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sexta-feira, 18 de abril de 2014

A MALDIÇÃO DA VAMPIRA (1973)


A morte da atriz espanhola Soledad Miranda aos 27 anos de idade, num acidente de carro em 18 de agosto de 1970, foi um duro golpe no diretor Jess Franco, que perdeu sua grande musa de maneira repentina. Para tentar esquecer a tragédia, ele atirou-se num ritmo insano de trabalho.

Foi quando um colaborador habitual, o ator e fotógrafo Raymond Hardy (nome de batismo: Ramón Ardid), apresentou-lhe sua esposa, uma jovem atriz de teatro de Barcelona chamada Rosa María Almirall Martínez. Franco bateu o olho na moça e viu nela a beleza e a espontaneidade da finada Soledad. Nascia uma nova musa: Lina Romay, que logo também se tornaria companheira de Franco pelos próximos 40 anos (o pseudônimo foi inspirado na nova-iorquina Lina Romay, que era a principal voz feminina da banda do "Rei do Mambo" Xavier Cugat nos anos 1940, e também apareceu em alguns filmes).


A Lina Romay espanhola não apenas era bonita e espontânea, mas também uma exibicionista confessa, que, ao contrário de Soledad, não tinha problemas em aparecer nua o filme inteiro, ou mesmo filmar cenas de sexo explícito. Seu primeiro trabalho com Franco foi uma pequena participação em "La Maldición de Frankenstein" (1972), mas suas cenas aparecem apenas na edição espanhola do longa.

Após mais alguns pequenos papéis em outros filmes, Jess resolveu assumir a moça como "reencarnação de Soledad Miranda" e apresentá-la ao mundo como protagonista de "La Comtesse Noire", obra lançada em DVD no resto do mundo como "Female Vampire" e no Brasil como A MALDIÇÃO DA VAMPIRA.


Rosa Maria/Lina Romay tinha 18 para 19 anos ao encarar o papel principal da Condessa Irina von Karlstein, uma vampira com séculos de existência que não se alimenta de sangue, como os vampiros tradicionais, mas da "energia vital" dos seres humanos - sugada não a partir do pescoço das vítimas, mas a partir de... seus genitais?

Tirando esse "pequeno detalhe", A MALDIÇÃO DA VAMPIRA é uma verdadeira coleção de elementos já vistos em outros filmes de Jess, pegando emprestadas muitas ideias de "Vampyros Lesbos" - tipo a vampira safadinha sem caninos pontiagudos, que tem reflexo no espelho e não é afetada pela luz solar, e portanto pode até tomar banho de sol à beira da piscina -, mas também de "Necronomicon" (a representação de práticas sadomasoquistas) e de "O Terrível Dr. Orloff" (há um personagem batizado com o sobrenome do famoso personagem, e ele ironicamente é cego, assim como Morpho, o criado do Dr. Orloff no filme de 1961!).


Em A MALDIÇÃO DA VAMPIRA, a silenciosa Condessa Irina (ela é muda) retorna à terra-natal dos seus antepassados - a Ilha de Madeira, em Portugal -, acompanhada de um igualmente silencioso criado que obedece cegamente às suas ordens (Luis Barboo). A vampira mantém sua juventude eterna sugando a energia vital de homens e mulheres, e a polícia fica sem pistas quando os cadáveres "drenados" começam a se multiplicar na região.

O médico-legista Dr. Roberts (interpretado pelo próprio Jess Franco!) desconfia que há um vampiro à solta, mas é óbvio que os investigadores não acreditam na sua "teoria". Assim, ele consulta um colega cego e especialista em parapsicologia, o Dr. Orloff (Jean-Pierre Bouyxou), que confirma a hipótese, e os dois homens juntam forças para tentar deter a ameaça.

Ao mesmo tempo, o poeta bon-vivant Barão Von Rathony (Jack Taylor, de "Necronomicon") se apaixona por Irina, e vice-versa. Poderá este amor vencer a maldição da eternidade da vampira, ou o pobre escritor está destinado a ser sua próxima vítima?


Descrevendo assim, A MALDIÇÃO DA VAMPIRA parece até contar uma história linear e redondinha; mas acredite, foi muito difícil escrever esses três parágrafos sobre o filme, já que basicamente NADA acontece ao longo dos 101 minutos de projeção além de Lina Romay em atividade sexual, sozinha ou acompanhada, E NUA DURANTE 99% DO TEMPO!!!

