WebsiteVoice

Mostrando postagens com marcador Danny Trejo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Danny Trejo. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

DESEJO DE MATAR 4 - OPERAÇÃO CRACKDOWN (1987)


Depois do apocalíptico "Desejo de Matar 3", parecia mais do que óbvio que a carreira cinematográfica do vigilante Paul Kersey estava encerrada. Afinal, não havia mais história para contar. A parceria entre a Cannon Films e Charles Bronson continuou com os filmes policiais "O Vingador" (1986) e "Assassinato nos Estados Unidos" (1987), e por algum tempo Kersey realmente permaneceu aposentado.

O problema é que, à época, a Cannon andava mal das pernas por causa do investimento exagerado - e nunca recuperado nas bilheterias - em filmes como "Falcão - O Campeão dos Campeões" (em que só o astro Sylvester Stallone embolsou 12 milhões de cachê!) e "Superman 4 - Em Busca da Paz". Os produtores Golan e Globus decidiram que a melhor forma de sair do vermelho era lançar continuações de suas franquias mais lucrativas. Sem pensar duas vezes, colocaram em pré-produção "Braddock 3", com Chuck Norris, e DESEJO DE MATAR 4 - OPERAÇÃO CRACKDOWN.


Como Bronson e o diretor inglês Michael Winner se estranharam após o lançamento do terceiro filme, a direção da quarta aventura de Kersey passou para outro inglês, o veterano J. Lee Thompson, que já tinha trabalhado com Bronson cinco vezes (incluindo "Dez Minutos Para Morrer"). Era um verdadeiro encontro de dinossauros: o ator estava com 66 anos, e o cineasta com 73. Thompson já trabalhava para a Cannon há algum tempo, dirigindo aventuras como "As Minas do Rei Salomão" e "Os Aventureiros do Fogo", e estava acostumado a fazer filmes para os primos israelenses com orçamentos irrisórios.

Definido o diretor, o problema agora era qual direção seguir depois de "Desejo de Matar 3": continuar apostando no exagero e no absurdo, ou voltar àquele tom mais sério e realista dos dois primeiros filmes?


Nem os próprios Golan e Globus sabiam a resposta. Por isso, vários argumentos para DESEJO DE MATAR 4 foram analisados por eles, incluindo uma ideia sugerida pelo próprio Brian Garfield (autor do romance "Death Wish", que deu origem ao primeiro filme, lembra?).

Depois de muitas idas e vindas, Golan e Globus lembraram de Gail Morgan Hickman e das várias ideias não-aproveitadas que ele havia escrito alguns anos antes para a Parte 3. Hickman tinha roteirizado uma outra aventura de Bronson ("O Vingador"), e seu trabalho foi tão satisfatório que resolveram chamá-lo de volta para escrever DESEJO DE MATAR 4 a partir de um daqueles argumentos descartados em 1984.


Inicialmente, Hickman escreveu uma aventura mais séria que era continuação direta de "Desejo de Matar 2", fingindo que aquela Terceira Guerra Mundial num bairro pobre de Nova York, mostrada na Parte 3, nunca aconteceu! No argumento inicial, um envelhecido Kersey, ainda vivendo em Los Angeles, aposenta seu passado como vigilante e volta a se relacionar com aquela ex-namorada interpretada por Jill Ireland na Parte 2, prometendo a ela nunca mais fazer justiça com as próprias mãos. Só que namorar com Kersey é zica, e logo a moça seria executada por bandidos durante um assalto. Como o herói tinha feito a promessa de abandonar as armas, ele tenta agir conforme a lei dessa vez, levando os culpados a julgamento. Só que os assassinos são inocentados e voltam às ruas. É quando Kersey também resolve sair da aposentadoria e vingar-se ao seu estilo.

