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quarta-feira, 3 de abril de 2013

UMA BALADA PARA DJANGO (1972)


"Audaciosamente desonesto". É assim que um dos raros comentários sobre UMA BALADA PARA DJANGO na internet resume esta terceira e última aventura não-oficial do famoso personagem escrita e dirigida por Demofilo Fidani. E acredite, quando alguém se refere a um filme de Fidani, o "Ed Wood do western spaghetti", como "audaciosamente desonesto", é porque a coisa é mesmo da pesada!

Para começo de conversa, o que temos aqui não é exatamente um filme, mas sim uma picaretagem (ou esperteza) da grossa: Fidani filmou no máximo uns 15 minutos de cenas novas e depois completou um longa-metragem inteiro de 84 minutos na sala de edição, reaproveitando cenas dos outros dois "sotto-Djangos" que dirigiu ("Django e Sartana no Dia da Vingança" e "Django Desafia Sartana"), e até de alguns de seus outros westerns! Esperteza ou picaretagem? Julgue como quiser, mas antes vamos analisar a bagaça mais a fundo...


UMA BALADA PARA DJANGO começa num saloon de Black City (que, segundo indica uma placa na beira da estrada, fica perto de Tombstone), onde ocorre um insólito encontro de um ainda jovem e não tão famoso Wild Bill Hickok (Gerardo Rossi, creditado como "Jerry Ross") com o lendário caçador de recompensas Django (Jack Betts, creditado como "Hunt Powers"), em versão envelhecida, de bigode e mancando, usando uma bengala para caminhar. A maquiagem de envelhecimento feita no ator, que tinha pouco mais de 40 anos na época das filmagens, é até bem convincente.

Logo estoura uma pancadaria entre bêbados e arruaceiros no bar, resolvida por Hickok e pelo próprio Django (a bengaladas!). Quando o xerife finalmente chega para manter a paz e a ordem, alerta os bebuns sobre o perigo de terem mexido com o velhote ali presente: "Se vocês não o reconheceram, podem dar graças a Deus que não estão mortos. Ele é o mais famoso caçador de recompensas do Oeste, Django!".


Muito interessado no lendário personagem sentado ao seu lado, Hickok se apresenta, dizendo ser um grande fã de Django, e pede para ele lhe contar algumas de suas aventuras. O velho caçador de recompensas nunca foi um sujeito muito simpático e paciente, mas concorda - desde que o rapaz pague as bebidas e o seu jantar.

Depois desse prólogo de 8 minutos que realmente traz material novo, o velho Django começa a contar como derrotou os terríveis "Irmãos Sanchez", e aí começamos a ser bombardeados com uma infinidade de cenas de arquivo de outros filmes de Fidani, que representam as histórias da "juventude" do herói narradas ao ilustre fã.


A primeira "história" é a mais longa, durando pouco mais de meia hora, e mostra como o jovem Django (o próprio Jack Betts, sem maquiagem de envelhecimento e em cenas dos dois filmes anteriores que fez com o diretor) caçou e matou dois bandidos mexicanos que eram irmãos gêmeos, Manuel e Paco Sanchez.

Quase todas as imagens desse segmento foram retiradas de "Django Desafia Sartana", em que Benito Pacifico interpretava um bandido mexicano chamado Paco Sanchez. Como no original não existia irmão gêmeo, Fidani foi obrigado a chamar Pacifico de volta para gravar algumas cenas adicionais dele como Manuel (o irmão gêmeo), e, graças ao milagre da montagem, o ator passou a contracenar com ele mesmo dois anos mais novo (imagens abaixo), nas cenas filmadas para "Django Desafia Sartana" (tem até uma luta de Benito contra ele mesmo que só vendo para crer!!!)


Sem limites para a reutilização de material antigo, o diretor também reaproveitou cenas de outros filmes: quando a narração em off de Django explica que os Irmãos Sanchez deixaram uma longa trilha de roubos pelo Oeste, vemos cenas do ataque a um jantar de grã-finos originalmente mostrada em "Sou Sartana... Venham em Quatro para Morrer" (1969). Ironicamente, os bandidos nessa cena sequer são mexicanos!

Quando Django finalmente dá cabo dos Sanchez, encerrada a primeira "história" e o jantar, Hickok pergunta: "Mas por que você resolveu se tornar um caçador de recompensas?". O envelhecido herói se reclina na cadeira e responde: "Ah, essa é outra história. Quer ouvir?". E aí começa o segundo "episódio", em que o jovem Django persegue Dean O'Neal, o assassino frio que matou seu grande amigo.


