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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA (1994)


Pelo menos uma vez por ano ("pelo menos", mas geralmente é bem mais do que isso), os engravatados de Hollywood gostam de dar uma prova incontestável de que não entendem porra nenhuma de porra nenhuma, principalmente quando tentam adaptar quadrinhos, super-heróis ou videogames para o cinema. Que o diga o pobre espectador que viu "A Liga Extraordinária", "Jonah Hex", a "Mulher-Gato" da Halle Berry, e por aí vai (a lista é extensa).

Pois anos antes do alemão Uwe Boll se especializar em adaptações ruins de videogame para o cinema (com os famigerados "House of the Dead" e "Alone in the Dark"), foram os grandes estúdios que demonstraram sua total incapacidade de transpor uma mídia para a outra em duas legítimas bombas atômicas.


A primeira foi "Super Mario Bros." (1993), que enterrou a promissora carreira do casal de cineastas ingleses Annabel Jankel e Rocky Morton. E como Hollywood nunca aprende com seus erros, já no ano seguinte (1994) saiu a outra, STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA.

Eu não vou gastar tempo e parágrafos explicando a importância e a fama do jogo de fliperama "Street Fighter 2", produzido pela Capcom em 1991 e até hoje uma referência em games de luta. Saibam apenas que torrei muitas horas (e muita grana) da minha pré-adolescência trancado num fliperama escuro e esfumaçado, disputando partidas de "Street Fighter 2" com meus amigos ou com adversários anônimos.


Portanto, lembro até hoje o quanto estava decepcionado ao sair do cinema depois da sessão de STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA: como fã do jogo de videogame, me senti traído porque aqueles caras tinham destruído a história e os personagens de que eu tanto gostava.

Agora, quase 20 anos depois, mais velho e maduro (cof, cof), fui tentar rever o filme com outros olhos, para ver se algo se salva nessa bagunça no final das contas.

Veredicto: não, não se salva. Aliás, não convence nem mesmo como "filme de ação" para alguém que jamais tenha visto ou jogado "Street Fighter 2". O resultado é tão ruim, tão patético, tão ridículo, tão frustrante e tão idiota que poucas obras fazem jus ao nome deste blog tanto quanto esta. Afinal, é preciso ser muito, mas muito doido para ver STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA (e doente mental para gostar, o que, pelo menos dessa vez, não é o meu caso).


Se no ano anterior "Super Mario Bros." enterrou a carreira da dupla Jankel & Morton, STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA fez o mesmo "favor" a Steven E. De Souza. Até então, ele era o roteirista dos ovos de ouro em Hollywood: escreveu sucessos como "48 Horas", "Comando para Matar", "Duro de Matar" 1 e 2, "O Sobrevivente" (com Schwarzenegger), "Um Tira da Pesada 3"...

Com esse cacife e mais um único crédito como diretor (no excelente episódio da série "Contos da Cripta" em que Kyle McLachlan enfrenta abutres famintos no deserto), De Souza ganhou 35 milhões de dólares para escrever e dirigir a adaptação do famoso jogo de videogame da Capcom, então no auge do sucesso. O resultado foi desastroso.


Para entender porque STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA não funciona, vamos analisar a lógica de "Street Fighter 2", o game. Como o nome já diz, trata-se de uma briga de rua em que oito personagens excêntricos e de diferentes nacionalidades se enfrentam até restar apenas um; então, o vencedor enfrenta três "sub-chefes" até ganhar o direito de participar do confronto final com o grande vilão M. Bison, um ditador asiático com poderes sobrenaturais (capaz de voar e disparar rajadas de energia).

Tá, pensa comigo: o que qualquer ser humano normal e racional iria esperar de um filme baseado em "Street Fighter 2", principalmente se este ser humano normal e racional tivesse jogado "Street Fighter 2" pelo menos uma vez na vida?


No mínimo, muita porrada e lutas pra lá de exageradas (o orçamento de 35 milhões era uma fortuna na época), e que as cenas de ação não deixassem de lado os poderes especiais dos personagens e as suas características, certo?