Parece até interessante no resumo, mas o roteiro de Hickman não foi bem recebido pela Cannon, que queria uma aventura com mais tiros e explosões e menos drama, questionamentos e conflitos internos do vigilante. Além disso, a atriz Jill Ireland estava se tratando de um grave câncer de mama e não se sentia confortável para interpretar uma personagem que morria. E sem ela, a ideia perdia todo o sentido.


Assim, Hickman voltou à estaca zero, e, entre as várias ideias surgidas no processo, bolou uma completamente absurda em que Kersey caçava um perigoso terrorista para vingar um amigo da CIA morto pelo vilão (coincidentemente, argumento parecido já havia aparecido na aventura "Exterminador Implacável", com Rutger Hauer, um ano antes)!

Finalmente, o roteirista chegou à ideia que acabou se transformando em DESEJO DE MATAR 4, baseada tanto no western "Por um Punhado de Dólares" quanto na fonte inspiradora deste, o filme japonês "Yojimbo": o vigilante Kersey agora agiria de maneira mais cerebral, colocando duas quadrilhas de traficantes de drogas uma contra a outra, e matando aqueles que sobrassem no final!


Naquela etapa dos anos 80, a Cannon Films estava buscando temas "socialmente engajados" para suas aventuras. Se "Superman 4 - Em Busca da Paz" era um libelo anti-corrida armamentista, DESEJO DE MATAR 4 seria uma aventura anti-drogas. A própria família Bronson sofria com o problema, já que o filho adotivo do astro, Jason McCallum, travava uma dura batalha contra o vício em drogas (mas nunca se soube se isso influenciou ou não no argumento do filme, e se foi Bronson quem sugeriu abordar o tema).

Fazendo de conta que "Desejo de Matar 3" nunca aconteceu, o filme mostra Kersey trabalhando normalmente como arquiteto em Los Angeles, e com um novo caso amoroso: trata-se de mais uma jornalista, Karen Sheldon (Kay Lenz, de "A Casa do Espanto"), e novamente com a metade da idade dele (Kay tinha 34 anos, Bronson 66!). Para quem não lembra, na Parte 2 a namorada de Kersey também era jornalista.


Embora sofra pesadelos frequentes relacionados a suas incursões anteriores como vigilante, Kersey parece ter aposentado seu passado para levar uma nova vida com Karen e sua enteada adolescente, Erica (Dana Barron, que interpretou a filha de Chevy Chase em "Férias Frustradas").

Sem que os pais saibam, Erica e seu namorado Randy (Jesse Dabson) são usuário de drogas. E, certa noite, a garota exagera no crack e acaba comendo capim pela raiz, morrendo de overdose. Isso tudo acontece já nos primeiros 10 minutos de filme, pois desenvolvimento de personagens parece não interessar muito nesse quarto filme.

Kersey sequer espera o cadáver esfriar: ele segue Randy até o traficante que vendeu a droga, Jojo (Héctor Mercado), testemunha a execução do rapaz (que, burramente, ameaçou entregar o traficante à polícia) e resolve sair da aposentadoria, dando o devido castigo ao "assassino" da sua enteada. Ok, os culpados pela overdose estão mortos, então parece que é o fim, certo? Errado.


As mortes de Randy e Jojo são investigadas por uma dupla de policiais, os detetives Reiner (George Dickerson) e Nozaki (Soon-Tek Oh). E como Nozaki é interpretado pelo mesmo ator que fez o vilão de "Braddock 2", é óbvio que mais cedo ou mais tarde ele vai se revelar um policial corrupto.

Paralelamente, o vigilante é procurado por um poderoso milionário, dono de um império de veículos de comunicação, chamado Nathan White (John P. Ryan). Ele quer "contratar" o justiceiro para um trabalhinho: aniquilar as duas quadrilhas de traficantes que comandam o império dos entorpecentes em Los Angeles. Nathan alega que sua única filha também morreu de overdose, e por isso não vai economizar dinheiro ou armas para que Kersey acabe com a raça dos bandidos. Apesar de não ter mais nada a ver com a história, e de não ser nenhum mercenário ou guerrilheiro, o vigilante aceita a proposta - com a desculpa de acabar com aqueles que estão matando "as crianças".


