WebsiteVoice

Mostrando postagens com marcador Linda Blair. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Linda Blair. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

AEROPORTO 75 (1974)


Se 1970 foi o ano em que "Aeroporto" provou que era possível lucrar com a desgraça alheia, 1974 foi o grande ano do cinema-catástrofe: num curtíssimo espaço de tempo, estrearam "Inferno em Alto Mar", de Richard Lester (setembro/74), a primeira continuação de "Aeroporto", chamada AEROPORTO 75 (outubro/74, mas usando o ano de 1975 no título para não ficar datado quando lançado em outros países), "Terremoto", de Mark Robson (novembro/74), e "Inferno na Torre", de John Guillermin (dezembro/74).

Todos esses filmes levaram ao pé da letra a fórmula aprendida com "Aeroporto" alguns anos antes, de que astros famosos + grande tragédia + melodrama = sucesso de bilheteria. E coitadas das celebridades que se metiam nessas tranqueiras, gente graúda omo Walter Matthau, Ava Gardner, Steve McQueen, Fred Astaire, Paul Newman, William Holden, Richard Chamberlain, Richard Harris, Omar Sharif, David Hemmings, Anthony Hopkins, Ian Holm, etc etc etc.


No caso de AEROPORTO 75, o mais interessante é que ele não foi originalmente concebido como uma continuação. Pelo contrário: o roteirista Don Ingalls, que costumava trabalhar com seriados, tinha ideias mais humildes e apresentou seu roteiro para a divisão televisiva da Universal, como proposta para um simples filme produzido para a TV.

Só que o produtor Jennings Lang leu, gostou, e deve ter se lembrado que o "Aeroporto" original foi a maior bilheteria da Universal até então. Com cifrões nos olhos, ele deu sinal verde para transformar o outrora humilde roteiro de Ingalls em algo muito maior, rebatizando-o como continuação de "Aeroporto".

No auge da cara-de-pau, colocaram até um crédito hilário no início que diz "Inspirado no filme 'Aeroporto', que foi inspirado no livro de Arthur Hailey", associando assim uma continuação sem relação com o autor do best-seller que deu origem ao primeiro filme! (Esta mesma frase seria usada também nos filmes seguintes.)


Nenhum dos realizadores do original voltou para essa sequência - nem o produtor Ross Hunter, nem o diretor George Seaton. E o único astro do primeiro filme que reaparece é George Kennedy, repetindo o papel de Joe Patroni, embora completamente descaracterizado (conforme veremos em seguida).

Já a direção ficou a cargo de Jack Smight, que muitos cinéfilos devem lembrar como o responsável por "Harper, O Caçador de Aventuras" (1966) e "Herança Nuclear" (1977). No papel principal, sai Burt Lancaster e entra Charlton Heston, que poderia ganhar o título de "Muso do Cinema-Catástrofe" por ter sido o único astro a estrelar nada menos de cinco produções do gênero: esta, "Voo 502 em Perigo" (1972), "Terremoto" (1974), "Pânico na Multidão" (1976) e "S.O.S. Submarino Nuclear" (1978). Pelo visto, o velho Moisés gostava de uma boa tragédia...


Heston interpreta o piloto Alan Murdock, e já havia aparecido como piloto às voltas com tragédias aéreas em seu filme-catástrofe anterior, "Voo 502 em Perigo". Murdock namora a aeromoça Nancy Pryor (a finada Karen Black, comprovando aqui que tinha uma das vozes mais irritantes da história do cinema), mas foge de compromisso como o diabo da cruz. É claro que uma pequena tragédia servirá para colocar o casal nos trilhos no final.

Os caminhos dos pombinhos se separam no Aeroporto Washington Dulles International: o piloto vai para um lado, e Nancy embarca no Voo 409 da Columbia Airlines, um Boeing 747 lotado com destino a Los Angeles. A tripulação é formada pelo Capitão Stacy (Efrem Zimbalist Jr.), seu co-piloto Urias (Roy Thinnes) e pelo navegador latino Julio (Erik Estrada!).