Certíssimo! Inclusive eu, se fosse roteirista de um filme sobre "Street Fighter 2", nem iria inventar muito: manteria a idéia de um campeonato mundial de briga de rua, manteria a idéia de que alguns personagens seriam vencidos ao longo do caminho (e sumiriam da trama), e até colocaria uma cena em que lutadores destruíssem um carro na pancada, em homenagem a um dos mais populares estágios de bônus do jogo.


Enfim, qualquer diretor-roteirista minimamente consciente do material que tinha nas mãos iria torrar metade desses 35 milhões de dólares contratando coreógrafos de Hong-Kong, da Coréia, da Tailândia e do Japão para cuidarem das cenas de luta, certo? Certíssimo!

Então agora eu pergunto: no que exatamente pensavam os coiós que fizeram essa bomba se não tiveram nenhuma dessas idéias tão básicas que estão sendo jogadas ao léu aqui, num blog chamado FILMES PARA DOIDOS?

Enfim, eu não sei no que eles pensavam (e provavelmente NÃO pensavam), mas STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA consegue a façanha de ser uma adaptação de game de luta... hã... SEM lutas!!!


Se no jogo os personagens principais são os karatekas Ken e Ryu, no filme a honra coube ao militar Guile (coronel aqui, capitão no fliperama), interpretado pelo belga Jean-Claude Van Damme em sua escalada ao posto de astro do cinema de ação.

Van Damme é a primeira escolha equivocada do elenco, já que fisicamente não se parece nada com Guile, nem sequer pensou em cultivar uma cabeleira parecida com a do personagem. Dolph Lundgren seria uma opção muito mais acertada, enquanto Van Damme talvez pudesse ser encaixado como Ken.


No roteiro escrito por De Souza, Guile comanda um pelotão das Nações Aliadas (uma ONU fictícia) enviado ao igualmente fictício país asiático de Shadaloo para enfrentar o general M. Bison, um louco ditador que aprisionou diversos cidadãos norte-americanos, e que exige um resgate absurdo de 20 bilhões de dólares para livrá-los da execução.

Se Van Damme é a primeira escolha equivocada do elenco, certamente não é a última e nem a maior. Essa "honra" cabe ao porto-riquenho Raul Julia como M. Bison, o GRANDE VILÃO de um filme de pancadaria, logo ele que sempre foi baixinho e raquítico!


Inclusive o pobre Raul morreu poucos meses depois das filmagens por complicações decorrentes do tratamento de câncer no estômago. É até indigno, para um ótimo ator como Raul Julia, despedir-se do cinema com um filme tão ruim quanto STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA (se não tivesse batido as botas, ele faria o papel de Joaquim de Almeida em "A Balada do Pistoleiro", de Robert Rodriguez, uma despedida bem melhor, por assim dizer).

Pois enquanto no jogo de videogame M. Bison é um vilão gigantesco e ameaçador, com porte e músculos de respeito, no filme o personagem não passa de uma caricatura. Não dá nem para esconder como o ator estava doente, magro, "seco". Sua roupa parece até ter enchimentos para tentar dar-lhe um pouco mais de músculos e "tamanho", mas não adianta: o M. Bison cinematográfico é um vilão patético, digno de pena até.


Só que "Street Fighter 2" não era apenas sobre Guile e Bison, e De Souza sabia que precisaria colocar todos os outros personagens no filme também, caso contrário os fãs do game iriam chiar.

O problema foi a forma que ele escolheu para fazer isso...

No jogo, todos os oito lutadores têm seus próprios motivos para participar do torneio de briga de rua e vingar-se do ditador Bison.


OK, então se eu fizesse um filme sobre "Street Fighter 2", simplesmente usaria uns flashbacks de no máximo três minutos para demonstrar o passado e as intenções de cada um, sem enrolar muito, partindo direto para a pancadaria.

