WebsiteVoice

Mostrando postagens com marcador Chuck Connors. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Chuck Connors. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

APERTEM OS CINTOS... O PILOTO SUMIU! 2ª PARTE (1982)


"Ted, eu tenho a estranha sensação de que já passamos por isso tudo antes", diz Elaine Dickinson, a aeromoça interpretada por Julie Hagerty, lá pela metade de APERTEM OS CINTOS... O PILOTO SUMIU! 2ª PARTE, quando seu eterno par romântico Ted Striker (Robert Hays) é obrigado a assumir o posto de piloto de uma aeronave depois da morte da tripulação - mais ou menos como já havia acontecido em "Apertem os Cintos... Parte 1"!

É possível que tenha sido apenas mais uma piada dos realizadores dessa sequência, filmada e lançada apenas dois anos depois do sucesso do original. Mas o diálogo de Elaine/Julie também pode ser encarado como uma honesta auto-crítica, como se os realizadores e intérpretes da continuação tivessem noção de que não estão fazendo nada de diferente além de trocar um avião por um ônibus espacial, mas repetindo as situações (e piadas) do primeiro filme.


Inicialmente, roteiro e direção de APERTEM OS CINTOS... 2ª PARTE (subtitulado, no original, "The Sequel", ou "A Sequência") foram oferecidos aos mesmos responsáveis pelo primeiro, o famoso Trio ZAZ - formado por Jim Abrahams e pelos irmãos David e Jerry Zucker. Mas eles recusaram a proposta, alegando que já tinham esgotado todas as piadas com cinema-catástrofe e aeronaves em perigo no primeiro filme, e não teriam nada de novo para mostrar (ou com que brincar).

Assim, o estúdio responsável por "Apertem os Cintos..." (Paramount) resolveu contratar um diretor-roteirista genérico qualquer para imitar o Trio ZAZ, acreditando que uma sequência ainda teria potencial para arrecadar alguns milhões de dólares nas bilheterias. O escolhido foi o canadense Ken Finkleman, um nome de pouca expressão que, até aquele momento, havia escrito o roteiro de uma outra continuação, "Grease 2".


Sabendo que tinha uma batata quente nas mãos, já que o primeiro "Apertem os Cintos..." tinha sido um grande sucesso de público E de crítica, Finkleman se acomodou numa zona de conforto e resolveu não inventar muito, basicamente apenas reciclando as piadas que já tinham funcionado no original, e até resgatando a maioria dos seus personagens, já que "em time que está ganhando não se mexe".

A tática nem sempre funciona, e a sensação é de se estar ouvindo a mesma piada pela segunda vez, só que agora contada por alguém que não sabe contar piadas direito. E embora continue explorando os clichês dos filmes-catástrofe tipo "Aeroporto", APERTEM OS CINTOS... 2ª PARTE muda o alvo da sátira para outra direção: os filmes de ficção científica.


No início, um letreiro que "sobe" pela tela, da mesma maneira que os letreiros iniciais da série "Star Wars", explica que estamos no futuro, que a humanidade começou a colonizar a Lua e prepara o primeiro lançamento de um voo comercial para o satélite natural da Terra - o ônibus espacial Mayflower I.

Não demora para a história contada pelo letreiro se transformar numa narrativa pornográfica barata, que é interrompida quando o próprio ônibus espacial cruza a tela e despedaça o letreiro como se tivesse atravessado uma placa de vidro. Engraçadinho...


A partir de então, desenrola-se a sequência de créditos iniciais ao som da clássica música-tema de Elmer Bernstein, bombardeando o espectador com uma verdadeira saraivada de piadas diversas, como acontecia no original: tem aparelho de raio-X do aeroporto que mostra mulheres sem roupa, uma mãe que despacha seu bebê de colo para o compartimento de bagagens da aeronave, e até uma mulher que vai ao balcão de informações do aeroporto perguntar se deve fingir os seus orgasmos!

Finkleman está tão ansioso em mostrar serviço que brinca até com a morte de diversos inocentes, quando uma turma de estudantes vai visitar a torre de comando do aeroporto e um moleque confunde o computador que ajuda um ônibus espacial a aterrissar com um videogame, explodindo a nave em pleno ar!


