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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Felipe M. Guerra entrevista...


A exemplo do que eu já havia feito ano passado, aqui estão quatro entrevistas que fiz com novos diretores participantes da edição 2013 do Fantaspoa - Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre. Trata-se de uma tentativa de valorizar o trabalho desses cineastas iniciantes, muitos deles apresentando seu primeiro longa aqui no Brasil. Quem sabe amanhã estes caras se transformem em grandes e respeitados nomes do cinema fantástico, e nesse caso você já os terá conhecido em primeira mão graças ao FILMES PARA DOIDOS!

Nos vídeos abaixo, o leitor pode conferir minhas entrevistas com os cineastas norte-americanos Mike Mendez ("Big Ass Spider") e Jeremy Gardner ("The Battery"), com o inglês Paul Hyett ("The Seasoning House" aka "A Casa de Tolerância") e com o paraguaio Juan Carlos Maneglia ("7 Cajas" aja "7 Caixas"), esse último dando uma verdadeira aula de humildade para aqueles petulantes cineastas brasileiros dependentes de Leis de Incentivo à Cultura para fazer filmes pretensiosos que ninguém vai ver.

Já falei rapidamente aqui no blog sobre o quanto gostei dos filmes desses caras todos, e nas entrevistas (devidamente legendadas em português) o leitor poderá conhecer mais sobre as obras e sobre os próprios realizadores, que falam sobre suas influências, referências e sobre o cinema fantástico moderno. Para poupá-los do meu inglês horrível e do meu "portunhol", substituí as perguntas que fiz por títulos com os temas discutidos.

Sei que nem todos gostam de ver entrevistas em vídeo, e eu mesmo prefiro as entrevistas transcritas (por escrito). Mas reserve um tempinho para ver e ouvir o que esses caras têm a dizer. Afinal, como eu já falei no Fantaspoa do ano passado, eles podem ser os Stuart Gordons, John Carpenters e David Cronenbergs de amanhã.

E como "plus a mais", deixo também um vídeo que fiz com os melhores momentos da inesquecível apresentação do músico italiano (nascido brasileiro) Claudio Simonetti, o ex-Banda Goblin responsável por temas imortais dos clássicos de Dario Argento, George A. Romero, Lamberto Bava e outros, que em Porto Alegre fez o seu PRIMEIRO SHOW EM TERRITÓRIO BRASILEIRO DE TODOS OS TEMPOS! Simplesmente imperdível e emocionante para qualquer fã de boa música e/ou cinema fantástico.


Entrevista com Paul Hyett



Entrevista com Juan Carlos Maneglia



Entrevista com Mike Mendez



Entrevista com Jeremy Gardner & co.



Claudio Simonetti Live in Porto Alegre


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

300


Calma, amiguinhos, que este não é um post sobre aquele horrendo filme "300", do Zack Snyder, mas sim uma comemoração ao 300º post do FILMES PARA DOIDOS! E considerando o espaço cada vez mais reduzido na internet brasileira para este tipo de cinema enfocado aqui no blog, os 300 posts são motivo mais do que suficiente para festejar.

Eu comecei o FILMES PARA DOIDOS meio que na brincadeira, em 10 de outubro de 2008, com uma resenha sobre o filme brasileiro "Horas Fatais - Cabeças Trocadas", de Francisco Cavalcanti, que tinha sido escrita um ano antes e nem era inédita (fora publicada no meu extinto Multiply, rede social que, na época, era estupidamente chamada de "Orkut para pessoas inteligentes", e talvez até por isso não vingou).

Naqueles tempos, eu escrevia semanalmente sobre cinema fantástico para o site Boca do Inferno, mas lamentava por ficar limitado a estes gêneros, quando na verdade sempre gostei de escrever sobre todo tipo de filme - dos westerns italianos aos pornôs da Boca do Lixo; das pancadarias de Hong-Kong às comédias norte-americanas dos anos 80.

E embora eu volta-e-meia conseguisse puxar alguma coisa "diferente" para a Boca do Inferno (como "Fuga do Bronx" e "Os Caçadores de Atlântida"), era mais do que óbvio que o material ficaria melhor em outro lugar que não tivesse a limitação de gênero, e onde eu pudesse escrever sobre filme dos Trapalhões num dia e sobre pornô no outro.

Quando comecei o blog, praticamente todo mundo que eu conhecia, e que gostava de cinema, também estava criando o seu próprio blog para escrever sobre seus filmes preferidos. Lembro que o Viver e Morrer no Cinema, do Leandro Caraça, todo dia fazia uma divulgação diferente de Fulano ou Beltrano começando seu próprio blog.

O irônico é que poucos deles continuaram, e o próprio Viver e Morrer acabou (ou "hibernou"), mas o FILMES PARA DOIDOS continua firme - embora muitas vezes eu mesmo tenha estado naquela situação do "E aí, paro ou continuo?".

Nesses mais de quatro anos de FILMES PARA DOIDOS, várias mudanças aconteceram na minha vida: mudança de cidade, de empregos, de namoradas, e parei de colaborar com a Boca do Inferno. O blog sobreviveu a tudo, e sempre mantendo duas diretrizes principais: priorizar o cinema "alternativo" aos blockbusters e filmes-cabeça, e dar mais destaque ao texto do que ao visual (tanto que o template do blog é o mais simples e continua igual, porque aqui o conteúdo vale muito mais do que a forma).

Durante muito tempo, eu cheguei a duvidar que tinha leitores. Quando lia aqueles comentários sempre das mesmas pessoas nas primeiras postagens, cheguei a pensar que eram colegas generosos "dando uma força". Mas logo comecei a me espantar com a quantidade de gente que conhece e lê o FILMES PARA DOIDOS. Em festivais e mostras, é comum aparecer alguém que diz: "Leio sempre o seu blog e sou fã"!

Quem pegar as primeiras postagens e comparar com as últimas vai perceber que o blog de certa forma amadureceu em meio a esses 300 posts. No começo ainda era uma coisa meio atrapalhada, bagunçada, com textos curtos e vídeos do YouTube no lugar das fotos; eu também falava muito sobre minha vida pessoal de cinéfilo (viagens que fazia, DVDs que comprava), algo que fui deixando de lado para me concentrar no cinema quando começaram os primeiros ataques dos tradicionais trolls que infestam a internet. E outra: blog sobre cinema é blog sobre cinema, senão vira palhaçada que nem o blog pessoal de um certo crítico de cinema...

Outra coisa que percebo que mudou: nos primeiros anos, eu fazia várias postagens com resenhas curtinhas sobre filmes novos que estreavam no cinema. É que eu estava fazendo mestrado e tinha carteira de estudante, então pagava meia entrada nos cinemas paulistanos. Aí me divertia vendo dois ou três filmes por dia no cinema. Com o fim do benefício, o contato com a tela grande ficou mais escasso.

