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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO (1986)


(Esta foi uma das primeiras postagens do FILMES PARA DOIDOS, publicada originalmente há cinco anos, em 11/10/2008. Como ela ainda estava no formato antigo - muito texto e alguns vídeos, sem fotos -, e pensando em quem está chegando agora e não conhece as postagens antigas, resolvi republicá-la em versão revisada e ilustrada. Dedico esta republicação ao amigo Osvaldo Neto, do blog Vá e Veja, já que eu fui o culpado por convertê-lo em fã de Paco Queruak!)

Quando eu era mais novo (não que hoje seja TÃO velho, é claro), KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO era uma espécie de "clássico de infância", que eu adorava ver e rever toda vez que o SBT reprisava na Sessão das Dez ou no Cinema em Casa. Todo mundo tem esses clássicos só seus, às vezes filmes horrorosos, mas que para nós têm certo charme especial. E eu gostava tanto deste que me ressentia de não ter um espaço para escrever um texto sobre ele, que todo mundo pudesse ler - à época, quem poderia imaginar que um dia teríamos a Internet para poder expressar as ideias ao mundo inteiro?


De tão viciado na fita, comecei a usar o pseudônimo do diretor italiano Sergio Martino - que assina este e vários outros filmes como "Martin Dolman" - como se fosse o meu próprio pseudônimo, para escrever contos e postar em fóruns e chats. Até hoje tenho contas de e-mail com este nome, e até hoje continuo fã declarado desta tralha trash.

Assim como eu, muita gente viu o filme nas intermináveis reprises proporcionadas pelo SBT. E, assim como eu, muitos viraram fã desta aventura pobre e divertida. É claro que, revendo hoje, todos temos um olhar mais crítico, e algumas coisas não são mais tão legais quanto eram na infância (quando até cenas de queda-de-braço eram o máximo!). Mas, surpreendentemente, KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO continua uma ótima diversão, na linha "guilty pleasure" (aqueles filmes ruins que adoramos).


Com um excelente elenco de figurinhas carimbadas das produções italianas da época, a participação de John Saxon como o malvadão e muita ação e tiros, além dos tradicionais exageros do cinema italiano, trata-se de um programa obrigatório para quem gosta desse estilo muito peculiar de "arte".

O roteiro, escrito a dez mãos (!!!) por Martino/Dolman, Elisa Briganti, Lewis E. Ciannelli, Ernesto Gastaldi e Dardano Sacchetti, é praticamente uma mistura no liquificador de tudo que se fazia no cinema americano de ação da época (anos 1980), conforme veremos ao longo dessa resenha.


Lançado em 1986, o filme se chama "Mani di Pietra" (Mãos de Pedra) na Itália e "Hands of Steel" (Mãos de Aço) nos EUA - ou seja: muda o país, muda o material das mãos do cara! No Brasil, o título envolvendo a palavra "Exterminador" é uma mera referência ao sucesso de "O Exterminador do Futuro", com Schwarzenegger, dirigido em 1984 pelo americano James Cameron. Entretanto, se fosse seguir a lógica de materiais duros (pedra, aço...) usados nos títulos italiano e americano, KERUAK deveria ser rebatizado como "Mãos de Diamante", "Mãos de Granito" ou "Mãos de Adamantium" por aqui...

Depois, nos sucessivos lançamentos e relançamentos ao redor do mundo, a obra foi ganhando outros nomes cada vez mais estrambólicos, como "Vendetta dal Futuro" (Vingança do Futuro), "Atomic Cyborg" (O Cyborg... pfffff! Atômico!!!) e até "Return of the Terminator", para forçar mesmo uma relação com "O Exterminador do Futuro"!!! Mas vamos à trama.


O forçudo Paco Queruak (e não "Keruak", como foi utilizado no título nacional, talvez porque o tradutor era fã do escritor Jack Kerouac) é um cyborg que um dia foi humano, mas sofreu um acidente e teve que ser reconstruído ciberneticamente. Restou-lhe apenas 30% de humanidade no corpo; os outros 70% foram reconstruídos mecanicamente.

