sim com ameaças bem reais, como tiros de revólver e contrabandistas de drogas. Estou falando de LUCA, O CONTRABANDISTA, o único filme policial da carreira de Fulci, e uma de suas obras mais violentas - mas que infelizmente acabou ofuscada por ter sido lançada justamente quando ele começava a fazer sucesso como diretor especializado em terror.

Erroneamente considerado um exemplar do gênero "polizieschi", quando na verdade é um filme de Máfia (a polícia praticamente não toma parte na ação, que enfoca apenas o sangrento confronto entre quadrilhas de bandidos, e os personagens principais são todos contraventores), LUCA, O CONTRABANDISTA foi filmado e lançado em 1980, entre o sucesso estrondoso de "Zombie" (1979) e outro horror violento do velho Lucio, "Pavor na Cidade dos Zumbis" (também de 1980). Marca a transição do Fulci que atirava para todos os lados (já havia feito anteriormente western, giallo e comédias) para o mestre do terror e do gore que se tornaria na década de 80. Justamente por isso, esta história sobre mafiosos acabou se transformando numa pérola praticamente desconhecida da filmografia do diretor.


O personagem-título é Luca D'Angelo (interpretado pelo sempre carismático Fabio Testi, que já havia feito "Os Quatro do Apocalipse" com Fulci), um contrabandista de cigarros de Nápoles que, mesmo sendo um criminoso, acredita não estar fazendo nada de errado; afinal, trabalha com uma mercadoria "legalizada", e não com drogas ou assassinatos como outros mafiosos que agem na região, e além disso gera emprego e renda - um verdadeiro empreendedor! Mas não aos olhos de sua esposa, Adele (Ivana Monti), que quer que ele "se aposente", temendo pela segurança dela e do filho pequeno do casal.

A Nápoles onde Luca vive e trabalha é dominada por várias quadrilhas de contrabandistas, mas a palavra de honra empenhada por eles há décadas garante uma relação de respeito: ninguém invade o território nem os negócios dos outros. Só que o acordo vai para o brejo quando Micky (Enrico Maisto), irmão mais velho de Luca, é pego numa emboscada e impiedosamente metralhado por gângsters vestidos como policiais.

Apesar dos apelos de Adele, pedindo para que eles saiam da cidade, Luca quer vingança. E o atentado dá início a uma guerra entre as famílias. Luca acredita que o culpado é Scherino (Ferdinando Murolo), que não se dava bem com Micky, e tenta matá-lo, mas leva uma surra que o deixa à beira da morte - e Scherino jura que não teve nada a ver com o crime.


Não demora para aparecer a verdade: o culpado é François Jacois, o "Marsigliese" (interpretado pelo francês Marcel Bozzuffi, do clássico "Operação França"), um poderoso traficante de drogas que está tentando convencer as quadrilhas de contrabandistas a trabalharem com ele, ajudando a distribuir cocaína e heroína em Nápoles.

Diante da recusa dos chefões, que não querem "se sujar" negociando entorpecentes, "Marsigliese" parte para o ataque, eliminando todos os gângsters até restarem apenas Luca, Scherino e Luigi Perlante (Saverio Marconi). Será que os três conseguirão deixar de lado as diferenças e se juntar para combater o perigoso traficante? E se um deles estiver de armação com o "Marsigliese" para acabar com a raça dos outros?

O maior problema de LUCA, O CONTRABANDISTA é o roteiro estúpido escrito a oito mãos por Fulci, Gianni De Chiara, Giorgio Mariuzzo e Ettore Sanzò. O argumento, na verdade, é bastante simples, e poderia ser resumido a uma linha: o "Marsigliese" começa e eliminar todos os chefes das quadrilhas de contrabandistas de Nápoles quando eles se recusam a distribuir drogas, e Luca é obrigado a enfrentar o assassino frente a frente.