Logo o espectador descobre que Ted Striker, o herói do primeiro filme, foi promovido a piloto de testes do tal ônibus espacial que vai para a Lua, mas sofreu um novo colapso nervoso depois de uma aterrissagem que deu errado. Ted alegava problemas com o equipamento da nave, mas foi julgado e condenado a internação num manicômio cujo nome é uma "homenagem" ao ex-presidente norte-americano Ronald Reagan.

Já sua amada, a aeromoça Elaine, foi promovida a técnica de computadores e encontrou um novo amor no piloto espacial almofadinha Simon (Chad Everett), com quem fará a viagem lunar. Ambos já estão com o casamento agendado para a volta.


É claro que Striker tinha razão sobre os problemas técnicos do Mayflower. E, ao saber que a aeronave fará sua viagem inaugural para o espaço, ele resolve fugir do hospício e arrumar um lugarzinho no voo, para poder estar por perto caso algo aconteça - as passagens já estão esgotadas, mas Ted consegue a sua facilmente com um cambista no próprio aeroporto!

Do time original, também volta o Capitão Oveur (Peter Graves), agora promovido a piloto de ônibus espacial, talvez numa brincadeira com o personagem de George Kennedy na série "Aeroporto", que sempre era promovido de um filme para o outro, conforme a necessidade de ele aparecer. Oveur continua com uma atração irresistível por garotinhos, e faz aquelas mesmas perguntinhas impertinentes a um garoto que visita o cockpit da nave, como acontecia em "Apertem os Cintos...".


Vários passageiros do filme original retornam para uma nova viagem fadada ao desastre, e interpretados pelos mesmos atores. Alguns reprisam seus papéis apenas na cena do julgamento de Striker, quando são chamados a testemunhar sobre os eventos ocorridos em "Apertem os Cintos..." - tipo a mulher histérica que precisa ser contida a tabefes (Lee Bryant), algo que se repete em pleno tribunal, e o negro que só fala por meio de gírias incompreensíveis (Al White).

Os hare-krishnas que estavam no avião no filme original também reaparecem, mas não chegam a participar da "tragédia" dessa vez: eles ficam em terra, no balcão da sua nova empresa aérea chamada "Transcedental Air"!

Como passageiros do voo em perigo, temos uma família em que o marido está fugindo acusado de estupro, e que viaja com a esposa, o filho pequeno e o cachorrinho de estimação; um padre sem-vergonha; uma ninfomaníaca que usa a tragédia iminente como desculpa para transar com todos os demais passageiros, e um casal de velhotes que já tinha aparecido no primeiro filme.


Quando o Mayflower entra em órbita, a suspeita de Striker se confirma: o computador de bordo, ROK 9000 (provavelmente um parente distante do HAL 9000, de "2001 - Uma Odisseia no Espaço", e que fala com a voz do próprio diretor Finkleman), enlouquece e assume o controle da nave, mudando o curso para enviá-la diretamente para o Sol. Os tripulantes tentam deter a ameaça computadorizada, mas ROK se livra dos humanos fazendo com que sejam sugados para o espaço, ou então envenenando-os com gás tóxico.

Aí sobra para Ted Striker o desafio de salvar a pátria mais uma vez. Para isso, ele precisa não apenas lutar contra o computador e retomar o controle da nave, mas também lidar com uma ameaça de bomba, já que um dos passageiros, Joe Seluchi (interpretado por Sonny Bono), pretende explodir o ônibus espacial no ar para que sua esposa ganhe o dinheiro do seguro (uma citação direta a "Aeroporto", inclusive repetindo alguns dos diálogos daquele filme).


No momento em que a nave perde sua tripulação, retornam também os controladores de voo de "Apertem os Cintos...", Steve McCroskey (Lloyd Bridges) e o hilário Johnny (Stephen Stucker), aqui inexplicavelmente rebatizado como Jacobs - e em papel-duplo, já que ele também aparece na cena do tribunal como um personagem diferente.

Só que a "jurisdição" da equipe acaba na Terra, e eles logo passam a bola para o comandante da base lunar de Alfa Beta, Buck Murdock (William Shatner!!!), que voou com Striker na trágica missão de guerra em Macho Grande (!!!). Murdock precisa esquecer o rancor para ajudá-lo a pousar a nave, e é uma cópia mal-disfarçada do Rex Kramer interpretado por Robert Stack no original, já que o veterano ator provavelmente recusou-se a voltar na sequência.