"O'Neal" na verdade é Bud Willer, o vilão que Dino Strano havia interpretado também em "Django Desafia Sartana", cujas cenas foram novamente reaproveitadas. Mas também sobra um espacinho para imagens de "Django e Sartana no Dia da Vingança", que, ironicamente, fazem mais sentido aqui do que no filme para o qual foram gravadas!

Por exemplo, quem (re)ler minha resenha sobre "Django e Sartana no Dia da Vingança" vai ver que descrevo uma cena aleatória em que Django visita uma cidade-fantasma, encontra um sujeito vestindo farrapos e tenta conversar com ele, mas, não obtendo resposta, vira as costas e vai embora, transformando tudo aquilo num momento sem sentido algum. Em UMA BALADA PARA DJANGO, Fidani reutilizou esta mesma cena, mas, usando uma nova dublagem, fez com que o sujeito em farrapos dessa vez CONVERSASSE com Django, dando-lhe informações úteis sobre o paradeiro de O'Neal!


Finalmente, com a morte deste e o fim do segundo "episódio", o velho caçador de recompensas se despede e diz que tem um último servicinho para fazer antes de se aposentar. Ele tira uma lista do bolso repleta de nomes e valores, quase todos riscados, onde sobrou um único, "Buck Bradley". E esse será o seu último trabalho, com bengala e tudo.

Bradley é interpretado por Gordon Mitchell, que já havia enfrentado o mesmo Django de Jack Betts no anterior "Django e Sartana no Dia da Vingança". As cenas do novo duelo entre os dois são novas e inéditas, mas Fidani novamente reaproveita na montagem alguns takes antigos. E é uma coisa realmente mágica ver takes de Betts com maquiagem de envelhecimento disparando seu revólver, nessas novas cenas de UMA BALADA PARA DJANGO, para matar capangas que originalmente morreram em "Django e Sartana no Dia da Vingança"!


UMA BALADA PARA DJANGO é um daqueles legítimos FILMES PARA DOIDOS, para públicos beeeeem específicos. Não tenho certeza de como iria reagir um espectador que visse o filme sem saber que na verdade se trata de uma colcha de retralhos de obras antigas, mas ele provavelmente estranharia a esquisita narrativa episódica, que mostra Django em três missões diferentes e sem se aprofundar muito nos personagens de cada uma delas.

Particularmente, eu acho UMA BALADA PARA DJANGO um negócio de gênio, mesmo. Porque é preciso ser muito genial (e cara-de-pau) para fazer um longa inteiro com cenas antigas, e que funciona razoavelmente bem - pelo menos muito melhor que as picaretagens de Godfrey Ho, aquele maluco que inseria cenas com ninjas no meio de dramas e filmes policiais feitos anos antes, e muito melhor que "Predadores da Noite", o filme de zumbis que Bruno Mattei fez usando cenas de um velho documentário sobre a Nova Guiné.


O curioso, também, é que essa colcha de retalhos é a mais interessante das três aventuras de Django escritas e dirigidas por Fidani. Porque se nas outras duas as histórias iam do meia-boca ao inexistente, aqui realmente há uma boa ideia para se fazer um filme, que é o encontro entre uma lenda da vida real (Wild Bill Hickok) com outra da ficção, como se o velho Django tivesse sido a inspiração para o jovem Hickok ter se tornado um histórico pistoleiro.

A ideia de um envelhecido Django narrando seus feitos, e ainda encontrando disposição para enfrentar um último desafeto, também é absolutamente genial, e muito me admira que após tantos "sotto-Djangos" ninguém tivesse pensado nisso antes! Eu até acreditei que aconteceria algo semelhante em "Django Livre", com um velho Franco Nero passando o revólver à nova geração representada por Jamie Foxx, mas o Tarantino foi bunda-mole e desperdiçou esta rara participação do Django original!


A execução pode até não ser das melhores, mas as ideias, tanto do roteiro quanto de reaproveitar cenas antigas, são fantásticas. O filme em si segue o padrão de qualidade "fidaniano" (ou seja: nenhum) e é bem ruinzinho, mas tem lá seus méritos como diversão trash, e pelo menos serve como coletânea dos "melhores momentos" do diretor em seus filmes anteriores. Ele até usa um pseudônimo novo, "Lucky Dickinson", ao invés do tradicional "Miles Deem".