Longe de mim querer reclamar da quantidade de mulher pelada em um filme, mas Franco exagerou na dose aqui: quando não aparece transando com algum homem ou mulher, Lina é mostrada completamente nua na cama, se masturbando, rolando de um lado para o outro como quem está no cio, ou chupando o dedo lascivamente. Não demora para a nudez da atriz ficar repetitiva, bem como os seus inúmeros encontros sexuais, e então a "história" trava.


Alguns fãs e pesquisadores da obra de Jess consideram este um dos seus títulos fundamentais, mas eu confesso que não achei grande coisa. Do jeito que está, A MALDIÇÃO DA VAMPIRA é menos um filme e mais um veículo para o exibicionismo da nova musa do diretor, que, com a câmera, percorre cada palmo do belo corpo da moça (com direito a inúmeros super-zooms da sua vagina!).

A primeira cena do filme já dá o tom do que se verá em seguida: uma Lina Romay completamente pelada (veste apenas capa preta, cinto de couro e botas de cano longo) "sai" da neblina e caminha lentamente em direção da câmera, enquanto o diretor dá zooms no seu rosto, peitos e pêlos púbicos. Ela continua caminhando até literalmente bater com o rosto na lente da câmera, e Franco devia estar tão fascinado com a beleza de Lina que nem se preocupou em cortar isso!


O restante de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA não passa muito de a-) Lina pelada (a não ser pela capa, cinto e botas) atacando suas vítimas e "sugando-as" pela genitália, b-) diversas cenas de sexo softcore no limite do pornográfico, e com bastante insinuação de sexo oral, ou c-) Lina rolando pelada em sua cama e sensualizando para a câmera do diretor.

Para piorar, o fato de a Condessa Irina ser muda limita bastante a quantidade de diálogos entre os personagens. Chega a ser cômica a cena em que uma jornalista, Ana (a esquisita Anna Watican), tenta "entrevistar" a vampira (exato: Jess Franco filmando "Entrevista com um Vampiro" 20 anos antes do filme, e curiosamente o livro de Anne Rice foi publicado no mesmo ano de 1973!). Irina responde as perguntas apenas fazendo "sim" ou "não" com a cabeça, e eu fico imaginando como é que a jornalista iria publicar esta "entrevista"...


É curioso perceber como Jess mais uma vez mostra-se à frente do seu tempo, antecipando personagens e situações que veríamos bem depois. A Condessa Irina lembra tanto a vampira muda e peladona interpretada por Mathilda May em "Força Sinistra" (1985), de Tobe Hooper, que também suga a força vital de suas vítimas (mas através de efeitos especiais, e não de sexo oral), quanto Mara Tara, a personagem criada por Angeli para sua saudosa revista Chiclete com Banana, que também mata suas vítimas através de boquetes mortíferos!


Infelizmente, esta ideia interessante do roteiro (o "roubo" da energia vital durante o sexo) é mostrada em excesso até tornar-se repetitiva, enquanto um conflito que poderia ser bem melhor aprofundado (a paixão da vampira pelo poeta "mortal") é sub-aproveitado, e isso numa época em que os "vampiros apaixonadinhos" ainda não estavam na moda. Os caçadores de vampiros interpretados por Franco e Jean-Pierre Bouyxoy também acabam sendo desperdiçados.

Isso porque a narrativa lembra muito a de um filme pornô, apenas pulando de uma (longa e demorada) cena de foda para outra, e comprometendo as ideias mais originais do roteiro. Personagens entram em cena, transam com a vampira, morrem e saem de cena, sem nenhuma contribuição para a trama. Lá pelas tantas, por exemplo, a condessa vampira acaba na mansão da "Princesa de Rochefort" (Monica Swinn), que é adepta do sadomasoquismo, e apenas a desculpa que Jess precisava para uma loooooonga sequência envolvendo submissão, sadismo, sexo e morte, que trava completamente o filme.