Quem melhor definiu APERTEM OS CINTOS... 2ª PARTE foi o crítico de cinema norte-americano Roger Ebert, ao dizer que em nenhum momento realmente importa o fato de o filme se passar num espaçonave, pois todas as situações envolvendo tripulantes e passageiros são idênticas às de um avião comercial - e, neste caso, idênticas àquelas já mostradas em "Apertem os Cintos... Parte 1".

Parece até que o diretor-roteirista Finkleman não estava à vontade para tentar criar algo novo, repetindo a maioria das piadas, como as coisas jogadas para fora do quadro que são atiradas de volta, o "drinking problem" de Striker e até a cena em que ele conta uma história do seu passado para uma velhinha e ela aparece morta no final da narrativa - detalhe: é a MESMA ATRIZ (Ann Nelson) que se suicida após ouvir a história do protagonista na Parte 1!


Finkleman também cai na mesma armadilha que muitos imitadores do Trio ZAZ caem até hoje: piadas com outros filmes que só fazem sentido caso o espectador tenha visto estes filmes. A brincadeira com E.T. ligando para casa até que é fácil de entender, mas e quando Striker foge do manicômio escondido num caminhão carregado com vagens gigantes, numa citação a "Vampiros de Almas" (1956)?

E se a aparição de Shatner como comandante da base lunar é uma óbvia referência a "Jornada nas Estrelas" (a nave Enterprise até faz uma participação especial!), pouquíssima gente vai pescar a mesma homenagem a "Battlestar Galactica" - a trilha sonora da série toca no filme, e o navegador da Mayflower é interpretado por Kent McCord, o Capitão Troy do seriado "Galactica 1980". Ou a participação de Raymond Burr como juiz (só a turma das antigas vai reconhecer o ator que fazia o famoso advogado Perry Manson, no seriado dos anos 1950-60).


Abrahams e os Zuckers também brincaram com filmes de sucesso em "Apertem os Cintos...", mas a diferença lá era que você não precisava saber de onde vinham as citações para rir da piada. Quando eles bagunçaram a cena da discoteca de "Os Embalos de Sábado à Noite", por exemplo, muita gente riu porque entendeu a referência e tinha visto o filme do Travolta, mas outros tantos riram apenas porque Robert Hays dançava de um jeito engraçado (eu inclusive, pois só fui ver "Os Embalos de Sábado à Noite" recentemente).

Já Finkleman, como muitos outros "diretores de sátiras" que viriam depois (tipo os Irmãos Wayans, da série "Todo Mundo em Pânico"), condicionam a graça das brincadeiras a conhecer/ter visto os filmes satirizados. Eis o problema: ninguém vai abrir sequer um sorriso amarelo com o computador ROK 9000 caso não tenha visto "2001", por exemplo.

(Menos mal que ele foi visionário e colocou, no fundo de uma cena, o pôster de cinema de "Rocky 38", com a imagem de um lutador bem velhinho. Aposto que ninguém na época imaginou que Stallone faria "Rocky Balboa" aos 60 anos!)


O diretor-roteirista sai-se bem melhor quando esquece as referências específicas e brinca com os clichês do cinema de ficção científica em geral, e aí até se aproxima um pouco do que o Trio ZAZ fez no original. Uma piada que me provoca risadas a cada revisão é a das portas acionadas por voz da estação de Alfa Beta: os personagens simplesmente fazem "shhhh" para abrir as portas, já que esse é o som que elas emitem no processo de abrir e fechar!

Outra piada genial é aquela em que um dos técnicos da equipe de Murdock informa que eles ainda não descobriram qual é a utilidade de um aparelho enorme com luzes vermelhas piscantes. O comandante dá um esporro: "Deve ter alguma função! O Governo não gastaria milhões numa luz vermelha que vai e volta! Continuem trabalhando nisso". Pois o tal aparelho era um objeto de cena bastante popular em seriados de TV e filmes de ficção científica da época, e apareceu inclusive em "Jornada nas Estrelas II - A Ira de Khan" e "O Último Guerreiro das Estrelas", sem que sua função fosse explicada em nenhum deles!