Explicando assim, até parece simples; mas no filme não é: os roteiristas acharam que, por ser este um "filme de Máfia", precisavam enrolar com inúmeras reviravoltas, traições, mal-entendidos, acordos e desacordos entre os personagens, que só deixam o filme lento e excessivamente truncado. E, para piorar, as legendas do VHS nacional, lançado pela extinta DIF, são um horror, traduzindo frases pela metade (algumas acabam totalmente sem sentido) e errando a grafia dos nomes dos personagens.

Até por isso, a primeira meia hora do filme é chatíssima, e a única coisa de interessante que acontece é a brutal execução do irmão de Luca. A julgar pelo desenvolvimento lento do início, muita gente vai ter vontade de desistir, achando que o filme todo é arrastado assim. Mas não é. O excesso de personagens, que compromete o desenrolar da história no início, é resolvido no segundo ato, quando quase todos acabam mortos violentamente pela quadrilha do "Marsigliese".

E é quando restam apenas Luca, Scherino e Perlante contra o vilão que a coisa realmente começa a pegar fogo. Coitado de quem desistiu de continuar em frente baseado apenas no comecinho meia-boca...


Mesmo longe do terreno do horror, Fulci não poupa o espectador de doses cavalares de gore, ficando exageradamente acima de quase tudo que se mostrava em termos de violência naquele período - mesmo dos "polizieschi" italianos, conhecidos justamente pela sua brutalidade.

A violência aqui surge de maneira inesperada, mas sempre exagerada e em câmera lenta. Quando alguém leva um tiro no pescoço, por exemplo, a câmera faz questão de mostrar a garganta do sujeito explodindo em câmera lenta; quando alguém toma um tiro na boca que explode sua cabeça, a câmera novamente se aproxima e dá um close no rombo aberto pela bala na parte de trás da cabeça da vítima, e por aí vai... Ao estilo Sam Peckinpah, cada tiro disparado abre um rombo na vítima, principalmente uma rajada de metralhadora que desfigura o rosto de um mafioso e um tiro de espingarda que faz voarem as tripas de um pobre coitado! (Vale uma olhada no trailer do filme, abaixo, que contém algumas das mortes mais gráficas.)

LUCA, O CONTRABANDISTA traz também duas cenas brutais que foram censuradas em diversas cópias lançadas ao redor do mundo (mas felizmente não no VHS lançado no Brasil). A primeira mostra o cruel "Marsigliese" usando um maçarico para desfigurar o rosto de uma bela jovem que tentou lhe vender bicarbonato como se fosse heroína. E é claro que a câmera sádica e detalhista de Fulci (que adorava filmar mulheres sendo torturadas ou mortas violentamente) não desvia do alvo, mostrando em detalhes a chama do maçarico queimando o rosto da pobre moça até deixar a pele enegrecida, numa cena que parece interminável (e foi homenageada por Eli Roth em "Hostel - O Albergue").



A outra cena mais incômoda do filme também envolve violência contra mulheres, desta vez o lento estupro da esposa de Luca, e o protagonista ainda é obrigado a escutar os sons da agressão através do telefone!

A conclusão envolve aquele típico duelo de western entre herói e vilão, mas com uma criativa reviravolta: furiosos pelo banho de sangue que tingiu as ruas de Nápoles, os velhos e aposentados chefes da Máfia local resolvem sair do conforto de seus lares, pegar suas pistolas e metralhadoras e ensinar uma pequena lição aos "jovens" que não conseguem tocar os negócios sem ficar se matando uns aos outros. É um toque irônico, que mostra a Velha Guarda resolvendo a situação à moda antiga, por sinal lembrando vários filmes do mestre Peckinpah. E o próprio Fulci faz uma ponta neste duelo final, quando aproveita para também dar uns tiros de metralhadora!!!

Pena que o roteiro, em geral, seja medíocre, incluindo algumas cenas inconvincentes e até absurdas. Sabe no final de "O Poderoso Chefão", quando os mafiosos começam uma execução em seqüência de vários inimigos na mesma hora? Pois é, aqui copiaram isso, só que os assassinatos acontecem em locais como uma missa e um hipódromo, sempre com muita gente ao redor, e ninguém (nem o assassino, nem as pessoas e eventuais testemunhas por perto) parece se importar com o fato. A morte no hipódromo é de longe a mais engraçada: um sujeito que é a cara do Seu Madruga está gritando, comemorando o fato do cavalo em que apostou ter ganhado, e o atirador aproveita o fato para enfiar-lhe um revólver na boca e explodir seus miolos assim, sem qualquer cerimônia! hahahahaha.