E, a bem da verdade, tenho visto cada vez menos filmes novos, preferindo descobrir (ou redescobrir) os antigos. Já tem uma caralhada de blogs falando sobre os lançamentos, então vocês realmente não precisam de mais um para somar-se ao monte! É ou não é?

Agora alguns números, porque eu sempre gostei deles:

Dos 300 posts, 232 são aqueles textos longos que analisam um filme só - número louvável, considerando o tamanho dessas resenhas. Outros tantos posts apresentaram um apanhado de resenhas curtinhas sobre filmes novos e/ou que não mereciam análises mais aprofundadas, e dessa forma escrevi sobre outros 251 títulos. No total, portanto, o FILMES PARA DOIDOS já discorreu sobre 483 filmes nestes pouco mais de quatro anos! É mole?

As resenhas mais acessadas do blog, por motivos óbvios (como o uso das expressões "sexo" e "sacanagem"), são as dos pornôs da Boca do Lixo. O mestre José Mojica Marins é o grande recordista com seu "48 Horas de Sexo Alucinante": esta postagem teve 226.075 acessos (da última vez que olhei), e, ironicamente, apenas 8 comentários! Em segundo lugar vem o primeiro pornô brasileiro, "Coisas Eróticas", de Raffaele Rossi, que neste ano (2012) completou 30 anos, o que talvez tenha motivado várias das 205.007 visitas. Logo em seguida aparecem "O Império do Sexo Explícito", de Marcelo Motta (157.942 acessos) e "As Ninfetas do Sexo Selvagem", de Fauzi Mansur (119.731 acessos). Os números mudam bastante a cada dia, mas é só para dar uma ideia.

Entre os não-pornográficos, o recordista também é brasileiro: "Tortura Cruel - Fêmeas Violentadas", de Tony Vieira, com 59.409 acessos, seguido por outro filme brazuca, "Momentos de Prazer e Agonia", de Adnor Pitanga (17.217 acessos), e finalmente por uma produção norte-americana, "Deadly Prey" (!!!), de David A. Prior (14.435 acessos).

Em termos de visualização, eu não tenho parâmetros para comparar com outros blogs e sites de cinema, mas nesses quatro anos o FILMES PARA DOIDOS já foi acessado mais de 2.760.000 vezes, e hoje tem uma média respeitável de visitação: entre 2.500 e 3.000 acessos diários!

Um detalhe digno de comemoração é que poucas vezes deixei o leitor na mão. Tem blogs que acompanho (você pode vê-los nas minhas recomendações, à direita) que ficam até um mês inteiro, às vezes vários meses sem nova postagem. Eu sempre me desdobrei em dois para atualizar o FILMES PARA DOIDOS mesmo em meio a viagens, festivais e filmagens. Portanto, pelo menos uma vez por semana tem novo post por aqui.

Já um detalhe digno de tristeza é que nunca consegui ganhar dinheiro com o blog, apesar de ele exigir de mim quase como um trabalho fixo (só que sem salário). O FILMES PARA DOIDOS me rendeu um convite para colaborar rapidamente com a extinta revista de cinema Movie, mas não passou disso. Várias vezes pensei que meus textos gigantescos sobre pornôs em 3-D ou sobre o filme do Homem-Aranha que a Cannon Films tentou fazer poderiam estar em revistas especializadas, só que nunca encontraram espaço fora do blog. A entrevista com o ator Anselmo Vasconcellos, que publiquei há algumas semanas, eu ofereci a várias revistas brasileiras, sem que nenhuma demonstrasse interesse (várias nem responderam).

Mas tudo bem, porque isso me dá ainda mais ânimo e fôlego para continuar com o FILMES PARA DOIDOS. Afinal, se o jornalismo cultural brasileiro prefere não falar sobre isso tudo, batendo nas mesmas teclas de sempre ("O Hobbit", filmes de super-heróis, "Crepúsculo", "50 Tons de Cinza"...), alguém tem que ir na contramão, não é verdade?

E de minha parte, o que posso prometer aos caríssimos leitores do blog são mais 300 posts pela frente, pelo menos!

PS 1: Como 300 é um número grande pra caramba, e eu mesmo já estava ficando perdido em relação ao que já tinha escrito neste blog, fiz um índice de postagens para que o leitor possa procurar por textos antigos - inclusive as resenhas curtinhas. O índice ficará em destaque nas tags à direita, e você pode acessá-lo clicando aqui.

PS 2: Eu ficaria muito feliz se, nos comentários dessa postagem simbólica, os leitores falassem um pouco sobre como conheceram o FILMES PARA DOIDOS e também sobre seus textos preferidos. Além, é claro, de dar sugestões para o futuro do blog. Obrigado a todos pelo carinho e por seguir minhas divagações durante essas 300 postagens...

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Felipe M. Guerra entrevista...


Sempre que participo do Fantaspoa - Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, eu prefiro investir meu tempo conversando com os diretores participantes ao invés de assistir três ou quatro filmes por dia, como fazem muitos espectadores. No deste ano, resolvi ampliar a experiência da troca de ideias com os cineastas para um público maior, usando minha velha câmera mini-DV para gravar entrevistas com os caras que fizeram os filmes que eu mais gostei.

É uma tentativa de valorizar o trabalho desses cineastas iniciantes e quem sabe torná-los mais conhecidos no Brasil. Até porque alguns deles estavam lançando seu primeiro filme no Fantaspoa, e talvez amanhã sejam grandes nomes do gênero, e aí ficará relativamente mais difícil entrevistá-los.

Nos vídeos abaixo, o leitor do FILMES PARA DOIDOS pode conferir minhas entrevistas com os cineastas norte-americanos Todd E. Freeman ("Cell Count") e Zack Parker ("Scalene"); com o canadense Casey Walker ("A Little Bit Zombie"); o inglês Alex Chandon ("Inbred"); o argentino Nicolás Goldbart ("Fase 7"), e o espanhol Tirso Calero ("Carne Cruda").

Já falei rapidamente aqui no blog sobre o quanto gostei dos seus filmes, e nessas entrevistas o leitor poderá conhecer mais sobre as obras (com cenas dos filmes, inclusive) e sobre os próprios realizadores, que falam sobre suas influências, referências e o cinema fantástico moderno. Para poupá-los do meu inglês horrível e do meu "portunhol", substituí as perguntas que fiz por legendas com os temas discutidos.

Sei que nem todos gostam de ver entrevistas em vídeo, e eu mesmo prefiro as entrevistas transcritas (por escrito). Mas reserve um tempinho para ver e ouvir o que esses caras têm a dizer. Afinal, eles podem ser os Stuart Gordons, John Carpenters e David Cronenbergs de amanhã.


