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terça-feira, 17 de setembro de 2013

A ILHA DOS HOMENS-PEIXE (1979)


Em 1979, os irmãos Luciano Martino (produtor) e Sergio Martino (diretor) lançaram um famoso filme misturando aventura, terror e trash não-intencional, A ILHA DOS HOMENS-PEIXE - que se transformou no clássico de toda uma geração aqui no Brasil graças ao Silvio Santos e sua extinta Sessão das Dez do SBT. Pois eis que um tal de H.G. Wells, inglês safado, cara-de-pau e oportunista, plagiou praticamente todo o argumento da produção italiana num livro sem-vergonha chamado "A Ilha do Dr. Moreau"!

Tanto no filme como no livro que o copiou, um cientista isolado numa ilha misteriosa dá vida a criaturas híbridas de homens e animais; a única diferença é que enquanto A ILHA DOS HOMENS-PEIXE tem criaturas aquáticas, a cópia "A Ilha do Dr. Moreau" envolve misturas de humanos com diferentes animais, inclusive felinos, numa artimanha ardilosa do picareta Wells para que ninguém percebesse que ele estava plagiando o filme italiano. E é um verdadeiro milagre que os produtores italianos não tenham processado este inglês sem-vergonha para que ele aprendesse a ter suas próprias ideias ao invés de copiar as dos outros!


Bom, qualquer pessoa com um mínimo de informação (e noção) já deve ter entendido que os dois primeiros parágrafos deste texto não passam de uma brincadeira. H.G. Wells já estava morto, enterrado e transformado em pó há muito tempo quando a italianada lançou A ILHA DOS HOMENS-PEIXE, que é, ela sim, uma cópia bagaceira da obra de Wells "A Ilha do Dr. Moreau", que foi lançada bem antes, em 1896.

As aventuras do Dr. Moreau e sua ilha de criaturas mutantes renderam três versões cinematográficas oficiais (por enquanto): a primeira, "Island of Lost Souls" (“A Ilha das Almas Perdidas”), em 1933, com Charles Naughton no papel-título; a segunda em 1977, com Burt Lancaster interpretando o cientista louco (foi esta que inspirou os irmãos Martino a realizarem sua própria produção “não-oficial” baseada "livremente" na mesma história); e a terceira e última em 1996, com Marlon Brando. Já A ILHA DOS HOMENS-PEIXE não teve a mesma repercussão e rendeu, quando muito, uma sequência improvisada que o próprio Sergio Martino dirigiu em 1995.


Mas, verdade seja dita, taxar A ILHA DOS HOMENS-PEIXE de uma mera cópia carbono - e pobre, ou trash - do livro de H.G. Wells, ou mesmo da versão cinematográfica "rica" de 1977, é uma grande injustiça. Isso porque o filme de Martino tem vida própria. É uma história maluca como convém às aventuras classe B daquele período, e com uma excelente produção, que destoa da média de pobreza dos filmes italianos feitos na cola de sucessos do cinema americano.

Tem, por exemplo, uma belíssima e bem cudada fotografia de Giancarlo Ferrando, um ótimo trabalho de direção e um elenco bastante acima da média, que inclui Claudio Cassinelli, Barbara Bach (ex-Bond Girl e atual sra. Ringo Starr), Richard Johnson (um respeitado ator shakesperiano que não tinha vergonha de aparecer nos filmes de horror italianos) e até o norte-americano Joseph Cotten (abaixo), que nos bons tempos foi coadjuvante em clássicos como "Cidadão Kane", mas, depois de velho, decadente e esquecido, tinha que pagar mico em produções italianas baratas para pagar as contas.


O roteiro foi assinado em conjunto pelos irmãos Martino, com a ajuda de Sergio Donati e Cesare Frugoni. A história começa com uma legenda informando que estamos no Mar do Caribe em maio de 1891, onde um bote à deriva em algum lugar do oceano leva diversos homens vestindo farrapos. São prisioneiros que estavam sendo transportados até uma colônia penal quando sua embarcação afundou - mas, para economizar os trocados da produção, o naufrágio não é mostrado.