Embora eu não morra de amores por A MALDIÇÃO DA VAMPIRA, é impressionante como Franco consegue colocar algumas imagens fascinantes mesmo num trabalho mais fraco, como este. A cena inicial da vampira peladona caminhando numa floresta tomada pela neblina é muito bonita, assim como o literal "banho de sangue" da condessa, numa banheira repleta do líquido vermelho-escuro - ao som de uma trilha melancólica, e hipnotizante, composta pelo francês Daniel J. White (depois reutilizada no péssimo "Zombie Lake", de Jean Rollin).

Porém, na maior parte do tempo, o que se percebe é certo desleixo do diretor, com um excesso do uso de zoom (para baratear custos de produção e acelerar o ritmo das filmagens) e de cenas fora de foco.


Isso é compreensível pelo fato de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA ser um daqueles projetos personalíssimos em que o espanhol hiperativo fez praticamente tudo: não apenas dirigiu e escreveu o roteiro (com o pseudônimo "J.P. Johnson", em homenagem ao famoso pianista de jazz James P. Johnson), mas também filmou, quase sempre com a câmera no ombro (usando outro pseudônimo, "Joan Vincent"), e editou, assumindo um terceiro nome falso ("P. Querut") para a equipe técnica parecer maior do que realmente era!

Segundo a atriz Monica Swinn, aqui em seu primeiro trabalho com Jess (ela era namorada do ator e crítico Bouyxou à época, e foi convidada para aparecer como a princesa adepta de S&M), a equipe de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA era praticamente inexistente: "Não havia 'equipe', era apenas Jess, Ramón, o ex-marido de Lina, que era uma espécie de faz-tudo, e [o assistente de direção] Rick de Connick".


Tem até uma lenda, espalhada por Lina Romay, de que Jess teria feito o filme com dinheiro do próprio bolso, depois que ganhou um prêmio considerável na loteria (!!!). Mais tarde, ele vendeu os direitos de distribuição para o parceiro de longa data Marius Lesoeur, da Eurociné, para conseguir bancar a pós-produção.

Não satisfeito em fazer praticamente tudo, Franco ainda rodou nada menos de TRÊS VERSÕES de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA, tornando-o um daqueles autênticos pesadelos para pesquisadores da obra do diretor! No passado, ele até já havia feito algumas cenas diferentes (com roupa e sem roupa) para produções tipo "O Terrível Dr. Orloff"; mas esta é a primeira vez que Jess rodou versões diferentes de um mesmo filme (algo que se tornaria comum a partir daqui).


A versão mais conhecida (e também a que foi lançada em DVD no Brasil, e avaliada para esta resenha) é a "montagem softcore" da história, em que vemos Lina Romay sempre pelada e sugando a energia vital de suas vítimas por via genital. Esta versão tem cerca de 1h40min.

Mas também existe uma versão pornográfica chamada "Les Aveleuses" ("Aquelas que Engolem", em tradução literal), em que a própria Lina aparece "com a boca na butija", fazendo cenas de sexo oral explícitas para complementar aquelas que eram apenas insinuadas na outra montagem. Esta edição tem quase 8 minutos a mais, e traz dublês de pinto para atores como Jack Taylor, que não participaram das cenas de sexo explícito.

Por fim, a terceira e mais interessante versão chama-se "Erotikill" (capinha ao lado), ou "The Bare-Breasted Countess", dependendo da parte do mundo em que foi lançada. Este corte tem quase meia hora A MENOS e dâ ênfase no horror, usando takes alternativos em que a vampira aparece quase sempre vestida e atacando suas vítimas da forma "tradicional" - ou seja, mordendo o pescoço. Toda a ideia da força vital sendo sugada pelos órgãos sexuais foi excluída, e a quantidade de sexo e mulher pelada é mantida no mínimo necessário.


Se já parece complicado descrever as três versões de um mesmo fime, imagine o maluco do Jess Franco FILMANDO isso tudo ao mesmo tempo! Afinal, praticamente sem dinheiro e com uma equipe técnica reduzida, ele tinha que rodar três versões de uma mesma cena (veja alguns exemplos nas imagens abaixo).

