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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O DÓLAR FURADO (1965)


Você sabe que fez parte da Era de Ouro do VHS no Brasil se alguma vez o seu pai chegou em casa com a velha fitinha do bangue-bangue O DÓLAR FURADO - aquela mesma que ele já havia assistido e reassistido inúmeras vezes em outras oportunidades -, e o tema inconfundível de Gianni Ferrio ecoou pela sala em glorioso som mono, cheio de chiado, mas mesmo assim assobiado a plenos pulmões pelo seu velho.

Considerado um clássico do western spaghetti, O DÓLAR FURADO na verdade tem bem pouco em comum com outras obras bem mais famosas do ciclo - além, é claro, do óbvio fato de também ter sido produzido na Itália.

O filme foi dirigido por Giorgio Ferroni (recém-saído dos "peplums", aquelas aventuras épicas baratas produzidas na Terra da Bota) em 1965. No ano anterior, 1964, Sergio Leone lançara "Por um Punhado de Dólares", considerado por muitos pesquisadores a epítome, a obra inaugural, a pedra fundamental do western spaghetti, e largamente imitado a partir de então.


O DÓLAR FURADO, entretanto, não teve tempo de pegar carona no ciclo, e seus realizadores ainda imitavam a fórmula bem-sucedida (e bem mais comportada) daqueles westerns norte-americanos certinhos do período, como "Os Brutos Também Amam" (1953) e "Sete Homens e um Destino" (1960). Assim, não há anti-heróis cafajestes vestidos de negro e com barba por fazer, nem tiros pelas costas, nem violência nua e crua, nem sujeira e roupas em farrapos, muito menos a ironia que marcou os verdadeiros western spaghetti.

O herói comportado, limpinho e bem barbeado é encarnado por Giuliano Gemma, considerado o primeiro grande astro do faroeste italiano, aqui em seu primeiro papel em filmes do gênero, também saído das produções "peplum" com Hércules e Macistes genéricos.


Como o filme tenta se passar por produção norte-americana ("estratégia de marketing" muito comum na época), todo mundo esconde seus nomes de batismo com pseudônimos em inglês. Gemma optou por "Montgomery Wood", nome pomposo que só usaria em mais dois filmes antes de assumir o seu nome verdadeiro.

Embora não siga de perto os cânones do western spaghetti, o diretor Ferroni (rebatizado "Calvin Jackson Padget" nos créditos iniciais!) copia pelo menos as vinhetas animadas nos créditos iniciais, que se tornariam um referencial do subgênero depois de "Por um Punhado de Dólares".


O DÓLAR FURADO começa com o final da Guerra da Secessão, entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos. Gary (Gemma) e Phil O'Hara (Nazzareno Zamperla, ou "Nick Anderson") são dois irmãos confederados (os sulistas, lado derrotado da batalha) que estão entre os diversos soldados libertados de um campo de prisioneiros de guerra.

Como uma espécie de humilhação, os nortistas (vencedores da guerra) devolvem aos derrotados seus revólveres com os canos serrados - o que arruína completamente a mira da arma.


Sem perspectivas de vida após o final do conflito, os irmãos se separam: Phil resolve seguir para o Oeste em busca da sorte grande, e Gary volta para seu velho rancho, onde reencontra a esposa Judy (Ida Galli, ou "Evelyn Stewart").

Algum tempo depois, Gary também resolve tentar a sorte e segue os passos do irmão até a cidade de Yellowstone, dominada por um figurão, McCory (Pierre Cressoy, ou "Peter Cross"), que está forçando os pequenos fazendeiros a venderem suas propriedades a preço de banana - coisa típica de vilão de western.


Num argumento parecido com tragédia grega, Gary é engambelado por McCory e convencido a matar um "sanguinário bandido" chamado Black Eye, que, na hora H, descobre ser seu próprio irmão Phil!