O único homem do lado da lei entre os sobreviventes é o tenente Claude de Ross (Cassinelli, muito bem no papel), médico-militar que conquistou o respeito de alguns dos bandidos ao soltá-los do cárcere enquanto o navio afundava, e o ódio de outros por garantir que irá levá-los de volta à prisão caso sobrevivam e consigam chegar a terra firme.


Não demora para misteriosas criaturas aparecerem nadando ao lado do bote, impulsionando-o até um monte de rochedos, onde o barquinho se arrebenta como uma casca de ovo; diversos dos sobreviventes são atacados pelas criaturas e desaparecem submergindo nas águas turvas. E como o dinheiro da produção foi aparentemente todo gasto em outro departamento, as cenas dos ataques dos monstros são confusas, escuras, feitas em closes e com cortes rápidos, sem permitir que o espectador veja muita coisa!

Claude e cinco prisioneiros acordam já em terra firme, numa ilha com um vulcão que ninguém imaginava existir naquele ponto do oceano. Ali, uma série de infortúnios trata de matar quase todos os personagens secundários, desde uma fonte com água sulfurosa envenenada (e é de se espantar que Skip, o mané que morre envenenado, não tenha desconfiado daquela água embranquecida e esfumaçante...), até uma daquelas clássicas armadilhas no meio da selva (no caso, um buraco repleto de estacas de madeira coberto com galhos de árvore para enganar os incautos).


Outro dos prisioneiros, François (Francesco Mazzieri), vai caçar para que o grupo possa comer e acaba sendo dilacerado pela garra de um dos homens-peixe, numa cena pra lá de tosca que me dava pesadelos quando eu era criança. Ao encontrarem o cadáver mutilado de François, seus amigos discorrem sobre o fato: “Deve ter sido devorado por um crocodilo”, diz José (Franco Iavarone), um prisioneiro enorme que parece um clone careca e estrábico do Bud Spencer. Mas Claude, do alto de sua posição de especialista em crocodilos, declara convicto: “Crocodilos não despedaçam uma pessoa assim!”.

Após todos estes contratempos (passaram somente uns 10 minutos e já morreu quase todo mundo!), o grupo acaba reduzido a um modesto trio: Claude, José e o maldoso Peter (Roberto Posse), sendo que este último quer ver o tenente morto a qualquer custo, algo a se esperar de um assassino e estuprador condenado, não é mesmo? E eis que surge Amanda (Barbara Bach, quem mais?), toda bela e formosa montada num cavalo, sugerindo aos três que partam imediatamente - claro, se fosse assim tão fácil...


Os homens preferem seguir a moça e chegam até uma mansão construída na beira da praia, onde Amanda vive com Edmund Rackham (Richard Johnson, quem mais?). O cara é o bam-bam-bam da ilha: domina os nativos que praticam vodu, domina Amanda mesmo não sendo casado com a moça, e ainda parece saber muita coisa sobre os segredos do lugar. Rackham convida o trio para uma temporada em sua casa. Sem muitas opções, já que a ilha não tem hotéis, pousadas ou albergues, os homens aceitam a hospitalidade do “simpático” Rackham. Ah, se eles soubessem...

Logo o espectador vai descobrir que Rackham domina os nativos através da sua fiel ajudante Shakirah (Beryl Cunningham), uma sacerdotisa vodu. Apesar do nome, Shakirah não canta e nem dança como sua genérica latina; infelizmente, também não é gostosa como a contraparte que canta e dança! Aliás, sua presença no filme é completamente gratuita, já que a moçoila se limita a fazer vodu e balbuciar bobagens proféticas com os olhos arregalados, tipo “Eu vejo a morte!”, e coisas do gênero.