As duas quadrilhas são chefiadas por Ed Zacharias (Perry Lopez, que depois trabalhou com Bronson no ótimo "Kinjite - Desejos Proibidos") e pelos irmãos latinos Jack (Mike Moroff) e Tony Romero (Dan Ferro). Como já acontecia em "Por um Punhado de Dólares" e "Yojimbo", um grupo não se bica com o outro, e só precisa riscar um fósforo para explodir o barril de pólvora.

Kersey percebe isso e dá uma de Clint Eastwood/Toshiro Mifune, jogando uma quadrilha contra a outra, matando os homens-chave de cada organização e fazendo parecer que foi trabalho do outro grupo. O resultado é uma mini-guerra que quase lembra "Desejo de Matar 3", aquela aventura exagerada que o astro, o roteirista e os produtores estavam tentando esquecer...


Uma das minhas principais queixas em relação a DESEJO DE MATAR 4 é que ele parece não ter nada a ver com o restante da série - tudo bem, o terceiro também não, mas pelo menos era engraçadíssimo e já estava de bom tamanho para fechar a franquia. Não consigo engolir um justiceiro como Paul Kersey fazendo intriguinha nos bastidores, colocando bandidos uns contra os outros ao invés de atacá-los por conta própria e matar todo mundo, ao seu estilo. Soa tão imbecil quanto aquele filme do Justiceiro com o Thomas Jane.

O roteirista Hickman merece crédito por ter tentando ligar a história com os dois primeiros filmes, e até faz diversas citações a eles, quando os policiais que investigam o caso citam as tragédias acontecidas na família Kersey em "Desejo de Matar" e "Desejo de Matar 2"; além disso, novamente Kersey se identifica com o nome falso "Kimball", como fez na Parte 2 (e também na terceira, mas lembre-se que essa não foi levada em consideração aqui).


O problema é que Hickman não percebeu que Kersey não é um soldado, um policial ou um mercenário, mas sim um cara normal com desejo de matar (dã!). Eu consigo engolir o protagonista lutando sujo contra os punks do terceiro filme, mas não sua cruzada patrocinada contra os traficantes de drogas. Aliás, por que diabos o personagem de Ryan contrata Kersey para fazer o serviço ao invés de um mercenário ou assassino profissional?

Sem contar que é praticamente impossível acreditar que Kersey consiga esconder de todo mundo (da nova namorada, da polícia...) o seu trabalho atual como vigilante, já que aparece o tempo inteiro com armas de grosso calibre e até explosivos para despachar os traficantes. E a maneira como ele consegue se infiltrar com a maior facilidade em qualquer lugar - como ao entrar disfarçado de garçom numa festa promovida por Zacharias, ou fingindo ser funcionário numa refinaria de cocaína do mesmo traficante - é forçar demais a amizade!


Há algumas reminiscências daquele primeiro roteiro que Hickman escreveu e que não foi aprovado pela Cannon - aquele mais sério e tal -, e esses pequenos detalhes são a melhor coisa de DESEJO DE MATAR 4, o que me leva a imaginar como este primeiro roteiro poderia ter sido um filmaço antes da mudança para a trama chupada de "Por um Punhado de Dólares".

Por exemplo, a primeira cena do filme, que Hickman disse ter sido a única coisa que conseguiu manter daquela sua primeira versão do roteiro, é um pesadelo em que Kersey aparece interrompendo uma tentativa de estupro. "Quem é você?", pergunta um dos estupradores. "A morte", responde o herói antes de passar chumbo no sujeito, mas só para descobrir que acabou de matar um clone de si mesmo. Kersey então acorda suado e gritando na cama, comprovando que ele ainda é assombrado pela culpa de todos os crimes cometidos, numa ideia interessante que infelizmente é abandonada pelo filme no momento em que o vigilante inicia sua cruzada anti-drogas.