Como já acontecia em "Apertem os Cintos...", várias piadas desta sequência envolvem trocadilhos intraduzíveis, que só serão compreendidos por quem tem uma mínima noção de inglês. Quem se guiar pelas legendas em português do DVD (ou mesmo pela velha dublagem da TV) nunca vai entender porque Murdock pede a "ficha pessoal" de Striker e recebe um disco gravado por ele (em inglês, a palavra "record" pode ser tanto a ficha da pessoa quanto gravação, ou disco).

Eu mesmo nunca entendi porque, quando Murdock diz que o ônibus espacial precisa pousar em segurança, aparece um cofre caindo do céu no fundo da cena, até rever o filme recentemente e perceber que Murdock usa a expressão "down safe" - e, em inglês, "safe" não significa apenas "em segurança", mas também "cofre", numa gag visual extremamente débil-mental!


Também se perde na tradução a piada em que Striker passa por uma porta no interior da Mayflower que diz "Danger: Vacuum". Obviamente, a placa parece estar se referindo ao vácuo espacial; mas, quando Striker abre a porta, é atacado por um aspirador de pó, que em inglês se chama "vacuum cleaner"!

Por fim, entre diversos outros trocadilhos, a pequena participação (sem ironia) do anão Hervé Villechaize (o Tattoo do velho seriado "Ilha da Fantasia") fica sem sentido nas legendas/dublagem, pois ele surge depois que uma das aeromoças diz "I sure can use a little breather". A tradução literal é "Preciso parar para respirar um pouco", mas claro que, neste caso, a expressão em inglês "little breather" também pode se referir ao anão, mas fica impossível adaptá-la para o português (só se fizessem um trocadilho besta tipo "ah não"!).


Além dessas gags de duplo sentido, há uma cacetada de diálogos intraduzíveis, na linha daquela conversa entre tripulantes chamados Oveur, Roger e Victor no original. Um deles envolve, novamente, uma conversa entre os pilotos da Mayflower, cujos sobrenomes são Oveur, Dunn e Unger. Só que trocadilhos como "Dunn was under Oveur and I was under Dunn" e "You were under Oveur and over Unger" não fazem sentido na tradução - tanto que o responsável pelas legendas/dublagem nem se preocupou em fazer a mínima adaptação e deixou rolar de qualquer jeito.


O mesmo acontece com o diálogo entre o promotor e uma testemunha no julgamento de Striker, que também perde completamente a graça em outro idioma. Isso porque a testemunha usa algumas palavras em inglês e o promotor retruca citando nomes de pessoas cuja pronúncia é parecida com a das palavras, dessa forma:
- But he couldn't handle it.
- "Buddy" (But he) couldn't handle it? Was Buddy one of your crew?
- Right. Buddy was the bombardier. But it was Striker who couldn't handle it, and he went to pieces.
- "Andy" (And he) went to pieces?
- No. Andy was the navigator. He was all right. Buddy went to pieces. It was awful how he came unglued.
- "Howie" (How he) came unglued?

Por isso, como já havia acontecido em "Apertem os Cintos... Parte 1", este filme deve ter sido um verdadeiro pesadelo para o pessoal que fez a tradução para o português, ou qualquer outro idioma!


Embora seja ligeiramente inferior ao original, APERTEM OS CINTOS... 2ª PARTE continua bastante divertido, principalmente em comparação com as comédias "nonsense" atuais, já que essas não têm graça alguma. Sem contar que é muito legal ver personagens fantásticos como Ted Striker, Elaine e o Capitão Oveur juntos novamente, mesmo que eles tenham poucas piadas novas para contar.

É uma pena que Robert Stack e Leslie Nielsen não tenham voltado junto com o resto da trupe. Finkleman até tentou criar alguns novos personagens para compensar, tipo o "Sargento" interpretado por Chuck Connors, mas sem sucesso. No fim, a melhor "novidade" de APERTEM OS CINTOS... 2ª PARTE é o personagem de William Shatner, parodiando seu famoso Capitão Kirk.