Paco é "interpretado" pelo americano Daniel Greene, basicamente numa imitação do Exterminador de Schwarzenegger, e a trama se passa num "futuro" não muito distante e nunca identificado (1997, segundo algumas fontes), quando a natureza e o meio ambiente foram arruinados pela poluição - isso é apresentado principalmente nos créditos iniciais, com imagens de fábricas despejando fumaça no ambiente e mendigos dormindo na rua, e numa cena posterior em que o herói atravessa uma zona de chuva ácida como se fosse a coisa mais comum do mundo.


Condicionado para ser um "exterminador" (desculpem o trocadilho), Paco foi contratado por uma ambiciosa organização, chefiada pelo maléfico Francis Turner (John Saxon, em pequena participação onde quase sempre aparece ao telefone). A missão: eliminar (ou "exterminar") o líder de um grupo de chatíssimos ecologistas, o reverendo Arthur Mosely (Franco Fantasia, um veterano do western spaghetti).

Pouco antes de cumprir sua missão, o cyborg verifica o horário para ver se está "dentro do cronograma" e o diretor Martino nos brinda com um plano de detalhe do seu fantástico "relógio-futurista" - que, na verdade, é apenas um daqueles velhos relógios digitais de camelô que vinha com calculadora junto (abaixo), que era o máximo de tecnologia lá na década de 80!


Quando está para exterminar (hehehe) o alvo, algo no cérebro do robô assassino (lembranças de quando era humano, talvez?) faz com que ele não atinja o Reverendo mortalmente, apenas apunhale-o no peito com a própria mão (ele é um cyborg com mãos de pedra/aço, esqueceu?). Depois, Paco escapa do edifício cheio de seguranças e policiais, passando por um túnel de alta tensão, até chegar a um também estiloso "carrão futurista", que é basicamente um calhambeque qualquer com um cano prateado colado em cima. Usando este possante carrão, o cyborg foge enfrentando até a tal tempestade de chuva ácida (!!!), que corrói o veículo.

A polícia e o FBI imediatamente iniciam a perseguição ao assassino, mas não estarão sozinhos na jornada. Acontece que a organização que programou o cyborg sabe que se ele cair nas mãos da lei, pode acabar revelando alguma coisa sobre os podres de Turner. Por isso, o figurão envia alguns de seus homens em busca de Queruak no lugar onde ele nasceu - a pequena cidadezinha de Page, no desértico Arizona.


Neste momento, o cyborg vai parar em um bar/motel de beira de estrada chefiado por Linda (Janet Agren, de "Pânico"). Ele decide ficar por lá trabalhando para Linda e protegendo-a dos valentões que aparecem, mais ou menos como uma versão anabolizada do Shane, o pistoleiro do clássico "Os Brutos Também Amam". E olha que valentões não faltam! O pior deles é o caminhoneiro Raul Morales, interpretado pelo "Antropophagous" em pessoa, George Eastman, dublado com um ridículo sotaque mexicano de dar dó (o dublador parece estar imitando o Tony Montana de Al Pacino em "Scarface"!).

O grandalhão Morales se enfurece com a presença de Queruak desde o começo. Bêbado, insiste para que o herói repita a frase "Raul Morales is the strongest", ou "Raul Morales é o mais forte" (e não tem como não rolar de rir com a dublagem desta cena; eu, pelo menos, me divirto até hoje). Com seu olhar intimidador de cyborg (aliás, o único olhar que demonstra o filme inteiro), Paco responde: "You're a looser!" ("Você é um perdedor!"). Pronto, cutucou a onça com vara curta!


Eis que o bar de Linda promove competições de queda de braço (no que eu até pensei que fosse uma referência a "Falcão - O Campeão dos Campeões", aquela bomba estrelada por Stallone, mas este foi feito no ano posterior, em 1987). Raul se acha o mais fortão da região e desafia Paco para uma queda-de-braço. Mas, claro, acaba perdendo uma fortuna quando o cyborg torce seu braço, e aí também entra no time que quer dar o troco no herói.

E como nada está tão ruim que não possa piorar, um assassino profissional europeu infalível chamado Peter Hallo (Claudio Cassinelli, um dos atores preferidos de Martino, que havia estrelado "A Ilha dos Homens-Peixe") é contratado por Turner para dar cabo do robô com mãos de pedra/aço. Será o fim do nosso herói cibernético?