No livro "Bronson's Loose! - The Making of the 'Death Wish' Films", o roteirista explicou ao pesquisador Paul Talbot como foi o processo de destruição da sua história original: "Ficou bastante claro para mim que a Cannon queria que o filme fosse apenas entretenimento. Meu primeiro roteiro era muito sério, e acho que só existem duas maneiras de contar a história de um vigilante: uma é abordar seriamente as implicações morais da justiça pelas próprias mãos, e o que isso faz com você; a outra é fazer algum cartunesco, só para diversão".

Hickman também comparou a série "Desejo de Matar" com as franquias de James Bond e Dirty Harry, em que cada sequência vai ficando mais exagerada. Inclusive eu não entendo porque teimaram em passar a borracha na absurda Parte 3 se esta aqui também tem uma contagem de cadáveres altíssima e inverossímil, a segunda maior da série!


Para não ser injusto, DESEJO DE MATAR 4 tem algumas ótimas cenas de ação, especialmente o ataque de Kersey à refinaria e o massacre coletivo das duas quadrilhas. Algumas piadinhas inspiradas aqui e ali também ajudam a espantar a sensação de estarmos vendo algo completamente descartável. Gosto muito da cena em que um capanga flagra Kersey dentro de sua casa e pergunta o que ele faz ali, e o vigilante responde, com a maior cara-de-pau: "Estou só fazendo um sanduíche".

Outro diálogo inspirado acontece quando Kersey aborda um dos traficantes mostrando a foto da sua finada enteada Erica, e dizendo que fez tudo aquilo por ela. O bandido responde: "Mas eu nem a conheço!". Antes de disparar à queima-roupa, o vigilante retruca: "Mas eu sim!".


O final de DESEJO DE MATAR 4 envolve uma intereressante reviravolta (pouco convincente, mas, vá lá, inesperada) relacionada ao personagem de John P. Ryan. Mas até chegar nela será preciso resistir a cenas francamente estúpidas, como aquela em que o herói explode um trio de vilões usando uma garrafa de vinho-bomba, à la 007 (qual o problema em simplesmente chegar atirando?). Ou o momento patético de "crítica social" em que um médico-legista apresenta à personagem de Kay Lenz várias jovens vítimas do consumo de drogas.

Por sinal, o roteiro fraquinho desperdiça este novo interesse amoroso de Kersey. A pobre Karen aparece apenas no começo do filme, quando vê a filha morrer de overdose, e então desaparece da trama até o final, quando é sequestrada pelos bandidos e, claro, tem o tradicional final trágico reservado a todas as namoradas ou familiares de Paul Kersey. Ninguém se preocupa em explicar o que a personagem fez durante todo o tempo em que esteve sumida da narrativa, mas sabemos que ela não se encontra mais com Kersey - pois o vovô tem todas as noites livres para sair matando bandidos pela cidade!


Não faltam culpados para a inconsistência geral do filme. Um deles é o diretor Thompson, que naqueles tempos lutava contra o alcoolismo. Outros dois são Golan e Globus, que baixaram tanto o orçamento da produção que até reaproveitaram músicas de seus filmes "Braddock - O Super Comando" e "Invasão USA" na trilha sonora para economizar uns trocados, além de colocar pôsteres e displays de várias produções da Cannon em algumas cenas para fazer merchandising grátis. Ironicamente, o trailer de cinema do filme anunciava "The biggest 'Death Wish' ever!"...

Porém o maior culpado talvez seja o próprio Bronson. No livro "Bronson's Loose!", o roteirista Hickman lembra que o ator estava um verdadeiro pé no saco durante as filmagens, reclamando o tempo inteiro que não queria gravar cena "x" ou diálogo "y", e obrigando-o a fazer incontáveis mudanças no roteiro.