Como este é um filme-catástrofe, e exige a inclusão de inúmeros personagens com seus próprios dramas pessoais, o avião está repleto de alguns dos mais excêntricos passageiros já vistos num filme "sério": tem três bebuns que já embarcam mamados e ainda passam o tempo inteiro atrás de goró; duas freiras, uma delas cantora; uma velhota alcoólatra; um ator que só está no voo para assistir o filme de bordo, em que ele fez uma pequena participação (o filme em questão é "American Graffiti", de George Lucas); uma veterana estrela de cinema e sua assistente, e até uma menina doente que está viajando para Los Angeles para fazer um transplante de rim, e tem as horas contadas para chegar à mesa de operação! Está bom de dramalhão ou quer mais?

Então tome mais: longe dali, um vendedor que tem uma reunião de negócios urgente freta um jatinho e encara um voo solitário com clima desfavorável. A cobiça será sua sentença de morte, pois ele sofre um ataque cardíaco durante o voo e acaba arrebentando seu jatinho no cockpit do Voo 409, abrindo um rombo na aeronave que fere gravemente o piloto e mata seus auxiliares!


E como o Capitão Stacy teve os olhos machucados na colisão e não pode pilotar às cegas, sobra para a pobre aeromoça Nancy a responsabilidade de comandar a aeronave avariada e fazer um pouso de emergência. Ah, não esqueça da pobre menina lá atrás, que tem as horas contadas para o seu transplante de rim!

No início, a corajosa aeromoça recebe instruções via rádio do seu namorado Murdock e do veterano da série "Aeroporto" Patroni. Mas a dupla logo chega à conclusão de que Nancy jamais conseguirá pousar sozinha, e resolvem pôr em prática um plano ousado: transferir um piloto "de verdade" para dentro do avião em voo, pelo rombo aberto no cockpit, usando um helicóptero!!!


AEROPORTO 75 pode até ser uma bomba como cinema (e é!), mas não tem importância: o resultado é divertidaço como entretenimento. Inclusive acho o filme muito melhor, menos sério e menos enrolado do que o original. Com meia hora a menos que "Aeroporto", a trama vai direto ao assunto (em menos de 20 minutos o avião já está no ar), e trabalha melhor os elementos de tensão e suspense. Até a tragédia da vez é bem mais interessante do que aquela enfocada no primeiro filme.

Outra diferença da "continuação" para o original é o fato de este dar mais destaque à tripulação da aeronave e aos passageiros em perigo do que à equipe em terra, ao contrário do que acontecia no filme de 1970. Na verdade, o espetáculo é todo comandado por Karen Black e pelos excêntricos passageiros que ela precisa salvar da morte quase certa; o "herói" Heston e seu sidekick George Kennedy aparecem berrando algumas ordens via rádio e só têm participação mais ativa no final - quando, claro, o piloto machão vai voluntariar-se para tentar retomar o controle do avião onde está sua namorada!


A situação evolui para uma façanha complexa: um piloto é transferido de um helicóptero para dentro do avião, pelo rombo na fuselagem, através de um cabo de aço, e com ambas as aeronaves em pleno voo!

É o tipo de cena que, mesmo com algumas trucagens visíveis (dublê substituído por boneco, filmagem em estúdio com tela projetada no fundo), deixa o espectador na ponta da cadeira, e certamente hoje seria feita de maneira pouco convincente através de computação gráfica.


O curioso é que AEROPORTO 75 foi produzido com muito menos grana que o original (US$ 4 milhões contra os 10 milhões do primeiro filme), e mesmo assim parece muito melhor produzido!

Mas as filmagens foram complicadas porque a Universal estava gravando outro filme-catástrofe (o bem mais caro "Terremoto") ao mesmo tempo, e as duas produções dividiam atores principais (Charlton Heston e George Kennedy), o mesmo diretor de fotografia (Philip H. Lathrop) e o mesmo produtor (Jennings Lang). Não foi fácil acertar os cronogramas dos "desastres", mas este aqui ficou pronto e foi lançado antes.