O saldo da brincadeira é que Phil/Black Eye é morto pelos homens de McCory, e Gary acaba sendo mortalmente atingido com um disparo no coração, mas salvo milagrosamente por uma moeda de dólar que levava no bolso e que desviou a trajetória da bala - o "dólar furado" do título.


De volta do mundo dos mortos, Gary corta a barba e o bigode e, de cara limpa, infiltra-se no bando de McCory para semear a discórdia e acabar com todos os facínoras. Mas a situação se complica quando a "viúva" Judy aparece na cidade em busca de notícias do marido.

Muito diferente dos filmes de Leone, Corbucci e cia, O DÓLAR FURADO tem um clima de ingenuidade que às vezes chega a irritar, principalmente porque o mocinho interpretado por Giulianno Gemma é bonzinho DEMAIS. Até mesmo sua vingança lhe é roubada na cena final, quando a população da cidade impede que Gary mate um desafeto desarmado, e os próprios cidadãos fazem justiça com suas pistolas.


Embora o filme de Ferroni seja muito bem dirigido, contornando com habilidade as limitações de orçamento e produção, a narrativa é excessivamente lenta, dando ao herói pouquíssimas oportunidades de sacar seu revólver para passar chumbo nos bandidos. Pelo contrário, Gary prefere usar a astúcia, jogando os criminosos uns contra os outros e deixando que os próprios se matem!

Mesmo assim, há algumas coisas bem interessantes neste "pré-western spaghetti", como a idéia dos canos serrados das armas, uma curiosa alusão à castração e à perda de masculinidade. Embora faltem bons tiroteios no filme, o duelo final entre O'Hara e McCory, envolvendo um destes revólveres sem o cano, é antológico - talvez a coisa mais memorável de O DÓLAR FURADO depois da música-tema.


E num filme que é bem comportado na maior parte do tempo (sem sangue ou buracos de bala nas trocas de tiros, algo que só viraria moda anos depois), duas cenas surpreendem pela violência.

A primeira é a morte de um dos capangas de McCory, que leva uma punhalada no pescoço. A segunda é o espancamento de O'Hara pelos bandidos, que culmina com uma tortura sádica e inusitada: o herói é deixado amarrado ao sol com a boca cheia de... sal!!!

O DÓLAR FURADO foi um sucesso estrondoso na Itália e alavancou a carreira de Giulianno Gemma, que a partir de então se tornaria figurinha carimbada dos faroestes feitos no país.


No mesmo ano, ele apareceria também em "Adiós Gringo", dirigido por Giorgio Stegani. Com o pseudônimo "George Finlet", Stegani escreveu O DÓLAR FURADO ao lado de Ferroni, e levou para "Adiós Gringo", além de Gemma, boa parte do elenco deste filme: Ida Galli, Pierre Cressoy e vários figurantes (sabe como é, em time que está ganhando não se mexe...).

A verdade é que o astro faria produções muito melhores nos anos seguintes, especialmente "O Dia da Ira", e Tonino Valerii, e "Quem Dispara Primeiro?", de Giulio Petroni.


E, como aconteceu com Terence Hill e Trinity, Gemma ficou associado eternamente ao personagem "Ringo": embora tenha interpretado Ringo em único filme ("Uma Pistola Para Ringo"), vários de seus trabalhos posteriores ganharam títulos "alternativos" como o nome Ringo, mesmo que interpretasse personagens com outros nomes.

Uma das produções posteriores dirigidas por Ferroni e estreladas por Gemma, por exemplo, chama-se "Per Pochi Dollari Ancora" (Por Alguns Poucos Dólares), mas no Brasil o título foi "Ringo Não Perdoa" (1966).

Por sinal, "Per Pochi Dollari Ancora" é considerado uma espécie de continuação de O DÓLAR FURADO - neste caso seria uma "prequel", já que o personagem de Gemma é um soldado confederado durante a guerra (e também se chama Gary, embora tenha outro sobrenome, Diamond).