Entrevista com Alex Chandon
 

 
Entrevista com Nicolás Goldbart
 

 
Entrevista com Casey Walker
 

 
Entrevista com Todd E. Freeman
 

 
Entrevista com Tirso Calero
 

 
Entrevista com Zack Parker
 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

"...e nossos filmes explodem como dinamite!"


Se você frequentava videolocadoras (esse negócio hoje em extinção) entre o final dos anos 1980 e a metade da década de 90, certamente deve ter retirado, em algum momento de sua vida, pelo menos uma fita cuja capinha tinha uma moldura azul com estrelinhas brancas. E, antes do filme, viu a vinheta acima, que terminava com um sonoro "Somos a América Vídeo, e nossos filmes explodem como dinamite!".

A postagem de hoje, portanto, será sobre nostalgia e saudosismo. Eu aproveitei uns dias de "ócio criativo" no começo do ano para organizar minha abandonada coleção de VHS (sim, eu ainda tenho fitas) e escanear as capinhas mais antigas, acreditando que um dia isso ainda poderá se tornar um registro da memória da Era de Ouro das videolocadoras brasileiras.

(Enviei todo o material escaneado para o blog VHS - O Último Reduto, que semanalmente divulga capinhas das fitas brasileiras.)


Durante a enfadonha operação de tirar capinhas do estojo para escanear, fiquei viajando nessas capas de moldura azul com estrelinhas brancas da América Vídeo, e resolvi dividir algumas delas com vocês, nobres leitores e queridas leitoras. Elas estão em alta resolução (cliquem nas imagens para abri-las em tamanho grande), e podem ser usadas para criar capas de DVD customizadas.

A "atração principal" das fitas da distribuidora geralmente era precedida por uma inesquecível vinheta com cenas de vários filmes ao som da música "Winner Takes It All" (de "Falcão, O Campeão dos Campeões"), interpretada por Sammy Hagar.

Um narrador com voz gutural anunciava: "América Vídeo - Onde você encontra filmes com muita energia e alta tensão! Temos as melhores produções, as estrelas mais brilhantes e a coleção mais explosiva de filmes. Oferecemos o que há de mais sensacional e eletrizante, para que você estoure a boca do balão!".


A América Vídeo foi a principal responsável por lançar no país as produções da Cannon Films. Fundada em 1967, a Cannon foi comprada pelos primos israelenses Menahem Golan e Yoram Globus em 1979.

Usando bizarras estratégias de marketing, Golan e Globus praticamente dominaram a indústria do entretenimento de baixo orçamento da década de 80, produzindo aventuras baratas com Chuck Norris, Charles Bronson, Sylvester Stallone, Jean-Claude Van Damme e outros astros menos cotados daquele momento (como Michael Dudikoff e Robert Ginty).

Entre os "clássicos" da Cannon estão a trilogia "Braddock" (estrelada por Chuck Norris), a série "American Ninja", "Stallone Cobra", "Falcão, O Campeão dos Campeões", "Mestres do Universo" (a adaptação a toque de caixa do desenho "He-Man"), "Desejo de Matar 3", "As Minas do Rei Salomão", "O Último Americano Virgem", e muitos outros.


Entretanto, apesar de ser mais cohecida justamente por esses filmes rasteiros, os planos de Golan e Globus eram outros: eles pretendiam usar a grana obtida com as produções mais baratas e "populares" para financiar "filmes de arte" realizados por grandes diretores, sonhando com uma prateleira cheia de Oscars e o respeito da crítica especializada.

Assim, entre uma aventura de Chuck Norris e outra com Charles Bronson, a Cannon financiou e/ou distribuiu obras como "Amantes", de John Cassavetes; "O Ano do Dragão", de Michael Cimino, "Nenhum Passo em Falso", de John Frankenheimer; "Piratas", de Roman Polanski; "Rei Lear", de Jean-Luc Godard; "Otelo", de Franco Zeffirelli, e por aí vai.

Só que a prateleira cheia de Oscars ficou só no sonho, e todas essas produções "artísticas" da Cannon foram retumbantes fracassos de bilheteria. O caso do "Rei Lear" do Godard foi um dos mais engraçados: consta que Golan e Globus não entendiam bulhufas do que o francês estava fazendo, mas confiavam na "marca" Godard; já o diretor enrolou a dupla e fez qualquer coisa só para embolsar o salário no final. A maior parte da crítica não engoliu e taxou o filme de "piada de mau gosto".


O auge da consagração artística da Cannon Films seria o filme holandês "O Ataque", de Fons Rademakers, que ganhou o Oscar e o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro em 1987. Fora isso, nenhum dos projetos mais sérios da empresa deu maiores frutos, muito menos grana nas bilheterias.

Por volta desta época, a empresa tinha mais produções por ano do que dinheiro para bancá-las (lançou 43 filmes só em 1986!). E várias apostas equivocadas acabaram decretando a falência da produtora. Entre elas, o salário multimilionário (na época) para Stallone fazer o fracassado "Falcão"; o contrato para três filmes com o diretor Tobe Hooper - "Invasores de Marte", "Força Sinistra" e "O Massacre da Serra Elétrica 2", todos fracassos de bilheteria -, e a produção de "Superman 4" em 1987, cujo orçamento inicial de 36 milhões de dólares foi baixado para 17 milhões durante as filmagens.

Em 1988, Golan e Globus decretaram falência e cancelaram diversos projetos já anunciados, como "Mestres do Universo 2" e uma bastante comentada adaptação para o cinema de "Homem-Aranha", que seria dirigida primeiro por Tobe Hooper, depois por Joseph Zito e finalmente por Albert Pyun. Sobras dos figurinos e cenários dessas duas produções deram origem à aventura "Cyborg - O Dragão do Futuro", de Albert Pyun.


No Brasil, a América Vídeo não se limitou a distribuir apenas as produções da Cannon. Filmes baratos de ação e terror também saíram pelo selo, incluindo tralhas italianas como "Keruak - O Exterminador de Aço", de Sergio Martino, e "Escravas da Corrupção", de Bruno Mattei, além de várias obras da Full Moon, de Charles Band ("O Alien do Mal", "Dollman", "Brinquedos Diabólicos"), e até dois filmes do mestre José Mojica Marins ("Inferno Carnal" e "A Estranha Hospedaria dos Prazeres"), na época em que a febre "Coffin Joe" estava no auge e todo mundo queria faturar o seu em cima...

Mas é óbvio que as capinhas azuis com estrelinhas brancas serão eternamente lembradas pelos filmes bagaceiros de ação e pancadaria. Alguns deles tão ruins que faziam o slogan da América Vídeo soar como ironia. "Nossos filmes explodem como dinamite"? Claro, são mesmo umas bombas!!!