Afinal, ninguém iria ao cinema ver um filme sobre "Street Fighter 2" esperando um grande roteiro ou muito tempo perdido com "desenvolvimento de personagens", não é verdade? Bem, acredite se quiser, foi EXATAMENTE ISSO que De Souza fez: gastou o tempo das lutas tentando contar uma história mirabolante e desenvolvendo os personagens! E olha que estamos falando do mesmo sujeito que escreveu "Comando para Matar", caramba!


De Souza perde um tempão introduzindo cada personagem e dando-lhe um "background" elaborado, como se, de repente, "Street Fighter 2" fosse Shakespeare, e não um simples joguinho de pancadaria. E além dos personagens originais, sabe-se lá porque ele resolveu introduzir também três lutadores de uma versão posterior (Cammy, Dee Jay e T. Hawk, de "Super Street Fighter II", lançado em 1993), e ainda criar um personagem totalmente novo exclusivamente para o filme (o capitão Sawada)!

É aí que os problemas se acumulam de vez. Pô, é gente demais para filme de menos! Se tivéssemos apenas uma sequência de lutas, como todo fã do game esperava, talvez funcionasse. Mas como esse montão de gente aparece e fala pra caramba, não demora nadinha para o filme ficar chato e enrolado.


Além disso, com muita gente para apresentar em pouco tempo, o desenvolvimento de personagens é quase nulo. Quem nunca jogou "Street Fighter 2" vai ficar boiando sobre quem são aquelas pessoas e quais são as suas motivações, até porque o roteiro é muito, mas muito fraco.

Não bastassem todos esses erros, o maior problema de STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA é que o diretor-roteirista De Souza parece nunca ter gastado uma única ficha jogando "Street Fighter 2". Os personagens que ele escreveu para o filme só têm o nome dos personagens do jogo, no máximo o figurino parecido. Fora isso, são completamente diferentes em habilidades, motivações e até importância na trama.


Alguém em sã consciência saberia explicar, por exemplo, por que Dee Jay e Zangief (do time dos heróis no game) aparecem no filme como capangas do vilão Bison, enquanto Balrog, que no jogo é vilão, aparece como um dos mocinhos?

Alguém saberia dizer quem foi o cabeça-de-bagre que inventou um Dhalsim cientista, que em nada lembra sua versão no jogo (e nem estica os braços e pernas, características fundamentais do personagem do fliperama)? E quem foi que transformou o japonês lutador de sumô E. Honda em um balofo samoano?


Aliás, se Raul Julia como M. Bison já era piada de mau gosto, o que dizer do baixinho e mirradinho Wes Studi como Sagat, que é um gigante de quase dois metros em "Street Fighter 2"? Será que os caras que escolheram o elenco deram pelo menos uma olhada no jogo, ou simplesmente fizeram "uni-duni-tê" para decidir quem interpretaria cada personagem?

Os únicos personagens do filme bem parecidos com suas versões digitais são Zangief (interpretado pelo futuro Leatherface do remake de 2003, Andrew Bryniarski) e Vega (Jay Tavare). E enquanto esse segundo tem uma luta interessante contra Ryu, o pobre gigante russo é reduzido a alívio cômico, e completamente desperdiçado.


O mesmo pode-se dizer de Ryu e Ken (lembre-se, eles eram os personagens principais do jogo) e do pobre Blanka, o monstruoso lutador brasileiro, cuja origem (argh!) é explicada aqui.

(Chega a ser irônica a falta de respeito dos realizadores com os personagens porque eles se dão ao trabalho de citar CENÁRIOS do game o tempo todo, então obviamente tinham certa familiaridade com o assunto...)

E por falar em "explicar", o roteiro de STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA teima em não assumir-se como a aventura absurda que é; pelo contrário, De Souza tenta explicar tudinho de maneira racional e quase científica, do surgimento do monstrengo Blanka aos poderes "sobrenaturais" de Bison (o vilão chega a dar uma aula de física para Guile, dizendo que usa propulsores magnéticos semelhantes aos que impulsionam o trem-bala no Japão!!!). Até mesmo a "ressurreição" de Bison após o nocaute é justificada graças à aparelhagem de suporte de vida que o ditador veste sob o uniforme!