Tomemos como exemplo o primeiro ataque da Condessa Irina, que é a um granjeiro da região. Franco filmou uma versão desta cena com Lina Romay "vestida" (a capa preta cobre sua nudez) seduzindo o rapaz e então mordendo seu pescoço, como um vampiro tradicional. Depois, o diretor repetiu o take com Lina pelada (fora, capa!) seduzindo o rapaz e praticando sexo oral apenas sugerido, por onde rouba sua "energia vital". Finalmente, Franco rodou alguns takes a mais com closes da atriz realmente chupando um pinto (que pode ser do ator ou de um dublê para as cenas explícitas), para a versão pornográfica. Ou seja: no tempo que um diretor "normal" provavelmente filmaria três takes da mesma cena, para ter opções de material para editar depois, Franco filmou três versões DIFERENTES da mesma cena para três cortes DIFERENTES do mesmo filme! Gênio ou louco?

Peitos cobertos e mordida no pescoço nos takes para "Erotikill"...

...e peitos de fora + sexo oral na versão "A Maldição da Vampira"


Vampira chupa o sangue da jornalista em cena de "Erotikill"...

...e chupa outra coisa na cena de "A Maldição da Vampira"!


Em "Erotikill", o ataque é no pescoço da Princesa de Rochefort...

...mas em "A Maldição da Vampira" é em outro lugar!


O Dr. Orloff examina marcas no pescoço em "Erotikill"...

...e uma área mais embaixo em "A Maldição da Vampira".


E quando eu digo que essa tática é um pesadelo para pesquisadores da obra do diretor, é porque cada uma das três versões diferentes de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA tem cenas que as outras não têm - e depois as três ainda ganhariam "sub-versões" feitas para determinados mercados, dependendo da censura de cada país!

Por exemplo: enquanto na versão "terror" chamada "Erotikill" vemos a Condessa Irina mordendo o pescoço das vítimas (com direito a várias imagens da vampira com a boca ensanguentada que não estão nas outras duas versões), aquela longa cena envolvendo a prática de sadomasoquismo, com as atrizes Monica Swinn, Alice Arno ("La Comtesse Perverse") e Gilda Arancio, NÃO aparece em "Erotikill" - mas é mostrada, com mais ou menos sacanagem, nas montagens softcore e hardcore! Logo, para ver TUDO que Franco rodou para este filme, só mesmo catando as três versões! (Em futuras edições da MARATONA JESS FRANCO, prometo fazer uma resenha apenas de "Erotikill", que acaba sendo um filme completamente diferente de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA.)


O grande problema é que o sem-noção do Jess Franco fez essa lambança toda sem avisar a maioria dos atores! Uma das primeiras a perceber que havia algo de muito estranho na maneira de ele filmar "takes alternativos" das cenas foi Monica Swinn.

"Eu costumava olhar para ele [Franco] e pensar: 'Mas quantos filmes eu estou fazendo afinal?'. Começava a lembrar das cenas que gravamos antes e pensava comigo mesmo: 'Não pode ser a mesma personagem!'. E era muito difícil saber o que estava acontecendo, mas às vezes ele ficava tão satisfeito com o que estava fazendo que confessava: 'Adivinhe? Estamos gravando três fimes ao mesmo tempo!'", lembrou Monica, numa entrevista ao livro "Obsession: The Films of Jess Franco".


Outros não ficaram tão animados ao saber que estavam fazendo três filmes diferentes pelo preço de um, ou por preço nenhum, como aconteceu com o pobre Jack Taylor: o ator norte-americano ficou furioso ao saber que existia uma versão X-Rated do filme ("Les Aveleuses"), em que a montagem insinuava que ele protagonizava uma cena de sexo explícito, graças à inserção do tradicional "dublê de pinto" nos takes filmados em close.

"Eu fiz esse filme na Ilha de Madeira, que nunca terminamos de filmar e nunca me pagaram um centavo. Alguns anos depois, um amigo me disse: 'Não sabia que você fazia pornô', e eu também não sabia! Foi então que eu descobri que Jess transformou o filme num pornô, que eu nunca fiz e pelo qual nunca fui pago. Trabalhar com Jess era divertido, mas também podia ser terrivelmente frustrante às vezes", observou Taylor, também em entrevista ao livro "Obsession".


De qualquer jeito, A MALDIÇÃO DA VAMPIRA marcou o início de uma relação não apenas profissional entre Franco e Lina - cuja paixão fica mais que evidente pela maneira como a câmera do diretor "namora" o corpo da atriz ao longo do filme.