PS: Para saber mais sobre a trajetória da Cannon Films, suas produções e seus projetos arquivados, o lance é procurar pelo documentário "Electric Boogaloo: The Wild, Untold Story of Cannon Films", de Mark Hartley, que está rodando o circuito de festivais e será lançado oficialmente em 2015. Confira o trailer dessa pérola para saudosista nenhum botar defeito clicando aqui.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Pulp fiction de rodoviária


Devido a viagens de ônibus cada vez mais frequentes de um lado para o outro, a trabalho e a lazer, tenho dedicado mais tempo ao hábito da leitura do que a ver filmes (não acompanhei quase nada dos últimos lançamentos nos cinemas). E quando você lê muito rápido, como eu, é comum ficar sem "munição" bem no começo de uma viagem. Nesse caso, é preciso apelar para uma banca de jornais ou livraria, em busca de gibis ou livros baratinhos que durem o tempo da viagem de ônibus.

Porto Alegre, uma quinta-feira - antes de longa viagem a Curitiba. Entro numa banca em busca de literatura rápida e rasteira e, numa das paredes do estabelecimento, deparo-me com uma verdadeira volta no tempo: num singelo mostruário de plástico, estão exibidos dezenas de livrinhos de bolso (hoje é chique usar o termo em inglês, "pocket book") com aquela pulp fiction bem vagabunda, de rodoviária mesmo.

Porque se hoje o "pocket book" está na moda e você pode comprar best-sellers (inclusive do Stephen King) e clássicos da literatura (de Nietzsche a Shakespeare) em formato de bolso, numas edições caprichadas com papel de qualidade e bonito acabamento, no passado apenas historinhas bobas de faroeste, espionagem, terror e putaria saíam como pocket, tentando atingir um público popularzão mesmo.

Por isso, eram umas publicações extremamente vagabundas, em papel jornal e com impressão tosca, cheia de erros. As tramas eram simples e rápidas, com poucos personagens e muita ação (às vezes umas descrições bem gráficas de cenas de sexo também). Não tinham mais do que cento e poucas páginas, mas se você copiasse e colasse o texto em formato A4, o total não chegaria a 40 ou 50 páginas.

Enfim, a verdadeira leitura descartável: aquilo era algo que você lia em poucas horas para passar o tempo, e em questão de minutos já tinha esquecido de tudo. É muito difícil você encontrar alguém que saiba os títulos dos pocket books que já leu. Muitos inclusive jogavam os livrinhos no lixo ao invés de colecionar!

Aí lembrei que, tempos atrás, comentei com um amigo aqui de São Paulo sobre o sumiço dessa pulp fiction de rodoviária. Quem é das antigas deve lembrar com saudade das publicações da (extinta?) Editora Monterrey, que entre a década de 60 e o começo dos anos 1990 entulhava bancas, livrarias e rodoviárias com seus pockets de papel jornal a preços bem populares. Havia outras editoras, mas a Monterrey era líder de mercado no ramo.


Tinha livrinho para todos os gostos. A série "FBI", por exemplo, contava histórias policiais, "Epopéias de Guerra" narrava tramas bélicas, e havia ainda uma infinidade de selos diferentes para histórias de bangue-bangue, como "Oeste Brutal", "Feras do Oeste", "Chumbo Mortal" e até "Oeste Sensual" (dependendo da série que você escolhia, as histórias tinham mais ou menos ação e sacanagem). Eram o equivalente masculino àqueles livretos de mulherzinha tipo "Julia", "Sabrina" e "Bianca", que não eram exatamente pocket books, mas tinham a mesmíssima proposta.

A maioria das histórias da Monterrey eram escritas por um mesmo cara, que assinava com 30 pseudônimos diferentes para parecer que havia todo um rol de "autores" na folha de pagamento da editora. Por exemplo, Rubens Francisco Lucchetti, autor dos roteiros dos filmes do Zé do Caixão e do Ivan Cardoso, escreveu muitos livros de bolso, só não sei se para a Monterrey. Mas o campeão foi o paulista Ryoki Inoue, que chegava a escrever três pockets num dia, e assinou (com nomes falsos) mais de mil, façanha que lhe rendeu menção no Guinness Book of Records.

(Para saber mais sobre a trajetória do prolífico autor brasileiro de pulp fiction, confira seu site, onde inclusive é informada a sua extensa bibliografia.)


Outra série bem popular da Monterrey era a "ZZ7", que narrava as aventuras de uma espiã sensual chamada Brigitte Monfort, uma espécie de James Bond em versão feminina - inclusive usava o corpão para seduzir os inimigos, em relatos eróticos perfeitos para adolescentes entrando na puberdade.

Esses livrinhos da "ZZ7" (007, alguém?) foram um sucesso estrondoso. Eram escritos pelo espanhol Francisco Ramires sob pseudônimo em inglês ("Lou Carrigan"). Sozinho, Ramires/Carrigan criou mais de 400 aventuras de Brigitte, que saíam por aqui com capas altamente sensuais desenhadas pelo artista brasileiro Benício (o mesmo que fazia os pôsteres das pornochanchadas da época).

Para dar uma ideia do sucesso de "ZZ7" no país, os livrinhos eram originalmente publicados na "Série Vermelha", com o logotipo em cor vermelha na capa; algum tempo depois, a procura pelas aventuras antigas era tão grande que a Monterrey começou a relançar tudo em "segunda edição", mas dessa vez com o logotipo azul, no que ficou conhecido como "Série Azul". Já nos anos 90, antes que essas publicações de bolso fossem sumariamente canceladas, a editora já estava republicando tudinho pela terceira vez na "Série Verde"!!!

Na pré-adolescência, meu hábito de leitura foi formado com os saudosos livros da série Vagalume e também com essas publicações vagabundas da Monterrey, especialmente as aventuras de faroeste e de Brigitte Monfort. Cheguei a ter uns 100 pockets da editora, mas, após uma limpeza no quarto lá pelo começo do ano 2000, doei tudo para uma biblioteca. Nem era o tipo de coisa que você iria querer ler mais de uma vez, mesmo...

Tempos depois, fiquei com saudade dessa página esquecida do mercado literário nacional. Ao perceber que a pulp fiction de rodoviária havia sumido das bancas, pensei que seria interessante recomeçar uma coleção dos velhos livrinhos "ZZ7", só por nostalgia. Mas o preço absurdo cobrado pelos sebos me fez mudar de ideia rapidinho.

E é nesse ponto que voltamos à banca de jornal de Porto Alegre, com seu mostruário de pocket books vagabundos. Fazia um tempão que eu não via mais produtos do gênero, e imaginei que fosse um revival, uma tentativa de retomar aquele nicho de mercado de grande sucesso no passado.