Ainda que visivelmente datado, e lento demais na maior parte do tempo, O DÓLAR FURADO continua tendo o mérito de ter iniciado toda uma geração (este que vos escreve inclusive) no ciclo do western italiano, graças às já citadas fitinhas VHS que foram um verdadeiro fenômeno nos primórdios do vídeo no Brasil. Locadora que se prezasse tinha que ter o filme do Ferroni na estante, ou perdia dinheiro.

Em DVD, o filme ganhou algumas edições péssimas e uma surpreendente cópia de ótima qualidade lançada por uma revista virtual, a Showtime. Essa é a única que vale comprar: traz o áudio original em italiano e imagem cristalina em widescreen, sem os abomináveis cortes laterais para a imagem "caber na tela", que muitas distribuidoras ainda adotam (esquecendo que a Era do VHS já acabou faz anos).


Enfim, é aquele tipo de filme antológico que é obrigatório conhecer, nem que seja para ficar assobiando a inesquecível música-tema, que posteriormente foi parar em filmes tão díspares quanto "Patricia Gennice" (uma produção independente dirigida por... eu mesmo!) e "Bastardos Inglórios", de Quentin Tarantino - mas que fique registrado que eu usei a música antes dele!!!

PS: Embora lembrado com carinho pelos fãs de western spaghetti, hoje Giuliano Gemma vive meio abandonado lá na Terra da Bota, fazendo pequenas participações em minisséries e filmes da TV italiana. Ele completou 72 anos no começo de setembro, e merecia um pouco mais de consideração por ter sido um ídolo para diversas gerações.

Trailer de O DÓLAR FURADO



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O Dólar Furado (Un Dollaro Bucato/
One Silver Dollar1965, Itália/França)

Direção: Calvin Jackson Padget (Giorgio Ferroni)
Elenco: Montgomery Wood (Giuliano Gemma), Evelyn
Stewart (Ida Galli), Peter Cross (Pierre Cressoy) e
Max Dean (Massimo Righi).

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

...E PER TETTO UN CIELO DI STELLE (1968)


Quando eu li em algum lugar que ...E PER TETTO UN CIELO DI STELLE tinha uma das cenas iniciais mais lindas da história do western spaghetti, achei que era um pouco de exagero. Afinal, como alguém poderia fazer melhor que a maravilhosa introdução de "Era Uma Vez no Oeste", de Sergio Leone, por exemplo? Então resolvi conferir in loco. E o filme dirigido por Giulio Petroni (do clássico "A Morte Anda a Cavalo") começa assim...

...uma diligência cruzando uma planície desértica é atacada por um numeroso grupo de bandidos a cavalo. Os facínoras enchem o veículo de tiros, até que um deles consegue matar o condutor e parar a diligência. De dentro dela, tiram os cadáveres de um homem e de uma linda garota loira, e dão o tiro de misericórdia num segundo homem que ainda estava vivo. Mas os bandidos não tocam em nada, nem roubam nada. Esperavam encontrar alguém que DEVERIA estar na carruagem, mas não está. Furioso, o líder comanda a fuga, deixando para trás o cenário do massacre completamente inútil. A câmera então se aproxima lentamente da diligência cheia de buracos de bala, a música extremamente triste de Ennio Morricone (orquestrada por outro mestre, Bruno Nicolai) começa a tocar, e a cena - brilhante - termina num close do rosto sem vida da loira. Até que uma mão entra no quadro e limpa a areia do rosto da morta. É a mão de Giulianno Gemma, o homem que os bandidos esperavam encontrar na carruagem!


Sim, amigos, a cena inicial é belíssima, e só ela já valeria pelo filme inteiro. Felizmente, este western diferente tem outras qualidades que o colocam um pouco acima da média das produções do período.

O triste massacre inicial logo dá lugar ao encontro do personagem de Gemma, que se chama Tim Hawkins, com o do garimpeiro Harry (interpretado por Mario Adorf), que passava por ali minutos após o ataque à carruagem. Silenciosamente, os dois desconhecidos cavam sepulturas para os quatro mortos que nem conhecem, e então seguem até uma cidade próxima, onde acabarão se tornando parceiros de aventuras.