Como curiosidade, vale destacar a presença de várias caras conhecidas dos "polizieschi" em LUCA, O CONTRABANDISTA, como Romano Puppo (ator de estimação de Enzo G. Castellari, visto em filmes como "The Big Racket" e "A Cruz dos Executores"), Luciano Rossi (de "Napoli Violenta" e "Django, O Bastardo") e Daniele Dublino (de "Poliziotti Violenti" e "Uomini Si Nasce, Poliziotti Si Muore"), ao lado de outros nomes populares, tipo Venantino Venantini, Guido Alberti e até Ajita Wilson, travesti que fez operação de mudança de sexo e apareceu em vários filmes "exploitation" da época, como "Sadomania", de Jess Franco.

Se você é fã de carteirinha de Fulci, LUCA, O CONTRABANDISTA não foge à regra da filmografia do diretor: o enredo não faz muita diferença, sendo rápida e facilmente suplantado pela quantidade de violência e sangue na tela. Se você não gosta, aqui está um belo argumento para continuar não gostando: 1h30min de bandidos se matando, sem muita emoção, surpresas ou reviravoltas.

Mesmo assim, um filme bem filmado e muito bem feito, que merece ser conhecido justamente pela sua injusta obscuridade.

Trailer de LUCA, O CONTRABANDISTA


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Luca il Contrabbandiere/ Contraband (1980, Itália)
Direção: Lucio Fulci
Elenco: Fabio Testi, Ivana Monti, Guido
Alberti, Enrico Maisto, Daniele Dublino,
Marcel Bozzuffi e Ajita Wilson.



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PRÊMIO DARDOS: Essa me pegou realmente de surpresa! O blog FILMES PARA DOIDOS ainda não tem nem um ano de atividade, mas mesmo assim foi indicado para o Prêmio Dardos, que "reconhece os valores que cada blogueiro mostra a cada dia, seu empenho por transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. Em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, suas palavras". É mole ou quer mais? E eu sempre pensando que ninguém lê minhas bobagens... O responsável pela indicação (sim, a culpa é toda dele) foi o Ronald Perrone, que publica o ótimo blog Dementia 13. Desde já, deixo um sincero abraço ao Perrone pela lembrança e, seguindo as regras do Prêmio Dardos, tenho que fazer o segunte:

1) Exibir a imagem do selinho em seu blog;
2) Linkar o blog pelo qual recebeu a indicação;
3) Escolher outros 5 blogs a quem entregar o Prêmio Dardos,
4) Avisar os escolhidos.

Alguns dos meus escolhidos até já receberam a distinção, mas acho que eles merecem e vou "reindicá-los" pelo belo trabalho que fazem e que eu acompanho fielmente a cada semana (ou cada atualização):

Asian Fury - Filmes de Porrada, do Takeo Maruyama
Tablóide do Inferno, da equipe do site Boca do Inferno
RD - B Side, do Renato Doho
B Movies Box Car Blues, do Cesar Almeida
Viver e Morrer no Cinema, do Leandro Caraça

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

THE BIG RACKET (1976)


Se tivesse Clint Eastwood no papel principal, THE BIG RACKET (inédito no Brasil; traduzido literalmente, o título ficaria "O Grande Golpe" ou "O Grande Crime") poderia muito bem passar por "prequel" do clássico "Perseguidor Implacável", dirigido por Don Siegel em 1971, e que trazia Eastwood no papel do violento policial Dirty Harry. Enquanto o filme de Siegel já começava com Harry mostrando métodos pouco ortodoxos de combate ao crime e uma total falta de confiança na justiça convencional, THE BIG RACKET explica como um policial correto, determinado e honesto acaba se transformando numa versão macarrônica de Dirty Harry ao encontrar bandidos que usam as brechas da justiça para escaparem do merecido castigo.