O legal é que Fidani pôde pegar apenas as cenas de ação e de tiroteio dessas obras antigas, separando-as daquela infinidade de takes de pessoas cavalgando ou papo furado. Por isso, UMA BALADA PARA DJANGO também é um trabalho mais dinâmico do cineasta, trazendo apenas o que realmente interessa de "Django e Sartana no Dia da Vingança" e "Django Desafia Sartana", até eliminando a necessidade de ver esses filmes por inteiro.


UMA BALADA PARA DJANGO também traz o melhor duelo final de toda a trinca de "sotto-Djangos" de Fidani, entre Betts e Mitchell. (SPOILER) Django parece vencido sem o seu revólver, e o vilão diz que quer guardar a bengala do velho caçador de recompensas como lembrança. Nesse momento, nosso herói ergue a bengala e revela uma derringer (aquelas arminhas minúsculas, que parecem de brinquedo) presa ao cabo, que usa para balear seu último inimigo! (FIM DO SPOILER)

Na conclusão, voltamos ao saloon do início e uma nova briga entre bêbados e arruaceiros se inicia. Django, talvez esquecendo que está aposentado, ajuda seu fã Hickok a dar um jeito nos encrenqueiros, e o último take do filme é o herói dando um sopapo diretamente na lente da câmera - como se estivesse esmurrando o nariz do próprio espectador!


Talvez até pelo aspecto de picaretagem, de ser mais uma colagem de cenas do que um filme completo, UMA BALADA PARA DJANGO acabou se tornando uma raridade conhecida apenas por quem é muito fã de Django ou do diretor Fidani. Sequer circula em cópias boas na internet, e a mais fácil de encontrar é tirada de VHS com legendas em grego!

Também não encontrei nenhuma resenha sobre a obra nas minhas fontes de costume, além de um simples parágrafo no The Spaghetti Western Database. Mesmo no IMDB não há qualquer comentário dos usuários, e o verbete do filme no "Dizionario del Western all'Italiana", de Marco Giusti, resume-se a meia dúzia de linhas pouco esclarecedoras. Assim, as raríssimas manifestações a respeito da obra estão em fóruns de discussão, e bem sucintas.


Para quem gosta de encontrar referências e conexões (às vezes inexistentes), o título original italiano é "Giù le Mani... Carogna", que pode ser traduzido no sentido literal como "Abaixe as Mãos... Carniça", e parece indicar algo na linha de "Quando Explode a Vingança", de Sergio Leone, que na Itália é "Giù la Testa" (não por acaso, o próprio Fidani já havia dirigido outro western chamado "Giù la Testa... Hombre", que no Brasil foi lançado como "Minnesota - Caçado Vivo ou Morto"!!!).

Por falar em títulos brasileiros, a obra foi originalmente exibida em nossos cinemas como "Django, Pistoleiro Implacável". UMA BALADA PARA DJANGO é o título com que ele foi exibido na TV e lançado em VHS pelo selo Studio T, e que também achei mais apropriado considerando a história do filme.


Só gostaria de enfatizar que UMA BALADA PARA DJANGO não é, de maneira alguma, um bom filme. Seus defeitos são mais do que evidentes (conforme meu breve relato deve ter deixado bem claro), e a ideia de reutilizar cenas antigas é, como já disse/escrevi, tanto coisa de gênio quanto de picareta, cabendo a cada espectador julgar por si próprio.

Eu, particularmente, acho que filmes como este representam a verdadeira mágica do cinema, e o que sempre me atraiu na Sétima Arte. Qualidade da película à parte, ela é bem-sucedida em enganar o espectador ao colocar um ator brigando com ele mesmo em cenas filmadas com dois anos de diferença, ou um herói atirando em vilões de um outro filme! Hoje até uma criança de cinco anos faz tudo isso sem a menor dificuldade usando seu computador e um fundo verde, mas na época (1972) essas trucagens exigiam muita criatividade e disposição do seu realizador. Sem contar que é muito divertido assistir o filme e tentar identificar o que é cena nova e o que é cena de arquivo...


Enfim, Demofilo Fidani pode até ser o Ed Wood do gênero, mas certamente ninguém poderá acusá-lo de falta de imaginação ou de criatividade. E eu não sei quanto ganharam os responsáveis pela edição do filme (Piera Bruni e Gianfranco Simoncelli), mas eles certamente mereciam o triplo pelos milagres que fizeram para costurar uma narrativa minimamente coesa da forma como fizeram aqui.