A partir de então, KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO se desenvolve com ação incessante, deixando pouco tempo para o espectador pensar na imbecilidade e na pobreza da coisa toda. Há perseguições de carro, de caminhão, de helicóptero, muitos tiroteios, lutas e mortes. Lá pelas tantas aparece até uma segunda cyborg usada pela organização de Turner, uma loirinha histérica e furiosa que sai na porrada com Queruak mais ou menos como a Pris de "Blade Runner", naquela que definitivamente é a melhor cena do filme (acima).

O final traz um grande duelo como convém a um filme do gênero, numa fábrica abandonada, onde Queruak é cercado por diversos homens de Turner, todos eles vestidos de preto e usando capacetes de motoqueiro (lembrando os vilões de "Fuga do Bronx", de Enzo G. Castellari). Claro que eles não são páreo para o cyborg e acabam sendo exterminados violentamente, em cenas que mostram os efeitos especiais do especialista Sergio Stivaletti - com direito a soco que arrebenta o visor do capacete e o rosto de um dos homens.


KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO é um filme muito divertido e engraçado - desde que se entre no espírito da coisa, claro. Daniel Greene é um péssimo ator (o que ajuda na sua interpretação de cyborg), que parece ter sido escolhido apenas por ser uma montanha de músculos igual a Schwarzenegger (Lou Ferrigno provavelmente era a segunda opção). E a mão do cara é enorme mesmo, o que ajuda o espectador a acreditar no fato de que o cyborg tem as tais "mãos de aço".

Até hoje lembro de cor da frase na capinha da fita lançada no Brasil pela América Vídeo: "Sou o resultado do projeto HOS 1. 70% do meu corpo foi reconstruído. Nível de eficiência: máximo. Características negativas: nenhuma. Poder: MÃOS DE AÇO". E o desenho da capa mostra o musculoso Paco com uma espécie de "Raio-X" de seus braços, mostrando que são cibernéticos - algo que nunca é plenamente exibido em nenhuma cena, talvez devido ao baixíssimo orçamento.

A propósito: como "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão", a indústria de brinquedos Gulliver roubou a arte da capinha do filme para ilustrar as cartelas da sua coleção de bonecos "S.O.S. Commandos", no final dos anos 1980 (veja abaixo a prova do crime).

Participação especial de Keruak nos S.O.S. Commandos!

Embora seja mais conhecido pelos clássicos filmes "giallo" que dirigiu na década de 70, como "Torso" ou "A Cauda do Escorpião", Sergio Martino também é um bom diretor de filmes de aventura feitos com pouca grana (quem viu "A Montanha dos Canibais" e "A Ilha dos Homens-Peixe" sabe disso). Mas um filme como KERUAK realmente precisaria de um cineasta como Enzo G. Castellari para ficar ainda mais divertido e histérico.

Embora Martino até encene alguns momentos em slow motion, à la Castellari, ele na verdade fica completamente perdido ao filmar as cenas de luta. Com uma coreografia pobre (em pelo menos um momento fica evidente que Daniel Greene erra um dos socos cenográficos e seu golpe fica "no vácuo", talvez porque ele e o outro ator não tenham ensaiado o suficiente), e a câmera muito próxima dos atores, as cenas de pauleira são qualquer-nota e pouco memoráveis.


A investigação policial sobre o atentado ao Reverendo lá no começo do filme, comandada por um policial negro e por uma técnica forense chamada Dra. Peckinpah (?!?), também é completamente dispensável e apenas deixa o filme em ponto-morto, atrasando as cenas de ação. E rende um momento simplesmente ridículo, quando o ferimento no peito da vítima é "escaneado" por computador e a máquina revela as possíveis armas utilizadas na agressão: "escultura" (?), "barra de ferro", "peso de papel" (?) e... "MÃO"!

Para compensar estes pontos baixos, o diretor recheia o filme com momentos divertidos pela sua total insanidade, como quando o cyborg disputa uma queda-de-braço com um forçudão chamado Blanco (Darwyn Swalve) em estilo "roleta-russa": o competidor que perder terá sua mão picada por uma cobra cascavel!


A própria pobreza de recursos, dos carros "futuristas" e dos cenários conspira para transformar KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO numa divertida comédia involuntária. É difícil segurar o riso quando John Saxon tenta enfrentar seu cyborg usando um "canhão-laser" que não passa de um tubo preto de plástico com um velho flash de câmera fotográfica colado em cima!