Originalmente, por exemplo, o grande vilão do filme morreria asfixiado pelo próprio veneno, quando Kersey o trancava numa sala com o ar impregnado de cocaína; na hora de filmar, optaram pelo velho e direto "Vamos explodir o filho da puta", já visto no final de "Desejo de Matar 3" e também de "Invasão USA". (Traficantes asfixiados com seu próprio veneno apareceriam dois anos depois no obscuro "Esquadrão Cobra 2", com Lorenzo Lamas.)

Também segundo o roteiro original, a namorada do herói permaneceria viva na conclusão, e até prometendo ajudar o vigilante em ações futuras para compensar a perda da filha. Temendo que isso provocasse polêmica pela velha questão do pró-vigilantismo, diretor e produtores optaram por matar a personagem no final, só para manter a tradição da série de que os interesses românticos de Kersey devem morrer!


Por causa dessa soma de fatores, DESEJO DE MATAR 4 - OPERAÇÃO CRACKDOWN é bem decepcionante. Quando vemos o velhote Bronson correndo com uma metralhadora maior que ele, parecendo prestes a ter um infarto, fica claro que o filme funcionaria muito melhor como veículo para Chuck Norris ou, sei lá, Michael Dudikoff.

Enfim, esta Parte 4 só não é a mais fraca da série porque, anos depois, um ainda mais envelhecido Bronson cometeria a imbecilidade de voltar no fraquíssimo e ordinário "Desejo de Matar 5", um dos piores (e últimos) filmes de sua carreira.


Como já havia acontecido com os outros filmes da série, esta quarta aventura traz pelo menos dois atores que ficariam mais famosos depois em pequenas participações. Um deles é o Machete em pessoa, Danny Trejo, interpretando um dos homens de Zacharias (e uma das vítimas da hilária garrafa de vinho explosiva); o outro é Mitch Pileggi, o Skinner do seriado "Arquivo X", como um traficante que toma umas bolachas de Kersey na refinaria de cocaína. Suas participações são no estilo "piscou, perdeu", então aproveite para dar uma boa olhada em ambos nas imagens acima.

E um detalhe trágico: num daqueles casos em que a vida imita a arte, o filho adotivo drogado do astro, Jason McCallum, morreu dois anos depois de overdose. Pena que, na vida real, Bronson estava muito velho para sair matando traficantes ao estilo Paul Kersey no filme...


PS: Michael Winner nunca mais voltou a dirigir uma aventura de Paul Kersey, mas em 1993 revisitou o universo do vigilantismo em "Beleza Fatal", que é praticamente uma paródia de humor negro da série "Desejo de Matar", mas com UMA vigilante em ação. Para quem gosta do tema, vale a pena procurar!


FICHA CRIMINAL:
* Pessoas ligadas a Kersey agredidas: namorada (morta), filha adotiva (morta por overdose) e namorado da filha adotiva (morto)
* Armas usadas pelo vigilante: pistola Walther PPK .32, pistola Walther PP .32 (outro modelo), submetralhadora MAC-10, submetralhadora Uzi, rifle M16 com lançador de granadas M203, rifle Ruger Mini-14, garrafa de vinho explosiva, porta-malas de carro
* Contagem de cadáveres: 50 (Kersey 34 + 3 em pesadelo x 13 Marginais)

Trailer de DESEJO DE MATAR 4 - OPERAÇÃO CRACKDOWN



*******************************************************
Death Wish 4: The Crackdown (1987, EUA)
Direção: J. Lee Thompson
Elenco: Charles Bronson, John P. Ryan, Kay Lenz, Perry Lopez,
Dana Barron, George Dickerson, Soon-Tek Oh, Jesse Dabson,
Mike Moroff, James Purcell e Danny Trejo.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

KINJITE - DESEJOS PROIBIDOS (1989)


Último filme da lucrativa parceria entre o astro geriátrico Charles Bronson, o veterano cineasta J. Lee Thompson e a produtora Cannon Films, o interessante policial KINJITE - DESEJOS PROIBIDOS é bem acima da média, ainda mais para os bunda-molísticos padrões atuais. Mas, verdade seja dita, poderia ser um filme bem melhor sem estes envolvidos (Bronson, Thompson e Cannon).