Essas obras em questão eram publicadas pela Editora Fittipaldi e tinham uma apresentação semelhante aos velhos livrinhos da Monterrey, embora com qualidade ainda mais vagabunda. Havia no mostruário pockets com histórias policiais, de faroeste e de terror, publicadas com rótulos pomposos tipo "Pocket Suspense Diamante".

Como a promoção era estilo "um por R$ 2 e três por R$ 5", peguei logo três títulos da tal Coleção Suspense. E só no ônibus, quando tirei os livros do plástico que os envolvia, descobri, frustrado, que não são exatamente novos, mas sim publicações editadas em 1995 e 1996 (!!!), portanto há quase 20 anos, e encalhadas lá no mostruário da banca desde então (por isso que nunca vi o diacho dos pockets da Fittipaldi para vender em outros locais!).


Li os três em poucas horas, e então percebi porque eles estão sem encontrar comprador desde 1995. Primeiro porque nesse país ninguém mais lê sequer livros bons, quem dirá essas porqueiras para consumo rápido; segundo que não bastasse a péssima qualidade da apresentação, as histórias desses livrinhos da Fittipaldi são muito, mas muito abaixo da média.

Os livros seguem o "padrão Monterrey": títulos genéricos e/ou apelativos (Trama Diabólica, Terror em Sumerville e Círculo do Terror), autores brasileiros usando ridículos pseudônimos "importados" (respectivamente Gaskeel Holand, Constance Gray e Tony Carson) e capinhas "sensuais" copiando Benício, mas agora no traço de um tal Balieiro (e mais ousadas que as de antigamente, com peitos e bundas de fora, mesmo quando nem sequer há sexo na trama!).

Dos três, o único que poderia render uma boa história de horror (desde que sofrendo uma recauchutagem geral, óbvio) é Terror em Sumerville, sobre uma mansão assombrada pelos espíritos de soldados torturados e mortos na Guerra da Secessão. Engraçado é que o título é Terror em SUmerville, mas o bairro em que se passa a história chama-se "SOmerville". E a "autora" Constance Gray copia "O Iluminado" em diferentes momentos, sem a menor vergonha na cara.


Os outros dois são um engodo. Círculo do Terror é uma história erótica à qual foram adicionados toques sobrenaturais para vender como livro de horror. Percebe-se que a especialidade do autor Tony Carson é a putaria, já que ele usa páginas e mais páginas para narrar as (várias) trepadas nos seus mínimos detalhes, mas depois não sabe o que fazer quando demônios e assombrações entram em cena.

Resta, assim, o deleite punhetístico de descrições românticas como "Roy retesou o corpo e levantou os quadris, como se fosse fazer seu corpo todo penetrar pela abertura quente da mulher", ou "O homem começou a movimentar-se com mais vigor. Os golpes se sucederam com uma cadência desenfreada, até que ambos se sentiram fundir-se numa só pele, gozando a delícia do prazer".

Trama Diabólica é simplesmente ridículo, começando pelo "resumo" da história na contracapa, que não diz nada com nada, e, filosoficamente sensacionalista, lembra as chamadas nos trailers de filmes do Zé do Caixão. Confira:


Apesar de tanto lero-lero, o livro conta apenas a história (fraquíssima) de um sujeito paralisado numa cama após acidente, e a quem os parentes querem matar para ficar com sua fortuna. Sorte que ele usa insuspeitos poderes telepáticos para se comunicar com os mortos e iniciar uma vingança.

Esse é trashão total: a história é digna de redação do Ensino Fundamental, mas o autor "Gaskeel Holand" fica colocando umas citações intelectualóides para tentar (inutilmente) tornar o texto mais rico.

Como quando um personagem diz: "Se Ana Bolena (sic) não houvesse colocado chifres em Henrique VIII, este não teria mandado cortar sua cabeça. A vida de cada pessoa é como é, querido Corrie". Ou "Estou me lembrando de Macbeth e do seu banquete, quando Banquo se apresentou entre os convidados depois de ter acabado de ser assassinado".

Mas o auge da doideira é quando "Holand" narra um ritual demoníaco tomando emprestados elementos de vodu, macumba e missa negra. Animais são sacrificados e o "bruxo" invoca Erzulli, Belial e até Iemanjá, que de demoníaca não tem absolutamente nada!!!

No fim, por mais que os três livrinhos tenham me divertido na sua pobreza e ruindade, bateu o saudosismo: numa comparação grosseira, os velhos títulos publicados pela Monterrey décadas atrás estão para Shakespeare como esses "novos" da Fittipaldi estão para Paulo Coelho!

Tempos tristes esses em que os caras não conseguem fazer nem pulp fiction de rodoviária...

PS: Na próxima atualização voltamos à nossa programação normal de filmes bagaceiros!

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Quatro dias com Lamberto Bava


Como toda uma geração de fãs de horror brasileiros, minha "alfabetização" no gênero se deu em meio à década de 80, atráves da grande variedade de fitas lançadas no país por uma infinidade de pequenas distribuidoras. E, como todo fã de horror do período, um dos clássicos da minha infância/adolescência foi "Demons - Filhos das Trevas", pequena pérola lançada em VHS no Brasil pela F.J. Lucas.

Assim, foi como um sonho realizado poder participar da primeira visita do diretor de "Demons", o italiano Lamberto Bava, ao Brasil, trazendo-o para participar de uma retrospectiva da sua obra no Fantaspoa - Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, realizado no início de julho.

Para tornar a passagem de Lamberto ainda mais especial, foi realizada não só uma retrospectiva da sua obra, mas também do seu pai, o mestre Mario Bava (1914-1980), realizador de clássicos que influenciaram gerações inteiras de cineastas, como "A Máscara de Satã" e "Banho de Sangue".

O que se segue é um relato desses dias passados ao lado de Bava em Porto Alegre, já que, como curador das mostras realizadas no Fantaspoa, tive o prazer de acompanhá-lo durante sua passagem pelo RS, antes de seguir viagem, como turista, para o Rio de Janeiro...


Dia 1 - Terça-feira
Originalmente, Lamberto e sua esposa cubana Ileana chegariam na noite de segunda-feira, mas um problema com o voo adiou a chegada para a manhã de terça-feira. Lá vou eu buscar o casal no Aeroporto Salgado Filho.

Reconheci Bava sem maiores problemas - um italiano atarracado como ele não passa desapercebido -, e então percebi que ele e a mulher vestiam roupas leves para um clima tropical, e o inverno gaúcho estava de rachar! Para piorar a situação, a bagagem deles havia ficado retida no Rio de Janeiro, numa daquelas clássicas palhaçadas de nossas empresas aéreas, então o convidado teve que passar frio até a noite, quando suas malas finalmente chegaram a Porto Alegre.