No fim, AEROPORTO 75 vale menos pela história e mais pelas bobagens, pelo fator trash e pelas insólitas celebridades reunidas. Uma delas é a veterana dos tempos do cinema mudo Gloria Swanson, que estreou no cinema em 1915 (!!!), e aqui parece ter a mesma função que a também veterana Helen Hayes teve em "Aeroporto"; ou seja, a de homenagear as pioneiras da sétima arte (embora dessa vez sem direito a Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, como aconteceu no filme anterior).

O curioso é que Gloria Swanson interpreta... Gloria Swanson?!? Exato! Num curiosíssimo toque de metalinguagem, o roteiro coloca a veterana atriz como ela mesma! No filme, Gloria chega a citar celebridades de verdade com quem trabalhou, tipo o diretor Cecil B. de Mille, a atriz Carole Lombard e a cantora de ópera Grace Moore - sendo que essas duas últimas coincidentemente morreram em acidentes de avião em 1942 e 1947, e talvez até por isso tenham sido citadas.


Na época das filmagens, Gloria estava com 75 anos de idade e já não trabalhava no cinema desde 1956. O papel de velha estrela tinha sido originalmente oferecido a Greta Garbo (que, por sua vez, estava aposentada desde os anos 40), mas Greta recusou e Gloria resolveu assumir a vaga, já que não tinha nada melhor para fazer mesmo (ok, essa foi maldosa...).

Em entrevistas da época, a veterana declarou o seguinte: "Eu estava esperando que me convidassem para um filme que pudesse levar meus netos para ver, que fosse emocionante e contemporâneo, sem apelar para violência sem sentido". Hã... Dona Gloria, acho que a senhora não foi muito feliz na escolha, viu? Mas AEROPORTO 75 acabou sendo o último filme da atriz, que morreu em 1983 sem voltar a pisar num set de filmagem.


Outra veterana, que aparece interpretando a coroa bebum, é Myrna Loy. Ela também começou sua carreira nos tempos do cinema mudo, em 1925, e estava com 69 anos ao interpretar uma das passageiras de AEROPORTO 75. Depois, Myrna ainda fez mais alguns filmes (incluindo a tralha "Formigas Assassinas") antes de morrer em 1993, aos 88 anos.

Entre as presenças ilustres também está a "atriz-mirim" Linda Blair, então com 15 anos, no papel da garota doente que precisa receber um novo rim o mais rápido possível. Ela tinha recém-saído do set de "O Exorcista", e é impossível não lembrar disso quando vemos sua personagem deitada o tempo inteiro e sendo paparicada por uma das freiras a bordo - ironicamente, no seu filme anterior a personagem de Linda não tinha lá muita simpatia pelos representantes da Igreja!


Vale ressaltar que a tal freira, que fica tocando violão e cantando para a pobre Linda Blair, é interpretada pela cantora australiana Helen Reddy, aqui fazendo sua estreia no cinema. Hoje o nome talvez não seja tão conhecido, mas, na época das filmagens, Helen era conhecida como a "Rainha do Pop dos Anos 70", e inclusive havia acabado de ganhar um Grammy pelo seu hit "I Am Woman", em 1973.

Surpreendentemente, a cantora-atriz foi indicada ao Globo de Ouro de "Melhor Revelação" por sua atuação como freira em AEROPORTO 75, mas depois não fez mais nada digno de nota além de "Meu Amigo, O Dragão", em 1977. Bela revelação...


AEROPORTO 75 ainda permitiu um breve reencontro de Charlton Heston com duas atrizes com quem trabalhou anteriormente. Uma delas é Martha Scott (no papel da outra freira), com quem contracenou em "Os Dez Mandamentos" e "Ben Hur"; a outra é Linda Harrison, a gatinha que interpretou sua "namorada" Nova em "O Planeta dos Macacos" e "De Volta ao Planeta dos Macacos". Linda aparece no papel de Winnie, a assistente de Gloria Swanson, e infelizmente está vestida demais, aposentando os trajes sumários que usava lá no Planeta dos Macacos.

Por último, mas não menos importante, vale registrar as presenças dos comediantes Sid Caesar, como o ator que quer se ver no filme de bordo, e Jerry Stiller, como um dos passageiros bêbados.