Mas e os homens-peixe do título? Ah, estes reaparecem numa cena que pode ser considerada ao mesmo tempo poética e sensual ou ridícula e apelativa, quando Amanda caminha até a beira da praia e entra no mar (uma mera desculpa para mostrar Barbara Bach com a roupa molhada e colada ao corpo escultural), sendo logo cercada por um montão de homens-peixe.

Esta é a primeira vez, no filme inteiro, que os bichos aparecem sem ser de relance, e aí finalmente podemos dar uma boa olhada no figurino de carnaval de quinta categoria dos monstrengos! Amanda é a responsável por alimentar os bichos com uma poção que os coloca sob o controle do maléfico Rackham. Mas de onde vieram os homens-peixe? Quem os criou? E para quê?


Acontece que, como boa cópia de "A Ilha do Dr. Moreau", A ILHA DOS HOMENS-PEIXE precisa do seu próprio cientista maluco. Aqui, ele é o Dr. Ernest Marvin (Joseph Cotten), o pai da doce Amanda, e um famoso biólogo mantido em cárcere privado por Rackham.

E como o roteiro ainda não estava maluco o suficiente com sua mistura de Dr. Moreau, ilha com vulcão, vodu e homens-peixe, os irmãos Martino adicionam mais um elemento fantástico à trama: o continente perdido de Atlântida! Sim, amiguinhos, a assim chamada "Ilha dos Homens-Peixe" fica exatamente sobre as ruínas submersas do continente perdido de Atlântida!!!


Como os templos e palácios do antigo povo não podem ser alcançados por homens comuns, já que estão muitos mil metros abaixo da superfície do mar, o diabólico Rackham planejou obrigou o professor Marvin a criar homens-peixe a partir de seres humanos, para depois utilizar os monstruosos cabeças-de-bagre (literalmente) como escravos para mergulhar até as ruínas do continente perdido e resgatar o ouro lá existente!

O heroi Claude descobre a trama nefasta da pior forma possível quando ele e Amanda encontram o pobre José (um dos prisioneiros que se salvou do naufrágio, lembra?) dentro de um tanque, numa espécie de etapa intermediária da transformação em peixe. Quem viu essa cena quando criança provavelmente teve pesadelos. Brrrr!!!


Trabalhando com o orçamento merreca típico das produções-italianas-xerox-de-filmes-americanos da época, mas com um roteiro mais interessante que a média das cópias bagaceiras carcamanas, o diretor Martino utiliza sabiamente os efeitos especiais apenas razoáveis, os cenários criativos e até cenas de documentários para baratear a produção (quando o vulcão da ilha entra em erupção, por exemplo, vemos cenas reais de um vulcão cuspindo lava, mescladas a cenas até razoáveis da miniatura de uma mansão pegando fogo).

Vale um elogio, também, para o diretor de arte Giacomo Calò Carducci e sua belíssima e inspirada cenografia, principalmente no laboratório do Professor Marvin, repleto de equipamentos “modernos” para a época e até desenhos que lembram os esboços do italiano Leonardo DaVinci! Tem uma cena em que Claude e Rackham entram num submarino rudimentar, na verdade uma cápsula metálica com janelinhas de vidro presa a um cabo de aço, que também remete aos estudos de DaVinci. Muito bem bolado!


O que pode frustrar o espectador são os monstros do título, que aparecem poucos e são pobres de dar dó, resumindo-se a figurantes vestindo umas fantasias pobres e imóveis projetadas por Massimo Antonello Geleng (que já trabalhou com Fulci, Argento, Bava e outros mestres italianos). As máscaras são inexpressivas e só os olhos se mexem, mas pelo menos o diretor foi esperto para mostrar as criaturas ou muito de longe ou muito de perto (com closes dos olhos, das bocas e das garras), mantendo o nível dentro do suportável.