No táxi a caminho do hotel, usei meu inglês improvisado para conversar sobre filmes e a carreira de Lamberto, que respondia num inglês macarrônico tão improvisado quanto o meu (porque apesar de entender razoavelmente bem o italiano, não conheço o suficiente para manter uma conversação no idioma).


Ainda no táxi, uma revelação. Perguntei a Bava se era sua primeira viagem ao Brasil, e ele disse que sim. Então pedi se não havia conhecido a parte brasileira da Amazônia durante as filmagens do clássico "Cannibal Holocaust" (1980), de Ruggero Deodato, em que é creditado como assistente de diretor.

Lamberto então confessou que nunca pisou na Amazônia nem participou das filmagens de "Cannibal Holocaust", e que Deodato colocou seu nome nos créditos apenas porque tinha uma equipe muito pequena e queria fazer com que parecesse maior!!! Ah, a velha picaretagem italiana...

Entretanto, me contou Lamberto, ele foi assistente de diretor de Deodato em outro filme sobre canibalismo, o anterior "O Último Mundo dos Canibais" (1977), filmado na Malásia e nas Filipinas.

Ao lembrar do filme, ele mostrou pequenas cicatrizes na mão direita e relatou: "Isso é uma lembrança daquela filmagem. Tinha uma cena em que uma cobra enorme era mostrada rastejando pelo chão. Para filmar isso, nós soltávamos uma cobra que tínhamos numa gaiola, a cobra fugia rastejando, Deodato filmava e então precisávamos apanhar a cobra para fazer um novo take. O correto é pegar a cobra logo abaixo da cabeça, pois aí ela não pode morder. Mas depois de vários takes eu estava cansado e fui pegá-la mais embaixo, e então ela teve espaço para virar a cabeça e me encher de mordidas na mão!". Nem a esposa Ileana sabia dessa história, pela maneira assustada como olhou para as cicatrizes na mão do velhinho...

Falei a Lamberto que naquele primeiro dia exibiríamos quatro clássicos do seu pai, inclusive "The Whip and the Body", e ele se espantou ao saber que esse filme foi lançado nos cinemas brasileiros como "Drácula, O Vampiro" apenas por ter Christopher Lee no elenco (sendo que não há nenhum vampiro no filme, muito menos Drácula!). A sessão comentada pelo diretor naquela noite seria a do grande clássico de seu pai, "A Máscara de Satã".

Aproveitei para ir direto ao assunto: Lamberto dirigiu, em 1989, um remake da obra-prima do pai, e um filme tão ruim que nunca chegou a ser oficialmente lançado em lugar algum (no Japão, saiu em VHS como "Demons 5"!).

Originalmente, como curador, eu pretendia exibi-lo no Fantaspoa, até para que o público pudesse comparar o abismo de qualidade entre as duas versões, mas não encontramos uma versão com imagem boa o suficiente para exibir na tela grande. Expliquei isso a Lamberto e pedi se era verdade que ele não gostava da sua refilmagem, algo que tinha lido em algum lugar séculos atrás.

Para minha surpresa, ele não apenas disse gostar do estapafúrdio remake (que é mesmo muito ruim) como defendeu supostas qualidades da obra que eu não lembro de ter visto. Em todo caso, o "Mask of Satan" de Lamberto certamente entrou para a história como um daqueles raros casos em que o filho resolveu refazer um clássico do pai - e é uma pena que não conseguimos exibi-lo no Fantaspoa! (Numa dessas noites, num boteco, César "Coffin" Souza quase teve um treco quando citei este remake e pôs-se a xingá-lo das maneiras mais escabrosas!)

Após um rápido almoço com apresentações formais aos organizadores do festival, João Pedro Fleck e Nicolas Tonsho, Lamberto entregou-me o DVD de sua produção mais recente, um filme produzido para a TV italiana chamado "Presagi" (no Fantaspoa, "Presságio"). Como ele seria exibido na noite de quinta-feira, eu tinha menos de dois dias para fazer as legendas em português da obra.

As primeiras cenas de "Presságio" são promissoras: mostram uma menina vestida com capa-de-chuva vermelha ("Inverno de Sangue em Veneza"?) sendo perseguida por um homem de capa e chapéu pretos, figura típica dos filmes giallo. Infelizmente, o restante do filme cai na burocracia dos telefilmes - e a falta de violência ou cenas mais fortes é compensada com uma quantidade absurda de diálogos que o pobre coitado aqui teve que legendar.


À noite, fui buscar Lamberto e Ileana no hotel para a sessão comentada de "A Máscara de Satã". Aproveitei para perguntar se a menina de vermelho em "Presságio" era citação ao clássico de Nicolas Roeg, mas Bava desconversou: "Não, não, é uma referência a Chapeuzinho Vermelho". Tá bom...

Bava não quis ver pela milésima vez o filme do seu pai, então ficamos num restaurante ao lado do Cine Bancários, onde vários participantes do festival se encontravam para jantar antes das sessões da noite. Grandes fãs de Lamberto ficavam distantes, meio tímidos, e tive que chamá-los para apresentar formalmente ao "maestro".

Um deles foi Rodrigo Aragão, que estava lançando "A Noite do Chupacabras" no Fantaspoa e confessou seu amor por "Demons". Na foto abaixo, Aragão, eu, Bava e o zumbi do "Mangue Negro", grande filme do diretor brasileiro:


Na hora da sessão comentada, o organizador do Fantaspoa João Pedro me chamou para sentar ao lado de Lamberto e da tradutora de italiano, algo que se repetiu nas noites seguintes, para o meu desespero - ficar sentado calado diante de uma sala de cinema lotada não é minha praia.

Para tentar ser útil, resolvi fazer perguntas a Bava quando o público, por timidez, ficava mudo. Fui eu que pedi que ele falasse sobre seu remake de "A Máscara de Satã", por exemplo - mas tenho certeza que algum dos presentes na sessão, como Carlos Primati ou Carlos Thomaz Albornoz, acabaria fazendo a mesma questão.

Novamente, Lamberto falou com carinho do seu remake. Mas, se você ainda tem alguma dúvida sobre qual é o melhor, compare as imagens do original e da refilmagem abaixo:


Foi uma noite tranquila e de poucas perguntas, já que todo mundo queria mesmo era pegar autógrafo e foto ao lado de Lamberto, o que aconteceu depois da sessão. Percebi o enorme cansaço do convidado, que não havia dormido quase nada desde sua chegada ao Brasil, mas mesmo assim ele foi simpático, prestativo e não arredou o pé do cinema até dar seu último autógrafo, quando finalmente pediu que eu o acompanhasse de volta ao hotel porque não aguentava mais. Terminava o dia 1.