A união de cineasta e musa acabou com o casamento de ambos: Jess estava casado com a francesa Nicole Guettard, com quem tinha uma filha, e o marido de Lina, Raymond/Ramón, até aparece no filme como um massagista bonitão que acaba se tornando vítima da vampira. Menos mal que marido e esposa abandonados levaram a "troca" na esportiva e continuaram trabalhando com Jess e Lina até os anos 1990. Os dois pombinhos ficaram juntos até o final: Lina morreu em 2012, Jess em 2013.


Mesmo que seja considerada uma obra superior do diretor por muitos dos seus fãs, eu já acho que A MALDIÇÃO DA VAMPIRA passa longe da sofisticação e daquele erotismo mais refinado de "Vampyros Lesbos", que foi realizado apenas três anos antes. Aqui, Jess abandona qualquer sutileza e escancara tudo (literalmente, no caso da montagem X-Rated), mas a quantidade gigantesca de sexo e nudez logo se torna redundante e enfadonha.

Inclusive o espectador pode avançar a maior parte do filme sem pena com o Fast Foward, pois há pouquíssimos diálogos, e quase nada se perde depois da primeira ou da segunda looooooonga cena de vampirismo sexual.

Isso aproxima A MALDIÇÃO DA VAMPIRA de um filme pornô (mesmo que você esteja vendo a versão softcore), daqueles que, por causa de duas ou três cenas legais, te obrigam a ver o negócio inteiro no FF até chegar nas partes boas.

Mas certamente será um deleite para os fãs de Lina Romay.


Trailer de A MALDIÇÃO DA VAMPIRA



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La Comtesse Noire / Female Vampire
(1973, França / Bélgica)

Direção: Jess Franco (aka J.P. Johnson)
Elenco: Lina Romay, Jack Taylor, Monica Swinn,
Alice Arno, Jess Franco, Luis Barboo, Gilda Arancio,
Jean-Pierre Bouyxou e Raymond Hardy.

domingo, 13 de abril de 2014

VAMPYROS LESBOS (1970)


"Corava levemente, fitava meu rosto com os olhos lânguidos e ardentes, a respiração tão ofegante que seu vestido subia e descia. Era como o ardor de um amante, e isso me constrangia; era uma sensação odiosa e no entanto arrebatadora. Com o olhar triunfante, ela me puxava, e seus lábios quentes passeavam em beijos pelo meu rosto. Então sussurrava: 'Você é minha, você será minha, você e eu seremos uma só para sempre'."

O trecho acima é do livro "Carmilla", escrito pelo irlandês Joseph Sheridan Le Fanu, que conta a história de uma vampira lésbica e seu amor por uma bela garota (que narra a história). Como o livro foi publicado antes mesmo do "Drácula" de Bram Stoker (em 1871 ou 1872, dependendo da fonte), isso dá uma bela ideia de como a dobradinha lesbianismo + vampirismo definitivamente não é coisa recente.


No cinema, vampirinhas apaixonadas por mortais do mesmo sexo aparecem desde a década de 1930. "A Filha de Drácula" (1936), produzido pela Universal, toca bem levemente no assunto porque o tema ainda era tabu na época, mas a censura fechava um olho se você o abordasse num contexto fantástico, tipo uma história de vampiros.

Os primeiros a escancarar o negócio foram os franceses. Primeiro Roger Vadim, com seu "Rosas de Sangue" ("Et Mourir de Plaisir", 1960; pôster ao lado), que é uma adaptação bem livre de "Carmilla" - e até hoje considerado o primeiro filme "oficial" com vampiras lésbicas. Depois veio Jean Rollin, que transformou o tema praticamente num subgênero, dirigindo inúmeros filmes com vampiras nuas e apaixonadas entre o final da década de 60 e o começo dos anos 1980, entre eles "Le Viol du Vampire" (1969) e "La Vampire Nue" (1970).

Não demorou para o estúdio inglês Hammer, que vinha fazendo sucesso com aquelas adaptações de "Drácula" estreladas por Christopher Lee, resolver se "modernizar" e investir neste filão de mercado: entre 1969-1971, a Hammer lançou a chamada "Trilogia Karnstein", também baseada no livro de Le Fanu, e formada por "Os Vampiros Amantes" (1970), "Luxúria de Vampiros" (1971) e "As Filhas de Drácula" (1971). Esses filmes ficaram famosos pela quantidade de nudez e cenas de sexo, incluindo vampiras mordendo garotas nos peitos!