Dirigido por Enzo G. Castellari em 1976, na esteira do sucesso de policiais violentos como "Operação França", o próprio "Perseguidor Implacável" e "Desejo de Matar", este ainda obscuro filme de ação italiano mostra porque não é nenhum pecado dizer que Castellari, um dos meus diretores preferidos, é a versão italiana do norte-americano Sam Peckinpah: com apurada técnica e muito estilo, Enzo dirige as (muitas) cenas de ação da obra como se estivesse coreografando um número de ballet clássico, usando e abusando de violentos e estilizados tiroteios, toneladas de slow-motion (a popular câmera lenta) e criativos movimentos e trucagens de câmera (como aquela que acompanha o personagem principal dentro de um carro capotando).

O policial correto, determinado e honesto da vez é o inspetor Nico Palmieri (interpretado pelo sempre simpático Fabio Testi). Junto com o parceiro e amigão Salvatore (Sal Borgese), Palmieri está caçando obsessivamente uma gangue de arruaceiros que usa violência e vandalismo para convencer comerciantes de Roma a pagarem por "proteção", como faziam os mafiosos dos anos 20-30. A seqüência de créditos iniciais inclusive mostra diferentes ações dos bandidos, destruindo mercadorias e arrebentando vitrines, sempre em câmera lenta.

Crimes em slow motion



Certo dia, enquanto segue a quadrilha de carro, o inspetor descobre que o problema é maior do que aparenta: os arruaceiros na verdade integram um grande esquema de pilantragem (o "racket" do título original), que pretende ampliar seus "serviços" para o país inteiro, unindo todas as famílias mafiosas italianas sob o comando de um misterioso gângster inglês (Joshua Sinclair). O bandidão pretende centralizar todas as atividades ilegais de Roma sob seu comando, mais ou menos como o Rei do Crime dos quadrinhos da Marvel.

Quando Palmieri é pego no flagra bisbilhotando, os implacáveis integrantes da quadrilha nem se importam com o fato de ele ser policial: simplesmente rolam seu carro até que despenque de uma colina (o próprio Testi protagoniza a arriscada cena, filmada com a câmera dentro do carro enquanto o veículo rola ladeira abaixo, fazendo com que o ator receba uma chuva de vidro moído!).

Nosso herói passa uns dias se recuperando no hospital, e quando sai intensifica sua ação sobre a quadrilha. Mas suas tentativas de botar os bandidos atrás das grades sempre esbarram na Justiça, já que os marginais são espertos o suficiente para usar as brechas das leis ao seu favor - chega a ser revoltante o fato de um batalhão de advogados sempre conseguir tirar os sujeitos da cadeia, mais ou menos como acontece até hoje no Brasil. Pior: quando Luigi (Renzo Palmer), um dos comerciantes agredidos por membros do "racket", finalmente aceita testemunhar contra a quadrilha, os bandidos seqüestram e estupram sua filha de 15 anos, que morre após a agressão.

E Palmieri vai agüentando tudo no osso, tentando fazer a coisa da forma certa, dentro da lei. Ele até coloca um informante no mundo do crime, um velho batedor de carteiras chamado Pepe (o norte-americano Vincent Gardenia), para tentar prever os passos do "racket". Mas fica sempre de mãos amarradas para agir. Até que Salvatore é friamente executado pelos bandidos com tiros de metralhadora.

Afastado da delegacia pelos seus superiores, já que estava "fechando um olho" para os roubos do seu informante Pepe, Palmieri resolve que vai acabar com a quadrilha à sua maneira. E, como se trata de um filme de Castellari, já sabemos qual é esta "maneira": sangrentos tiroteios em câmera lenta. Não é por nada que a frase do cartaz de cinema é: "Alguém vai ter que pagar!"...