Claro, sempre é bom ver uma aventura barata e inconsequente produzida pela Cannon e dirigida pelo experiente Thompson - que, à época, já tinha tocado o "Foda-se" e assumia o que viesse pela frente, de "Desejo de Matar 4" a "Os Aventureiros do Fogo", cópia pobretona de Indiana Jones estrelada por Chuck Norris. E sempre é bom ver o velho Bronson na sua milésima interpretação de policial durão.


Porém, uma sensação de estranheza permeia cada minuto de KINJITE, fazendo com que você às vezes se pergunte: "Mas peraí, que filme é esse que eu estou vendo?".

Eu aposto que o roteiro escrito por Harold Nebenzal era para ser originalmente um drama sério e pesado sobre o submundo da pornografia e da prostituição, na linha de "Hardcore", de Paul Schrader. O próprio trailer do filme já passa essa idéia.


Só que, provavelmente, o tal roteiro ambicioso acabou caindo nas mãos da Cannon, e o "drama sério e pesado" foi transformado em mais uma aventura corriqueira de Charles Bronson, pulando as partes mais interessantes para concentrar-se nos tiros e explosões - artifícios desnecessários diante da interessante história que está sendo narrada.

Bronson interpreta Crowe, um policial de Los Angeles especializado em casos de prostituição de menores de idade. Ele trabalha no departamento há anos, já viu de tudo um pouco e está prestes a explodir.


O filme já começa a todo vapor, com Crowe e seu parceiro Eddie Rios (Perry Lopes, que ironicamente foi inimigo de Bronson em "Desejo de Matar 4") irrompendo num quarto de hotel onde um milionário sacia suas fantasias depravadas com uma menininha de 15 anos. O "encontro romântico" foi agenciado pelo cafetão Duke (Juan Fernández), especializado em "fornecer" garotinhas menores de idade para ricaços pedófilos.

Crowe quer que o cidadão pego no flagra denuncie Duke, para que possam colocar o bandidão atrás das grades. Diante da recusa do homem, o herói agarra um imenso vibrador que o pervertido trazia numa maleta e diz: "Agora vou te mostrar como a garotinha iria se sentir".


(Embora a cena corte a partir dali, com os gritos desesperados do pedófilo, qualquer pessoa em sã consciência imagina o que Crowe fez com o sujeito! E se Charles Bronson já era perigoso com um REVÓLVER na mão, imagine com um consolo gigante!)

Naquela noite, o policial durão volta para casa com a cabeça pesada, achando que o fato "vibrador enfiado no rabo de milionário pedófilo" pode trazer problemas para ele no departamento. Mas encontrará outras preocupações no seu próprio lar, doce lar: sua filha adolescente, Rita (a gatinha Amy Hathaway), aos amassos com um atleta da escola.


Crowe reclama com a esposa Kathleen (Peggy Lipton, da série "Twin Peaks") sobre o acontecido, dizendo que a filha não tem idade para ficar fazendo essas coisas. E nesse momento já surge a primeira evidência de que esse é um herói nada convencional: acontece que o sujeito nutre uma paixão proibida pela garotinha, um ciúme obsessivo de qualquer outro homem que se aproxime dela.

Sem formas "legais" para prender Duke, o tira resolve dar uma prensa no cafetão para ele "se ligar". Certa noite, calça o bandido com seu revólver e o leva para um voltinha. É quando acontece uma das grandes cenas de KINJITE. O cafetão tenta negociar: "Quanto você ganha como policial num ano? Olha só, te dou este relógio de ouro com diamantes, que vale 25 mil dólares, se me deixar em paz". Crowe fica puto. Ele devolve o relógio para o bandido e aponta a arma para a sua cabeça: "Você vai engolir este relógio, senão te estouro os miolos". E não é que o cara, cagado de medo, engole mesmo o troço? Com um sorrisinho de satisfação, Crowe sai do Cadillac do cafetão falando: "Agora, para olhar as horas, você só precisa enfiar a cara no próprio rabo".


