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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

CINCO PARA O INFERNO (1969)


Depois de ver e rever o extraordinário "Bastardos Inglórios", novo e provavelmente melhor filme de Quentin Tarantino, dá a maior vontade de igualmente ver ou rever todas aquelas divertidas produções sobre a Segunda Guerra Mundial que influenciaram e inspiraram o diretor. Principalmente, claro, aquelas amalucadas aventuras de guerra produzidas na Itália, e que às vezes lembram mais os inconseqüentes western spaghetti do que propriamente uma visão mais "realista" do conflito. CINCO PARA O INFERNO é uma dessas bizarras aventuras, que de lambuja ainda traz vários elementos reaproveitados agora no filme do Tarantino.

O filme é assinado por um tal de "Frank Kramer", na verdade Gianfranco Parolini, que também dirigiu vários faroestes italianos do período, inclusive o primeiro da série Sartana ("Se Incontri Sartana Prega per la Tua Morte", de 1968). Parolini manteve o espírito dos "spaghetti" também nesta aventura de guerra. Inclusive reaproveitou o ator Gianni Garko (creditado "John Garko"), que ficou imortalizado como os pistoleiros Sartana e Camposanto em uma série de bangue-bangues à italiana. Ainda novinho e sem bigode, Garko aqui está a cara do Thomas Jane!


Os primeiros 15 minutos de CINCO PARA O INFERNO são pura sátira e comédia-pastelão, quase lembrando algum filme da dupla Terence Hill e Bud Spencer na Segunda Guerra Mundial - inclusive a música-tema, em tom de farsa, parece anunciar uma comédia. Basicamente, as cenas iniciais mostram o tenente Aldo Raine, ou melhor, Glenn Hoffmann (Garko), circulando de jipe por uma base de treinamento de soldados norte-americanos, recrutando os melhores de cada batalhão para fazer parte de um grupo secreto, os "Inglorious Basterds" - ops, esqueça esta última parte, que é de um outro filme.

Os selecionados são o sargento Sam McCarthy (Luciano Rossi, de "Django, O Bastardo"), um ginasta que faz acrobacias usando uma cama elástica; os soldados Johnny "Chicken" White (Sam Burke, de "Eu Sou Sartana"), que é especialista em explosivos; Al Siracusa (Sal Borgese, de "The Big Racket"), um experiente arrombador de cofres, e finalmente Nick Amadori (Aldo Canti, astro de filmes de gladiadores do anos 60, creditado como "Nick Jordan"), um gigante cujo papel, claro, é massacrar os inimigos.


O primeiro ataque do grupo de cinco homens é a uma bem-vigiada base nazista, culminando com o arrombamento de um cofre onde estariam planos secretos do Terceiro Reich. É quando aparecem os superiores dos soldados, explicando que aquilo era apenas um teste da habilidade do grupo, e elogiando aos cinco pelo sucesso da simulação.

Passada essa cena inicial mais cômica, nossos heróis finalmente recebem a sua missão verdadeira: vestidos como civis, eles precisam infiltrar-se numa bem-vigiada base nazista para arrombar o cofre onde está o temido Plano K, contendo todos os detalhes de uma ofensiva diabólica de Hitler contra os Aliados.


O problema para os heróis aparece na forma de um maligno coronel da SS chamado Hans Landa, ops, Hans Mueller, interpretado por ninguém menos que Klaus Kinski. Numa interpretação fantástica, Kinski hipnotiza o espectador com aquele seu olhar gélido, fazendo-nos lamentar o pouco tempo em cena do seu personagem.

O coronel nazista é tão mau, mas tão mau, que na sua primeira cena ele já aparece atiçando dois enormes cães contra um indefeso gatinho. Depois, demonstra ter mais apreço pelos cães da base do que pelos seus soldados. Imagine então o que ele vai fazer com os seus inimigos...


Depois daquele duvidoso início engraçadinho, CINCO PARA O INFERNO muda de tom e vira nitroglicerina pura. Os cinco agentes secretos seguem seu rumo até a base, exterminando todos os nazistas que encontram pelo caminho, e, chegando ao alvo, precisam seguir à risca um rigoroso plano para invadir o lugar e roubar os planos, onde cada um dos cinco terá um papel fundamental para ultrapassar obstáculos como a cerca eletrificada, o alarme que impede a abertura do cofre, os nazistas que vigiam a base, e por aí vai.