Vale ressaltar que, durante um longo intervalo de tempo (exatos 15 anos), UMA BALADA PARA DJANGO foi a última aventura do herói a chegar às telas - descontando, é claro, outros westerns quaisquer cujos títulos foram mudados para virarem sub-Djangos desonestos. Isso até a volta (nada) triunfal do personagem em "Django, A Volta do Vingador", um filme que consegue ser pior do que todas as barbaridades que caras como Fidani e Luigi Batzella fizeram usando este mesmo nome...


Trailer de A BALADA DE DJANGO



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Giù le Mani... Carogna (1972, Itália)
Direção: Demofilo Fidani
Elenco: Jack Betts, Gordon Mitchell, Gerardo Rossi,
Benito Pacifico e um montão de cenas de arquivo
com Dino Strano, Celso Faria e outros.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA (1970)


Em minha resenha sobre "Django Desafia Sartana", apresentei aos nobres leitores do FILMES PARA DOIDOS o diretor italiano Demofilo Fidani (1914-1994), um profissional tão picareta que faz com que outros notórios picaretas do mundo do cinema, como Al Adamson, Bruno Mattei e Godfrey Ho, pareçam cineastas de verdade. Mas se "Django Desafia Sartana" era uma produção mais normalzinha do homem, agora chegou a hora de pegar pesado e falar/escrever sobre DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA, uma obra que pode tanto provocar ataques histéricos de riso quanto incontroláveis rompantes de fúria em cinéfilos mais "sérios".

Por isso, o filme é uma ótima maneira de conhecer o cinema Fidaniano, visto que está repleto do "melhor" e do pior do homem. Sua gênese é, por si só, uma piada pronta: reza a lenda que Fidani estava dirigindo outro western ("Homens Mortos não Fazem Sombra"), quando percebeu que acabaria o serviço e ainda sobrariam algumas diárias com o elenco principal (Jack Betts, Franco Borelli e Gordon Mitchell). Por isso, resolveu rodar um segundo filme, às pressas e de qualquer jeito, sem dinheiro e (praticamente) sem roteiro, reaproveitando o elenco ocioso do outro projeto e também os figurinos, cenários e cavalos!


Devido a questões burocráticas (um único profissional não podia dirigir dois filmes ao mesmo tempo, ou coisa que o valha), Fidani fez com que seu gerente de produção Diego Spataro assinasse como diretor, utilizando o impagável pseudônimo "Dick Spitfire" (que cairia como uma luva para um astro de filmes pornográficos). Mas todos os pesquisadores do gênero concordam que Spataro só colocou seu nomezinho ali: quem dirigiu toda a bagaça foi Fidani, conforme é perceptível pela falta de qualidade geral do negócio.

Àquela altura, o diretor já tinha lançado um "crossover" anterior entre os dois famosões do western spaghetti, Django e Sartana, que foi o já comentado "Django Desafia Sartana", filmado em 1969 e lançado nos cinemas italianos em 1970.


Não há informações sobre a recepção de "Django Desafia Sartana" na época, mas os espectadores devem ter saído putos do cinema ao constatar que "Sartana" na verdade era um outro personagem chamado "Jack Ronson", que somente aos 45 do segundo tempo se identifica uma única vez como Sartana! (Não duvide que esse diálogo foi adicionado de última hora num roteiro SEM Sartana para subitamente transformá-lo num filme COM Sartana...)

Enfim, com DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA Fidani resolveu corrigir este lamentável equívoco e realmente fazer uma aventura estrelada por Django e Sartana, conforme anuncia o título. Ou pelo menos tentou. Bem, vamos aos fatos e vocês entenderão melhor o que eu quero dizer - e também saberão porque o diretor recebeu a alcunha de "Ed Wood do Western Spaghetti".


O "roteiro" escrito por Fidani e por sua esposa Mila Vitelli Valenza começa no covil da quadrilha liderada pelo bandidão Burt Kelly (Gordon Mitchell). Eles acabaram de roubar o ouro do pagamento das tropas de Fort Bellamy, e Burt quer garantir uma travessia tranquila para o México com a fortuna. E como ninguém sugere alguma ideia melhor, ele manda seus homens sequestrarem a bela Jessica Brewster (Simonetta Vitelli), filha de um rico fazendeiro da região, para mantê-la como refém e garantir o salvo-conduto até cruzar a fronteira.