Se já não bastassem tantos problemas, imbecilidades e equívocos, STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA afunda de vez quando, depois de looooongos minutos de bla-bla-bla, finalmente chega às cenas de ação.

(Sempre lembrando que você está adaptando um jogo de luta, e teoricamente só precisaria mostrar uma pancadaria a cada cinco minutos que tudo estaria perfeito!)

Pois nessa bomba atômica baseada num game de LUTA, os personagens raramente lutam entre si, preferindo dar porrada em vilões secundários (anônimos capangas de Bison e Sagat, por exemplo). E quando finalmente se pegam entre eles, as lutas são rápidas e sem interesse, sonolentas até. Me dei ao trabalho de marcar no relógio, e a primeira vez em que um personagem do jogo luta contra outro personagem do jogo acontece APENAS aos 51 minutos, quando Chun Li dá uns tabefes em Bison! Pode?


De Souza desperdiça até os clássicos confrontos Ryu x Vega e Ken x Sagat, e os golpes mais famosos de ambos (o hadouken de Ryu e o shoryuken de Ken) são usados gratuitamente.

Resta, então, o grande confronto entre Guile e Bison, a única coisa próxima de uma luta de verdade que vemos no filme. Pena que ver Van Damme bater em Raul Julia seja como testemunhar alguém batendo num bêbado, ou chutando um cachorro morto, já que o ator porto-riquenho está frágil demais para convencer como um adversário à altura do herói, e não consegue nem ficar de pé direito.

Mas a única coisa boa do filme todo acontece durante essa luta: Guile usando seu flash kick (o popular "facão") duas vezes contra Bison, e de maneira idêntica ao game, como você pode ver nas imagens abaixo! É o mais perto de "Street Fighter 2" que De Souza conseguiu chegar em 102 minutos.


O restante é um desperdício. O personagem de Chun Li é tão apagado que depois tentaram até fazer um filme só com ela ("Street Fighter: A Lenda de Chun-Li", de 2009), mas dizem que o resultado é ainda pior (esse eu nem quis ver). Os personagens de "Super Street Fighter", que à época não eram tão conhecidos quanto os originais, não acrescentam nada: Cammy, que tem maior tempo em cena, é interpretada por Kylie Minogue (ela tinha uma cena de luta com Chun Li que foi cortada!); T. Hawk não fede e nem cheira, e Dee Jay não dá um único golpe o filme todo!

E o nosso pobre representante brasileiro Blanka passa o filme todo aprisionado, e por isso não luta contra nenhum dos personagens principais, muito menos usa seus poderes elétricos do jogo. Uma frustração!


Como escrevi no começo, qualquer idiota saberia fazer um filme minimamente divertido sobre "Street Fighter 2". Bastaria filmar um montão de cenas de luta. Bastaria usar as características e golpes principais dos lutadores, como Dhalsim esticando braços e pernas na hora da porrada (tem um lutador que estica os braços na aventura oriental "O Mestre da Guilhotina Voadora", feito vários anos ANTES do jogo).

Bastaria dar uma atenção especial à coreografia das pancadarias ao invés de ficar mais preocupado com tiroteios e explosões, como Steven De Souza faz nesse filme lamentável.

Para ter uma idéia do que estou falando, comparem com o resultado muito mais positivo desse fan film abaixo, dirigido por Joey Ansah e Owen Trevor, que mostra um combate super-estilizado entre Ryu e Ken, com direito a todos os golpes que os lutadores usam no jogo. Em apenas 3min12s, esse fan film é melhor que o longa de 1994 INTEIRINHO!!!