Só que o coronel Mueller está sabendo do ataque iminente ao seu quartel-general, pois descobriu que uma das suas oficiais, Helga Richter (Margaret Lee, de "Casanova 70"), é uma agente dupla que ajuda os Aliados.


Toda a cena do ataque à base é simplesmente eletrizante, incluindo uma boa dose de suspense - principalmente graças às tentativas de Helga de desativar o alarme do cofre no quarto de Mueller, enquanto finge seduzir o vilão. E logo o quinteto vai ter que mostrar que é bom no gatilho, cercado de soldados nazistas por todos os lados, numa fuga desesperada da base que lembra o clássico "Os Doze Condenados", de 1967.

Aliás, o filme de Parolini parece uma versão "reduzida" desta famosa aventura, apenas trocando os prisioneiros recrutados por soldados rebeldes, e, obviamente, diminuindo o grupo em sete pessoas, talvez pelas óbvias limitações orçamentárias.

Fica a dica: suporte os 15 minutos iniciais de CINCO PARA O INFERNO, que têm um tom totalmente diferente do resto do filme (imposição dos produtores, talvez?), pois a coisa só começa realmente a esquentar depois desta primeira cena - e a cena final é muito bem-feita e IMPERDÍVEL.


A música de Elsio Mancuso ("Eu Sou Sartana") nem sempre acerta o alvo (aquela trilha engraçadinha, utilizada diversas vezes ao longo do filme, é dose). Mas há um tema dramático, que embala as cenas mais "sérias" da película, que é simplesmente extraordinário, lembrando muitas composições do mestre Ennio Morricone - não se espante se uma hora dessas o Tarantino pegar emprestado para algum dos seus filmes.

Claro, que ninguém espere uma trama "tarantinesca", cheia de reviravoltas, traições e surpresas. Afinal, Parolini nada mais faz do que uma aventura de guerra simples e eficiente, a tradicional história de "men in a mission". Por isso, para quem busca ação, o filme está repleto de tiroteios, explosões e um dos maiores massacres de nazistas de todos os tempos, no ataque à base no final, quando até a cerca eletrificada se transforma em arma para extermínio em massa de vilões!


É bom ressaltar ainda que o roteiro de CINCO PARA O INFERNO, escrito por Parolini e Renato Izzo a partir de uma história de Sergio Garrone (diretor de "Django, O Bastardo"), não se preocupa muito com a lógica e só quer divertir, trazendo diversos elementos absurdos e humorísticos.

Afinal, como engolir, numa história "séria", o fato do sargento McCarthy conseguir eliminar ninhos de metralhadora apenas com as acrobacias feitas na sua cama elástica portátil, carregada de um lado para o outro pelos companheiros? Ou o fato de o tenente Hoffmann arremessar uma bola de beisebol especialmente modificada para desacordar vilões e até explodir coisas?

Já uma piada impagável do filme mostra os cinco Aliados, disfarçados como nazistas, fingindo que rezam numa pequena igreja. Duas senhoras que testemunham a cena comentam entre elas: "Até que estes nazistas não são tão ruins quanto a gente pensava". hehehehe.


O elenco é ótimo e entrega interpretações antológicas, principalmente Garko como o divertido tenente Hoffmann (adotando um estilo "fodão com bom humor" que depois veríamos Brad Pitt adaptar em "Bastardos Inglórios") e Kinski como o maléfico coronel da SS (e, mais uma vez, é uma pena que o seu personagem apareça tão pouco; quem sabe se CINCO PARA O INFERNO tivesse 2h30min, como "Bastardos Inglórios"...).

Os atores que compõem os "Cinco Para o Inferno" também conseguem compor personagens simpáticos por quem o espectador torce, lamentando o final trágico de alguns. E, como no filme do Tarantino, aqui também as (poucas) mulheres são ardilosas, fatais e atiram pelas costas...

Isso tudo, somado à direção precisa de Parolini, resulta num passatempo acima da média, um híbrido muito divertido e interessante entre filme de guerra e western spaghetti, que com certeza Tarantino deve ter visto várias vezes antes de escrever "Bastardos Inglórios". Pena que a obra permaneça quase desconhecida no Brasil, onde foi lançada há mil anos em VHS (pela Nacional Vídeo), na tradicional versão "fullscreen".


Quem sabe agora, com o sucesso do filme do Tarantino, algumas destas pérolas não cheguem ao país em DVD? Aliás, chega a ser irônico, mas o único DVD decente do filme lá fora, em edição "uncut, digitally restored and widescreen", é ALEMÃO, com o título "Todeskommando Panthersprung"!!! O disco pode ser importado via Amazon e tem áudio em alemão, italiano e inglês, além de imagem simplesmente impecável, extremo oposto da versão bagaceira disponível nos EUA, e que vem dentro de um daqueles boxes com vários filmes de um mesmo tema, todos VHS-Ripados sem qualquer qualidade.

Claro que, como no caso de "Bastardos Inglórios", é preciso ter em mente que CINCO PARA O INFERNO é um filme de guerra sem qualquer pretensão com fidelidade histórica ou realismo - está mais para "Assalto ao Trem Blindado", do Enzo G. Castellari, do que para o pretensioso "O Resgate do Soldado Ryan", do Spielberg.

O único objetivo de Parolini e de seus atores é divertir, a exemplo de outras pérolas italianas sobre o mesmo tema, e não tentar ser real ou fiel aos livros de história. Até porque as páginas dos livros de história nunca disseram nada sobre nazistas sendo nocauteados por bolas de beisebol. Ou será que eu matei aula justo nesse dia?

Trailer de CINCO PARA O INFERNO


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5 per L'Inferno/ Five for Hell
(1969, Itália)

Direção: Frank Kramer (Gianfranco Parolini)
Elenco: John Garko (Gianni Garko), Klaus
Kinski, Luciano Rossi, Margaret Lee, Sal
Borgese e Sam Burke.




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UM ANO (e um mês) DE FILMES PARA DOIDOS!

Confesso a vocês, queridos leitores, que sou péssimo para recordar datas de aniversários, embora minha memória guarde dados tão inúteis quanto os vários pseudônimos usados por Bruno Mattei ou os nomes dos figurantes de filmes de ação bagaceiros produzidos na Indonésia.

Acreditem ou não, eu não consigo lembrar nem mesmo o dia do aniversário dos meus pais (só lembro o mês!). Talvez eu esquecesse o meu próprio aniversário, caso ele não caísse num feriado nacional, 7 de setembro.

E foi por esse meu crônico problema com aniversários que deixei passar a comemoração de 1 ANO DE FILMES PARA DOIDOS, no dia 10 de outubro (o presente para os leitores acabou sendo o meu comentário sobre "Bastardos Inglórios", postado na véspera, dia 09/10).

Bem, o que dizer quando um blog criado meio na brincadeira completa 1 ano de existência e, por incrível que pareça, ainda mantém um grupo de leitores fiéis? Talvez um "muito obrigado" por prestigiarem minhas mal-traçadas (e intermináveis) linhas, e a garantia de que continuarei por aqui mais um bom par de anos, sempre escrevendo sobre aqueles filmes que ninguém parece muito interessado em comentar.

Não sei se isso é motivo de orgulho ou não, já que não tenho comparativos, mas neste 1 ano de existência, os noventa-e-poucos posts do FILMES PARA DOIDOS foram visitados (e lidos, talvez) por mais de 115 mil pessoas. Vá lá que a maioria deve ter sido atraída por tags como "X-Rated" e buscas tipo "maconha em Amsterdã", mas o que vale é o número!

Portanto, encerro essa comemoração atrasada de aniversário no ritmo de CINCO PARA O INFERNO, deixando aqui um "muito obrigado" também do Gianni Garko para todos aqueles que acompanham religiosamente (e pacientemente) o FILMES PARA DOIDOS.


1 ano combatendo o ANALFABETISMO FUNCIONAL!!!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Bastardos cheios de glórias


Este blog nunca teve a proposta de discutir aqueles filmes novos sobre os quais todo mundo já está escrevendo, e sim dar espaço a obras mais obscuras. Entretanto, peço licença aos leitores mais radicais para abrir este pequeno post dedicado a BASTARDOS INGLÓRIOS, o novo filme de Quentin Tarantino.

Comentá-lo ao menos rapidamente, para mim, é quase uma obrigação. Primeiro porque é uma homenagem ao cinema de ação "alternativo" sobre a Segunda Guerra Mundial, principalmente a obras italianas, como o cult "Assalto ao Trem Blindado", de Enzo G. Castellari - cujo título em inglês, "Inglorious Bastards", Tarantino roubou para ele. E segundo porque esta provavelmente é a grande obra-prima do diretor.

Todo mundo sabe, por outros sites, blogs, revistas, jornais e etc que BASTARDOS INGLÓRIOS sempre foi a menina-dos-olhos do diretor, um roteiro que ele trazia na cabeça há 10 anos e achou que jamais conseguiria tirar do papel. Suas primeiras idéias previam uma superprodução monstruosa reunindo astros como Stallone, Schwarzenegger, Bruce Willis e até Adam Sandler (!!!), mas felizmente Tarantino pensou melhor e optou por um elenco que, à exceção de Brad Pitt, não tem astros nem estrelas, apenas ótimos atores e atrizes daquele tipo que você bota o olho e se pergunta: "Onde foi que eu já vi ele antes?". (E quem acabou reunindo os astros sonhados pelo diretor foi Stallone, em seu futuro "Os Mercenários".)


Pois neste novo filme, Tarantino parece mais maduro como cineasta. É o seu trabalho com narrativa mais redondinha e circular, sem aquelas loucuras de idas e vindas no tempo (vistas em "Cães de Aluguel", "Pulp Fiction" e "Kill Bill") ou repetição de cenas por diferentes pontos de vista (vistas em "Jackie Brown" e "Pulp Fiction"). Ainda que seja dividida em capítulos com nomes característicos, como se fosse um livro (tipo "Era Uma Vez na França Ocupada por Nazistas" e "Operação Kino"), a trama aqui é contada na ordem cronológica, começando em 1941, com o massacre de uma família de judeus, e terminando em 1944, quando os Aliados vêem uma grande chance de acabar com a guerra matando Hitler e o alto comando do Terceiro Reich.

Só há um momento, à la "Kill Bill", em que a trama é "congelada" para que se conte a história de um dos personagens, o sargento Hugo Stiglitz (Til Schweiger), como se fazia no outro filme para contar o passado da vilã O-Ren Ishii; e também um outro intervalo muito breve em que novamente a história "pausa" para que um narrador explique sobre a alta combustão das películas nos anos 40.

Cada um dos capítulos apresenta personagens diferentes que, à medida que a história avança, acabam se cruzando (como acontecia em "Pulp Fiction"). No excelente início, por exemplo, conhecemos o maléfico coronel da SS Hans Landa (o austríaco Christoph Waltz), na França ocupada pelos nazistas. Ele comanda o assassinato da família de Shosanna Dreyfus (a francesa Mélanie Laurent), que consegue escapar jurando vingança ao maléfico vilão - mais ou menos como uma "versão Segunda Guerra Mundial" da personagem de Uma Thurman em "Kill Bill".


É só no segundo capítulo que vamos conhecer os personagens-título: um grupo de soldados judeus norte-americanos chamado "Os Bastardos", reunido pelo tenente Aldo Raine (Brad Pitt) com a missão de aterrorizar as tropas nazistas, matando seus rivais violentamente e colecionando seus escalpos, à moda apache. "Cada um de vocês me deve 100 escalpos nazistas", ordena Raine ao recrutar seu pelotão. E a fama dos "Bastardos" chega até o próprio Adolf Hitler (interpretado de forma caricatural por Martin Wuttke).

Nos próximos capítulos, vamos conhecendo outros personagens cujos encontros e conexões vão levando a trama adiante. Reencontramos a sobrevivente Shosanna crescida e dona de um cinema em Paris, usando o nome falso Emanuelle Mimieux. O soldado alemão Fredrick Zoller (Daniel Brühl, de "Adeus Lênin"), considerado um herói por ter abatido mais de 100 inimigos sozinho, se apaixona por ela, ignorando seu passado. Já Joseph Goebbels (Sylvester Groth), o ministro de propaganda de Hitler, usou Zoller como ator de seu último filme, "O Orgulho de uma Nação", tentando levantar a moral das tropas com os feitos do bravo soldado alemão.

O pequeno cinema de Shosanna é escolhido para a estréia da obra, numa noite que reunirá toda a cúpula nazista, inclusive Hitler em pessoa. E a moça resolve usar a oportunidade para se vingar dos assassinos da sua família, ignorando que os Aliados estão criando seu próprio plano secreto para invadir o cinema e melar a festa, com a ajuda de uma agente dupla - a estrela de cinema alemã Bridget von Hammersmark (Diane Kurger).


Lendo assim parece que a coisa é simples, mas a trama vai se complicando à medida que os dois planos (o de Shosanna e o dos Aliados, que será executado pelos próprios "Bastardos") se cruzam acidentalmente. E o coronel Landa, que de bobo não tem nada, começa a suspeitar da conspiração. No meio do bolo, Tarantino vai misturando personagens reais sem qualquer comprometimento com a História "oficial" - além de Hitler e Goebbels, aparecem Winston Churchill (interpretado pelo veterano Rod Taylor) e o famoso ator alemão Emil Jannings (interpretado por Hilmar Eichhorn).

Tarantino nunca deixa de demonstrar que é um cinéfilo de carteirinha, já que a ambientação no pequeno cinema parisiense rende uma série de citações a grandes nomes do cinema da época (como o diretor alemão G.W. Pabst ou o comediante Max Linder). Identificar todas as citações e referências que o diretor-roteirista utiliza é uma deliciosa brincadeira para fãs de cinema (no caso de "Kill Bill", por exemplo, até hoje acabo vendo um filme obscuro das antigas e descubro que Tarantino tirou de lá algum diálogo ou nome de personagem, como aconteceu quando vi "O Samurai Negro").

No caso de BASTARDOS INGLÓRIOS, as citações que mais saltam aos olhos são os nomes de alguns personagens, como Aldo Raine (evocando o ator Aldo Ray), Hugo Stiglitz (mesmo nome de um popular ator mexicano, astro dos filmes "Nightmare City" e "Tintorera") e o general Ed Fenech, interpretado por Mike Myers (homenageando a famosa atriz italiana Edwige Fenech, que fez vários filmes "giallo" dos anos 70).


Mais adiante, quando os "Bastardos" precisam usar nomes falsos de italianos, adotam pseudônimos tipo Antonio Margheritti (diretor de filmes como "The Last Hunter" e "Os Caçadores da Serpente Dourada") e Enzo Girolami (nome de batismo do diretor Enzo G. Castellari).

O uso das músicas instrumentais tiradas de westerns lembra "Kill Bill", e inclusive reaproveita algumas trilhas já utilizadas neste filme. Curioso é que nunca imaginei o famoso tema de "O Dólar Furado", composto por Gianni Ferrio, sendo usado numa cena "romântica", e não num duelo de pistoleiros.

Ainda no terreno das citações, dois detalhes me chamaram a atenção, mas ainda não vi nenhum "crítico especializado" citar, então pode ser loucura minha mesmo: o fato do sargento Donny Donowitz (interpretado por Eli Roth) usar um taco de beisebol para acertar os nazistas me lembrou um filme de guerra italiano chamado "Cinco Para o Inferno" (1969), de Gianfranco Parolini, onde um dos personagens usava uma bola de beisebol para o mesmo propósito; já uma brutal cena de estrangulamento pareceu idêntica, inclusive nos ângulos de câmera, a um momento do filme "Bay of Blood" (1971), de Mario Bava. Quem concordar comigo, levanta a mão. E sintam-se à vontade para compartilhar as referências que vocês pescaram.


Mas o que achei mais interessante em BASTARDOS INGLÓRIOS, e que me parece a "maturidade" de Tarantino como cineasta que citei lá no começo, é um cuidado fotográfico na composição das cenas, e o fato de as longas cenas de diálogos, tradicionais do cinema "tarantinesco", desta vez favorecerem a narrativa, e não apenas encherem lingüiça.

Por mais que eu adore "Pulp Fiction" e "Kill Bill", não dá para negar que algumas conversas entre os personagens são desnecessárias ou se estendem mais do que o necessário (Travolta e Jackson com o próprio Tarantino no final de "Pulp Fiction", A Noiva com Esteban Vihaio em "Kill Bill Volume 2", por exemplo).

Sim, em BASTARDOS INGLÓRIOS existem longos diálogos, como no interrogatório inicial entre o coronel Landa e o fazendeiro francês que esconde a família de judeus, ou na longa cena em que os conspiradores se encontram com a atriz Bridget von Hammersmark numa taverna repleta de soldados nazistas embriagados.

A diferença é que esses longos diálogos servem à narrativa, e não apenas ao gosto do diretor por escrevê-los: o interrogatório demonstra como o vilão é meticuloso e sempre descobre as mentiras que lhe contam, enquanto na cena da taverna o jogo feito pelos soldados apenas aumenta a tensão de que os conspiradores possam ser descobertos a qualquer momento. É o oposto dos piores trabalhos de Tarantino, o episódio final de "Grande Hotel" e o decepcionante "Death Proof - À Prova de Morte" (ainda inédito no Brasil, nos cinemas e nas videolocadoras), onde o bla-bla-bla não tinha função alguma na trama além de destilar cultura pop e enrolar.


Isso, mais o carinho especial que Tarantino dispensa a cada um dos personagens, faz de BASTARDOS INGLÓRIOS o grande filme que é. Todos os personagens são cheios de ricas características, como o taco de Donowitz, repleto de nomes de judeus mortos pelos nazistas, ou a enorme cicatriz no pescoço do tenente Raine, nunca explicada pelo roteiro. Tarantino deve ter sofrido muito para resumir seu filme a 153 minutos, percebe-se que muita coisa do roteiro original deve ter sido deixada de fora, e isso só aumenta o charme do filme, pois outras aventuras dos "Bastardos" podem ser filmadas.

E realmente dá vontade de ver mais, é até uma pena quando alguns saem de cena - como o descontrolado sargento Stiglitz. Pitt está ótimo e propositalmente canastrão, com um cômico sotaque caipira (ainda mais evidente quando ele precisa se passar por italiano). Mas quem realmente brilha no filme é Christoph Waltz, fazendo do seu coronel Landa um vilão de respeito, mas também divertido ("That's a bingoooo!"), diferente daquele "nazista clichê" de filmes tipo "A Lista de Schindler". E pensar que o diretor queria Leonardo DiCaprio para o papel (argh!). Se Waltz não for indicado ao Oscar de Melhor Coadjuvante, vai ser muita injustiça.

Não falta nem a violência típica do cinema do diretor (com direito a escalpelamentos explícitos e um nazista morto a golpes de taco de beisebol), e ele ainda se dá ao luxo de usar apenas a voz de atores do calibre de Samuel L. Jackson (como narrador em apenas duas seqüências) e Harvey Keitel (cuja voz é ouvida pelo rádio, como se fosse um militar aliado). O IMDB anuncia ainda participações do próprio Enzo G. Castellari ("as Himself"!!!) e Bo Svenson, astro de "Assalto ao Trem Blindado", mas não consegui identificar nenhum dos dois no filme.


Sem mais delongas, corra ao cinema para ver BASTARDOS INGLÓRIOS na tela grande. Ao final você provavelmente estará concordando comigo sobre o fato de esta ser a grande obra-prima de Quentin Tarantino.

Ou, pelo menos, um divertidíssimo filme sobre a Segunda Guerra Mundial sem qualquer compromisso com a seriedade, com personagens que não são "pessoas reais", mas sim "personagens de cinema", como em "Kill Bill". Por exemplo, você nunca vai ver, num outro filme, Hitler pedindo um chiclete a um dos seus soldados! Dá até vontade de rever aqueles amalucados filmes italianos sobre a Segunda Guerra Mundial...

Lembro inclusive que uma das grandes decepções de filmes como "Operação Valquíria" (aquele do plano para matar Adolf Hitler) é que você sabe que na vida real Hitler não morreu, e então o final do filme já é conhecido desde o início.

No caso de BASTARDOS INGLÓRIOS não tem essa: Tarantino chega a reescrever a história pelo bem do seu roteiro e dos seus personagens. E não é que realmente ficou mais interessante que a própria "vida real"? Confira e opine! Se dependesse de mim, seria assim também nos livros de história.


"Say hello to my little friend!"

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

ASSALTO AO TREM BLINDADO (1978)


Foram os "bastardos sem glória" de um dos títulos alternativos ("The Inglorious Bastards") deste filme italiano que inspiraram o cineasta Quentin Tarantino a escrever seu fantástico épico de guerra "Bastardos Inglórios" (2009) - usando apenas o título, mas pouco ou nada da trama desta pequena gema dirigida pelo mestre Enzo G. Castellari em 1978. Enquanto Tarantino usou a Segunda Guerra como pano de fundo para uma história rocambolesca de traições, vinganças e conspirações, aqui temos um roteiro episódico escrito a 10 mãos (!!!), em que os personagens pulam de uma "missão" a outra como se estivessem num jogo de videogame.

Tanto no argumento quanto no título em inglês e na frase do cartaz norte-americano ("Whatever the Dirty Dozen did they do it dirtier!"), ASSALTO AO TREM BLINDADO faz referência ao clássico de guerra "Os Doze Condenados" ("The Dirty Dozen"), dirigido por Robert Aldrich em 1967. Naquele filme, um grupo de prisioneiros de guerra era escalado para uma perigosa missão durante a Segunda Guerra. Aqui, a idéia é semelhante: os "bastardos sem glória" são soldados e um oficial norte-americano condenados pelos mais diversos crimes (assassinato, roubo...).


Se os "Doze Condenados" eram gente do naipe de Lee Marvin, Ernest Borgnine, Charles Bronson, Jim Brown, John Cassavetes, George Kennedy, Telly Savalas e Donald Sutherland, para Castellari e seu orçamento muitas vezes reduzido só restou escalar um elenco de caras conhecidas do cinema classe B da época, liderado pelos norte-americanos Bo Svenson e Fred Williamson. O único "grande astro" do elenco é o falecido escocês Ian Bannen, que em 1965 ganhou o Oscar de Ator Coadjuvante por "O Vôo da Fênix", e que em 1978 já andava meio mal das pernas e estrelava estas produções baratas rodadas na Itália.

Das vinhetas animadas nos créditos de abertura à música épica de Francesco De Masi, passando ainda pela estrutura "man on a mission" do roteiro, ASSALTO A TREM BLINDADO é um perfeito retrato de uma época áurea do cinema italiano que infelizmente morreu na década de 90: a época dos exagerados e barulhentos filmes de ação feitos na esteira de sucessos norte-americanos, onde o orçamento reduzido era contornado com malandragem e soluções muitas vezes toscas, mas nem por isso o resultado era menos divertido.


A história se passa em 1944, último ano da Segunda Guerra Mundial, na França, onde um grupo de prisioneiros é escoltado por um comboio para uma outra base, onde serão julgados pela Corte Marcial pelos seus respectivos crimes. Entre eles estão os soldados norte-americanos Tony (Peter Hooten), que é viciado em apostas; Fred Canfield (Williamson), acusado do assassinato de um racista; Berle (Jackie Basehart), que tem ataques de pânico e ansiedade diante de tiroteios e explosões, e o italiano Nick (Michael Pergolani), que vive de roubar e vender posses dos soldados mortos no conflito. De última hora, chega o preso mais ilustre do comboio: o tenente Robert Yeager (Svenson), acusado de deserção (para visitar a namorada nos Estados Unidos!).

No caminho para o julgamento, o comboio militar é atacado por um avião nazista, que enche os veículos de chumbo. Quase todos os prisioneiros são mortos no interior do caminhão em que eram transportados, e os que tentam fugir são fuzilados pelos guardas de escolta. No fim do confronto, sobrevivem apenas o tenente Yeager e os quatro soldados anteriormente citados, que resolvem se unir para chegar à fronteira da Suíça – que, na época, era território neutro, e onde eles poderiam escapar da guerra.


Este é o toque mais genial do roteiro escrito por Sandro Continenza, Sergio Grieco, Franco Marotta, Romano Migliorini e Laura Toscano: os "bastardos sem glória" não recebem arrego de nenhum dos lados do conflito, sendo caçados pelos nazistas (afinal, ainda são inimigos) e também pelos seus próprios companheiros aliados (por serem prisioneiros de guerra fugitivos).

A única esperança de salvação é chegar à fronteira, mas, no processo, o grupo se envolve em uma série de batalhas sem relação com a trama principal, encarando de pequenos destacamentos alemães até um insólito encontro com mulheres nuas tomando banho de rio - e que logo pegam metralhadoras para expulsar os tarados dali!


O "maledetto treno blindato" do título original italiano e do título nacional só entra na trama depois de uma hora de filme, quando os fugitivos exterminam, acidentalmente, um grupo de soldados norte-americanos que estava vestido com fardas alemãs. Eles eram especialistas treinados para uma missão secreta e suicida: interceptar um trem blindado nazista para roubar o giroscópio de um novíssimo míssil V-2 para a Resistência Francesa.

Tendo matado a tropa acidentalmente, Yeager e seus homens resolvem tomar o lugar dos falecidos, combinando com o responsável pela missão, o coronel Charles Thomas Buckner (Bannen), o perdão pelos seus crimes caso consigam cumprir o objetivo.


ASSALTO AO TREM BLINDADO não tem um roteiro coeso que possa ser resumido em meia dúzia de linhas. Se você lê, por exemplo, o resumo do velho Guia de Filmes da Nova Cultural, que só fala da missão do trem blindado, fica sem ter uma idéia abrangente do que na verdade é o filme.

Como o tal trem só aparece no final, os dois primeiros atos são preenchidos com seqüências de ação cada vez mais exageradas, onde os fugitivos se metem em encrenca com os dois lados do confronto, e sempre se saem bem, claro, mas isso envolve matar dezenas, às vezes centenas de inimigos. Os perigos vão ficando cada vez mais complicados, na medida que os próprios "heróis" se colocam em risco quando se disfarçam de nazistas, por exemplo.


Castellari é um brilhante diretor de ação, e isso pode ser visto nas cenas de guerra, recheadas de tiroteios e explosões. Mas o estilo habitual do diretor (com a câmera lenta ao estilo do que o norte-americano Sam Peckinpah fazia na época) demora a aparecer, surgindo somente na conclusão, já na missão do trem blindado. Mas vale a pena esperar, pois as cenas estão entre as melhores que o velho Enzo já filmou, incluindo sangrentos tiros que explodem o peito das vítimas e fazem voar pedaços de "carne" e roupa contra a câmera.

O interessante é que o diretor não levou a coisa muito a sério, e, na maior parte do tempo, entrega apenas um divertido filme de ação e guerra, com tiroteios e explosões a rodo, sem aquela pretensa "seriedade" que as produções sobre a Segunda Guerra Mundial tinham na mesma época.


O único momento mais sério e dramático, em que Castellari parece tentar mostrar ao espectador a imbecilidade da guerra, é brilhante: durante uma violenta batalha, o volume da trilha sonora sobe e abafa o som de gritos, tiros e explosões da carnificina filmada em câmera lenta, com direito a soldados de ambos os lados do conflito lançados pelos ares por explosões ou se contorcendo com os tiros disparados pelas metralhadoras inimigas! Um momento que parece ter saído de "A Cruz de Ferro", de Peckinpah, que por sinal é do ano anterior (1977).

O filme também ganha pontos pelos toques de humor (especialmente de Williamson, interpretando um canalha que vive com um charuto no canto da boca, e de Pergolani, como o soldado malandro que tem todas as traquitanas necessárias "escondidas" no seu uniforme), pelo uso criativo de miniaturas para baratear custos (nas cenas mais complicadas de explosões de casas e de veículos), pelo fato de os próprios atores principais encararem algumas das cenas perigosas (Williamson aparece pulando de uma ponte sobre o trem em movimento, por exemplo) e pela conclusão completamente fora do convencional, especialmente no inesperado destino de alguns dos personagens.


Recentemente, aproveitando o "Inglorious Bastards" do Tarantino, foi lançada uma edição superespecial de ASSALTO AO TREM BLINDADO nos States, com três discos (!!!) repletos de extras (um deles é a trilha sonora composta por De Masi). O tipo de coisa que nunca vai chegar por aqui, e que traz também uma longa conversa entre o próprio Tarantino e Castellari.

Num momento do bate-papo, Castellari elogia Tarantino, chamando-o de gênio, e este responde de maneira humilde, dizendo que é Castellari o "maestro" ("mestre", em italiano). E, durante a conversa, percebe-se que Tarantino realmente respeita o trabalho de Castellari, um ótimo diretor que infelizmente não filma há anos.

Para finalizar: falam tanto de "Comando para Matar", "Rambo 4" e outros filmes com altos números de morte, mas ASSALTO AO TREM BLINDADO com certeza é um recordista neste quesito. Precisa, claro, ter paciência para contar os cadáveres, e segurar o riso quando os mesmos figurantes aparecem morrendo múltiplas mortes diferentes...

Trailer de ASSALTO AO TREM BLINDADO



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Quel Maledetto Treno Blindato/The Inglorious
Bastards (1978, Itália)

Direção: Enzo G. Castellari
Elenco: Bo Svenson, Peter Hooten, Fred Williamson,
Michael Pergolani, Jackie Basehart, Michel Constantin,
Debra Berger, Raimund Harmstorf e Ian Bannen.