Outros momentos de pobreza constrangedora envolvem o patético laboratório do cientista que criou Queruak (interpretado por Donald O'Brien), e que se resume a meia dúzia de canos prateados e umas luzes coloridas, e a "tecnologia de Atari" (abaixo) do "detector de calor" usado pelo matador Hallo para identificar quantas pessoas estão no interior de um local.


Felizmente, a pobreza não se estende à belíssima trilha sonora do músico nascido no Brasil Claudio Simonetti (aquele mesmo da banda Goblin, que fez as trilhas de "Dawn of the Dead", "Suspiria" e tantos outros clássicos). Pelo contrário, sua trilha poderia muito bem estar num filme melhorzinho, sublinha perfeitamente os momentos de ação e suspense, e é puro anos 80 (ou seja, sintetizadores na potência máxima).

Tanto que na edição 2013 do Fantaspoa (Festival de Cinema Fantástico realizado em Porto Alegre), um dos convidados de honra era o simpaticíssimo Simonetti, que fez seu primeiro concerto no Brasil tocando as trilhas mais famosas do seu repertório. Acompanhando-o na passagem de som, falei do meu apreço pelo seu trabalho em KERUAK e ele improvisou um trechinho da música-tema no teclado (como você pode ver aos 1min40s deste vídeo).


Infelizmente, KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO também marca a despedida definitiva do ator Claudio Cassinelli. Durante as filmagens, ele estava a bordo de um helicóptero que perdeu o controle, chocando-se contra uma ponte e explodindo ao atingir o chão. O ator, que estava com 47 anos, morreu junto com o piloto, antes de concluir sua participação no filme.

E como não havia nenhuma maneira de filmar as cenas restantes de Cassinelli como Peter Hallo, a solução foi matá-lo também no filme! Assim, na versão final improvisada, Turner acusa Hallo de ser fraco por ter falhado em sua missão de matar Queruak, e manda outro de seus capangas atirar num vulto que se aproxima do seu helicóptero - e que, obviamente, não é Cassinelli. Ouvem-se alguns tiros e um grito off-screen, fazendo-nos acreditar que o Hallo foi baleado e morto para poder ser retirado da narrativa (sequência de fotos abaixo).


Claro que o acidente marcou Martino para sempre. Na faixa de comentário do DVD importado de "A Montanha dos Canibais", o diretor comenta o caso: "Um crítico da época escreveu que o filme era tão ruim que não valia a vida de Claudio. Ora, nenhum filme vale a vida de um ator!".

Quem deve respirar aliviado até hoje é John Saxon, já que ele se recusou a filmar qualquer cena nos Estados Unidos e gravou toda a sua participação na Itália. Caso contrário, seguindo o roteiro original, ele estaria junto com Cassinelli no helicóptero naquele dia fatídico!


No fim, em meio à ação, o roteiro de KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO acaba não desenvolvendo sua melhor ideia, e que o posterior "Robocop" (1987) trabalhou de forma muito mais eficiente: quem é Paco Queruak? Será ele uma pessoa reconstruída mecanicamente, ou apenas um cyborg 100% mecânico que foi criado para pensar que é humano?

Durante todo o filme, o espectador é levado a acreditar que apenas os membros do cyborg são biônicos, mas o restante é humano e tem "alma". Só que o final é mais frio e pessimista (e bem interessante, também), embora a história encerre sem explicar o que acontece com o personagem - apenas entra um letreiro absurdo dizendo: "Em algum lugar do nosso futuro próximo, a Era do Cyborg começará". Bleargh!!!


Uma última curiosidade: numa cena (acima), Queruak dá uma conferida nos mecanismos cibernéticos do seu braço, e vemos um plano do ator Daniel Greene olhando para baixo e então um outro plano mostrando um braço parcialmente aberto, exibindo a estrutura mecânica que movimenta a mão e os dedos.

Bem, há quem jure que este último plano não foi filmado pelos italianos: os produtores simplesmente teriam comprado alguns takes filmados por James Cameron para a cena em que Schwarzenegger se "auto-conserta" no banheiro de um motel vagabundo em "O Exterminador do Futuro", e que não foram aproveitados na edição final! Nunca consegui confirmar a informação, mas o nível dos efeitos de maquiagem neste take do braço aberto é realmente muito superior a qualquer outra coisa da produção italiana. Portanto...