Uma adaptação decente de "Street Fighter 2"



No ano seguinte (1995), Paul W.S. Anderson fez o filme que STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA deveria ter sido: "Mortal Kombat". E usando exatamente esta estrutura simplíssima do torneio de artes marciais, com uma luta seguida de outra luta. Só frustrou o público por não usar a violência explícita que era a principal característica do jogo. Anderson devia ter adaptado "Street Fighter 2", e não De Souza.

Embora não tenha sido exatamente um fracasso de bilheteria, como o anterior "Super Mario Bros.", STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA CONSEGUIU enfurecer tanto críticos quanto o público. Fãs do jogo não engoliram as mudanças radicais da adaptação cinematográfica, enquanto quem não conhecia o game simplesmente não conseguiu embarcar na proposta do filme, que, por si só, é bem fraquinho.

O resultado negativo arranhou tanto a imagem do outrora promissor diretor-roteirista que sua carreira desceu ladeira abaixo. Ele só dirigiu outro filme em 2000 (uma produção para a TV), e seu último crédito expressivo como roteirista é de 1998 ("Golpe Fulminante", um filme menor do Van Damme)!


Já o astro belga tentou, durante algum tempo, tirar do papel uma continuação direta deste filme, onde, quem sabe, seriam corrigidos os seus principais problemas, como a falta de pancadaria. Existe até uma cena depois dos créditos finais mostrando que Bison não morreu no confronto com Guile e poderia voltar para a revanche, quem sabe interpretado por um ator mais apropriado dessa vez. Mas como o primeiro filme fracassou, a idéia da sequência também morreu na praia.

Por pior que seja (e é realmente MUITO RUIM), pelo menos STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA escapou do título de pior adaptação de videogame de todos os tempos. Afinal, no mesmo ano de 1994, James Yukich conseguiu estragar outro jogo de pancadaria bem simples ao transformá-lo num filme muito, mas muito pior.

É claro que estou falando daquele lixo chamado "Double Dragon", com Robert Patrick, Mark Dacascos, Scott Wolf e Alyssa Milano, que do jogo só tem mesmo o nome.


Tanto STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA quanto "Double Dragon", adaptações de jogos de luta que quase não têm lutas, são argumentos inquestionáveis do quanto os executivos de Hollywood não entendem porra nenhuma de porra nenhuma.

Seria melhor se dessem os 35 milhões para seus filhos fazerem filmes baseados em games, pois eles pelo menos entenderiam um mínimo sobre o assunto.

Aliás, que filme que nada: antes dessem esses milhões para a molecada torrar no fliperama mesmo, um programa muito mais divertido do que suportar essas "adaptações" até o fim...

Trailer de STREET FIGHTER - A ÚLTIMA BATALHA



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Street Fighter (1994, EUA)
Direção: Steven E. de Souza
Elenco: Jean-Claude Van Damme, Raul Julia, Ming-Na,
Damian Chapa, Kylie Minogue, Roshan Seth, Wes Studi,
Byron Mann e Andrew Bryniarski.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

TRON - UMA ODISSÉIA ELETRÔNICA (1982)


Vi o trailer de "Tron Legacy" no cinema esses dias e fiquei duplamente surpreso: primeiro pela idéia maluca de lançar uma sequência quase 30 anos depois do original; segundo porque eu não lembrava de absolutamente nada sobre TRON - UMA ODISSÉIA ELETRÔNICA (o primeiro filme, lançado em 1982), além do fato de ser estrelado por Jeff Bridges e de se passar quase que interamente em um universo virtual.

Assim, foi com um pouco de nostalgia e um muito de curiosidade que revi TRON como ele deveria ser visto pela primeira vez: não naquelas fitas VHS com qualidade de imagem e som sofrível, e imagem cortada dos lados em tela cheia, mas em DVD, com imagem e som cristalinos, e em widescreeen. Isso tudo pareceu deixar o filme melhor do que eu me recordava das velhas reprises na Sessão da Tarde.


E como eu não lembrava de praticamente nada além de um ou outro detalhezinho (como as "motos eletrônicas" disparando velozes pelas grades de circuitos, algo que deverá ficar lindo no novo filme), foi até surpreendente constatar como TRON ainda funciona direitinho, talvez até melhor agora do que na época do seu lançamento.