Também tem algo de muito curioso em AEROPORTO 75: a trama lembra bastante um outro filme sobre tragédias aéreas que eu citei na minha resenha anterior, "Céu de Agonia", de 1960. Neste filme, é um jato militar que entra em rota de colisão com um avião comercial, mas o argumento é bem parecido.

Não sei se foi uma citação intencional ou a mais bizarra das coincidências, mas veja só que maluquice: em "Céu de Agonia", Dana Andrews interpretava o piloto do avião comercial e Efrem Zimbalist Jr. o responsável pelo jato que provocava a tragédia. Pois aqui, em AEROPORTO 75, os mesmos atores aparecem em papéis trocados: Zimbalist Jr. agora é o piloto do avião comercial ameaçado pelo jatinho pilotado por Andrews (abaixo)!


Como eu expliquei lá em cima, o roteiro de David Ingalls não foi originalmente escrito como uma continuação direta de "Aeroporto". Quando o produtor Lang teve a ideia de transformá-lo numa sequência, Ingalls foi obrigado a criar uma mínima relação que fosse com o filme de 1970. É aí que deve ter entrado o personagem de George Kennedy.

O problema é que Ingalls não respeitou as características que esse personagem (Joe Patroni) tinha em "Aeroporto", e simplesmente trocou o nome de algum outro personagem secundário do seu roteiro original. Duvida? Pois se em "Aeroporto" Patroni era o melhor mecânico da TWA, aqui ele foi misteriosamente promovido a vice-presidente de operações da Columbia Air Lines, e agora vive em Washington, não em Chicago!


Tudo bem, vai que o sujeito tenha sido promovido depois de sua façanha de desatolar o Boeing da neve no final do primeiro filme, não é mesmo? Só que aí o roteiro cria outra complicação: em "Aeroporto", Patroni era casado com uma mulher chamada Marie (interpretada por Jodean Lawrence), e dizia ter cinco filhos; aqui, ele aparece com uma nova esposa chamada Helen (interpretada por Susan Clark) e anuncia ter um único filho, Joe Jr., de 12 anos! Por sinal, esposa e filho estão no voo fatídico, dando a Patroni uma razão pessoal para impedir a tragédia desta vez.

O engraçado é que, em fóruns da internet, alguns fãs da série tentam justificar essa presepada do roteirista alegando que Patroni na verdade levava uma vida dupla, com duas esposas e dois empregos em cidades diferentes! Aham...


Enquanto "Aeroporto" foi uma das maiores bilheterias de todos os tempos, ganhou boas críticas e enganou até os membros da Academia, sendo indicado a 10 Oscars, AEROPORTO 75 já foi recebido com mais ceticismo, sem indicações ao Oscar e com críticas demolidoras.

Mesmo assim, repetiu o sucesso de bilheteria (47 milhões de dólares só nos cinemas norte-americanos), conquistando a sexta posição entre os filmes mais vistos nos EUA naquele ano, logo abaixo de "O Poderoso Chefão Parte 2" e sete posições acima de... "Chinatown", do Polanski!!!


Mas o auge do "sucesso" foi sua inclusão no clássico livro "The Fifty Worst Films of All Time" (Os 50 Piores Filmes de Todos os Tempos), de Harry Medved e Randy Dreyfuss. Graças à bem-humorada análise da dupla nesse volume, AEROPORTO 75 ganhou certa aura de filme de culto, inclusive sendo redescoberto por uma nova geração de fãs que hoje o apreciam justamente pelos seus exageros, absurdos e - por que não? - pela sua divertida ruindade.

Eu sou um desses fãs, e repito que acho esse segundo filme muito melhor e menos pomposo que o original de 1970. Tem mais ação, mais tragédia, mais suspense, mais celebridades interpretando personagens cretinos e absurdos, e não fica enrolando tanto com os encontros e desencontros dessa gente como o episódio anterior. Também tem uma direção de arte doidona, repleta de roxo e rosa-choque (imagens abaixo), como se o responsável por este departamento tivesse trabalhado sob efeito de LSD.