Dia 2 - Quarta-feira
Envolvido com a legendagem de "Presságio", só encontrei Lamberto no final da tarde.

Conversamos muito sobre cinema de horror italiano, histórias em quadrinhos (que lá eles chamam de "fumetti") e sobre a série de filmes de fantasia infanto-juvenil que ele dirigiu nos anos 90, "Fantaghirò", que foi um clássico do Cinema em Casa do SBT durante praticamente uma década.

Nesse ponto, talvez surpreso pela quantidade de cultura inútil sobre cinema que eu demonstrava (conhecendo alguns dos seus filmes melhor do que ele próprio!), Bava perguntou como eu sabia tanto sobre ele e seu pai Mario. Respondi que era fã e pesquisador de cinema desde a adolescência, ao que Lamberto respondeu: "Bravo, bravo".

Ainda na conversa sobre quadrinhos, falávamos sobre "Perigo: Diabolik", dirigido por Mario, quando Lamberto surgiu com uma curiosidade sobre a qual jamais tinha ouvido falar. Disse-me que, por conta de sua primeira esposa, acabou tornando-se parente do diretor argentino naturalizado brasileiro Hector Babenco (de "Carandiru" e "Pixote - A Lei do Mais Fraco").


Não me lembro direito qual era o grau de parentesco da sua ex-mulher com Babenco, mas o lance é que o jovem Hector, alguns anos antes de iniciar sua carreira como diretor, foi à Itália a convite de Lamberto para assistir as filmagens de "Perigo: Diabolik", quando teria feito uma ponta como um dos policiais que admiram a "estátua de ouro de Diabolik" na cena final!

Portanto, na próxima vez que vocês forem rever "Perigo: Diabolik", não esqueçam de prestar atenção num argentino com jeito atrapalhado na cena final: segundo Lamberto, ele é o próprio Hector Babenco!

Nesta noite, a sessão comentada foi sobre "Cani Arrabbiati" (1974), um dos grandes filmes de Mario Bava, e provavelmente o mais amaldiçoado. E lá estava eu outra vez, sentado ao lado de Lamberto e tentando fazer cara de inteligente (foto abaixo).


Após anos dirigindo filmes de horror gótico, este policial violento representaria um grande ponto de virada na careira de Mario, mas o produtor faliu e os negativos ficaram retidos pela justiça italiana como parte do seu espólio até os anos 90. Mario, portanto, nunca viu o filme pronto e exibido na tela grande, já que ele só ficou pronto uma década depois da sua morte.

Finalmente, em 1992, foi lançada uma primeira versão com o título em inglês "Rabid Dogs", mas Lamberto nunca a aprovou, conforme confirmou na sessão comentada - disse que era mais um copião das cenas filmadas pelo pai do que uma edição digna do que ele queria fazer.

Assim, junto com o produtor Alfredo Leone, o próprio Lamberto apropriou-se do material, reeditando-o, filmando novas cenas e relançando-o em 1996 com o título "Kidnapped". Esta foi a versão exibida no Fantaspoa.

Mais uma vez, o convidado não quis ver o filme inteiro, limitando-se a dar uma espiada pela porta para ver a cena final. "Que imagem maravilhosa", elogiou, surpreso com a qualidade da versão exibida.

Depois, na sessão comentada, o filho de Mario contou que foi complicado encontrar veículos dos anos 70 para poderem refilmar algumas cenas que foram adicionadas à edição. "Sua" versão também tem um final novo, razoavelmente diferente da conclusão original. Música e créditos iniciais também são diferentes, e a edição é mais rápida e dinâmica.

Apesar disso, eu ainda prefiro o final da primeira versão lançada, que era muito mais macabro e filho da puta...


Dia 3 - Quinta-feira
Perto do meio-dia, eu estava concluindo as legendas de "Presságio" quando recebi a missão de fazer um passeio de ônibus pelo subúrbio de Porto Alegre com Bava e sua esposa. Esse passeio é uma verdadeira armadilha para turistas (já tinha feito com Luigi Cozzi no Fantaspoa do ano passado), 1h30min dentro de um ônibus que nunca pára e passa por raros locais interessantes. Meio contra a vontade, aceitei minha missão, mais pela oportunidade de passar o tempo papeando com Lamberto.

Dito e feito: após uns 10 minutos, o próprio Bava percebeu que havia pouco de interessante para ver naquele passeio, e, embora eu tenha tentado traduzir para o italiano algumas das informações sobre o Rio Guaíba e os prédios históricos porto-alegrenses, a conversa logo enveredou para anedotas da passagem de Cozzi pelo Brasil em 2010, características italianas da minha cidade-natal (fundada por imigrantes italianos) e, claro, cinema.

Quando a conversa chegou em Quentin Tarantino e sua paixão pelo cinema italiano, Bava contou que, numa das muitas visitas de Tarantino a Roma, os dois se encontraram e o diretor de "Bastardos Inglórios" disse que seu filme preferido de Lamberto, para a surpresa do próprio, era "Blastfighter" (1984), uma aventura estrelada por Michael Sopkiw.

O bate-papo sobre cinema italiano oitentista foi tão animado que Lamberto decidiu que queria ver um dos seus filmes à tarde, "O Assassino da Meia-noite" ("Morirai a Mezzanotte", 1986, nunca lançado no Brasil). A sessão tinha um público reduzido, mas fiquei honrado com a oportunidade de ver um filme sentado ao lado do seu diretor.

Como se estivesse gravando a faixa de comentário de um DVD, Bava ficava falando o tempo todo sobre sua obra - mas os comentários eram sobre como ele não lembrava quase nada do filme! Quando rolavam os créditos iniciais, por exemplo, ele perguntou: "Mas quem fez essa música?". Surge o crédito: Claudio Simonetti. "Ah, Simonetti, claro, só podia ser!".

A versão exibida era falada em italiano, o que deixou o diretor mais animado. Depois de meia hora de filme, entretanto, ele me cutucou e pediu para sair da sessão. Na rua, quando eu o escoltava até o hotel, Lamberto disse, envergonhado, que não lembrava do filme. "É como se outra pessoa tivesse dirigido!", afirmou.

O mais engraçado, porém, foi quando Bava me perguntou quem era o assassino do filme!!! Contei-lhe a revelação do final e ele fez uma expressão de surpresa, como se nunca tivesse visto "Morirai a Mezzanotte" antes. "Ah é? Faz sentido...", comentou, e então emendou uma declaração simplesmente genial: "Até que é uma revelação inteligente".