Afinal, em 1982, quando foi lançado, o computador ainda era um bicho de sete cabeças para a maior parte das pessoas "normais". O conceito de computador pessoal, para você ter e trabalhar em casa, estava começando a surgir, e pouquíssimos possuíam o equipamento em seus lares, como hoje. (Lembro que eu, particularmente, só fui ver um computador de perto, e mexer nele, por volta de 1994!)


A própria programação das máquinas exigia muito conhecimento, pois não existia um ambiente gráfico como o Windows, onde os programas podiam ser acessados através de clicks em ícones coloridos.

Na época, as operações ainda precisavam ser digitadas na máquina através de longas e complicadas linhas de comando, como devem lembrar os idosos como eu, que aprenderam a mexer no DOS ou a programar joguinhos em Basic (onde se digitava um milhão de linhas de comandos para criar um simples jogo-da-velha, e mesmo assim aquilo parecia o máximo!).


Portanto, o público "comum" do começo dos anos 80 deve ter visto TRON como uma história de ficção científica, já que termos como "programa" e "usuário" estavam começando a aparecer. Isso o transforma num filme visionário, ainda mais pela maneira criativa como a direção de arte imaginou o universo digital que existiria dentro de um computador.

A trama tem como protagonista um "adultescente" chamado Flynn (Jeff Bridges), brilhante programador de jogos de computador que trabalhava para uma poderosa multinacional chamada Encom, até ter seus projetos roubados por um inescrupuloso executivo chamado Ed Dillinger (David Warner). Enquanto o plagiador virou o poderoso da empresa, Flynn foi demitido e passou a administrar um pequeno fliperama.


Porém, nos bastidores, o herói age como hacker, tentando invadir os computadores da Encom para encontrar provas de que Dillinger roubou suas ideias, e assim desmascará-lo e recuperar seu antigo emprego.

Só que Dillinger também é o responsável por um super-programa de computador que acabou criando consciência, o Master Control Program, ou MCP - uma espécie de avô do Skynet da série "Terminator" e das máquinas inteligentes da trilogia "Matrix", e quem sabe um parente próximo do HAL-9000 de "2001".


Ao mesmo tempo em que pensa em dominar o "mundo real", fazendo contatos com a Rússia e com a China (lembre-se que estamos em tempos de Guerra Fria), o MCP também é tirano no ambiente digital, onde escraviza programas de computador, forçando-os a lutar até a morte em videogames.

Quando Flynn invade a sede da Encom e tem acesso a um terminal interno, o Programa Mestre resolve livrar-se dele, "digitalizando-o", com a ajuda de um equipamento ainda em fase de testes, e aprisionando-o dentro do universo digital, onde ele também se tornará um escravo nos jogos de videogame.


O que a máquina não sabe é que Flynn é um craque em jogos eletrônicos, e ele logo consegue escapar do ambiente dos games para tentar iniciar uma revolução digital e destruir o MCP "por dentro". Para isso, conta com a ajuda de um programa de segurança chamado Tron (Bruce Boxleitner).

Não é exagero dizer que TRON foi o "Avatar" da sua geração. A maior parte da trama se passa em cenários gerados por computador, que continuam bonitos e convincentes até hoje, e que também ganharam, agora, um certo charme retrô (o menu animado do DVD do filme é mais "avançado" que o filme inteiro, para dar uma ideia!).


Por mais que o filme tenha alguns defeitos bem básicos - como os personagens sem profundidade e a falta de cenas de ação convincentes -, percebe-se o capricho de todos os envolvidos para criar um universo com regras, paisagens e criaturas próprias, não muito diferente do que James Cameron fez com "Avatar".

As próprias críticas da época destacam mais o lado tecnológico e os efeitos visuais (diferentes de tudo que foi visto até então), falando pouquíssimo sobre a trama ou sobre o desempenho dos atores.