Agora, um pouco mais de violência explícita faria bem ao filme, já que os homens-peixe atacam usando suas afiadas garras, mas sempre arranhando as vítimas muito superficialmente, e mesmo assim elas morrem com a maior facilidade - menos quando o arranhão em questão é feito no herói Claude, é claro!


A ILHA DOS HOMENS-PEIXE ganhou duas versões diferentes. Os brasileiros conhecem a italiana/européia, que estreou nos cinemas da Itália em 18 de janeiro de 1979. A outra versão é a americana, uma picaretagem da grossa; não por acaso, o nome do famoso produtor classe B Roger Corman está associado a ela. A história começa em 1981, quando Corman, através da sua distribuidora de então (New World Pictures), comprou os direitos para exibição do filme de Sergio Martino em território americano.

Ele rebatizou a película com o título “Something Waits in the Dark” (Algo Espera na Escuridão), para lançá-la nos cinemas barateiros que exibiam esse tipo de produção. O problema é que, ao contrário de outros exploitation movies produzidos na Itália, A ILHA DOS HOMENS-PEIXE não tem violência nem nudez suficientes para atrair a atenção do público que frequentava esses cinemas na época! Para resolver o problema, Corman tirou o filme de cartaz e mandou alguns colaboradores habituais filmarem cenas alternativas (!!!), que foram inseridas à montagem original sem a menor cerimônia. Esta versão "anabolizada" foi rebatizada "Screamers".


O hoje famoso Joe Dante, que na época trabalhava com Corman, foi um dos responsáveis pela edição dos enxertos (e sua participação foi creditada em italiano, como "Giuseppe Dantini"!). As cenas adicionais foram escritas e filmadas por Miller Drake, que posteriormente faria uma renomada carreira como técnico de efeitos especiais. Assim, o filme ganhou um prólogo diferente do original, mostrando um grupo de piratas que vai parar na Ilha dos Homens-Peixe, apenas para serem esquartejados violentamente pelas criaturas (afinal, nenhum deles poderia aparecer no restante da trama "normal").

Corman nem mesmo mandou construir uma roupa de monstro igual à da versão europeia: simplesmente mandou seus subalternos NÃO mostrarem os homens-peixe, filmando apenas closes de uma garra qualquer dilacerando as vítimas!  Com quase 12 minutos de duração, o "prólogo americano" foi exibido antes das cenas com os prisioneiros na jangada (o início “oficial” da versão européia), e cinco atores americanos participaram - dois deles Cameron Mitchell e Mel Ferrer, nomes conhecidos daquela época!


Os homens-peixe de Roger Corman




A cena em que Cassinelli encontra José parcialmente transformado em homem-peixe também ganhou novos takes que evidenciavam a dolorosa mutação. O responsável por esses efeitos adicionais foi outro famosão: ninguém menos que Chris Wallas, então um iniciante em seus primeiros trabalhos, mas que em seguida ganharia até Oscar pelos seus efeitos especiais em "A Mosca", de David Cronenberg! Não por acaso, o gore e a maquiagem dos enxertos ianques são bem melhores do que tudo que aparece na versão original italiana!

Isso transforma esses minutos a mais em algo tão interessante quanto o filme em si. A “versão estendida” de Corman nunca chegou a ser lançada em DVD, mas as cenas adicionais aparecem como extras no DVD europeu do filme de Martino, e hoje já podem ser vistas no YouTube.


Aparentemente, o velho Roger gostou tanto da experiência com as criaturas oceânicas que, apenas um ano depois do lançamento de A ILHA DOS HOMENS-PEIXE, produziu seu próprio filme com monstrengos vindos do mar, o espetacular "Humanoids from the Deep" (1980), este sim com muito gore e mulher pelada, mostrando inclusive os monstrengos estuprando umas garotas peitudas!!!

Bastante popular para a geração que foi criança nos anos 1980, A ILHA DOS HOMENS-PEIXE anda um tanto esquecido hoje em dia, principalmente para esta nova geração acostumada a horrores criados por computação gráfica. A emissora do Homem do Baú não o reprisa há um bom par de décadas, e provavelmente devem ter gastado o rolo de tanto que o exibiram “pela primeira vez na televisão”.