Principalmente, o filme parece não se levar tão a sério quanto seu antecessor: os passageiros são tão exóticos, e as situações são tão hilárias, que AEROPORTO 75 poderia muito bem ser o resultado de alguém filmando a sério o roteiro da comédia "Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu!", do Trio ZAZ.

Fica até difícil de dissociar um filme do outro, considerando que algumas piadas hilárias de "Apertem os Cintos..." foram tiradas daqui mesmo: a clássica comédia também tem uma menina doente a bordo, que viaja para fazer um transplante de coração, e que é animada por uma aeromoça que toca violão; além disso, "Apertem os Cintos..." repete a situação da aeromoça que precisa manter o avião no piloto automático quando o voo perde sua tripulação, com a diferença de que na comédia aparece um engraçadíssimo "piloto automático inflável" para comandar o avião!


Já as cenas de ação e tensão de AEROPORTO 75 são tão boas que depois foram vendidas e reeditadas em diversas outras produções, incluindo um episódio do velho seriado do Incrível Hulk, em 1978, e até um filme recente, "Impacto", de 2000 - que usou as cenas antigas do piloto sendo transportado do helicóptero para dentro do avião em uma história nova rodada a preço de banana e estrelada por James Russo e Ice-T!

Mais do que um "filme-catástrofe", AEROPORTO 75 pode ser considerado um ótimo veículo de propaganda para a tecnologia dos aviões e para o profissionalismo das tripulações dos voos comerciais norte-americanos. Pouca gente morre no desastre, e a aeronave é tão boa que pode ser tranquilamente pilotada por uma aeromoça recebendo ordens via rádio.


Fico me perguntando por que diabos os pilotos passam anos fazendo cursos e simulações de voo se, na hora H, a presença deles no cockpit não faz nenhuma diferença, e qualquer pessoa sem preparo pode controlar um avião com relativa facilidade - ou pelo menos essa é a mensagem passada por filmes como esse e, mais tarde, "Turbulência".

Claro que essas imbecilidades todas apenas tornam a coisa toda mais engraçada. E convenhamos que não tem como levar a sério um suposto dramalhão repleto de diálogos hilários, tipo aquele que se refere à menina que vai receber transplante: "Coitadinha! Ela está em Washington e o seu rim está em Los Angeles".

Com essa, encerro minha análise dessa comédia brilhante que é AEROPORTO 75. E se você quiser levar o filme a sério, azar o seu!


Trailer de AEROPORTO 75



*******************************************************
Airport 1975 (1974, EUA)
Direção: Jack Smight
Elenco: Charlton Heston, Karen Black, George Kennedy,
Efrem Zimbalist Jr., Gloria Swanson, Dana Andrews,
Myrna Loy, Sid Caesar, Helen Reddy e Linda Blair.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

RUAS SELVAGENS (1984)


Existem duas formas de assistir RUAS SELVAGENS...

A primeira é levando a sério e tentando analisar o filme pela sua mensagem sócio-cultural, ou pelos seus méritos enquanto "produto cinematográfico". Se você cair na burrada de fazer isso, prepare-se para sofrer graves danos cerebrais provocados pelo roteiro estúpido, pelas péssimas interpretações, pelos diálogos incrivelmente toscos e pelo excesso de apelação - incluindo nudez gratuita e violência explícita.

A outra forma é justamente desligando o cérebro e curtindo tudo isso que, para cinéfilos "sérios", não presta. Azar o deles, pois o meu ideal de diversão é exatamente ver Linda Blair com os melões de fora num filme sobre estupro, vingança e gangues de delinquentes juvenis. E, nesse contexto, RUAS SELVAGENS dá um brilhante "Filme para Doidos", com tudo aquilo que os assíduos frequentadores do blog tanto gostam, e muito mais!


O velho Guia de Filmes Nova Cultural até dava a dica: "Prato cheio para quem gosta de sadismo, mulheres nuas, sexismo, piadas chulas, palavrões e vingança pelas próprias mãos". Bem, aí eu pergunto: e quem não gosta de tudo isso? Se o crítico que escreveu isso queria que as pessoas ficassem longe do filme, definitivamente escolheu as palavras erradas!