Mais ou menos como aconteceu há pouco com "Avatar", críticos como Roger Ebert disseram, sobre TRON, que os atores realmente pareciam estar vivendo dentro daquele mundo fictício, e não simplesmente cercados por efeitos de computador.

Finalmente, TRON também divide com "Avatar" a trama do sujeito que vai parar num mundo completamente diferente do seu e precisa conhecer seus habitantes e costumes para sobreviver e combater a "tirania" dos vilões.


A isso, soma-se um curioso elemento religioso que posteriormente seria reutilizado em "Matrix": os programas aprisionados no universo digital veneram seus usuários do mundo real como se eles fossem deuses (afinal, são os usuários que decidem o destino dos programas através de suas ações digitadas no computador). Já o MCP e seus asseclas negam qualquer possibilidade de existência dos "usuários" para tentar manter os programas sob controle.

Tron e sua turma acreditam que somente um dos usuários (uma espécie de Messias) poderá libertá-los dos vilões, algo que acontece quando alguém do mundo exterior (Flynn) finalmente chega ao mundo digital, mais ou menos como Neo na "Matrix".


Méritos também para a idéia de seres conscientes (os "programas" aprisionados pelo MCP) sendo usados em jogos de videogame, sentindo dor e morrendo enquanto os humanos se divertem nos fliperamas. Muita gente deve ter começado a jogar videogame com outros olhos.

(E esse conceito seria reaproveitado muitos anos depois em um estranho filme francês chamado "Nirvana", com Christopher Lambert.)

Porém o mais impressionante de TRON é o pioneirismo no uso de imagens geradas por computador, numa época em que isso ainda era coisa de ficção científica.


Vendo o documentário que acompanha o DVD importado, é impossível não ficar de queixo caído com o trabalhão que os caras tiveram para fazer esse filme.

Só para dar uma idéia, todas as cenas dentro do universo digital foram filmadas em preto-e-branco e depois coloridas manualmente, através de retoques fotográficos (quadro a quadro!) e de efeitos de rotoscopia, para inserção dos cenários digitais.


TRON foi, provavelmente, um dos primeiros filmes em que os atores "interpretaram com o nada", olhando para um pontinho que depois viria a ser um personagem digital na pós-produção - algo que o próprio Jeff Bridges comenta no mesmo documentário, dizendo que eles não tinham a menor idéia de como o filme se pareceria depois da inserção dos efeitos em CGI.

Assim fica até fácil perdoar defeitos como a precariedade das cenas de ação. No final, por exemplo, Tron precisa jogar um disco eletrônico com informações (tipo um frisbee) no núcleo do MCP para desativá-lo.

Podia render uma cena tensa no mesmo estilo da destruição da Estrela da Morte no final de "Star Wars" (lançado apenas cinco anos antes), mas ficou uma coisa bem rápida e brochante, provavelmente pela falta de experiência dos realizadores em "dirigir" uma cena que depois seria montada quase inteiramente com efeitos digitais.


A verdade é que quase não há ação/tensão em TRON, simplesmente porque todas as cenas no universo digital precisaram ser filmadas com câmera fixa (para permitir a inserção das trucagens fotográficas/digitais depois; lembre-se que ninguém tinha muita idéia do que estava fazendo lá em 1982!).

Mesmo assim, há um momento brilhante que eu adoraria ver em 3-D (o que deve acontecer agora, com "Tron Legacy"): a corrida das motos eletrônicas. Os veículos disparam velozes deixando rastros sólidos no grid, mais ou menos como aquele joguinho de celular da cobra que precisa desviar do próprio rabo. O objetivo é "fechar" o adversário para fazer com que ele bata no rastro da sua moto. Só essa cena já vale o filme inteiro, e pode ser vista (ou revista) na janelinha abaixo:

Motocross do futuro



Como todo filme à frente do seu tempo, TRON tornou-se "cult movie" depois, principalmente graças aos nerds e viciados em computador, mas foi um fracasso de bilheteria quando lançado.