Também é uma pena que o estressado McCroskey de Lloyd Bridges tenha uma participação bem pequena aqui. Numa cena que foi excluída, descobrimos que McCroskey estava internado num hospício (talvez por ter cheirado muita cola no final de "Apertem os Cintos... Parte 1"), porque começou a pensar que era... Lloyd Bridges!


APERTEM OS CINTOS... 2ª PARTE não teve a mesma repercussão do original e nem fez o mesmo sucesso, faturando 27 milhões de dólares nas bilheterias norte-americanas contra os mais de 80 milhões do original. Ken Finkleman só dirigiu mais um filme ("Executivos em Apuros", 1985) e escreveu o roteiro de "Quem é Essa Garota?" para Madonna em 1987. Depois, bandeou-se para a TV, onde está até hoje como diretor, roteirista e ator de seriados tipo "Good Dog" e "The Newsroom".

O Trio ZAZ garantiu, na faixa de comentários do DVD do primeiro filme, que nenhum deles jamais se interessou em ver a continuação, e que teriam até protestado quando o projeto foi anunciado. Já as críticas foram praticamente todas negativas, abortando os planos de realização de um "Airplane 3" pela Paramount!


O curioso é que, depois dos créditos finais dessa Parte 2, aparece até uma chamada anunciando o terceiro filme (acima), seguida de uma cena em que William Shatner, citando Robert Stack no original, diz: "That's exactly what they'll be expecting us to do!".

Eu sempre imaginei que era apenas mais uma piada dos realizadores, tipo Mel Brooks anunciando "A História do Mundo Parte 2" no final da Parte 1, mas a Paramount realmente tinha planos de fazer "Apertem os Cintos... Parte 3"!


Bem, eles poderiam ter economizado dinheiro e relançado "Aeroporto 80 - O Concorde" nos cinemas, apenas trocando o título para "Apertem os Cintos... Parte 3 - O Concorde". Aposto que ninguém perceberia a diferença, e as risadas seriam garantidas - já que as "piadas", neste caso, não são repetidas, e são tão engraçadas quanto as tiradas do Trio ZAZ!

PS 1: As musas do cinema classe B dos anos 80 Laurene Landon, Sandahl Bergman e Monique Gabrielle fazem pequenas participações (essa última mostrando os belos peitos na cena do raio-X do aeroporto, como de costume).

PS 2: Não deixe de ver o divertidíssimo trailer do filme abaixo, que faz piadas citando os atores que NÃO estão no filme e até o uso de óculos 3-D, já que naquela época (começo dos anos 1980) as produções filmadas em três dimensões estavam voltando à moda.


Trailer de APERTEM OS CINTOS... 2ª PARTE



*******************************************************
Airplane II: The Sequel (1982, EUA)
Direção: Ken Finkleman
Elenco: Robert Hayes, Julie Hagerty, Lloyd Bridges,
Peter Graves, Wiliam Shatner, Chuck Connors, Rip Torn,
Chad Everett, Raymond Burr e John Vernon.

sábado, 13 de dezembro de 2008

99 AND 44/100% DEAD (1974)


99 AND 44/100% DEAD é uma daquelas obras anos à frente do seu tempo. Quando foi lançado, em 1974, o filme foi massacrado pela crítica e ignorado pelo público, tornando-se um fiasco de bilheteria e uma mancha na carreira promissora do diretor John Frankenheimer, que só se recuperou do desastre ao concordar em dirigir a seqüência "Operação França 2", no ano seguinte. E não é difícil de entender o espanto de público e crítica: escrito por Robert Dillon (roteirista do excêntrico "A Marca da Brutalidade", com Lee Marvin), é um filme policial narrado em ritmo de paródia, às vezes sério e sombrio, às vezes cômico e absurdo como uma boa história em quadrinhos.

Seus protagonistas são gângsters durões, porém simpáticos, que pensam que atirar desafetos no rio com blocos de concreto nos pés é um trabalho como qualquer outro, e que adoram falar bobagem entre um tiroteio e outro. Enfim, é a idéia básica de "Pulp Fiction", só que 20 anos antes. Mais ou menos como no premiado filme de Tarantino, aqui também temos uma visão cartunesca, caricatural, sobre o mundo do crime. Visão esta que antecede em pelo menos duas décadas o trabalho de Tarantino, Guy Ritchie, Joe Carnahan e outros cineastas contemporâneos que fazem a mesma coisa. Em outras palavras, é um filme incompreendido, que certamente faria o maior sucesso se fosse lançado hoje.