PS: Depois de uma curta e fracassada trajetória como herói de ação, o brucutu Daniel Greene acabou se rendendo à comédia. Ele fez uma inesperada parceria com os Irmãos Farrelly (aqueles que dirigiram "Debi & Lóide"!!!), e já apareceu em sete comédias da dupla, incluindo uma participação maior como vilão em "Eu, Eu Mesmo e Irene". Quem diria que Paco Queruak acabaria virando piada MESMO?


Trailer de KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO



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Mani di Pietra / Hands of Steel (1986, Itália)
Direção: Martin Dolman (aka Sergio Martino)
Elenco: Daniel Greene, Janet Agren, John Saxon,
Claudio Cassinelli, Donald O'Brien, Amy Werba,
Robert Ben e Pat Monti.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

PÂNICO (1976)


Um cientista contaminado por um vírus transforma-se em um monstro assassino que sai matando pelas ruas de uma pequena cidade. Quantas vezes você já viu este argumento antes, com pequenas variações (na profissão do contaminado, no tipo de contaminação e no tamanho da cidade, por exemplo)? Mas esqueça os outros filmes que você já viu com este mesmo enredo: nenhum deles jamais será tão absurdamente tosco e divertido quanto o trash italiano classe Z PÂNICO, uma daquelas bombas de rir do início ao fim que comprovam que até o cinema ruim pode entreter.

Claro que não estou aqui falando daquele filme extremamente comum feito nos anos 90 pelo Wes Craven e alçado a "clássico de uma geração" justamente por uma geração desprovida de maiores referências cinematográficas. Me refiro ao PÂNICO produzido em 1976 por Tonino Ricci (com o pseudônimo Anthony Richmond), numa produção conjunta entre Espanha e Itália. Apesar de ter sido iniciado em 1976, o filme só foi concluído e lançado em 1982. Além de Ricci/Richmond, o cinegrafista do filme, Giovanni Bergamini, dirigiu ele mesmo algumas cenas. Por aí já dá para ter uma idéia do tamanho do orçamento que os caras tinham - e da qualidade do resultado final da película.

PÂNICO se chama PÂNICO no Brasil, mas foi lançado com diferentes títulos no mundo inteiro, provavelmente para confundir os espectadores e vender o mesmo filme ruim várias vezes. Na Itália, por exemplo, tem um título mais pomposo: "I Vivi Invidieranno I Morti". Em outros países da Europa, foi batizado "Bakterion". Nos EUA é "Panic". E por aí vai. Mas a tralha é a mesma. Quando eu a vi pela primeira vez, tinha lá meus 11 anos de idade. Foi, provavelmente, um dos primeiros filmes de horror que vi. E como vi! Só na infância, umas 10 vezes - adorava pegar para rever com os amigos, porque tinha um montão de mulher pelada. Batata: acabou virando "guilty pleasure", uma daquelas besteiras que você pode ver com qualquer idade e vai achar divertido.


E convenhamos: como não gostar de um filme onde um cara de rosto deformado sai matando italianas e espanholas peladas numa história que supostamente se passa na Inglaterra? Como não gostar de um filme onde Lucas encontra Betty, os dois conversam por três segundos e na cena seguinte já estão transando no banco de trás do carro (isso aos três minutos de filme rolando!!!)? Como não gostar de um filme estrelado por David Warbeck, provavelmente o melhor e mais bacana dos heróis do cinema italiano (você já o viu em "The Beyond", "Os Caçadores da Serpente Dourada", "The Last Hunter" e uma cacetada de outros), interpretando um cara chamado Capitão Kirk Dude? Pois é, uma brincadeira infame com o nome "Capitão Kirk" pelo menos 20 anos antes do pavoroso "House of the Dead" tentar fazer a mesma coisa! E finalmente: como não gostar de um filme onde a gostosa Janet Agren ("Os Vivos Serão Devorados", "Keruak - O Exterminador de Aço") interpreta uma cientista disposta a salvar o colega transformado em monstro, mesmo depois de ele matar umas 10 pessoas inocentes?

PÂNICO começa com um mal-editado acidente numa companhia química chamada simplesmente Chemical (sacou a furada? traduzindo, fica "companhia química Química"!!! É tão imbecil quanto "posto de combustíveis Combustível", ou "restaurante Restaurante"!). A empresa supostamente produz vacinas e antibióticos em uma cidadezinha inglesa (qua, qua, qua!) chamada Newton. Os cortes desta cena de abertura são tantos e tão ligeiros que lembram um filme de Michael Bay (mas parece que só foi feito assim para não mostrar escancaradamente as limitações do orçamento). Logo, tudo que vemos de "contaminação" são uns ratinhos pulando e um cara berrando enquanto esconde o rosto com as mãos esverdeadas e esfumaçantes.

Através da personagem de Janet Agren, a dra. Jane (ô criatividade...), ficamos sabendo o que aconteceu: um vírus que estava em desenvolvimento "vazou", através de uma cobaia (um rato) que escapou. A única pessoa que pode falar sobre o tipo de vírus e o risco de contaminação é o professor Adams (Roberto Ricci, irmão do diretor), que, adivinhe, está desaparecido. O proprietário da Chemical, o dr. Milton (Franco Ressel), sugere que todos abafem a história, especialmente a parte do "risco de contaminação", até que o prof. Adams seja localizado.

Mas, perto dali, Betty e Lucas estão transando no banco de trás do carro. O professor Adams não é mais o professor Adams, agora ele é um monstro assassino, cujo rosto não aparece até os 40 minutos finais (então, o que você vê inicialmente é a manjada câmera em primeira pessoa, a tal "visão do monstro"). Ele esquarteja o casal de namorados, chamando a atenção da polícia local, liderada pelo Sargento O´Brien (José Lifante), e também do Serviço de Segurança Inglês, que envia o Capitão Kirk (hahahahaha) para Newton, com a missão de investigar o que está acontecendo.


É óbvio que Kirk e Jane trabalharão em conjunto - mas não vão se apaixonar nem trocar beijinhos, contrariando o clichê máximo.Eles descobrem que Henry Miles, o guarda-costas (!!!) do professor Adams também está morto, e que uma outra moça peladona foi morta enquanto tomava banho (nudez frontal e tudo mais, em outro caso de pobre menina seduzida pelo mundo do cinema, que não conseguiu nada mais do que mostrar a "perseguida" em cena e falar meia dúzia de frases). Somando A + B, a dupla dinâmica percebm que há uma estranha substância verde nos corpos das vítimas, e que o assassino supostamente bebeu seu sangue.

Então as coisas começam a ficar claras! O professor Adams não está desaparecido! Ele se transformou num monstro mutante que precisa beber o sangue de suas vítimas (como se isso tivesse alguma lógica), mas também pode contaminá-las com o mesmo vírus que o transformou no que ele é. Só que a Defesa Civil já sabe de tudo isso. Em Londres, eles estão se reunindo com o primeiro-ministro e avaliando as chances da contaminação se espalhar para fora de Newton. Eles (os políticos) sabem que Adams não estava trabalhando em vacina coisa nenhuma, mas sim num vírus perigoso e indestrutível para usar em guerra bacteriológica (claro!). Decidem iniciar a quarentena, isolando todas as entradas e saídas da cidade com forças militares, cortando transportes e comunicação, e já planejando largar uma bomba sobre a cidade em 12 horas, varrendo qualquer evidência do tal vírus, a não ser que o monstro mutante seja encontrado e destruído a tempo.

Como a polícia é burra, o professor Adams continua agindo, entrando nas casas das pessoas pelo esgoto, atacando até em um cinema - onde o diretor Ricci contorna o orçamento irrisório filmando com a luz apagada, ou seja, no meio da escuridão, quando só escutamos os urros do monstro e os gritos apavorados das pessoas. Coisa que se o Spielberg faz é gênio, mas se o Tonino Ricci faz, é um sem-vergonha!