Paralelamente, começa a desenvolver-se um drama secundário: um executivo japonês chamado Hiroshi Hada (James Pax), casado com uma esposa que trata como escrava e com quem tem duas filhas pequenas, é transferido de Tóquio para Los Angeles. Hiroshi é aquele típico oriental reprimido por uma sociedade que exige trabalho e submissão. Sua válvula de escape são fantasias sexuais sórdidas com colegiais e mangás pornográficos que apavoram sua esposa.

Uma noite, voltando para casa, o japa vê um homem masturbar uma garota desconhecida no metrô. Quando comenta o fato com um amigo no dia seguinte, este lhe explica o acontecido: "É natural que a moça não tenha pedido ajuda: ela não suportaria a humilhação de assumir em público que estava sendo molestada".


Chegando a Los Angeles, Hiroshi pega um ônibus e dá o azar de cruzar justo com a filha de Crowe e suas amiguinhas. Bêbado, tenta repetir o que viu no metrô de Tóquio e enfia a mão por baixo da saia de Rita. Como estamos nos EUA, e não no Japão, a moça não tem a menor vergonha de gritar e pedir ajuda, forçando o executivo a fugir dali.

Aí o bicho pega. Crowe, que já não era muito chegado nos japas (adicione "racista" à lista de defeitos do nosso herói nada perfeito), passa a demonstrar um racismo aberto, quase ódio mortal por asiáticos. Numa cena que hoje nem seria filmada, nosso "herói" aparece dando um discurso sobre como os "amarelos" estão tomando conta da América e roubando os "melhores empregos" dos "verdadeiros americanos". Lembre-se: ele é o herói do filme!!!


Uma reviravolta na história se inicia quando Fumiko (Kumiko Hayakawa), a filha pequena de Hiroshi, é seqüestrada por Duke, estuprada, viciada em heroína e obrigada a se prostituir.

Hiroshi denuncia o seqüestro à polícia e, ironicamente, Crowe fica responsável pelo caso - sem imaginar que foi aquele homem que tentou molestar sexualmente a sua filha no ônibus. Inicia-se, então, um verdadeira rota de colisão entre o trio central de personagens: Crowe, Hiroshi e Duke.


Vamos concordar que é preciso ter coragem para filmar uma história que toca em tantos tabus, como pornografia, prostituição, pedofilia, uso de drogas, incesto, racismo e as taras sexuais de um oriental que se excita bolinando estudantes de um colégio de freiras!

Logo, KINJITE poderia render um filmaço se, como eu escrevi lá no começo, não tivesse sido talhado para ser só mais uma aventura escapista da Cannon Films.

Porque, assim, o que poderia ser um retrato cru e violento do submundo das perversões sexuais logo se transforma num policialzinho de rotina, incluindo todos aqueles sopapos, tiroteios e explosões que se espera de uma produção B estrelada por Charles Bronson.


Mas não vou ser injusto: o filme ainda é bastante perverso ao tratar dos "kinjites", palavra oriental para definir "temas proibidos", ou "tabus" - aqui no Brasil virou "Desejos Proibidos" mesmo.

Tudo bem, Thompson dirige no piloto automático e Bronson não convence 100% como "herói de ação", sendo constantemente substituído por um dublê. Entretanto, ainda assim há um belo filme querendo sair desse negócio. Fico imaginando o que um cineasta como David Fincher faria com o mesmo roteiro nas mãos.