Frankenheimer não é um dos meus diretores prediletos (embora tenha assinado alguns filmaços), e eu confesso que não conheço boa parte da sua filmografia. No caso específico deste filme, nunca encontrei referências que me deixassem curioso para vê-lo, até ler um breve comentário no blog Viver e Morrer no Cinema, do Leandro Caraça, falando justamente sobre a dificuldade para obter uma cópia. Aí resolvi ir atrás, e quem me conseguiu a cópia VHS-Ripada foi o Zebu, do finado blog Boizeblog, pois até na rede é difícil de encontrar o filme para baixar!!!

Enfim, agora, depois de finalmente conferir o polêmico trabalho de Frankenheimer, fico imaginando como os espectadores lá dos anos 70, acostumados a filmes policiais mais sérios e violentos, encararam 99 AND 44/100% DEAD...

A relação com os quadrinhos começa já pelo pôster de cinema, que traz uma artezinha estilizada e a frase de duplo sentido "Todos estão morrendo para conhecer Harry Crown", e segue pelos créditos de abertura, mostrados através de animações com bonequinhos coloridos (cuja arte lembra o trabalho do brasileiro Ziraldo). Em seguida, o espectador é surpreendido com uma introdução maluca que mostra uma dupla de gângsters jogando um inimigo no rio com os pés presos a um bloco de cimento. O homem afunda feito chumbo e, ao atingir o fundo do rio, a câmera mostra dezenas de outros cadáveres na mesma situação, alguns já transformados em esqueletos, ao som de uma musiquinha em tom cômico composta por Henry Mancini, que transforma aquela visão mórbida em piada!


O filme não demora a situar o espectador no universo fantasioso da sua narrativa: há uma grande cidade (não-identificada) sendo disputada pelos chefões de duas quadrilhas rivais, a do "Uncle" Frank Kelly (Edmond O'Brien) e a do jovem e arrogante Big Eddie (Bradford Dillman). Um anda invadindo os negócios do outro, e o conflito entre ambos está se transformando num banho de sangue, com alta contagem de cadáveres. Até que Kelly resolve contratar os serviços de um famoso pistoleiro, Harry Crown (interpretado por Richard Harris, com um corte de cabelo que lembra Michael Caine em "Carter - O Vingador"), para botar ordem na casa.

Crown chega à cidade, reencontra um velho amor, Buffy (Ann Turkel), e logo descobre que a quadrilha de Big Eddie também contratou reforços; neste caso, o matador Marvin "Claw" Zuckerman (Chuck Connors!!!), que, como o nome já diz, tem um gancho numa das mãos - que foi decepada pelo próprio Crown em outra oportunidade, tornando o duelo entre os dois pistoleiros bastante, digamos, "pessoal".

Feitas as apresentações dos personagens, e de quem joga para o lado de quem, pode esquecer qualquer tentativa de acompanhar um roteiro plausível: 99 AND 44/100% DEAD transforma-se num longo conflito entre os gângsters, sem muita história para contar, até chegar ao barulhento tiroteio final. É quase como uma versão adulta de um desenho tipo o do Tom & Jerry - o que fica ainda mais evidente na cena em que um capanga de Big Eddie surge com uma ridícula banana de dinamite fumegante muito parecida com aquelas produzidas pelas "Indústria Acme".


O que se percebe é que, nesta mistura debochada de gêneros e estilos, todos, do diretor aos atores, parecem estar se divertindo horrores. Nunca me esqueço de que tinha um amigo dono de videolocadora que não sabia em qual prateleira guardar a fita do "Pulp Fiction": comédia, policial, drama ou aventura? Ele enfrentaria o mesmo problema com 99 AND 44/100% DEAD: não tem como chegar a um consenso sobre o gênero do filme, que às vezes é comédia (regada a muito humor negro, claro), às vezes é policial sério (com perseguições de carro, tiroteios, emboscadas), e às vezes, ainda, é simplesmente uma bobagem sem pé nem cabeça.