Só que o tiro sai pela culatra: a população da cidade resolve contratar dois famosos caçadores de recompensas para caçar Burt e seus homens. E é claro que estamos falando de Django (interpretado pelo norte-americano Jack Betts, com o nome artístico "Hunt Powers") e de Sartana (Franco Borelli, assinando com o pseudônimo "Chet Davis"). Ao saber da chegada da dupla à cidade, Burt manda seus capangas para resolver a situação, e aí começam as pancadarias e tiroteios de praxe.


E é só isso! O filme se resume a este argumento de meia dúzia de páginas, que deve ter sido rabiscado em poucas horas, e que basicamente funciona como mera desculpa para que incontáveis figurantes tentem matar Django ou Sartana antes de acabar comendo capim pela raiz! Não duvido que os diálogos tenham sido improvisados no momento da filmagem, e tudo relacionado à parte técnica da produção é simplesmente sofrível.

Mas quer saber? Por isso mesmo, DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA é simplesmente divertidíssimo! Claro, se você assistir sozinho em casa, num sábado à noite, esperando por algo mais elaborado, provavelmente vai cuspir fogo de raiva e quebrar o DVD em vinte pedaços. Porém experimente reunir uma turma de amigos na sala e colocar o filme para rodar: em menos de 10 minutos, todos estarão rolando de rir com as incontáveis bobagens do filme!


Fidani realmente se superou aqui, e a picaretagem começa já pelos créditos iniciais, que "reaproveitam" a trilha sonora composta por Coriolano Gori para o filme "Execução" (1968), de Domenico Paolella. A seguir, percebe-se desde as primeiras cenas que o roteiro desconjuntado é uma simples desculpa para uma sequência de cenas de ação, e que tentar seguir a "trama", por mais mixuruca que ela seja, é pura perda de tempo.

A produção é tão furreca que a história toda se desenrola em apenas dois ou três cenários, e sempre nas mesmas externas, onde, lá pelas tantas, podemos ver o que parece ser um grande cactus falso (imagem abaixo) para simular uma paisagem do Velho Oeste. Quer dizer, talvez até seja uma planta verdadeira mais feia que a média, mas, conhecendo Fidani, eu não duvidaria nada da probabilidade do cactus falso...


Visivelmente sem dinheiro e filmando "no improviso", Fidani nunca mostra o tal roubo ao ouro de Fort Bellamy cometido por Burt Kelly e seus homens (o crime é apenas comentado entre os bandidos), nem tenta criar reviravoltas ou situações que façam a "história" andar. Quando digo que DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA se resume a uma sequência de tiroteios envolvendo Django, Sartana e vários figurantes que interpretam os bandidos da quadrilha de Burt, acreditem, não estou sendo injusto nem exagerado.

A coisa funciona mais ou menos assim: vemos Django entrando num saloon e sendo ameaçado por homens de Burt Kelly. Ele toma uns sopapos, dá outros de volta, e termina matando todo mundo. Corta para Sartana em qualquer outro lugar sendo igualmente ameaçado por outros homens de Burt Kelly. Ele toma uns sopapos, dá outros de volta, até finalmente terminar matando todo mundo. E assim sucessivamente até cansar...


O mais hilário é que Django e Sartana nunca se encontram NO MESMO TAKE antes da cena final. Em duas situações diferentes ao longo do filme, um salva o outro das garras dos pistoleiros de Burt. Mas estas cenas são filmadas da seguinte forma: vemos um dos heróis na mira do revólver inimigo, corta para um take dos bandidos caindo fuzilados, corta para um take do herói em perigo olhando para cima ou para o lado, corta para um take do outro herói acenando, tipo "Salvei tua pele!", e então ele vai embora cavalgando, e aí corta de volta para o herói resgatado dando um sorrisinho tipo "Ah, esse Django (ou Sartana), que cara legal!".

A mesma sequência de takes acontece duas vezes: primeiro, Sartana salva Django; depois, Django salva Sartana. Mas os dois personagens só aparecem JUNTOS, dividindo finalmente um mesmo take, no minuto final, quando começam a negociar quais vilões mortos levarão para trocar pelo dinheiro da recompensa. Enfim, é algo inacreditável de tão tosco!