O diferencial de THE BIG RACKET em comparação a outros filmes com policiais durões da época de ouro dos poliziotteschi é que Nico Palmieri não aparece como o exército de um homem só, tão bem representado em outras produções por atores como Franco Nero e Maurizio Merli. Assim, para eliminar o "racket", que é formado por dezenas de marginais, o herói resolve recrutar vítimas da quadrilha que também perderam algo valioso por causa dos bandidos, como sua ex-testemunha Luigi, o bandido Pepe e Giovanni (Orso Maria Gerrini), um atirador olímpico que teve a esposa estuprada e queimada viva pelos criminosos, entre outros, numa espécie de mistura de "Os Doze Condenados" com "Desejo de Matar". Juntos e com armamento pesado, eles partem para um último confronto com o "racket".

Mas o Homem de Ferro não era o Robert Downey Jr.?



Em filmes de vingança, como este, a hora de dar o troco sempre é doce, para os personagens e para o espectador. Mas poucas vezes eu torci tanto pela morte dos antagonistas quanto neste filme. Os marginais do roteiro de Castellari, Massimo De Rita e Arduino Maiuri são um rascunho dos demônios do inferno. Além do cinismo com que cobram a proteção ("É como se você estivesse pagando taxas", minimiza um deles, ao ameaçar um comerciante), os bandidos são tão frios e sádicos que chega a dar nojo, como na cena em que um dos capangas mija sobre o corpo nu de uma mulher que acabou de estuprar, diante do olhar do marido atacado. Mais adiante, o chefão do "racket" orienta seus comandados que, se alguém não quiser pagar a proteção, basta matar um filho ou uma filha e ninguém mais irá se rebelar, isso com a maior frieza e naturalidade do mundo!

E como o roteiro deixa seus pobres heróis (incluindo Palmieri) com as mãos amarradas o tempo todo, chega a ser um alívio quando eles finalmente resolvem partir para o contra-ataque, com direito a quase pornográficas cenas em slow-motion dos bandidos sendo alvejados com tiros de grosso calibre (Peckinpah ficaria orgulhoso de ver o estilo que ele ajudou a popularizar atingindo a perfeição). E cada bandido que cai crivado de chumbo é um sorriso de satisfação a mais para o espectador!

Além do mérito de criar uma narrativa mais realista e pé no chão do que outros poliziotteschi do período, sem apelar para heroísmos exagerados dos protagonistas, THE BIG RACKET também tem o mérito de não negar fogo no quesito ação, com inúmeros tiroteios e pancadarias na narrativa. O único ponto fraco, pelo menos na minha opinião, é a desajeitada tentativa de incluir algumas cenas de artes marciais na narrativa (Nico e Salvatore ensaiam uns golpes contra os bandidos em duas cenas), talvez visando o público que curtia as produções de ação made in Hong-Kong. Mas a coreografia não convence (os atores ficam "duros" dando os golpes nitidamente ensaiados), e Fabio Testi parece um peixe fora d’água lutando kung-fu.

Outro ponto fraco é uma desnecessária revelação final sobre um segundo chefão do "racket", e que estaria envolvido diretamente com a polícia, mas que não faz muita diferença àquela altura do campeonato.

Fora isso, THE BIG RACKET é recomendadíssimo e um dos grandes filmes dos gêneros "vingança" e "men on a mission" já produzidos, de deixar envergonhados os responsáveis por recentes aventuras absurdas na mesma linha, como o exagerado e inverossímil "Sentença de Morte", com Kevin Bacon, que meio-mundo babou ovo. E como uma imagem vale mais que mil palavras, vou ficando por aqui, pois estes vídeos do YouTube que postei já são uma referência bem melhor que qualquer resenha minha.

Para quem não conhece o cinema de Castellari e quer um referencial, aqui está um dos seus filmes mais perfeitos e bem produzidos, antes que ele se entregasse à loucura das aventuras absurdas de baixo orçamento, tipo "Fuga do Bronx" e "Guerreiros do Futuro". Praticamente um western moderno, que Sam Peckinpah aplaudiria de pé.

Trailer de THE BIG RACKET



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Il Grande Racket (1976, Itália)
Direção: Enzo G. Castellari
Elenco: Fabio Testi, Vincent Gardenia, Renzo
Palmer, Orso Maria Guerrini, Romano Puppo,
Joshua Sinclair e Sal Borgese.