Claro, o mais importante é não levar o filme a sério, como fizeram os críticos e espectadores lá nos anos 70. Afinal, esta é a história de um pistoleiro chamado Harry Crown que usa uns óculos ridículos que lhe dão um ar constrangedor de CDF, mas, sempre que os tira do rosto, é porque vai fuzilar ou quebrar a cara de alguém - e passa de bobão a durão em questão de segundos, graças à ótima interpretação do falecido Richard Harris.

O mesmo Harry Crown anda sempre com duas pistolas automáticas que têm desenhos de flores gravados nas coronhas (!!!), namora uma garota que de dia é professora, e de noite é stripper (!!!), e adota como ajudante um garoto inexperiente que é capanga de "Uncle" Frank. E se o "mocinho" já é fora do convencional, o que dizer do "vilão de filme do 007" personificado por Chuck Connors, que tem diferentes próteses para encaixar na mão que lhe falta, de tesouras e ganchos a saca-rolhas (!!!) e chicotes?


Novamente, fico imaginando os espectadores lá dos anos 70 vendo esse filme esquisitíssimo, principalmente uma cena que se inscreve nos anais do absurdo: Crown foge em disparada pela rua sendo alvejado pelos disparos de um assassino com um rifle de mira telescópica, posicionado no topo de um prédio; finalmente, o herói busca abrigo atrás do carro blindado do seu contratante, Kelly, e, enquanto as balas do "sniper" ricocheteiam na blindagem do veículo, os dois começam a papear normalmente como se nada estivesse acontecendo!

Por essas e por outras, 99 AND 44/100% DEAD definitivamente é um filme que se passa no universo dos quadrinhos ou desenhos animados, e não no mundo real. É um universo absurdo em que dezenas de cadáveres são afundados por gângsters no rio e nunca localizados pela polícia (que, aliás, nunca dá as caras em momento algum da trama); em que há crocodilos nos esgotos (!!!), e ninguém parece estranhar o fato; enfim, um mundo maluco em que todos os gângsters estão o tempo inteiro vestidos com ternos pretos e chapéus, sempre padronizados, como se fossem inimigos de algum antigo jogo de videogame!

Há um charme em toda esta balbúrdia, mas claro que não é para todos os gostos. Trata-se de um autêntico FILME PARA DOIDOS, com um tom estranho de humor negro e um olhar caricatural do mundo dos gângsters, o que, aliás, levou muitos críticos da época a condenarem o diretor Frankenheimer, taxando-o de "sádico" por brincadeiras como a dos cadáveres no fundo do rio - imagine agora o que esse mesmo pessoal diria após assistir "Pulp Fiction" ou "Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes"!!! E isso que o filme de Frankenheimer nem é exatamente violento: apesar dos diversos tiroteios, não se vê uma única gota de sangue.


É uma pena que o fracasso de público e crítica tenha condenado 99 AND 44/100% DEAD a desaparecer na obscuridade. Até hoje, o filme permanece inédito no Brasil, e nos EUA só foi lançado em VHS (nada de uma segunda chance em DVD por enquanto). Continua, também, como uma mancha no currículo de Frankenheimer, sendo dificilmente citado em biografias e perfis do diretor (que, ironicamente, não deixam de fora os filmes verdadeiramente ruins assinados pelo cineasta, como "A Semente do Diabo" e "Amazônia em Chamas").

Talvez ainda demore um pouco, mas tenho certeza que 99 AND 44/100% DEAD um dia vai receber sua merecida segunda chance como o filme divertido que é, especialmente agora que público e crítica já estão mais acostumados com extravagências como esta. E é óbvio que os "novatos" Tarantino, Ritchie e Carnahan teriam muito a aprender com esta pérola esquecida - embora às vezes já pareçam estar copiando-a descaradamente!

PS: Não tente entender o título, que é tão inexplicável quanto o próprio filme. Trata-se de uma brincadeira intraduzível com uma marca de sabonete da época, que anunciava "99 - 44/100% Puro".

****************************************************************
99 and 44/100% Dead (1974, EUA)
Direção: John Frankenheimer
Elenco: Richard Harris, Chuck Connors, Ann
Turkel, Edmond O'Brien, Bradford Dillman, David
Hall, Constance Ford e Karl Lukas.