Outros momentos de rolar de rir em DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA envolvem cenas aleatórias adicionadas na montagem apenas para o filme ficar com a duração de um longa-metragem. Isso envolve INCONTÁVEIS takes com os personages cavalgando, filmados para dar a ideia de que a história está andando e algo está acontecendo (não está, nos dois casos). Se um editor decente limasse todas estas cenas de cavalgadas, a duração do filme cairia tranquilamente para uns 45 minutos!

Mantendo o "padrão de qualidade" de outras produções de Fidani, esta também não tem um mínimo de cuidado nem com a mais básica continuidade: o sobrenome do vilão, por exemplo, é "Kelly". Mas em dois momentos, aparece com grafias diferentes: "Kelly" no bilhete escrito após o sequestro da filha do fazendeiro, e "Keller" num cartaz de recompensa!


Já as cenas de apresentação dos dois personagens principais são tão gratuitas, e tão visivelmente filmadas apenas para enrolar, que muitos espectadores provavelmente desistirão do filme ainda nos primeiros 15 minutos.

Django, por exemplo, aparece visitando uma cidade-fantasma. Ele desce do cavalo, pega um alforje e um cantil, e começa a caminhar pelas ruas centrais da vila abandonada, como se estivesse procurando alguém ou alguma coisa. Encontra um sujeito vestindo farrapos e tenta conversar com ele: "Ninguém mais vive aqui?". Não recebe nenhuma resposta, e decide ir embora. A cena não tem qualquer nexo: nunca sabemos o que Django procurava na cidade-fantasma, quem esperava encontrar, ou que diabos de cidade era aquela; mas a "visita" rendeu a Fidani cinco minutos no tempo de duração do filme!


O mesmo acontece na cena de apresentação de Sartana. Contrariando totalmente as características do personagem imortalizado por Gianni Garko na série oficial (iniciada em 1968, e com quatro filmes), Fidani apresenta Sartana como o grande herói e defensor de um vilarejo de mineradores. Por quê? Boa pergunta, que Fidani não se preocupa em responder - a situação toda é apenas uma desculpa para ganhar mais cinco minutos de tempo corrido na narrativa! Ele até inventou um brilhante diálogo entre dois personagens secundários, que de certa forma sintetiza a inexistência de tudo no filme (principalmente motivações para os personagens):

- Quem é aquele?
- Aquele é Sartana. Nós devemos tudo a ele. Durante anos, a vila era pobre e o nosso povo passava fome. Ele nos mostrou como trabalhar nesta mina abandonada. Nós devemos tudo a Sartana.
- Mas por quê?
- Por quê? Porque ele é Sartana!




E a cereja do bolo é a inacreditável performance de Gordon Mitchell como o psicótico vilão Burt Kelly. Eu não duvidaria se alguém me dissesse que Mitchell filmou todas as suas cenas sob efeito de álcool, ou mesmo drogas pesadas. Num autêntico "one-man show" digno dos melhores momentos de Klaus Kinski, o ator grita, recita frases sem sentido, brinca colocando copos sobre os olhos para simular um binóculo DURANTE UM DIÁLOGO SÉRIO com seus homens, e ri exageradamente como se estivesse numa comédia da série "Austin Powers".

Por tudo isso, o vilão é a melhor coisa do filme e rouba a cena dos apagados heróis toda vez que aparece. Digamos apenas que Burt Kelly é tão doido que joga pôquer e conversa com SEU PRÓPRIO REFLEXO NO ESPELHO - e ainda o acusa de estar trapaceando! É como se o personagem tivesse fugido de uma comédia de Mel Brooks, caindo bem no meio do set de filmagem de um western de quinta categoria!


Se Sartana não tem absolutamente nada em comum com o personagem da série oficial, o Django de Jack Betts sofre do mesmo problema, mais uma vez sendo representado como um caçador de recompensas (a exemplo do anterior "Django Desafia Sartana"). Mas pelo menos ele veste roupas parecidas com as do Django de Franco Nero, enquanto o Sartana de Franco Borelli passa longe disso e parece um pistoleiro genérico qualquer. E tudo bem que o Django de Sergio Corbucci não era exatamente um cavalheiro em relação às mulheres, mas o personagem de Betts exagera no tratamento do sexo oposto, e lá pelas tantas joga uma bacia de água suja no rosto de uma prostituta que está lhe "incomodando"!