Quase 20 anos atrás, em 1995, Sergio Martino revisitou sua famosa obra com uma produção bem picareta filmada para a TV italiana, e chamada "La Regina degli Uomini Pesce" (A Rainha dos Homens-Peixe). Mas o filme é menos uma continuação e mais um engodo, reaproveitando cenas do original e de outro filme do diretor, "2019 - After the Fall of New York (1983). A história agora se passa no futuro e mostra dois jovens punks abandonando a decadente Nova York e indo parar na famosa ilha. É simplesmente horrível, em todos os sentidos.

O melhor mesmo é rever o original. Afinal, numa época de homens-mosquito, homens-tubarão e homens-cobra feitos por computação gráfica (em produções paupérrimas), sempre é ótimo rever os homens-peixe de Sergio Martino, com todo o seu charme pobretão e mambembe. E é uma pena que hoje não se façam mais filmes como A ILHA DOS HOMENS-PEIXE.

Vai ver é por isso que as crianças do século 21 crescem tão infelizes...


Trailer de A ILHA DOS HOMENS-PEIXE



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L'isola degli Uomini Pesce / The Island 

of the Fishmen (1979, Itália)
Direção: Sergio Martino
Elenco: Claudio Cassinelli, Barbara Bach, Richard
Johnson, Beryl Cunningham, Joseph Cotten, Franco

Iavarone, Roberto Posse e Bobby Rhodes.

sábado, 21 de janeiro de 2012

REBELDES DA ACADEMIA (1980)


(Esta resenha é dedicada ao Raphael Fernandes, editor responsável - ou seria irresponsável? - por publicar a revista Mad no Brasil atualmente, pela Editora Mythos)

Fazer comédia parece fácil, mas só parece. Se você não prestar muita atenção a aspectos como roteiro e timing das piadas, vai acabar com um daqueles filmes em que apenas os realizadores parecem estar se divertindo pra caramba. Tipo a maioria das "comédias" do Will Ferrel e do Jack Black, ou 99% da produção do gênero no Brasil pós-Retomada - ou alguém realmente vê alguma graça nos longas do Casseta & Planeta e na série "Se Eu Fosse Você"?

Se um dia alguém quiser escrever uma cartilha sobre o que NÃO se deve fazer na hora de produzir uma comédia, eu sugiro usar REBELDES DA ACADEMIA como exemplo prático, talvez até colocando o DVD do filme como brinde na cartilha, já que esta é uma das "comédias" menos engraçadas já feitas.

E sabe o que é mais irônico? É que ela foi produzida por uma das mais brilhantes revistas humorísticas do mundo, a Mad!!!


Tudo começou com o estrondoso sucesso da comédia "Clube dos Cafajestes" (1978), dirigida por John Landis. Nos Estados Unidos, o filme se chama "National Lampoon's Animal House", e a National Lampoon era uma outra revista de humor concorrente da Mad, bastante popular nos anos 70.

Ao contrário do que se pensa, a revista não teve grande envolvimento na produção, e o fato de seu nome aparecer no título era apenas uma jogada de marketing, algo do tipo "National Lampoon apresenta...". Vários outros filmes trariam o nome da revista no título a partir de então, como a série "Férias Frustradas", que no original era "National Lampoon's Vacation"


"Clube dos Cafajestes" custou 3 milhões de dólares e rendeu 141 milhões só nas bilheterias norte-americanas. Logo, outros estúdios resolveram produzir comédias "apadrinhadas" por revistas humorísticas para ver se o raio caía duas vezes no mesmo lugar.

Era questão de tempo para que a Mad entrasse na jogada. Fundada em 1952 e publicada ininterruptamente desde então nos Estados Unidos, a Mad era a mais bem-sucedida das revistas do gênero no país - fez bastante sucesso também no Brasil, onde chegou na década de 70, ao contrário da National Lampoon, que nunca deu as caras por aqui.