E vamos combinar que a única forma de ver uma tralha como essa é não levá-la a sério. Afinal, você está diante de um dos quatro filmes dirigidos por Danny Steinman, que já foi saudado como um dos piores cineastas de todos os tempos – e, dos outros três filmes que ele dirigiu, um é pornô X-Rated e o outro é "Sexta-feira 13 Parte 5 - Um Novo Começo", que quase enterrou a lucrativa série do nosso amigo Jason.


Na verdade, Steinman entrou na produção como tapa-buraco. RUAS SELVAGENS seria inicialmente dirigido por Tom DeSimone, um nome conhecido para fãs de produções exploitation dos anos 1970-80 (era especialista em pornôs gays e filmes de mulheres na prisão, os populares WIP).

DeSimone começou a dirigir, mas desligou-se do projeto após uma semana de filmagens, e Steinman - que era co-roteirista - entrou no seu lugar alguns meses depois. Por causa disso, diversos integrantes do elenco também desistiram e foram procurar outros projetos, como a linda morena Debra Blee (de "Hamburger - O Filme"), cuja personagem simplesmente desaparece da narrativa ainda na metade do filme!


O roteiro de Steinman e Norman Yonemoto parece prestar homenagem àquelas hilárias produções das décadas de 60 e 70 sobre gangues formadas por garotas, como "As Diabólicas Sobre Rodas" (1968), de Herschell Gordon Lewis, e "Faca na Garganta" (1975), de Jack Hill.

Temos, assim, uma gangue de belas jovens que é liderada por Brenda (Linda Blair!!!), e inclui sua irmã surda-muda Heather (a musa trash Linnea Quigley!!!), e suas amigas Maria (Luisa Leschin), Stella (Ina Romeo) e Francine (Lisa Freeman). Essa última está grávida e irá casar com o namorado dentro de alguns dias.


Todas supostamente são adolescentes ainda estudando no colegial, mas "interpretadas" por atrizes que, à época, já eram bem velhinhas para passar por meninas em idade escolar. A própria Linda Blair estava longe dos seus tempos de menina de "O Exorcista", com 25 anos e um respeitável par de peitões!

Seja como for, as meninas vivem se estranhando com os "Scars", uma gangue rival, só de meninos, formada por Fargo (Sal Landi), Red (Scott Mayer) e Vince (Johnny Venocur), e liderada pelo psicótico Jake (Robert Dryer, fantástico de tão exagerado).


Na cena inicial, o conversível em que estão os Scars quase atropela Heather enquanto ela atravessa a rua. Brenda, assumindo o papel de irmã super-protetora, se vinga em alto estilo: ela e sua gangue de meninas roubam o carro dos garotos e o abandonam a alguns quarteirões, depois de enchê-lo de lixo!

Jake resolve dar o troco de forma violenta. Primeiro, ele e os parceiros atacam Heather no ginásio da escola, e a garota nem pode gritar por ajuda. Violentada e brutalmente agredida, ela acaba em coma no hospital. Depois, Jake mata Francine no dia em que ela tinha ido buscar seu vestido-de-noiva. É a gota d'água, e Brenda sai às "ruas selvagens" sedenta de vingança - armada com arco, flechas e armadilhas para ursos!


RUAS SELVAGENS é um daqueles filmes que exalam um brilhantismo "às avessas". Em outras palavras, funcionam justamente pelos motivos errados: você se diverte com as interpretações ruins e/ou exageradas do elenco todo, ao invés de ficar entretido com boas atuações; você ri com as forçadas de barra da narrativa - como o assassinato de Francine, cometido em plena luz do dia, numa avenida movimentada, sem que nenhum dos envolvidos tenha qualquer receio em relação a possíveis testemunhas ou à chegada da polícia -; mas, principalmente, você fica surpreso com a quantidade de apelação dos realizadores, que entregam desde uma longa e detalhada sequência de estupro de uma garota com deficiência até as tradicionais cenas de nudez frontal das garotas tomando banho de chuveiro no banheiro da escola.