No meio de tudo isso, o espanhol Jess Franco resolveu dar a sua própria contribuição à dobradinha lesbianismo + vampirismo, fazendo um filme cujo título é auto-explicativo e vai direto ao assunto: VAMPYROS LESBOS!

Embora tenha abordado o assunto (mas sem vampirismo) no passado - seu "Necronomicon", de 1967, já trazia cenas românticas entre mulheres -, este é o título mais conhecido e lembrado quando se fala em lesbianismo na obra de Franco. Provavelmente também é o filme definitivo sobre vampiras lésbicas, ou pelo menos um dos melhores.

Não se deixe levar pelo título: trata-se de uma das grandes obras-primas da extensa filmografia de Franco. Nunca vulgar ou gratuito, apesar do que o título "Vampiras Lésbicas" possa sugerir, o filme na verdade é uma mistura classuda de cinema fantástico com romance/erotismo leve, e até alguns toques de "cinema de arte".


VAMPYROS LESBOS surgiu num momento pós-"Necronomicon" (o filme em que Franco começou a fazer suas primeiras experiências com surrealismo/experimentalismo), e logo depois da parceria com o produtor inglês Harry Alan Towers - uma curta fase que havia garantido ao diretor alguns dos seus maiores orçamentos e a possibilidade de trabalhar com atores famosos como Christopher Lee, Jack Palance e Herbert Lom.

De volta aos filmes baratos, o diretor passou a investir cada vez mais na mistura de horror e erotismo, criando um estilo próprio que seria apelidado de "horrotica", ou "horroerotica". Os roteiros mais "clássicos" de seus primeiros trabalhos (tipo "O Terrível Dr. Orloff") tornaram-se secundários; a partir dessa época (1970 em diante), seu trabalho foi ficando cada vez mais experimental e visual, inclusive com pouquíssimos diálogos entre os personagens.


Escrito pelo próprio Franco, VAMPYROS LESBOS percorre território conhecido: no ano anterior, o espanhol já tinha dirigido uma adaptação do livro de Bram Stoker produzida pelo inglês Towers, "Conde Drácula" (1969).

Aqui, ele pegou a base da obra de Stoker e subverteu-a: os personagens principais Jonathan Harker e Drácula foram transformados em mulheres, e no lugar dos castelos escuros e criptas sinistras, aqui temos casas modernas e praias ensolaradas como cenários!

(Algumas fontes, incluindo o livro "Obsession: The Films of Jess Franco", alegam que ele teria se baseado não em "Drácula", e sim numa história curta e posterior de Bram Stoker chamada "O Convidado de Drácula". Mas não encontrei muitos pontos em comum entre filme e conto, enquanto vários elementos do livro "Drácula" aparecem, conforme veremos ao longo da resenha.)


VAMPYROS LESBOS foi o primeiro de uma série de filmes baratos que Jess fez para o produtor polonês radicado na Alemanha Artur Brauner. Conta a história de Linda Westinghouse (a bela e voluptuosa Ewa Strömberg), uma jovem que trabalha para um escritório de advocacia de Istambul e está enfrentando problemas conjugais: ela não se sente mais atraída sexualmente pelo namorado Omar (Andrés Monales), ao mesmo tempo em que tem sonhos eróticos recorrentes com uma exótica dançarina.

Linda não recebe grande ajuda do seu psiquiatra, o Dr. Steiner (Paul Muller, figurinha carimbada nos filmes dessa fase do diretor), já que o espertalhão fica fazendo desenhos no seu bloquinho enquanto a paciente abre o coração no divã. A única recomendação do "especialista" é a seguinte: "Arrume um amante!".


Certo dia, a empresa envia a advogada para uma ilha fictícia chamada Kalidados, onde ela deve discutir os pormenores de um processo de herança com uma jovem nobre que vive isolada no local, a Condessa Nadine Carody (Soledad Miranda).

Chegando ao local, Linda descobre que a condessa é a mesma dançarina que vem povoando seus sonhos eróticos. E, claro, também é uma vampira. À noite, é seduzida pela mulher misteriosa e se entrega com paixão fervorosa. A transa entre as garotas termina com a vampira mordendo o pescoço da advogada, que "apaga".