O que nem Harry e nem o espectador sabem, ainda, é que Tim é um grande trapaceiro, que pasará o restante do filme aplicando golpes no "amigo" garimpeiro e em outros personagens secundários. Após roubar as pepitas de ouro que Harry passou seis meses garimpando, os dois acabam o restante do filme juntos, com o pobre homem lesado forçando o espertalhão a reaver sua grana.


Mas, desde o começo, sabemos que o garimpeiro bonachão não é o único que quer a cabeça do simpático golpista: aquela violenta quadrilha que matou os inocentes ocupantes da diligência, liderada pelo sádico Roger Pratt (em excelente interpretação de Federico Boido, com direito a cicatriz em metade do rosto e tudo mais), está caçando obsessivamente o fora-da-lei. E qualquer pessoa vista em sua companhia, como Harry, é considerada cúmplice e passa a ser perseguida também. Assim, sem querer, o garimpeiro logrado torna-se também um fugitivo e precisa associar-se ao "rival" Tim para sobreviver à caçada humana.

O mais curioso é que, após aquele início brutalmente melancólico, ...E PER TETTO UN CIELO DI STELLE desenvolve-se como um western cômico, no estilo dos filmes da série Trinity. A própria associação Gemma/Adorf lembra muitas vezes a dupla engraçadinha imortalizada por Terence Hill e Bud Spencer.

Boa parte da trama cobre os golpes engraçados que Tim e Harry aplicam durante a fuga para conseguir algum dinheiro, o que envolve desde abrir um serviço de telégrafo com mensagens para todos os Estados Unidos (quando o aparelho nem ao menos tem fio!) até seduzir uma bonita viúva (a lindíssima Magda Konopka, de "Blindman"), na mesma tarde do funeral de seu marido! Mas, como Harry faz o tipo trapalhão estilo Bud Spencer, sempre arruína todos os golpes no final.


Já Tim faz aquele estilo vigarista simpático, com quem o espectador se identifica - mesmo sabendo que ele está lesando pobres pessoas inocentes. Não gosta de usar armas e deixa o trabalho pesado para o "colega" Harry, que protesta: "No Oeste, você vive pouco sem ter uma pistola". Mas Tim retruca: "Eu prefiro usar o cérebro".

Eu normalmente não gosto muito destes westerns cômicos (alguns pesquisadores do western spaghetti alegam que esse tipo de produção foi responsável pela morte prematura ao ciclo), mas ...E PER TETTO UN CIELO DI STELLE fica acima da média, e especialmente das aventuras mais leves e inocentes de Terence Hill e Bud Spencer. Isso porque, apesar de investir numa trama bem humorada, o filme ainda tem cenas bastante tristes e um tom melancólico, reforçado pela belíssima música de Morricone/Nicolai.


Embora Tim seja um protagonista simpático, logo fica claro que ele é encrenca para todas as pessoas que se relacionam com ele. Perto do final, um simpático casal de artistas, que apresenta um espetáculo de freakshow (uma falsa sereia), é impiedosamente morto pelos homens de Pratt, numa cena inesperada e bastante dramática, que arruína totalmente o clima de humor em que o filme investia até então.

É quando entra em cena o pai de Roger, Samuel Pratt (interpretado por Anthony Dawson, um dos vilões de "007 Contra o Satânico Dr. No"). Ele revela a verdade sobre Tim: o estelionatário do Oeste na verdade era um pistoleiro chamado Blly, que integrava a quadrilha dos Pratt. Rápido e mortal no gatilho, ele cansou da vida de crimes e resolveu "se aposentar".

Perseguido pelo patriarca Samuel, que não aceitou a "demissão", Billy/Tim matou dois dos filhos do criminoso na fuga, o que deu início à caçada sem trégua movida pelo único filho restante, Roger. Tudo se encaminha para o tradicional confronto final e uma conclusão que também é bastante triste, e somente valoriza ainda mais este belo filme.