A Warner entrou em contato com Bill Gaines, editor norte-americano da revista, pedindo que "emprestasse" seu título para uma comédia nonsense, para tentar faturar em cima do sucesso de "Clube dos Cafajestes". Tinha tudo para dar certo. Mas não deu.

Escrito por dois sujeitos vindos da TV, Tom Patchett (criador do seriado "ALF, o Eteimoso") e Jay Tarses, REBELDES DA ACADEMIA conta a história de quatro garotos-problema enviados por suas famílias para a Academia Militar Sheldon R. Weinberg.


Eles são Chooch (Ralph Macchio, molecão e em sua estréia no cinema), o filho de um mafioso; Hash (Tommy Citera), um garoto árabe e cleptomaníaco; Ike (Wendell Brown), jovem negro filho de um tele-evangelista, e que está se relacionando com a madrasta, e Oliver (Hutch Parker), filho de um importante político que concorre à reeleição, e que resolve mandar o garoto para o quartel na expectativa de que ele pare de criar problemas que ameacem sua candidatura.

Na academia, o quarteto vai comer o pão que o diabo amassou nas mãos do Major Vaughn Liceman (Ron Leibman, de "Matadouro Cinco"), aquele típico comandante sádico, embora atrapalhado, que gosta de transformar a vida dos recrutas num inferno - espécie de embrião para o Comandante Harris da série "Loucademia de Polícia".


Antes de mais nada, esqueça que REBELDES DA ACADEMIA se passa numa academia militar. Diferente da já citada franquia "Loucademia de Polícia", em que a ambientação justificava as piadas com o modo de vida militar e o duro treinamento dos cadetes, aqui tanto faz o fato de a trama se passar num quartel, considerando que raríssimas vezes o roteiro se aproveita do cenário - a mesma trama poderia se passar numa faculdade de engenharia ou num campo de treinamento de terroristas do Al-Qaeda sem grandes modificações.

Acompanhe: ao invés de criar piadas sobre o rigor da rotina militar, a exemplo do que filmes como "Recrutas da Pesada" e "Loucademia de Combate" fariam alguns anos depois, REBELDES DA ACADEMIA prefere enfocar o conflito de um dos jovens (Oliver) com o Major Liceman, que inexplicavelmente se apaixona pela namorada do garoto, Candy (a gracinha Stacey Nelkin, de "Halloween 3"). Claro, numa daquelas forçadas de barra tremendas de roteiro ruim, Candy também foi enviada para uma escola militar feminina, e que fica a apenas alguns metros daquela que o namoradinho frequenta!


Só para dar uma ideia do nível geral das piadas, a academia também tem um professor gay de dança (Tom Poston) e uma professora gostosa (a Sra. Ringo Starr Barbara Bach, de "A Ilha dos Homens-Peixe") que leciona sobre armamentos usando expressões de duplo sentido que envergonhariam até a equipe de roteiristas do programa Zorra Total. Peraí: professor gay de dança e professora gostosa de armamentos numa academia militar??? Pois é...

Ah, quase esqueci de comentar que o diretor do local é o Comandante Causeway (Ian Wolfe, de "THX 1138"), um velhote que sempre solta um sonoro e fedorento peido toda vez que aparece em cena. Deu para sacar o nível das "piadas"? Nem colocando uma claque estilo Chaves alguém riria dessas coisas!


Além da dupla de roteiristas, um dos grandes culpados por esta catástrofe é o diretor Robert Downey, pai de um certo Robert Downey Jr. (o próprio Homem de Ferro). Downey Pai nunca foi um cineasta brilhante, mas em REBELDES DA ACADEMIA ele se superou: com sua mão pesada e falta de ritmo, o sujeito consegue estragar até as poucas piadas que PODERIAM ter ficado engraçadas!

Uma coisa que nem Downey Pai e nem os roteiristas Patchett e Tarses entenderam é que o humor da revista Mad era essencialmente visual e nonsense, e não tanto verbal. Infelizmente, não é o que se vê no filme, que abusa dos trocadilhos intraduzíveis (o nome "Hash", por exemplo, é uma gíria em inglês para maconha) e expressões de duplo sentido no nível do Pânico na TV.


Produções posteriores roteirizadas e dirigidas pelo trio Jim Abrahams e David e Jerry Zucker, como "Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu", "Top Secret" e "Corra que a Polícia Vem Aí!", fazem este tipo de humor nonsense estilo revista Mad de maneira muito mais eficiente, tanto que seria mais fácil aceitar um "Mad Magazine Presents Top Secret" do que esta patuscada aqui...

Algumas raras piadas visuais em REBELDES DA ACADEMIA, só para dar uma ideia: a banda que canta num baile na academia (não pergunte...) é tão desafinada que quebra todos os vidros no recinto e até o próprio quadro do filme; as aparições do vilanesco Major Liceman são sempre precedidas de uma sonora ventania e pelos acordes de "Gimme Danger", de Iggy Pop & The Stooges; e o cachorro de Liceman também usa farda militar, num plágio descarado do cão do Sargento Tainha nos quadrinhos do Recruta Zero! Risadas amarelas ecoam pela sala de cinema ou da casa.


O Major Liceman também tem o irritante hábito de fazer os recrutas repetirem dezenas de vezes a mesma resposta gritando "Say it again! Say it again!", e isso deveria ser engraçado. Pelo menos na cabeça dos realizadores.

Talvez alguém possa considerar um ponto positivo o fato de o filme não ter medo de ser "politicamente incorreto". Há piadas bem fortes (para os padrões atuais) sobre negros, árabes e homossexuais, uma tirada envolvendo um aborto forçado e ainda a sugestão de um romance entre a professora gostosa e um dos garotos, Ike. Mas o mau gosto não salva o conjunto.


No roteiro, inclusive, a relação entre Ike e a professora era ainda mais erotizada, com direito a cenas de nudez (quando o garoto espiava a mulher tomando banho) e sexo. Mas essa subtrama foi cortada quando os produtores acharam que era pegar pesado demais!

Assim, REBELDES DA ACADEMIA é um daqueles exemplos constrangedores de comédia em que você ri mais da vergonha alheia, da falta de graça e do filme em si do que das piadas - até porque raríssimas piadas são realmente novas, chegando-se ao cúmulo de mostrar um homem travestido com roupas íntimas femininas como se fosse a coisa mais engraçada do mundo.


Enfim, o resultado é tão ruim, mas TÃO ruim, que um dos atores principais, Ron Leibman, exigiu que seu nome fosse retirado dos créditos, prevendo o fiasco que seria quando a bomba chegasse aos cinemas. Curiosamente, ele não fez a mesma coisa com o igualmente constrangedor "Rhinestone - Um Brilho na Noite", de Bob Clark!

Os próprios editores da Mad ficaram tão desencantados quando o filme estreou que publicaram um editorial na revista desculpando-se com seus leitores pelo fiasco da obra - e, diz a lenda, o editor Bill Gaines respondeu pessoalmente a cada carta enviada que reclamasse da qualidade do filme.


Além disso, Gaines pagou caro (30 mil dólares, à época) para eliminar toda e qualquer referência à revista no filme e no seu material de divulgação quando ele fosse lançado em VHS ou exibido na televisão.

Porque, originalmente, REBELDES DA ACADEMIA se chamava "Mad Magazine Presents Up the Academy", na linha de "National Lampoon's Animal House", mas acabou só "Up the Academy" no vídeo. As aparições do mascote da revista, Alfred E. Neuman (aquele garotinho sardento e banguela, que ganha vida com efeitos de maquiagem do mestre Rick Baker!), também foram retiradas da edição.

Em entrevista publicada em 1983, Bill Gaines tentou justificar a ruindade do filme. Segundo ele, a Warner enviou para a redação da revista um roteiro ruim para um filme que teria o nome "Mad apresenta" no título.


Gaines e sua equipe recusaram e o próprio time de redatores da revista escreveu um roteiro para o filme, mas dessa vez foram os produtores que não gostaram. No final, a Warner fez um remendão com ideias de um e de outro roteiro, mas sem acatar as várias sugestões feitas posteriormente pela equipe da Mad.

"Paguei 30 mil para a Warner tirar o nome da Mad das versões para o mercado doméstico, e foram 30 mil bem investidos!", declarou Gaines nesta entrevista. Demonstrando humildade, a Mad também publicou uma das suas populares sátiras de filmes com o próprio REBELDES DA ACADEMIA (veja abaixo), fazendo graça da ruindade da obra, e em apenas duas páginas (a sátira termina com uma troca de bilhetes entre os desenhistas e o editor, reclamando que o filme era péssimo demais até para ser satirizado!).


Como sempre acontece com produções tão ruins e problemáticas, REBELDES DA ACADEMIA ganhou um ar de "filme de culto", com débeis mentais promovendo sessões justamente para espinafrar a falta de graça do negócio.

Nos anos 1990, depois da morte do editor Gaines, a Warner colocou de volta todas as referências à Mad para exibições do filme na TV a cabo e no seu relançamento em DVD. O pobre Gaines deve estar se revirando no túmulo...


Agora, se há algo de bom em REBELDES DA ACADEMIA é a sua trilha sonora. Inclusive a trilha é tão boa que chega a ser ofensivo que tenha sido utilizada num filme tão ruim. Começa já com a ótima música dos créditos iniciais, "Kicking Up A Fuss", do Blow-Up (clique para ouvir), repetida até cansar ao longo do filme; tem o já citado The Stooges, mais "Night Theme" (Iggy Pop), "X Offender" e "One Way Or Another" (Blondie), "Yes Sir, No Sir" (The Kinks), "Street Hassle" (Lou Reed), "Bad Reputation" (Sammy Hagar), entre outras. Ou seja, a bagaça vale mais pela música do que por qualquer outra coisa!

Se a National Lampoon continua "apresentando" filmes até hoje (alguns tão ruins quanto REBELDES DA ACADEMIA, ou piores!), o pessoal da Mad aprendeu a lição e nunca mais emprestou seu nome para nenhuma outra presepada do gênero, embora tenham produzido o seriado televisivo "MADtv" (uma espécie de TV Pirata lá dos EUA) entre 1995 e 2009.


Para dar uma ideia de como o episódio maculou a imagem da revista, imagine um equivalente aqui no Brasil: "Chiclete com Banana Apresenta Muita Calma Nessa Hora", ou "Geraldão Apresenta Os Normais 2". Não é de cortar os pulsos?

Por tudo isso, torna-se irônica uma das imagens mais populares do mascote da Mad, Alfred Neuman, que é aquela em que ele se questiona: "Eu, me preocupar?". Bem, caro Neuman, no caso da ruindade de REBELDES DA ACADEMIA e do estrago que isso provocou na imagem da sua revista, eu me preocuparia sim. E muito!

"Say it again!"

"Say it again!"

"Say it again!!!"


PS: Um Robert Downey Jr. ainda moleque faz uma ponta como um dos garotos que joga futebol com a turma da academia lá pela metade do filme.

Trailer de REBELDES DA ACADEMIA



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Mad Magazine Presents Up the Academy (1980, EUA)
Direção: Robert Downey
Elenco: Ralph Macchio, Wendell Brown, Tommy Citera,
Hutch Parker, Ron Leibman, Barbara Bach, Ian Wolfe,
Tom Poston, Stacey Nelkin e Antonio Fargas.