Dias depois, a pobre moça recupera os sentidos na clínica do Dr. Seward (Dennis Miller, de "Dracula Contra Frankenstein"), onde está internada desde que foi encontrada vagando desmemoriada. O médico é especialista em ocultismo e estuda a existência de vampiros há décadas, portanto fica impressionado com as histórias da garota sobre a Condessa Carody.

Logo descobriremos que a vampira encontrou em Linda o seu grande amor, depois de séculos de uma existência solitária como morta-viva. Ela atrai a garota telepaticamente para um segundo encontro, quando a transforma numa espécie de "pré-vampira". Agora, a única chance de a jovem escapar da maldição da eternidade é a destruição da Condessa Carody, missão que fica a cargo do namorado Omar, do Dr. Seward e do psiquiatra Dr. Steiner - o núcleo masculino do filme.


Caso o resumo da trama não tenha deixado clara a inspiração de Franco em "Drácula" ao escrever VAMPYROS LESBOS, é bom esclarecer que toda a primeira parte do filme é baseada nos primeiros capítulos do livro de Bram Stoker, quando Harker (Linda aqui) viajava até o castelo do Conde Drácula (Condessa Carody aqui), também a trabalho.

Inclusive tem um momento em que, como acontecia no livro, Linda acorda de manhã cedo e encontra a mansão da vampira deserta. Na obra de Bram Stoker, Harker descia até uma cripta e encontrava Drácula adormecido em seu caixão; aqui, Linda vai até a área externa da casa e encontra a condessa dentro da piscina, "adormecida" como Drácula, mas em plena luz do sol (que, aqui, não tem qualquer efeito nos vampiros!).


VAMPYROS LESBOS tem ainda um Dr. Seward, que, no livro, era o proprietário da clínica onde estava internado um maluco influenciado por Drácula, Reinfield, que não conseguia controlar sua compulsão por devorar insetos (de quem roubava a "energia vital", como o vampiro fazia ao chupar sangue).

No filme de Franco, o Dr. Seward também tem uma clínica e o seu próprio Reinfield, mas aqui em versão feminina (abaixo). Trata-se de Agra (Heidrun Kussin), que no passado foi vítima da Condessa Carody e continua ligada telepaticamente à vampira - e, ao que parece, continua apaixonada por ela.


E o Dr. Seward de Jess foi fundido com o Van Helsing de "Drácula". Aparentemente o diretor espanhol não gostava muito de Van Helsing, pois juntaria os dois personagens outra vez (mantendo o nome Seward) no posterior "Dracula Contra Frankenstein". Talvez ele quisesse manter-se bem distante dos clichês perpetuados pelas produções da Hammer, onde o herói era quase sempre o Van Helsing interpretado por Peter Cushing.

Não seria surpresa, considerando que Franco falou que não gostava dos filmes da Hammer em mais de uma oportunidade. Por isso, ele também jogou no lixo todas as "regrinhas" sobre vampirismo vistas nestas produções populares, preferindo criar sua própria mitologia.


Pois 40 anos antes de "Crepúsculo" e seus vampirinhos boiolas que brilham à luz do sol, VAMPYROS LESBOS já traz uma vampira que não é afetada pelo astro-rei, e que mora numa ilha ensolarada ao invés de na tétrica Transilvânia (e ainda passa as manhãs e tardes tomando banho de sol à beira da piscina ou nadando nua na praia!).

Franco também alterou o sistema de matar vampiros: estacas no coração não funcionam aqui, é preciso fazer como no caso dos zumbis e destruir o cérebro, seja com uma bela machadada, seja enfiando uma ponta de metal através do olho (essa regra reaparece depois em "Dracula Contra Frankenstein")!


Já o misto de Dr. Seward e Van Helsing mostrado aqui não é um incansável caçador/matador de vampiros, como os heróis interpretados por Peter Cushing nos filmes da Hammer, mas sim um mero mortal que sonha com a vida eterna e investiga o vampirismo apenas porque também quer se tornar um deles!

Essas liberdades poéticas garantem uma bela dose de surpresas mesmo para quem já viu cem outros filmes do gênero. VAMPYROS LESBOS pode até se passar em território bem conhecido para quem leu "Drácula" ou já viu alguma das suas diversas adaptações; mesmo assim, Franco foge de uma adaptação fiel (coisa que tentou fazer no anterior "Conde Drácula", e também não conseguiu) para criar algo novo e original.