Mais do que isso, é impossível ficar sério diante da quantidade de diálogos exageradamente desbocados, que parecem ter sido escritos por garotos da 7ª série - aqueles que adoram mostrar para os amiguinhos que aprenderam palavrões novos e mais cabeludos.

Numa cena, Brenda se refere a um garoto bunda-mole que é apaixonado por ela: "I wouldn't fuck him if he had the last dick on Earth!" (necessita de tradução?). Em outra, a gangue de Jake encara o diretor da escola, que, claro, é interpretado por John Vernon (o grande arquiinimigo dos adolescentes cinematográficos desde "Clube dos Cafajestes"). Lá pelas tantas, um dos garotos dispara algo como "I'm hot, baby", e o diretor valentão responde na lata: "Go fuck an iceberg!". Impossível não rir.


Como RUAS SELVAGENS é aquele típico filme de uma ideia só, e seus realizadores não conseguiriam esticá-la durante 1h30min (o estupro de Heather acontece ainda no primeiro ato), a solução é enrolar o máximo possível com subtramas que nada acrescentam à narrativa, mas que são tão ou mais divertidas do que a situação principal.

Uma dessas subtramas envolve o tal garoto bunda-mole anteriormente citado (aquele para quem Linda Blair não daria nem se fosse o último pinto da Terra) e sua paixão nunca explicada por Brenda. Acontece que o cara já é comprometido, e namora uma loira cheerleader muito mais gatinha que a Linda Blair, Cindy (Rebecca Perle). Como a mocinha acha que é Brenda que está tentando roubar seu namorado, as duas vivem se pegando durante o filme, rendendo as tradicionais cenas de "cat-fight" no chuveiro e no meio da sala de aula, e sempre com direito a muitos peitos de fora.


Outra forma encontrada para matar tempo é mostrar as aulas da meninada rebelde. Uma das cenas mais hilárias do filme é a aula de literatura, quando uma professora gente boa (Judy Walton) tenta ensinar os alunos na marra, nem que seja analisando os poemas cheios de palavrões que eles escrevem.

Claro que tudo isso fica em segundo plano quando Brenda resolve finalmente arregaçar as mangas e partir para o "olho por olho, dente por dente", vingando-se brutalmente dos rapazes que estupraram sua irmã e mataram sua amiga. Aí é aquela típica guerra dos sexos na marra, com uma garota valentona enfrentando caras de igual para igual, fugindo daquele estereótipo de "menininha indefesa" que o cinema adora exibir (hoje menos do que antigamente).


E todo mundo, mas todo mundo MESMO, super-representa, rendendo algumas "interpretações" hilárias. Linda Blair nunca foi reconhecida por ser uma excelente atriz, mas suas caras de zangada são de rolar de rir. E o cara que interpreta Jake, o mais violento dos punks, parece ter saído diretamente da figuração de "The Toxic Avenger" ou algum outro filme da Troma, exagerando nas expressões de insanidade e risadas maléficas à la Dr. Evil, da série "Austin Powers" - é um vilão impossível de levar a sério.

(Não por acaso, em 1986 Linda Blair ganhou o Framboesa de Ouro, aquele prêmio para os piores do mundo do cinema, pela sua péssima interpretação em três filmes da época: este e mais "Prisioneiras da Ilha Selvagem" e "Patrulha Noturna". E olha que o páreo era duro: Linda concorreu com Brigitte Nielsen em "Guerreiros de Fogo" e Tanya Roberts em "007 Na Mira dos Assassinos"!!!)


Mas a verdade é que RUAS SELVAGENS é um daqueles filmes sobre os quais não adianta falar muito. Saia já do FILMES PARA DOIDOS e procure essa preciosidade para ver por conta própria, pois as imagens falam mais do que mil palavras.