Sempre é bom esclarecer a confusão dos títulos nacionais da obra: "Quem Dispara Primeiro?" é o título genérico e nada inspirado adotado pela distribuidora Ocean no recente relançamento do filme em DVD. Segundo uma troca de mensagens postadas na minha comunidade Bangue-Bangue à Italiana, no Orkut, o primeiro título do filme, quando foi exibido nos cinemas nacionais, também era genérico: "A Pistola é Minha Bíblia". Finalmente, em VHS (e posteriormente num primeiro DVD bagaceiro), a distribuidora CineArt optou por um terceiro título, este enganoso: "A Vingança de Ringo" (um personagem interpretado por Giuliano Gemma em outros filmes).

Vale ressaltar que todos estes três títulos ficam bem longe da poesia do original, "E Por Teto um Céu Cheio de Estrelas", que diz respeito tanto aos vários mortos que tombam ao longo da narrativa quanto às noites que Tim e Harry passam na velha cabana de um rancho herdado pelo garimpeiro, e cujo telhado tem um enorme buraco que permite ver o céu e as estrelas.

Bastante diferente de outros clássicos do western spaghetti, já que o protagonista aqui prefere usar mais a malandragem do que a pistola (e passa a maior parte do filme FUGINDO dos seus perseguidores ao invés de enfrentá-los, mesmo sendo um ás do gatilho), ...E PER TETTO UN CIELO DI STELLE vale ainda pelos ótimos tiroteios da metade para o fim - a primeira vez que o personagem de Gemma é obrigado a mostrar sua destreza no uso da pistola é sensacional e inesperada!


Por isso, mesmo aqueles que, como eu, não são lá muito chegados em westerns mais engraçadinhos podem arriscar, pois deverão encontrar boas qualidades nesse filme do Petroni. Especialmente quando o diretor surpreende ao quebrar o tom de humor para mostrar como era dura e violenta a vida do Velho Oeste. Quem procura por um western dos bons não pode deixar passar essa bela obra.

Dica: Vale a pena comprar o DVD Duplex lançado pela Spectra Nova. Normalmente, os DVDs de western spaghetti lançados no Brasil são um lixo, mas este surpreende por trazer uma imagem cristalina em letterbox e ainda, como programa duplo, o excelente "Blindman", de Ferdinando Baldi, cuja cópia também é em letterbox e sem cortes. Uma bela (e barata, cerca de R$ 9,90) aquisição para colecionadores do gênero.

Trailer de QUEM DISPARA PRIMEIRO?


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...E Per Tetto un Cielo di Stelle
(1968, Itália)

Direção: Giulio Petroni
Elenco: Giuliano Gemma, Mario Adorf,
Magda Konopka, Federico Boido, Anthony
Dawson e Julie Menard.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

ADIOS GRINGO (1965)


Na era de ouro das videolocadoras brasileiras (fim dos anos 80 e início da década de 90), dois filmes não podiam faltar de maneira alguma na prateleira de westerns: "O Dólar Furado" e este ADIOS GRINGO, duas pérolas made in Italy que fizeram a alegria dos aficionados pelos "filmes de bangue-bangue", e criaram toda uma nova geração de admiradores (eu, inclusive). O engraçado é que nenhum dos dois é, exatamente, um western spaghetti; ambos são de uma fase "pré-spaghetti", quando os produtores italianos ainda faziam faroestes copiando o modelo norte-americano - inclusive "americanizando" os nomes de todos os envolvidos para parecer um produto realizado nos Estados Unidos. As fontes divergem, mas o western spaghetti começaria oficialmente com Sergio Leone e seu "Por um Punhado de Dólares", de 1964.

Nesta primeira fase de filmes pré-spaghetti, ainda não eram comuns os enredos politicamente incorretos, os heróis sujos, com barba por fazer e vestidos de negro, e muito menos mostrar violência explícita, mocinhos maltrando mulheres ou atirando pelas costas nos seus inimigos. Como o modelo eram os (certinhos e caretas) westerns produzidos nos EUA, os mocinhos tinham que andar ajeitadinhos e bem barbeados.


Assim, não é de se estranhar que o rosto mais representativo das obras do período tenha sido o rostinho de bebê de Giuliano Gemma, que estrela ADIOS GRINGO. Gemma também foi o grande astro desta primeira leva de bangue-bangues italianos, cujos mocinhos eram castos e gentis com as mulheres e jamais atirariam pelas costas ou armariam ciladas para os inimigos, como seus colegas do posterior ciclo spaghetti. Enfim, eram heróis naturalmente bonzinhos ou cowboys acusados injustamente que tentavam provar sua inocência.

ADIOS GRINGO foi filmado num momento áureo dos primórdios do western italiano, o ano de 1965 - mesmo ano do clássico "O Dólar Furado", dirigido por Giorgio Ferroni. Foi o estrondoso sucesso de bilheteria deste que transformou Gemma em astro do bangue-bangue: ele fez mais dois filmes ("Uma Pistola para Ringo" e "O Retorno de Ringo") antes de entrar no set de ADIOS GRINGO, a primeira produção que ele assinou com seu nome real, Giuliano Gemma, e não com o pseudônimo americanizado ("Montgomery Wood") que usou nos outros filmes até então.


E como em time que está ganhando não se mexe, os produtores praticamente reaproveitaram tudo que tinha dado certo em "O Dólar Furado": o casal principal é o mesmo, Gemma e Ida Galli, e o roteirista de "O Dólar...", Giorgio Stegani, escreve e também dirige este novo filme. As filmagens duraram apenas três semanas, com locações em Roma e em Madri, na Espanha.

A estrutura narrativa também é bem parecida com "O Dólar Furado": Gemma interpreta Brent Landers, um fazendeiro honesto que comemora a compra de uma pequena propriedade numa cidadezinha. Porém acaba se dando mal ao confiar num velho amigo mau caráter, Gil Clawson (Nello Pazzafini, usando o pseudônimo "Ted Carter"), que lhe vende uma manada roubada de um rico fazendeiro da região.

Sem saber de nada, Brent toca o gado para sua propriedade e, no caminho, cruza com o furioso verdadeiro proprietário dos animais. Este, acreditando que o mocinho é o ladrão de gado, tenta matá-lo com quatro tiros, sem sucesso; Brent então saca sua arma e atira em legítima defesa, matando o rival.


Mas é claro que quando um vaqueiro mata um rico fazendeiro, a coisa acaba em porcaria. Brent é acusado de roubo de gado e assassinato, e quase linchado pelo povo furioso, mas consegue fugir e promete voltar com o verdadeiro ladrão, o "amigo" Clawson, para provar sua inocência.

Seguindo os rastros do facínora, o herói acaba encontrando uma garota nua e amarrada no meio do deserto. Descobre que ela é Lucy Tillson (Ida Galli, com o pseudônimo "Evelyn Stewart"), que foi levada como refém após o assalto de uma diligência, e ainda estuprada e torturada por três homens.

Um deles é o próprio Clawson, a quem Brent vem seguindo; já o terceiro dos agressores é Avery Ranchester (Massimo Righi, ou "Max Dean"), filho do poderoso manda-chuva da região, Clayton Ranchester (Pierre Cressoy, ou "Peter Cross").


E se para o herói já é complicado convencer o xerife (Jesús Puente) e o médico (Roberto Camardiel, ou "Robert Camardiel") da cidade de que é um inocente injustamente acusado, mais difícil ainda será conseguir entregar à justiça os agressores de Lucy, já que o poderoso Ranchester encobre todos os atos criminosos do seu filho e tenta convencer o povo de que Brent é o verdadeiro culpado de tudo, inclusive do estupro da moça. Conseguirá nosso herói provar sua inocência e mandar para a prisão (ou para o cemitério) os verdadeiros bandidos?