Após um breve descanso, nos encontramos para a estréia de "Presságio" na sessão comentada das nove da noite. Bava estava surpreendentemente nervoso pela primeira vez, e justificou dizendo que o filme foi feito para a televisão e essa seria a primeira vez que ele o assistiria num cinema, com o público, portanto não sabia que reação teriam os espectadores.

"Presságio" é mesmo bem fraquinho (embora seja válido destacar a ótima interpretação do norte-americano Craig Bierko). Mas o público educadamente compreendeu que estava diante de um produto televisivo e poupou Lamberto de maiores críticas. Preferiram fazer perguntas sobre outros filmes exibidos no dia, como "A Blade in the Dark", infinitamente mais interessante.


O diretor depois distribuiu mais alguns autógrafos. Quando Leandro Caraça, do Viver e Morrer no Cinema, pôs diante dele a capinha do VHS de "O Quebra-cabeça" ("Body Puzzle", 1992), Bava ficou encucado: "Mas que filme é esse?". Não reconheceu a foto genérica da capa, com uma cena sangrenta que, pelo que me lembro, nem está no filme. Quando eu disse que era "Boddy Puzzle", Lamberto ficou emocionado: "Não vejo esse filme há 20 anos! Vai passar aqui? Eu gostaria de rever". Para nossa sorte, a sessão de "Body Puzzle" seria no dia seguinte, antes de "Demons"...

Na saída, Bava pediu para conhecer um pouco da noite porto-alegrense. Queria ver samba, o que me deixou numa encruzilhada: como mostrar samba em pleno inverno gaúcho? A solução foi tentar entretê-lo com um show de bossa nova no Odeon, um pequeno barzinho próximo ao cinema, onde, após vários chopps, Lamberto entrou no clima de avacalhação, inclusive tirando fotos fazendo caretas.

Interessante é que Luigi Cozzi foi levado ao mesmo bar em 2010 e pacientemente deu papo para um bêbado chato que ficou lhe torrando a paciência. Bava escapou disso, mas teve que aguentar outro bêbado chato: seu curador e cicerone Felipe (abaixo)!



Dia 4 - Sexta-feira
Sexta era o "Dia D" da Retrospectiva Bava no Fantaspoa. Dia D literalmente: à noite, numa sessão concorridíssima, seria exibido "Demons", o grande clássico do diretor.

Ao meio-dia, nos encontramos todos numa churrascaria para a tradicional overdose de carnes do italiano. É interessante destacar que, na sua chegada ao Brasil, Lamberto disse que queria conhecer a culinária brasileira e ao mesmo tempo manter distância da comida italiana. Nas palavras do próprio, "No pasta!" (Nada de massas).

Corajoso, ele não arregou diante de feijoada, mocotó e cortes de carnes diferentes; provou guaraná, caipirinha, cachaças e até a graspa brasileira. Na churrascaria, Bava fez a festa junto com outros convidados, como o simpático casal Kyle Rankin e Emily Janice Card (ele dirigiu o divertido "Nuclear Family") e os argentinos Hernán Moyano e Marina Glezer (roteirista e atriz de "Suor Frio").

À tarde, os hermanos quiseram ir até uma videolocadora em busca de DVDs de filmes brasileiros. Lamberto foi junto, mas não encontramos filmes de José Mojica Marins para vender, que era justamente o que todos procuravam (Hernán só conseguiu o recente "Encarnação do Demônio"). Quando lembro que esses filmes do Zé do Caixão eram vendidos a R$ 9,90 nos balaios das Americanas em São Paulo, me dá vontade de comprar uns 50 e vender a peso de ouro para os gringos no Fantaspoa 2012...

Após uma rápida visita à Usina do Gasômetro e à exposição da obra de Kenneth Anger, Lamberto foi para a sessão de "O Quebra-cabeça" - depois inclusive ganhou o DVD importado, inédito na Europa, de presente do organizador do Fantaspoa, João Pedro.

Bava tem melhores lembranças de "Body Puzzle" do que de "Morirai a Mezzanotte", mas se espanta com algumas cenas (segundo ele, hoje faria tudo diferente). Diz que a atriz Joanna Pacula era muito frígida e não conseguiu arrancar dela a atuação desejada.

Ele não pareceu incomodado com as risadas do público diante de cenas verdadeiramente imbecis do filme, como quando o assassino mata uma de suas vítimas numa piscina - e, apesar da água ser transparente, a tal vítima não enxerga um sujeito mergulhado que nada em sua direção com uma faca! Como aconteceu no dia anterior, Lamberto não aguenta o próprio filme até o fim, saindo da sala quando faltam 15 minutos para terminar.

O público começa a chegar para a sessão de "Demons", tomando o hall de entrada do Cine Bancários. Enquanto o filme não começa, aproveito para gravar depoimentos em vídeo de Lamberto sobre "Demons", "Roleta Macabra" (outro de seus filmes exibido no Fantaspoa, e que para mim é um guilty pleasure) e seu remake de "A Máscara de Satã".

Bebemos caipirinha, chopp e champanhe depois, num rápido coquetel realizado como parte da homenagem à carreira do diretor, que recebeu uma placa comemorativa dos organizadores do Fantaspoa.


Finalmente, "Demons" começa com sala lotada e gente sentada nas escadas (foto acima). "Tem que deixar espaço para a moto passar", brinca alguém, lembrando a cena mais antológica do filme.

Assistir um clássico da nossa juventude no cinema pela primeira vez é uma experiência única - ainda mais considerando que os horrores da trama se passam também dentro de um cinema!

E foi o único filme além de "Presságio" que Lamberto viu inteiro, sentado entre fãs que riam e vibravam durante a sessão inteira, contagiando o diretor (cada frase do cafetão interpretado por Bobby Rhodes gerava um festival de sonoras gargalhadas, inclusive do próprio Lamberto!).

Seguiu-se a sessão comentada, quando Bava explicou que "A Catedral", de Michele Soavi, surgiu de um roteiro não-filmado para "Demons 3".

Na saída do cinema, mais um festival de autógrafos e fotos que Lamberto encarou com alegria e entusiasmo, aparentando felicidade por ver que seu grande filme, lançado no hoje longínquo 1985, ainda funciona, inclusive para as novas gerações.

Bava ainda ficaria em Porto Alegre no sábado, mas é a hora da despedida - eu tinha outros compromissos no dia seguinte. Ele me agradeceu por tudo e confessou ter ficado surpreso por participar de um festival em que todas as suas despesas, inclusive com alimentação e bebedeiras, eram pagas pelos organizadores (o que não acontece em eventos maiores lá fora).

Ainda autografou-me um pôster de "Demons" com a frase: "Ao Felipe com carinho, tchau e obrigado por tudo". Finalmente, nos despedimos com uma demonstração de carinho de Lamberto Bava pelo seu curador, cicerone e fã, como demonstra a foto abaixo: