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terça-feira, 22 de abril de 2014

PESADELOS NOTURNOS (1970)


Em 1970, Jess Franco fez seu nono e último filme com o produtor inglês Harry Alan Towers ("Eugenie... The Story of her Journey into Perversion"), e logo começou uma rápida parceria com o polonês radicado na Alemanha Artur Brauner, com quem filmaria as obras que transformaram Soledad Miranda numa musa eterna (entre elas, "Vampyros Lesbos" e "Ela Matou em Êxtase").

Jess teve alguns meses de descanso entre o rompimento com Towers e a nova sociedade com Brauner, mas, ao invés de tirar umas férias (já que vinha fazendo diversos filmes por ano desde 1967!), o incansável diretor espanhol arrumou tempo para rodar TRÊS obras baratíssimas em Liechtenstein, um minúsculo (e riquíssimo) país europeu encravado entre a Suíça e a Áustria.

Um dos títulos dessa rapidíssima "Fase Liechtenstein" é bem conhecido ("Eugenie De Sade"), enquanto os outros dois foram filmados, finalizados e depois "perdidos". Destes, um segue perdido até hoje, mas o outro foi resgatado do limbo depois de três décadas: "Les Cauchemars Naissent la Nuit" ("Os Pesadelos Nascem à Noite"), lançado em DVD no Brasil (duas vezes!) com o título genérico de PESADELOS NOTURNOS.


Bem longe de ser um dos trabalhos mais inspirados do diretor (apesar de várias resenhas rasgarem seda, dizendo que é "uma pedra preciosa que não foi polida"), PESADELOS NOTURNOS é um "filme Frankenstein", que Franco montou usando cenas filmadas para outro projeto e muito improviso - a inconsistência da coisa toda fica bem evidente desde as primeiras cenas.

Não por acaso, a produção foi realizada com uma equipe diminuta, pouquíssimos recursos e um dos menores orçamentos que o diretor teve na vida - durante muito tempo, ele até citava esse título quando lhe perguntavam qual tinha sido a sua produção mais barata!


Mesmo assim, é uma obra que merece certo lugar de destaque na filmografia Franquiana pelo seu valor histórico: conforme o pesquisador Lucas Balbo, um dos autores do livro "Obsession: The Films of Jess Franco", PESADELOS NOTURNOS é o primeiro thriller 100% erótico de Jess, em que a sacanagem rola solta sem medo da censura, e todas as desculpas possíveis e imagináveis são usadas para pelar as personagens - de cenas de banho ao hábito de dormir com um roupão de cetim totalmente aberto!

Até já havia safadeza e mulher pelada em obras anteriores do diretor, como "Necronomicon" (1967) e "Santuário Mortal" (1968). Mas é aqui que Franco chuta de vez o pau da barraca e escancara a nudez e o sexo (as transas ainda são tímidas, mas certamente bem fortes e ousadas para a época, até por envolverem lesbianismo).


PESADELOS NOTURNOS conta a história de Anna (Diana Lorys), uma mulher que está sofrendo com terríveis pesadelos recorrentes em que mata um amante desconhecido. Numa das manhãs em que acorda do seu sono agitado, ela constata que tem sangue nas próprias mãos, e que talvez aquele seu pesadelo possa ter algum fundo de verdade...

Cynthia (Colette Giacobine), a namorada de Anna, não acredita na história e acha que ela está ficando louca. Por isso, pede a ajuda de um psiquiatra, o Dr. Vicas (Paul Muller), para tentar controlar os pesadelos da garota.


Só que a situação não melhora. E, para complicar a história, um dia Anna conhece o homem que mata em seus sonhos (interpretado por Jack Taylor). Será que o pesadelo irá finalmente se tornar realidade?

Paralelamente, um casal de vizinhos espiona o casarão em que Anna e Cynthia vivem juntas. Trata-se de uma dupla de ladrões, interpretados por Andrés Monales e Soledad Miranda, que parecem matar tempo para reaver uma fortuna em diamantes roubados de uma joalheria. Mas qual a relação do casal de ladrões com o casal de lésbicas da casa ao lado, ou com os pesadelos de Anna?


Bem, oficialmente não existia relação nenhuma: acontece que essas cenas não foram originalmente filmadas para PESADELOS NOTURNOS, e sim para uma espécie de teste de elenco que Franco filmou em 1969, entre as gravações de "O Trono de Fogo" e "Conde Drácula", para convencer o produtor Harry Alan Towers a contratar a ainda desconhecida Soledad Miranda para integrar o elenco da sua adaptação de Drácula!

Assim, Jess aproveitou uma folguinha para filmar de 10 a 15 minutos de cenas meio aleatórias em que Soledad e Monales vigiam a "casa ao lado" com um binóculo, e provavelmente sem pensar numa trama específica para estas cenas. Funcionou, e Towers aprovou a contratação de Soledad para "Conde Drácula". Mas quem em sã consciência não o faria, depois de ver a belíssima espanhola vestindo apenas botas de cano longo e com a bundinha empinada?


O fato de as cenas com Soledad e Andrés Monales originalmente não terem nenhuma relação com a história de PESADELOS NOTURNOS também explica porque o casal de ladrões nunca interage com os demais personagens do filme (afinal, as cenas foram feitas um ano antes!), passando o tempo todo dos seus 10 a 15 minutos num único set, que tem a inscrição "Life is all shit!" riscada na parede!

Aí, numa tática digna do que depois fariam geniais picaretas como Bruno Mattei e Godfrey Ho, Franco apenas redublou os diálogos e filmou um único trechinho novo com dublês de corpo de Monales e Soledad para conseguir "inseri-los" na nova história e dar-lhes um destino condizente!


Uma evidência do truque é o fato de as cenas "antigas" (estas com o "casal de assaltantes") terem sido filmadas num formato de tela (1.66:1) e as "novas" em outro (1.33:1). Isso fica ainda mais perceptível no primeiro DVD de PESADELOS NOTURNOS, que foi lançado pela Shriek Show/Media Blasters em 2004: a maior parte do filme está em tela cheia, e apenas as cenas com Soledad e Monales aparecem no formato diferente. Recentemente, quando a obra foi relançada em blu-ray por outra empresa (Redemption), a distribuidora corrigiu o problema transformando o filme todo em 1.66:1 (cortando um pouquinho a parte de cima e de baixo da imagem nas cenas filmadas no outro formato).


PESADELOS NOTURNOS tem uma estrutura bastante informal e experimental, com pouquíssimos personagens (são seis atores no total, contando a "ponta" de Soledad e Monales) e duas ou três locações, a maior parte em internas. Por isso, o filme poderia ser facilmente transformado numa peça teatral.

Para alguns pesquisadores da filmografia de Jess, este trabalho modesto e "pequeno" seria uma forma de o diretor descansar a cabeça daquelas grandes produções que rodou com Harry Alan Towers, que tinham grandes orçamentos, atores famosos e dezenas de sets e figurantes - e, por isso mesmo, exigiam muito dele e restringiam sua criatividade e propensão a improvisos.


No final, o que parecia ser um thriller erótico constituído apenas de pesadelos e delírios da protagonista, e sem preocupar-se com explicações (como acontecia no anterior "Necronomicon"), dá uma grande virada, transformando-se em história policial.

Acontece que (SPOILERS) os pesadelos de Anna estão sendo induzidos pelo próprio Dr. Vicas através de hipnose, com o objetivo de enlouquecê-la, forçá-la a cometer suicídio e assim abafar o caso do roubo dos diamantes - tanto o psiquiatra quanto Cynthia estão de conluio com o casal de assaltantes da casa ao lado. (FIM DOS SPOILERS)

E se não parece fazer muito sentido, é porque realmente não faz!


Pesadelos eróticos e personagens que se tornam assassinos sob controle de terceiros são temas recorrentes na filmografia do diretor, que já apareceram antes e reapareceriam até com certa frequência depois. A mulher que é forçada a matar por influência de outras pessoas já tinha aparecido em "Miss Muerte" (1965) e "Necronomicon", e em ambos os filmes a protagonista também era dançarina, como Anna aqui.

Já a protagonista que está sendo assombrada por pesadelos, e que logo perde a noção entre sonho e realidade, vem de "Necronomicon", mas reapareceria depois em "A Virgin Among the Living Dead", "Vampyros Lesbos", "Macumba Sexual" (1981), e diversos outros filmes assinados por Franco.


O maior problema de PESADELOS NOTURNOS é que se percebe claramente que o filme todo nasceu de um improviso do diretor e dos atores (tem cara de ter sido gravado em poucos dias), e apenas para reaproveitar aquelas cenas de arquivo com a musa trágica de Jess, Soledad Miranda, morta num acidente de automóvel em 18 de agosto de 1970, aos 27 anos de idade.

Franco precisou enrolar bastante para conseguir fechar o tempo de um longa-metragem, e a tática adotada foi bem simples: além de repetir os pesadelos de Anna ad nauseam, ele também usou os vários encontros de Anna com o Dr. Vicas como desculpa para bombardear o espectador com flashbacks, quando a garota conta a história da sua vida para o psiquiatra!


Estes flashbacks são gigantescos e ocupam a maior parte da narrativa (no caso, os 45 minutos iniciais de um filme de oitenta e poucos minutos!), mostrando que Anna trabalhava como dançarina em um night club de Zagreb (na Iugoslávia) até conhecer Cynthia, começar a namorar e ser convidada para morar no casarão da loira - que, à época, já estava com "terceiras intenções" em relação à stripper.

Ainda nos flashbacks, Anna apresenta um número de striptease que é simplesmente interminável - segundo a narração da própria moça, seu patrão lhe pedia para "demorar bastante" de maneira a manter os clientes entretidos e consumindo, uma tática até hoje usada nos puteiros da vida real.

O problema é que tanto a personagem quanto o diretor exageram na dose: o tal striptease de Anna dura OITO MINUTOS (!!!), e se eu fosse um cliente do tal night club certamente pegaria no sono com a chatice do número (até porque a "stripper" passa a maior parte do seu "striptease" vestida e tentando sensualizar enquanto fuma um cigarro!).


E não acontece muito mais coisa ao longo do resto do filme, que se resume a Diana Lorys, Colette Giacobine e Soledad Miranda nuas, ou Diana e Colette rolando peladas pela cama simulando uma relação sexual, ou ainda Diana Lorys chorando as pitangas para o psiquiatra interpretado por Paul Muller.

Somente nos 20 minutos finais a história começa a engrenar, mas o caminho até chegar aí é realmente tortuoso (e arrastado), parecendo provocar o espectador para usar o botão Fast Foward. Até a trilha sonora do italiano Bruno Nicolai é genérica e nada memorável.


No fim, chega a ser curioso o fato de Soledad Miranda roubar o filme, e isso naqueles 10 ou 15 minutos de CENAS DE ARQUIVO sem nenhuma relação com a trama principal! A capinha do DVD da Media Blasters é uma bela picaretagem, e estampa uma imagem grandona da musa em destaque, como se ela fosse a atriz principal do filme.

No Brasil, PESADELOS NOTURNOS foi lançado duas vezes em DVD (pela Continental e pela Vinny Filmes), e aqui também repetiu-se a malandragem de dar destaque para Soledad nas capinhas, embora ela seja apenas figurante.


E é irônico que Diana Lorys apareça bem desinibida no filme, quase sempre pelada, considerando que ela havia arregado e pedido uma dublê de corpo para uma única ceninha de peitos de fora em "O Terrível Dr. Orloff" (1961)!

A atriz espanhola estava com 30 anos ao estrelar PESADELOS NOTURNOS, mas, embora não esteja exatamente feia, aparenta muito mais idade (envelheceu mal), e está bem diferente daquela gracinha que enfrentou o Dr. Orloff quase dez anos antes. Sua carreira não foi adiante, e ela abandonou o cinema em 1978. Menos sorte teve sua "namorada" na trama, Colette Giacobine (creditada como "Colette Jack"), que apareceu em apenas mais dois filmes.


PESADELOS NOTURNOS garante ainda um raro papel de destaque para o ator suíço Paul Muller (abaixo), que fez 16 filmes com Jess (começando com "Vênus em Fúria", em 1969), mas geralmente sem tanto tempo em cena. Seu Dr. Vicas (é o mesmo nome do médico interpretado por Howard Vernon em "Miss Muerte") aparece como um homem dividido entre o plano maquiavélico para enlouquecer Anna e o carinho que ele começa a sentir por sua "paciente".

Em uma de suas raras entrevistas, Muller comentou sobre esses projetos improvisados do diretor: "Não me incomodava que Franco rodasse vários filmes ao mesmo tempo, isso até me divertia. Mas é inegável que a qualidade do filme sofria muito com isso. E é uma pena, porque Franco tem um grande talento, mas sua forma de trabalhar não é a tradicional. Não há um roteiro definido, os diálogos são geralmente improvisados, e temos muito pouco tempo para decorá-los. E, com ele, você sempre precisa ter muito cuidado, pois com alguns takes de cá e de lá ele já te coloca num outro filme sem que você saiba!".


Mais interessante que a própria obra é a verdadeira odisseia por que ela passou até ser redescoberta. Franco filmou PESADELOS NOTURNOS em 1970, mas o filme só ganhou sua primeira exibição três anos depois, e NUMA ÚNICA SALA DE CINEMA na Bélgica (embora existam relatos nunca confirmados de exibições também em alguns cinemas da América do Norte).

Depois disso, esta única cópia exibida e os negativos originais desapareceram sem deixar rastros, e PESADELOS NOTURNOS tornou-se tão obscuro que até o ator Jack Taylor esqueceu que havia feito o filme!


Na década de 70, o roteirista e ator Alain Petit descobriu que os negativos acabaram com o produtor francês Robert de Nesle (que bancou diversos trabalhos de Franco, incluindo "La Comtesse Perverse"). Aparentemente, Jess colocou-o como "produtor associado" de PESADELOS NOTURNOS meio no trambique, mas de Nesle nunca conseguiu distribuir o filme oficialmente porque o diretor não tinha um certificado de origem ou qualquer documento atestando seus direitos sobre a obra!

Passaram-se mais alguns anos e, com a morte do produtor francês (em 1978), sua filha repassou todo o seu inventário para a Cinémathèque Française. No meio do material, estavam os rolos do raríssimo PESADELOS NOTURNOS!


Foi quando Petit entrou na história, descobriu o paradeiro do filme e contatou Daniel Lesoeur, da produtora francesa Eurociné, sugerindo que ele obtivesse os direitos para finalmente lançá-lo comercialmente - Lesoeur tinha uma pequeníssima participação na produção, pois uma das cenas do longa foi filmada na cozinha da casa de campo da sua família!

Demoraria mais alguns anos (ou décadas) para o imbróglio relacionado a direitos ser resolvido e PESADELOS NOTURNOS finalmente ver a luz do dia. Esta única cópia existente foi recuperada e lançada em DVD em 2004 (ganhando o título em inglês "Nightmares Come at Night"), 34 anos depois de ser filmado e três décadas depois da sua primeira (e única) exibição na Bélgica!

Pena que, para uma obra que ficou perdida por três décadas, e que chegou a ser considerada um verdadeiro "Santo Graal" pelos fãs de Jess Franco - ou "elo perdido" entre as produções caprichadas de Harry Alan Towers e o momento em que o diretor descambou para os filmes de mulher pelada e sacanagem produzidos por Artur Brauner -, PESADELOS NOTURNOS é bem frustrante.


Com o ressurgimento do filme, o novo "Santo Graal" dos fãs do diretor é o outro trabalho perdido da sua "Fase Liechtenstein", que também foi muito mal-lançado e cujo paradeiro atualmente é desconhecido. Trata-se de "Sex Charade" (pôster abaixo), que foi filmado logo depois de PESADELOS NOTURNOS e compartilha o mesmo elenco: Soledad Miranda, Jack Taylor, Diana Lorys e Paul Muller, mais Howard Vernon e Maria Rohm.

Pelo menos o resumo da trama de "Sex Charade" promete muito mais que PESADELOS NOTURNOS: é sobre um assassino psicopata que foge do manicômio e se refugia na casa de uma bela jovem, que é tomada como refém. Para passar o tempo, o maníaco pede que a garota lhe conte uma história, e ela narra uma versão alegórica daquela própria situação.

É claro que, como tudo relacionado a Jess Franco, não dá para confiar muito na sinopse, que pode ser apenas desculpa para muitas cenas de sonhos/delírios ou de mulher pelada. Mesmo assim, esperemos que "Sex Charade" veja a luz do dia em breve, assim como tantas outras obras nunca lançadas ou inacabadas do prolífico diretor...

PS: Além de PESADELOS NOTURNOS passar tranquilamente como refilmagem de "Necronomicon" (ou "reciclagem da trama"), Franco recontou a mesmíssima história, com pequenas alterações, pelo menos mais duas vezes. A primeira foi em "Los Ojos Siniestros del Doctor Orloff" (1973), em que a personagem de Montserrat Prous é atormentada por pesadelos nos quais comete crimes, e resolve chamar o Dr. Orloff (!!!) para ajudá-la. A segunda foi em "Mil Sexos Tiene la Noche" (1982), já da fase vale-tudo para a Golden Films na Espanha, e desta vez com Lina Romay tendo os pesadelos com assassinatos que ela pode ou não ter cometido na vida real.


Trailer de PESADELOS NOTURNOS



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Les Cauchemars Naissent la Nuit
(1970, Liechtenstein)

Direção: Jess Franco
Elenco: Diana Lorys, Paul Muller, Soledad Miranda,
Colette Giacobine, Andrés Monales e Jack Taylor.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

A MALDIÇÃO DA VAMPIRA (1973)


A morte da atriz espanhola Soledad Miranda aos 27 anos de idade, num acidente de carro em 18 de agosto de 1970, foi um duro golpe no diretor Jess Franco, que perdeu sua grande musa de maneira repentina. Para tentar esquecer a tragédia, ele atirou-se num ritmo insano de trabalho.

Foi quando um colaborador habitual, o ator e fotógrafo Raymond Hardy (nome de batismo: Ramón Ardid), apresentou-lhe sua esposa, uma jovem atriz de teatro de Barcelona chamada Rosa María Almirall Martínez. Franco bateu o olho na moça e viu nela a beleza e a espontaneidade da finada Soledad. Nascia uma nova musa: Lina Romay, que logo também se tornaria companheira de Franco pelos próximos 40 anos (o pseudônimo foi inspirado na nova-iorquina Lina Romay, que era a principal voz feminina da banda do "Rei do Mambo" Xavier Cugat nos anos 1940, e também apareceu em alguns filmes).


A Lina Romay espanhola não apenas era bonita e espontânea, mas também uma exibicionista confessa, que, ao contrário de Soledad, não tinha problemas em aparecer nua o filme inteiro, ou mesmo filmar cenas de sexo explícito. Seu primeiro trabalho com Franco foi uma pequena participação em "La Maldición de Frankenstein" (1972), mas suas cenas aparecem apenas na edição espanhola do longa.

Após mais alguns pequenos papéis em outros filmes, Jess resolveu assumir a moça como "reencarnação de Soledad Miranda" e apresentá-la ao mundo como protagonista de "La Comtesse Noire", obra lançada em DVD no resto do mundo como "Female Vampire" e no Brasil como A MALDIÇÃO DA VAMPIRA.


Rosa Maria/Lina Romay tinha 18 para 19 anos ao encarar o papel principal da Condessa Irina von Karlstein, uma vampira com séculos de existência que não se alimenta de sangue, como os vampiros tradicionais, mas da "energia vital" dos seres humanos - sugada não a partir do pescoço das vítimas, mas a partir de... seus genitais?

Tirando esse "pequeno detalhe", A MALDIÇÃO DA VAMPIRA é uma verdadeira coleção de elementos já vistos em outros filmes de Jess, pegando emprestadas muitas ideias de "Vampyros Lesbos" - tipo a vampira safadinha sem caninos pontiagudos, que tem reflexo no espelho e não é afetada pela luz solar, e portanto pode até tomar banho de sol à beira da piscina -, mas também de "Necronomicon" (a representação de práticas sadomasoquistas) e de "O Terrível Dr. Orloff" (há um personagem batizado com o sobrenome do famoso personagem, e ele ironicamente é cego, assim como Morpho, o criado do Dr. Orloff no filme de 1961!).


Em A MALDIÇÃO DA VAMPIRA, a silenciosa Condessa Irina (ela é muda) retorna à terra-natal dos seus antepassados - a Ilha de Madeira, em Portugal -, acompanhada de um igualmente silencioso criado que obedece cegamente às suas ordens (Luis Barboo). A vampira mantém sua juventude eterna sugando a energia vital de homens e mulheres, e a polícia fica sem pistas quando os cadáveres "drenados" começam a se multiplicar na região.

O médico-legista Dr. Roberts (interpretado pelo próprio Jess Franco!) desconfia que há um vampiro à solta, mas é óbvio que os investigadores não acreditam na sua "teoria". Assim, ele consulta um colega cego e especialista em parapsicologia, o Dr. Orloff (Jean-Pierre Bouyxou), que confirma a hipótese, e os dois homens juntam forças para tentar deter a ameaça.

Ao mesmo tempo, o poeta bon-vivant Barão Von Rathony (Jack Taylor, de "Necronomicon") se apaixona por Irina, e vice-versa. Poderá este amor vencer a maldição da eternidade da vampira, ou o pobre escritor está destinado a ser sua próxima vítima?


Descrevendo assim, A MALDIÇÃO DA VAMPIRA parece até contar uma história linear e redondinha; mas acredite, foi muito difícil escrever esses três parágrafos sobre o filme, já que basicamente NADA acontece ao longo dos 101 minutos de projeção além de Lina Romay em atividade sexual, sozinha ou acompanhada, E NUA DURANTE 99% DO TEMPO!!!

Longe de mim querer reclamar da quantidade de mulher pelada em um filme, mas Franco exagerou na dose aqui: quando não aparece transando com algum homem ou mulher, Lina é mostrada completamente nua na cama, se masturbando, rolando de um lado para o outro como quem está no cio, ou chupando o dedo lascivamente. Não demora para a nudez da atriz ficar repetitiva, bem como os seus inúmeros encontros sexuais, e então a "história" trava.


Alguns fãs e pesquisadores da obra de Jess consideram este um dos seus títulos fundamentais, mas eu confesso que não achei grande coisa. Do jeito que está, A MALDIÇÃO DA VAMPIRA é menos um filme e mais um veículo para o exibicionismo da nova musa do diretor, que, com a câmera, percorre cada palmo do belo corpo da moça (com direito a inúmeros super-zooms da sua vagina!).

A primeira cena do filme já dá o tom do que se verá em seguida: uma Lina Romay completamente pelada (veste apenas capa preta, cinto de couro e botas de cano longo) "sai" da neblina e caminha lentamente em direção da câmera, enquanto o diretor dá zooms no seu rosto, peitos e pêlos púbicos. Ela continua caminhando até literalmente bater com o rosto na lente da câmera, e Franco devia estar tão fascinado com a beleza de Lina que nem se preocupou em cortar isso!


O restante de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA não passa muito de a-) Lina pelada (a não ser pela capa, cinto e botas) atacando suas vítimas e "sugando-as" pela genitália, b-) diversas cenas de sexo softcore no limite do pornográfico, e com bastante insinuação de sexo oral, ou c-) Lina rolando pelada em sua cama e sensualizando para a câmera do diretor.

Para piorar, o fato de a Condessa Irina ser muda limita bastante a quantidade de diálogos entre os personagens. Chega a ser cômica a cena em que uma jornalista, Ana (a esquisita Anna Watican), tenta "entrevistar" a vampira (exato: Jess Franco filmando "Entrevista com um Vampiro" 20 anos antes do filme, e curiosamente o livro de Anne Rice foi publicado no mesmo ano de 1973!). Irina responde as perguntas apenas fazendo "sim" ou "não" com a cabeça, e eu fico imaginando como é que a jornalista iria publicar esta "entrevista"...


É curioso perceber como Jess mais uma vez mostra-se à frente do seu tempo, antecipando personagens e situações que veríamos bem depois. A Condessa Irina lembra tanto a vampira muda e peladona interpretada por Mathilda May em "Força Sinistra" (1985), de Tobe Hooper, que também suga a força vital de suas vítimas (mas através de efeitos especiais, e não de sexo oral), quanto Mara Tara, a personagem criada por Angeli para sua saudosa revista Chiclete com Banana, que também mata suas vítimas através de boquetes mortíferos!


Infelizmente, esta ideia interessante do roteiro (o "roubo" da energia vital durante o sexo) é mostrada em excesso até tornar-se repetitiva, enquanto um conflito que poderia ser bem melhor aprofundado (a paixão da vampira pelo poeta "mortal") é sub-aproveitado, e isso numa época em que os "vampiros apaixonadinhos" ainda não estavam na moda. Os caçadores de vampiros interpretados por Franco e Jean-Pierre Bouyxoy também acabam sendo desperdiçados.

Isso porque a narrativa lembra muito a de um filme pornô, apenas pulando de uma (longa e demorada) cena de foda para outra, e comprometendo as ideias mais originais do roteiro. Personagens entram em cena, transam com a vampira, morrem e saem de cena, sem nenhuma contribuição para a trama. Lá pelas tantas, por exemplo, a condessa vampira acaba na mansão da "Princesa de Rochefort" (Monica Swinn), que é adepta do sadomasoquismo, e apenas a desculpa que Jess precisava para uma loooooonga sequência envolvendo submissão, sadismo, sexo e morte, que trava completamente o filme.


Embora eu não morra de amores por A MALDIÇÃO DA VAMPIRA, é impressionante como Franco consegue colocar algumas imagens fascinantes mesmo num trabalho mais fraco, como este. A cena inicial da vampira peladona caminhando numa floresta tomada pela neblina é muito bonita, assim como o literal "banho de sangue" da condessa, numa banheira repleta do líquido vermelho-escuro - ao som de uma trilha melancólica, e hipnotizante, composta pelo francês Daniel J. White (depois reutilizada no péssimo "Zombie Lake", de Jean Rollin).

Porém, na maior parte do tempo, o que se percebe é certo desleixo do diretor, com um excesso do uso de zoom (para baratear custos de produção e acelerar o ritmo das filmagens) e de cenas fora de foco.


Isso é compreensível pelo fato de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA ser um daqueles projetos personalíssimos em que o espanhol hiperativo fez praticamente tudo: não apenas dirigiu e escreveu o roteiro (com o pseudônimo "J.P. Johnson", em homenagem ao famoso pianista de jazz James P. Johnson), mas também filmou, quase sempre com a câmera no ombro (usando outro pseudônimo, "Joan Vincent"), e editou, assumindo um terceiro nome falso ("P. Querut") para a equipe técnica parecer maior do que realmente era!

Segundo a atriz Monica Swinn, aqui em seu primeiro trabalho com Jess (ela era namorada do ator e crítico Bouyxou à época, e foi convidada para aparecer como a princesa adepta de S&M), a equipe de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA era praticamente inexistente: "Não havia 'equipe', era apenas Jess, Ramón, o ex-marido de Lina, que era uma espécie de faz-tudo, e [o assistente de direção] Rick de Connick".


Tem até uma lenda, espalhada por Lina Romay, de que Jess teria feito o filme com dinheiro do próprio bolso, depois que ganhou um prêmio considerável na loteria (!!!). Mais tarde, ele vendeu os direitos de distribuição para o parceiro de longa data Marius Lesoeur, da Eurociné, para conseguir bancar a pós-produção.

Não satisfeito em fazer praticamente tudo, Franco ainda rodou nada menos de TRÊS VERSÕES de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA, tornando-o um daqueles autênticos pesadelos para pesquisadores da obra do diretor! No passado, ele até já havia feito algumas cenas diferentes (com roupa e sem roupa) para produções tipo "O Terrível Dr. Orloff"; mas esta é a primeira vez que Jess rodou versões diferentes de um mesmo filme (algo que se tornaria comum a partir daqui).


A versão mais conhecida (e também a que foi lançada em DVD no Brasil, e avaliada para esta resenha) é a "montagem softcore" da história, em que vemos Lina Romay sempre pelada e sugando a energia vital de suas vítimas por via genital. Esta versão tem cerca de 1h40min.

Mas também existe uma versão pornográfica chamada "Les Aveleuses" ("Aquelas que Engolem", em tradução literal), em que a própria Lina aparece "com a boca na butija", fazendo cenas de sexo oral explícitas para complementar aquelas que eram apenas insinuadas na outra montagem. Esta edição tem quase 8 minutos a mais, e traz dublês de pinto para atores como Jack Taylor, que não participaram das cenas de sexo explícito.

Por fim, a terceira e mais interessante versão chama-se "Erotikill" (capinha ao lado), ou "The Bare-Breasted Countess", dependendo da parte do mundo em que foi lançada. Este corte tem quase meia hora A MENOS e dâ ênfase no horror, usando takes alternativos em que a vampira aparece quase sempre vestida e atacando suas vítimas da forma "tradicional" - ou seja, mordendo o pescoço. Toda a ideia da força vital sendo sugada pelos órgãos sexuais foi excluída, e a quantidade de sexo e mulher pelada é mantida no mínimo necessário.


Se já parece complicado descrever as três versões de um mesmo fime, imagine o maluco do Jess Franco FILMANDO isso tudo ao mesmo tempo! Afinal, praticamente sem dinheiro e com uma equipe técnica reduzida, ele tinha que rodar três versões de uma mesma cena (veja alguns exemplos nas imagens abaixo).

Tomemos como exemplo o primeiro ataque da Condessa Irina, que é a um granjeiro da região. Franco filmou uma versão desta cena com Lina Romay "vestida" (a capa preta cobre sua nudez) seduzindo o rapaz e então mordendo seu pescoço, como um vampiro tradicional. Depois, o diretor repetiu o take com Lina pelada (fora, capa!) seduzindo o rapaz e praticando sexo oral apenas sugerido, por onde rouba sua "energia vital". Finalmente, Franco rodou alguns takes a mais com closes da atriz realmente chupando um pinto (que pode ser do ator ou de um dublê para as cenas explícitas), para a versão pornográfica. Ou seja: no tempo que um diretor "normal" provavelmente filmaria três takes da mesma cena, para ter opções de material para editar depois, Franco filmou três versões DIFERENTES da mesma cena para três cortes DIFERENTES do mesmo filme! Gênio ou louco?

Peitos cobertos e mordida no pescoço nos takes para "Erotikill"...

...e peitos de fora + sexo oral na versão "A Maldição da Vampira"


Vampira chupa o sangue da jornalista em cena de "Erotikill"...

...e chupa outra coisa na cena de "A Maldição da Vampira"!


Em "Erotikill", o ataque é no pescoço da Princesa de Rochefort...

...mas em "A Maldição da Vampira" é em outro lugar!


O Dr. Orloff examina marcas no pescoço em "Erotikill"...

...e uma área mais embaixo em "A Maldição da Vampira".


E quando eu digo que essa tática é um pesadelo para pesquisadores da obra do diretor, é porque cada uma das três versões diferentes de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA tem cenas que as outras não têm - e depois as três ainda ganhariam "sub-versões" feitas para determinados mercados, dependendo da censura de cada país!

Por exemplo: enquanto na versão "terror" chamada "Erotikill" vemos a Condessa Irina mordendo o pescoço das vítimas (com direito a várias imagens da vampira com a boca ensanguentada que não estão nas outras duas versões), aquela longa cena envolvendo a prática de sadomasoquismo, com as atrizes Monica Swinn, Alice Arno ("La Comtesse Perverse") e Gilda Arancio, NÃO aparece em "Erotikill" - mas é mostrada, com mais ou menos sacanagem, nas montagens softcore e hardcore! Logo, para ver TUDO que Franco rodou para este filme, só mesmo catando as três versões! (Em futuras edições da MARATONA JESS FRANCO, prometo fazer uma resenha apenas de "Erotikill", que acaba sendo um filme completamente diferente de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA.)


O grande problema é que o sem-noção do Jess Franco fez essa lambança toda sem avisar a maioria dos atores! Uma das primeiras a perceber que havia algo de muito estranho na maneira de ele filmar "takes alternativos" das cenas foi Monica Swinn.

"Eu costumava olhar para ele [Franco] e pensar: 'Mas quantos filmes eu estou fazendo afinal?'. Começava a lembrar das cenas que gravamos antes e pensava comigo mesmo: 'Não pode ser a mesma personagem!'. E era muito difícil saber o que estava acontecendo, mas às vezes ele ficava tão satisfeito com o que estava fazendo que confessava: 'Adivinhe? Estamos gravando três fimes ao mesmo tempo!'", lembrou Monica, numa entrevista ao livro "Obsession: The Films of Jess Franco".


Outros não ficaram tão animados ao saber que estavam fazendo três filmes diferentes pelo preço de um, ou por preço nenhum, como aconteceu com o pobre Jack Taylor: o ator norte-americano ficou furioso ao saber que existia uma versão X-Rated do filme ("Les Aveleuses"), em que a montagem insinuava que ele protagonizava uma cena de sexo explícito, graças à inserção do tradicional "dublê de pinto" nos takes filmados em close.

"Eu fiz esse filme na Ilha de Madeira, que nunca terminamos de filmar e nunca me pagaram um centavo. Alguns anos depois, um amigo me disse: 'Não sabia que você fazia pornô', e eu também não sabia! Foi então que eu descobri que Jess transformou o filme num pornô, que eu nunca fiz e pelo qual nunca fui pago. Trabalhar com Jess era divertido, mas também podia ser terrivelmente frustrante às vezes", observou Taylor, também em entrevista ao livro "Obsession".


De qualquer jeito, A MALDIÇÃO DA VAMPIRA marcou o início de uma relação não apenas profissional entre Franco e Lina - cuja paixão fica mais que evidente pela maneira como a câmera do diretor "namora" o corpo da atriz ao longo do filme.

A união de cineasta e musa acabou com o casamento de ambos: Jess estava casado com a francesa Nicole Guettard, com quem tinha uma filha, e o marido de Lina, Raymond/Ramón, até aparece no filme como um massagista bonitão que acaba se tornando vítima da vampira. Menos mal que marido e esposa abandonados levaram a "troca" na esportiva e continuaram trabalhando com Jess e Lina até os anos 1990. Os dois pombinhos ficaram juntos até o final: Lina morreu em 2012, Jess em 2013.


Mesmo que seja considerada uma obra superior do diretor por muitos dos seus fãs, eu já acho que A MALDIÇÃO DA VAMPIRA passa longe da sofisticação e daquele erotismo mais refinado de "Vampyros Lesbos", que foi realizado apenas três anos antes. Aqui, Jess abandona qualquer sutileza e escancara tudo (literalmente, no caso da montagem X-Rated), mas a quantidade gigantesca de sexo e nudez logo se torna redundante e enfadonha.

Inclusive o espectador pode avançar a maior parte do filme sem pena com o Fast Foward, pois há pouquíssimos diálogos, e quase nada se perde depois da primeira ou da segunda looooooonga cena de vampirismo sexual.

Isso aproxima A MALDIÇÃO DA VAMPIRA de um filme pornô (mesmo que você esteja vendo a versão softcore), daqueles que, por causa de duas ou três cenas legais, te obrigam a ver o negócio inteiro no FF até chegar nas partes boas.

Mas certamente será um deleite para os fãs de Lina Romay.


Trailer de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA



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La Comtesse Noire / Female Vampire
(1973, França / Bélgica)

Direção: Jess Franco (aka J.P. Johnson)
Elenco: Lina Romay, Jack Taylor, Monica Swinn,
Alice Arno, Jess Franco, Luis Barboo, Gilda Arancio,
Jean-Pierre Bouyxou e Raymond Hardy.