E o filme avança com a dose de violência diminuindo, mas a dose de bobagens aumentando. O povo de Newton começa a ficar apavorado e quer fugir da cidade, entrando em conflito com os militares que sitiaram o local. E a dra. Jane, tentando salvar seu pobre prof. Adams, sintentiza em meia hora um antídoto para, supostamente, transformar o monstro assassino novamente em um bom cientista. Mas o Capitão Kirk (hahahaha) prefere armar-se com uma pistola de gás venenoso (sério!) e caçar o bicho feio no esgoto.


Bem, bem, bem... Vamos tentar listas algumas abobrinhas dessa maravilha da sétima arte ("algumas", porque "todas" seria impossível). Numa cena, a polícia ouve grunhidos atrás de um carro e vai averiguar; começa aquele suspense barato de filme classe Z, mas é apenas um bêbado que está, acreditem ou não, grunhindo como o monstro, sabe-se lá porquê! Em outra cena, Kirk e O´Brien abrem uma tampa de esgoto e encontram o tal rato-cobaia desaparecido que deu início à contaminação, e agora está tão grande quanto um cachorro, em uma colagem absurda sobre o próprio fotograma da película (só vendo para crer); então, O´Brien fala "oh, my God", e o monstrinho é completamente esquecido pelo roteiro!. E o que dizer do "caça-bombardeiro" que decola em Londres com a bomba para destruir Newton? Trata-se de um velho teco-teco maquiado para parecer um super-caça. hahaha. Eles só filmam closes do cockpit para disfarçar! E nas cenas do avião voando, colocaram um caça de brinquedo e pensaram que ninguém ia perceber! E outra: o filme exibido no cinema, antes do monstro atacar, mostra apenas um mané dirigindo um carro, com uma musiquinha xarope no fundo... e a galera toda no cinema fingindo que está vendo aquilo com todo o interesse!!!!

PÂNICO é pobre em tudo, inclusive no ritmo arrastado, mas em compensação tem este grande número de divertidas abobrinhas, de ataques do monstro e de mulheres peladas, algumas poucas e boas cenas sangrentas e uma ótima trilha sonora de Marcello Giombini (colaborador habitual de Joe D'Amato, com quem trabalhou em "Antropophagus" e "Le Notti Erotiche dei Morti Viventi"). Também contorna a pobreza da produção com bons efeitos especiais (dentro do possível, claro). O rosto do monstro é escondido até o final, mas finalmente mostrado em close grotesco, ressaltando as feridas purulentas pulsando - a maquiagem foi feita por Rino Carboni e os efeitos especiais por Galliano Cataldo (que trabalhou com Dario Argento em "4 Moche di Velluto Grigio", de 1971).

O problema é que, hoje, a geração DVD provavelmente vai suar para encontrar PÂNICO. Mas quem, como eu, viveu no auge do VHS no Brasil, certamente deve ter visto até gastar a fita lançada pela velha e boa Poletel (mesma distribuidora que colocou no nosso mercado uns 99% das tralhas italianas). Atualmente, o filme do Ricci é tão obscuro que nos Estados Unidos os colecionadores de tralhas italianas costumam se matar para arranjar uma cópia. Recentemente até saiu por lá uma versão tosca em DVD, de onde foram eliminadas todas as cenas de nudez - e como tem MUITA mulher pelada no filme, perdeu totalmente a graça. Para quem é garimpeiro, vale a dica: dê aquela voltinha básica nas revendas de fitas usadas da sua cidade que com certeza encontrará uma das velhas fitas da Poletel a uns justos R$ 1,99!

Para fechar, que já me alonguei demais: sim, o filme é bobo, trash e muito engraçado. Mas é para públicos específicos, ou seja, só para os iniciados em tralhas italianas como essa. Pois estes, e só estes, irão dar risada do aviso no final dos créditos, que alerta: "O que você viu pode acontecer realmente... TALVEZ JÁ ESTEJA ACONTECENDO!". Já os outros espectadores, ao invés de rir, provavelmente sentirão vontade de quebrar a fita em mil pedaços - e elas já são raras demais para que uma barbaridade dessas aconteça!

Cena inicial de PÂNICO



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I Vivi Invidieranno I Morti/Panic/Bakterion
(1976, Itália/Espanha)

Direção: Anthony Richmond (Tonino Ricci)
Elenco: David Warbeck, Janet Agren, Franco
Ressel, Roberto Ricci, José Lifante, Miguel
Herrera e Ilana Maria Bianchi.