É diversão garantida, e duvido que você terá alguma outra sessão de cinema mais engraçada do que esta com qualquer filme lançado em 2012. Com direito a cenas em que você não sabe se ri ou se chora, como esses 15 segundo aqui embaixo:

"Somos apenas bons amigos"



Nesses tempos politicamente corretos até encher o saco, em que uma simples piadinha com as "minorias" provoca a Terceira Guerra Mundial, um filme como RUAS SELVAGENS deixaria muito defensor da moral e dos bons costumes de cabelos em pé.

Afinal, ele prega que o "cool" é ser rebelde, arruaceiro, não levar desaforo pra casa e usar palavrões o tempo inteiro. As "mocinhas" da gangue de Brenda são umas verdadeiras vagabas que só falam em sacanagem o tempo todo, e os estudantes "comportados" e estudiosos da escola são mostrados como bundões e vítimas em potencial, não como exemplos a ser seguidos.


Além disso, todos os adultos - especialmente figuras de autoridade, como professores e o diretor da escola - devem ser combatidos, desrespeitados e humilhados, segundo a "mensagem" passada pelo filme!

E quer saber? É justamente por isso, e pelas apelações inerentes a todo bom filme exploitation, que RUAS SELVAGENS é tão legal. Porque os filmes de hoje estão tão certinhos, tão limpinhos e tão bobos que é impossível não ficar maravilhado vendo Linda Blair disparando uma flechada certeira na garganta de um punk numa produção de quinta categoria como esta.


O relativo sucesso do filme abriu as portas para que o diretor Danny Steinman fosse comandar uma produção maior, o quinto "Sexta-feira 13" - que, como já comentei, é lembrado como um dos piores da longa franquia. Consta que, na época das filmagens de "Sexta-feira 13 Parte 5", ele até já havia assinado um contrato para dirigir outras cinco produções, incluindo, acredite se quiser, um nunca filmado "Last House on the Left 2"!!!

Mas Steinman se desentendeu com os produtores durante as gravações de "Sexta-feira 13 Parte 5" e acabou queimado no meio cinematográfico. Esta aventura bastarda do Jason (ou não-Jason, como sabem os que já viram o filme) acabou sendo também a sua despedida dos sets de filmagem, pois logo depois Danny sofreu um grave acidente de trânsito e nunca mais trabalhou com cinema. Para a sorte dos espectadores, talvez.


Seja como for, RUAS SELVAGENS é o grande filme de Danny Steinman - embora com o devido bom humor e muito álcool na cabeça eu até me divirta com o "Sexta-feira 13 Parte 5". Claro que isso não quer dizer absolutamente nada, e apenas espectadores com um (mau) gosto muito peculiar irão curtir.

Por isso... tente! E se não gostar, e quiser amaldiçoar o FILMES PARA DOIDOS pela sugestão e pelo tempo perdido, bem, só tenho uma coisa para dizer: "Go fuck an iceberg!".


PS 1: O filme saiu em VHS no Brasil em tempos imemoriáveis pela Mundial Filmes. Lá fora, ganhou uma edição simplesmente sensacional em dois discos, uma daquelas coisas que jamais vai sair por aqui e que dá até gosto de comprar para incentivar o lançamento de outras pérolas com a mesma qualidade. Portanto, se você baixar RUAS SELVAGENS, curtir e tiver uns trocos sobrando, não deixe de comprar essa edição especial imperdível para a sua coleção.

PS 2: Duas pessoas já me cobraram sobre a falta de comentários a respeito da trilha sonora, que é muito boa. Não sou especialista em música e confesso que nunca tinha reparado muito nos rockzinhos anos 80 que tocam no filme, ocupado que estava prestando atenção na overdose de peitos de fora. Mas vale fazer uma busca por "Savage Streets Soundtrack" no YouTube, pois realmente tem umas pérolas na trilha sonora - especialmente "Justice for One" e "Quiet Ones You Gotta Watch", ambas de John Farnham. Perdoem a nossa falha!

Trailer de RUAS SELVAGENS



*******************************************************
Savage Streets (1984, EUA)
Direção: Danny Steinman
Elenco: Linda Blair, Linnea Quigley, Robert Dryer,
John Vernon, Johnny Venocur, Lisa Freeman, Luisa
Leschin, Bob DeSimone e Sal Landi.