Aliás, o acabado Bronson está tão absurdo como policial-herói (alguém realmente acredita que um velhinho de 67 anos seja o melhor tira de Los Angeles?) que suas "cenas de ação" chegam às raias da comédia involuntária.


E não tiveram a menor sutileza em usar um dublê o tempo todo, muitas vezes sem escondê-lo apropriadamente, como revela a imagem acima (o sujeito parecido com Jackson Antunes DEVERIA ser o Charles Bronson...).

Se é convencional no seu desenvolvimento, pelo menos KINJITE reserva algumas boas surpresas. Uma delas é não poupar o espectador de ver a brutalização sofrida por Fumiko quando ela é seqüestrada por Duke.


Não acontece nada semelhante a um "Serbian Film", mas as cenas implícitas incomodam e enojam o espectador, que vê o asqueroso Duke entrando com Fumiko em seu quarto e mais tarde saindo todo suado e fechando o zíper - e para piorar, ainda manda mais dois de seus capangas entrarem no quarto para "continuar o serviço".

Outra surpresa interessante é que o grande vilão não tem o mesmo fim violento de outros antagonistas de Charles Bronson. Pelo contrário: Crowe encontra uma forma bem mais apropriada para castigar o meliante, fazendo-o provar do seu próprio remédio.


Embora seja considerado um filme menor de Bronson, mesmo considerando a sua filmografia "classe B", KINJITE merece ser redescoberto por todos esses fatores já destacados, e também pela excelente caracterização de Juan Fernández como Duke, um vilão realmente asqueroso, daquele tipo que deixa o espectador com vontade de chutar a TV. Seu capanga é interpretado por Sy Richardson, negão com olhar tão psicótico que faria Samuel L. Jackson se mijar nas calças (figurinha carimbada nos filmes de Alex Cox).

Outra interpretação de tirar o chapéu é da atriz-mirim Kumiko Hayakawa como a desafortunada Fumiko. É um pecado que a menina só tenha participado desse filme, pois tinha muito potencial. Observe a transformação da pequena de menina inocente em prostituta à força para perceber a injustiça que foi sua aposentadoria precoce. Principalmente quando Fumiko pede desculpas aos policiais pelo trabalho que deu, cena que só não é mais tocante porque o diretor não estava pra viadagem.


Vale destacar que o eterno mal-encarado Danny Trejo aparece em cena durante cinco segundos como um presidiário estuprador.

Infelizmente, a ênfase no duelo final entre Crowe e Duke acabou com uma situação que tinha potencial: perto da conclusão, Hiroshi vai até a casa de Crowe para agradecê-lo pelos seus esforços no caso. É o típico momento "algoz encontra a sua vítima sem saber", visto em filmes como "A Fonte da Donzela" e "Last House on the Left". E embora a filha do herói reconheça Hiroshi como o homem que a molestou no ônibus, a coisa fica por isso mesmo e Crowe nunca tem o confronto com Hiroshi que o roteiro ameaça...


O próprio ciúme doentio e possessivo que Crowe sente pela filha é esquecido quando as balas começam a voar. Em um momento da trama, um padre chega a alertar o policial: "Ela é sua filha, não sua esposa". Mas falta coragem para dar um desfecho apropriado ao drama.

No fim, KINJITE - DESEJOS PROIBIDOS pode ser encarado como um divertido policial classe B, e bem mais corajoso do que a média do período em que foi feito.

Também é o último filme de J. Lee Thompson, falecido em 2002. Ele merecia um tributo melhor do que esse, assim como o roteiro pesado de Nebenzal pedia por um outro diretor e uma outra abordagem. Alguém se habilita a fazer um remake disso?

Trailer de KINJITE - DESEJOS PROIBIDOS



*******************************************************
Kinjite (1989, EUA)
Direção: J. Lee Thompson
Elenco: Charles Bronson, Perry Lopez, Peggy Lipton,
Juan Fernández, James Pax, Sy Richardson, Nicole
Eggert, Amy Hathaway e Marion Yue.