Para dar uma idéia, o filme custou 17 milhões de dólares, e faturou "apenas" 33 milhões nos cinemas norte-americanos, bem aquém do que os produtores esperavam.

(É bom esclarecer que TRON foi um filme caríssimo para a sua época, tendo custado o mesmo que "Os Caçadores da Arca Perdida", lançado no ano anterior, só que o filme de Spielberg teve bilheteria de 245 milhões de dólares lá nos EUA!)


Ainda no documentário sobre o filme, um executivo dos Estúdios Disney (que produziu TRON) confessa que ninguém entendeu direito o projeto quando deram sinal verde para sua realização, mas que era uma forma de afastar a imagem de "velha e ultrapassada" que a Disney tinha na época.

E, mesmo que o filme ficasse ruim, os produtores já ganhariam uma grana federal só com os direitos sobre as máquinas de fliperama baseadas nele - o que de fato acabou acontecendo.

Que bom que, hoje, a tecnologia do DVD (e do blu-ray) permite rever TRON - UMA ODISSÉIA ELETRÔNICA com outros olhos. No caso, olhos já acostumados à tecnologia, que entendem melhor os termos técnicos usados pelos personagens e também suas ações no mundo digital. Quem diria, aquilo que era ficção científica no começo dos anos 80 hoje é tão comum que até seu sobrinho de 10 anos sabe mais sobre informática do que você!


Independente disso, TRON ainda é um filme bem interessante e divertido, no qual envolveram-se alguns dos grandes talentos daquela época (música de Wendy Carlos, arte conceitual de Moebius), e também iniciantes que revelariam seu talento anos depois (Tim Burton foi um dos anônimos animadores que deram vida ao mundo digital).

Agora é esperar para ver o que virá com "Tron Legacy". Acho difícil que o filme consiga ser tão revolucionário e inovador quanto o original foi na sua época, ainda mais nestes tempos em que é tão difícil algo realmente novo ser produzido. Pelo menos os efeitos digitais devem ter sido bem facinhos de fazer, em comparação com o trabalho braçal dos realizadores lá em 1982...


Mas se a continuação dificilmente deixará de ser algo apenas divertido para a atual geração de frequentadores de "multiplexes", o original, por outro lado, definitivamente já pode ser considerado profético.

Não só pela sua visão de um mundo digital onde usuários interagem e trocam informações (bem parecido com a atual internet), mas também pela frase de um dos personagens no mundo "humano" do filme: "Computadores e programas vão começar a pensar enquanto as pessoas vão parar de fazê-lo".

E não é que foi isso mesmo que aconteceu?


PS 1: Como vários "pioneiros", o diretor Steven Lisberger nunca mais fez nada como TRON. Na verdade, dirigiu apenas outros dois filmes, bem mais simples, e sumiu do mapa, parecido com o que aconteceu a outros dois "visionários" da união cinema-computação gráfica, Brett Leonard ("O Passageiro do Futuro", 1992) e Kerry Conran ("Capitão Sky e o Mundo do Amanhã", 2004).

PS 2: Num universo digital predominantemente masculino, vale destacar a presença das curvas maravilhosas da loirinha Cindy Morgan, a única menina do filme. Poucos devem lembrar, mas a gata mostrou seus "atributos peitorais", por assim dizer, na comédia "Clube dos Pilantras", dois anos antes.

PS 3: O IMDB informa que Michael Dudikoff, o "American Ninja" em pessoa, é um dos figurantes do filme, mas não consegui ver ninguém nem ao menos parecido com ele. Terá ficado no chão da sala de edição?

Trailer de TRON - UMA ODISSÉIA ELETRÔNICA



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Tron - Uma Odisséia Eletrônica
(Tron, 1982, EUA)

Direção: Steven Lisberger
Elenco: Jeff Bridges, Bruce Boxleitner, David
Warner, Cindy Morgan, Barnard Hughes, Dan
Shor e Peter Jurasik.