Stegani, que assina direção e roteiro com o pseudônimo "George Finley", inspirou-se num livro chamado "Goodbye", de Harry Whittington, para escrever ADIOS GRINGO. Mas o filme não consegue escapar dos lugares-comuns do gênero: inocente injustamente acusado, o verdadeiro culpado sendo encoberto pelo pai poderoso, o xerife que começa odiando o herói mas depois começa a ajudá-lo, etc etc etc.

Felizmente, é bem dirigido e traz vários lances de suspense, reviravoltas e cenas de ação para fazer o espectador esquecer o quanto a história é fraquinha e, por que não?, absurda.


Além disso, o filme se beneficia de uma fotografia belíssima, assinada pelo espanhol Francisco Sempere (o mesmo do clássico do horror "Let Sleeping Corpses Lie", de Aldo Grau), que usa e abusa de lindas paisagens como montanhas rochosas (bem diferentes do que normalmente se via nos westerns norte-americanos).

Infelizmente, o poderoso "Eastmancolor" em tela larga não sobreviveu à maioria das cópias nacionais do filme, seja em VHS ou em DVD. A mais razoável das versões brasileiras, mesmo tentando manter o formato widescreen com as tradicionais faixas pretas, ainda assim corta boa parte das laterais da imagem, o que é uma pena (nos tempos do VHS vá lá fazerem esse tipo de barbeiragem, mas com a opção do "zoom" no DVD não tem mais desculpa).

ADIOS GRINGO também foi um sucesso de bilheteria na época do seu lançamento, tornando-se o terceiro filme mais visto nos cinemas italianos em 1965 (o primeiro foi "Por uns Dólares a Mais", de Leone).



Ironicamente, como o astro Gemma tinha acabado de fazer dois westerns onde interpretava um pistoleiro chamado Ringo, muita gente pensou que esta era uma cópia picareta da série, interpretando que "Gringo" seria o nome do personagem principal - quando na verdade é apenas a palavra espanhola para "estrangeiro"!

Longe da sofisticação narrativa e criativa que o western spaghetti atingiria a partir do ano seguinte, ADIOS GRINGO mantém-se como um bom passatempo, talvez inofensivo e certinho demais para aqueles que curtem o auge do ciclo, mas ideal para quem busca um bangue-bangue mais hollywoodiano, estilo John Ford ou George Stevens.

Quem lembra do tratamento dispensado às mulheres por Django, Sartana e outros anti-heróis do posterior western spaghetti certamente vai dar risada do relacionamento cheio de pudores e frescuras mantido, aqui, pelo galã Gemma com a mocinha Ida.



Mas, entre mortos e feridos, o filme funciona como um belo passatempo, até porque fica fácil simpatizar com o herói e torcer por ele. E Brent, claro, faz o tipo rápido no gatilho, despachando dezenas de malvados para o cemitério.

Numa cena que deve ter sido violenta para a época (lembre-se que ainda estamos praticamente no pré-spaghetti), o herói arremessa um enorme prego de metal contra um rival, literalmente pregando uma das mãos do inimigo na parede - seria necessária uma força monstruosa para realizar tal façanha, mas vá lá...

Bem feito, divertido e envolvente, e com o simpático Gemma no seu papel preferido de herói certinho, ADIOS GRINGO é o filme perfeito para você assistir com seu pai ou avô que prefere os westerns mais tradicionais daquele período áureo. Já os fanáticos pelo western spaghetti mais violento e amoral deverão achar tudo muito datado e inocente.

Trailer de ADIOS GRINGO


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Adios Gringo (1965, Itália/Espanha/França)
Direção: George Finley (Giorgio Stegani)
Elenco: Giuliano Gemma, Evelyn Stewart (Ida
Galli), Ted Carter (Nello Pazzafini), Jesús
Puente e Max Dean (Massimo Righi).