Além do elenco reaproveitado de "Homens Mortos Não Fazem Sombra", vários outros atores habituais do cinema Fidaniano dão as caras na narrativa episódica de DJANGO E A SARTANA NO DIA DA VINGANÇA, entre eles o brasileiro Celso Faria, que na época era figurinha carimbada nos westerns de baixo orçamento feitos na Itália. Também é possível rever a linda Simonetta, filha de Fidani na vida real, e mais uma vez creditada como "Simone Blondell".


Na parte técnica, vale destacar a direção de fotografia do notório (e ainda desconhecido à época) Aristide Massaccesi. Alguns anos depois, já usando o pseudônimo "Joe D'Amato", ele se tornaria um dos grandes nomes do exploitation italiano, dirigindo produções polêmicas como "Emanuelle na América", "Buio Omega" e "Anthropophagus", além de uma cacetada de filmes pornográficos.

Este aqui foi um dos seus primeiros trabalhos como diretor de fotografia, e ele repetiria a dose em outros filmes posteriores de Fidani, como "Por um Caixão Cheio de Dólares" e o próprio "Homens Mortos Não Fazem Sombra". O início de carreira ao lado do "Ed Wood do Western Spaghetti" certamente deve ter sido uma grande escola para Massaccesi/D'Amato, que depois dirigiria ele mesmo diversas produções rápidas e baratas no estilo de Fidani!


Muito mais poderia ser dito/escrito sobre a ruindade de DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA, mas esse é o tipo de clássico trash que deve ser visto, e não discutido (ou pelo menos não discutido longe de uma mesa de bar e diante de várias garrafas de cerveja). Tenho certeza que o público médio fã de westerns não encontrou um único defeito entre os inúmeros existentes na produção, até porque a contagem de cadáveres é mantida nas alturas, com tiroteios a cada 10 ou 15 minutos.

Mas, para cinéfilos mais experientes e/ou fãs de podreiras, é impossível não gargalhar com a trama episódica que não leva a lugar nenhum, com as interpretações afetadas, com a péssima direção e com as tentativas desesperadas de Fidani de esticar o tempo de duração, incluindo um interminável jogo de pôquer que dura uns 10 minutos, e que é um convite ao uso do botão Fast Foward - até porque termina com Django passando fogo nos colegas trapaceiros de mesa e pegando para si todo o dinheiro das apostas!


Este é o segundo de três "crossovers" envolvendo a famosa dupla de personagens. Dois anos depois, em 1972, o cada vez mais picareta Fidani lançou um filme chamado "Uma Balada para Django", que não passa dos "melhores momentos" (cof, cof, cof!) de "Django Desafia Sartana" e DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA colados numa outra trama com apenas 20 minutos de cenas novas. Como se vê, não havia limites para a cara-de-pau para o diretor...

É claro que DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA não pode ser visto como um bom filme, sequer como um bom western spaghetti. Fidani e sua trupe não estão tentando criar nada de novo ou de original, regurgitando velhos clichês e até velhos personagens já conhecidos do público, e sem esconder que o fazem unicamente em busca de dinheiro fácil - sem nada de artístico ou relevante, digamos.


Por isso mesmo, a obra é pura diversão para quem gosta de cinema ruim, com tantos erros, defeitos e problemas por minuto que é impossível não se pegar rindo, ou pelo menos com muita vergonha alheia de todos os envolvidos nessa bagaça. É o "Sotto-Django" perfeito para assistir embalado por boas doses de álcool e/ou rodeado pelos amigos fãs de trash - além de uma bela introdução para o cinema sem-noção e absurdamente ruim do "mestre" Demofilo Fidani.

PS 1: Como havia acontecido com o filme anterior de Fidani, que no Brasil ganhou o título "Django Desafia Sartana" mesmo que não exista nenhum desafio ou duelo entre os personagens, este aqui também recebeu títulos enganosos nos EUA, como "Final Conflict... Django Against Sartana" e "Django and Sartana's Showdown in the West", levando o espectador a acreditar que verá um grande duelo entre Django e Sartana, quando na verdade eles são "amigos" na história.

PS 2: O IMDB trocou as bolas e creditou Jack Betts como Sartana e Franco Borelli como Django, quando na verdade é o contrário.


Trailer de DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA



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Arrivano Django e Sartana... È la Fine
(1970, Itália)

Direção: Demofilo Fidani
Elenco: Jack Betts, Franco Borelli, Gordon Mitchell,
Simonetta Vitelli, Attilio Dottesio, Benito Pacifico,
Krista Nell, Ettore Manni e Celso Faria.