Felizmente, ele escapou da armadilha de fazer uma mera "sátira erótica" de Drácula, como outros realizadores do período. VAMPYROS LESBOS é uma história levada a sério, mas tampouco pode ser considerado um filme de horror "tradicional", em que os ataques dos vampiros gerem medo ou repulsa.

A abordagem é mais realista, com uma vampira que nunca exibe seus caninos pontiagudos (talvez sequer os tenha) e nem se transforma em morcego; inclusive eu ia jurar que se trata de uma humana psicótica que apenas acredita ser vampira (tipo o que George A. Romero faria alguns anos depois em "Martin"), se não houvesse uma cena que comprova o caráter sobrenatural da personagem, quando ela atravessa uma porta trancada como se fosse fantasma.


Descontando esse detalhe, o diretor evita qualquer exagero que faça a história descambar para os clichês do gênero. Até mesmo Morpho, o fiel criado da vampira, foge do estereótipo e é representado como um cara normal, e até bonitão (nada de corcunda ou cicatriz ocupando meio rosto, como é de praxe).

E as cenas que mostram a Condessa Carody "se alimentando" são melancolicamente poéticas: a imagem da maravilhosa Soledad Miranda deixando escapar um filete de sangue babado depois de morder uma vítima é aquele tipo de coisa ao mesmo tempo horrível (porque sugere violência e morte) e inexplicavelmente erótica!


O mais curioso é que, sem querer, Jess Franco provavelmente inventou as "adaptações românticas" do livro de Bram Stoker, pois antes de VAMPYROS LESBOS os vampiros eram apresentados como monstros sanguinários pouco sedutores ou afeitos a paixonites. Aqui, por outro lado, a Condessa Carody realmente se apaixona por Linda e vice-versa, e essa última precisa escolher se vai sacrificar sua metade humana para passar a eternidade com a vampira ou ajudar a destruí-la.

E o diretor continua prestando tributo a seus filmes anteriores, em interessantes auto-referências que tornam a (re)descoberta da sua obra ainda mais interessante. Por exemplo, a Condessa Carody tem um escravo chamado Morpho (mesmo nome do assassino escravizado pelo Dr. Orloff em "O Terrível Dr. Orloff"), e apresenta um número de dança visualmente idêntico ao da dançarina de "Miss Muerte", inclusive usando um manequim no palco - aqui "representado" por uma garota verdadeira.


Se VAMPYROS LESBOS tivesse que ser resumido em apenas duas palavras, estas seriam "Soledad Miranda". A primeira grande musa de Jess Franco merece integrar qualquer galeria das melhores vampiras da história do cinema, e o filme todo é construído em torno dela. A espanhola com sangue cigano era dona de uma daquelas belezas exóticas e hipnotizantes; sua presença em cena era tão magnética que torna-se impossível desviar os olhos da moça.

Soledad já tinha aparecido rapidamente como vampira em outro filme do diretor (ela foi vampirizada por Christopher Lee no "Conde Drácula" de 1969), mas é aqui que tem a chance de brilhar pela primeira vez, ganhando o espetáculo todo para si, embora apareça creditada com seu habitual pseudônimo "Susann Korda" (criado pelo próprio Franco, numa junção dos sobrenomes da autora de "O Vale das Bonecas", Jacqueline Susann, e do produtor de "O Ladrão de Bagdá", Alexander Korda).


Hoje, numa época de mulheres construídas a bisturi, a beleza natural da espanhola fica ainda mais evidente. Para quem quiser entender o motivo do culto à atriz até hoje, recomendo ver só a cena do seu número de dança aqui em VAMPYROS LESBOS: Soledad aparece linda e deslumbrante num palco escuro, vestindo apenas lingerie preta e uma inseparável echarpe vermelha, diante de um espelho, um candelabro e uma atriz interpretando um manequim. É dinamite pura!

Embora não seja exatamente lembrada como uma ótima atriz, a moça tem pelo menos uma cena em que pode demonstrar que sabia uma ou duas coisas sobre interpretação: deitada num vistoso divã vermelho e preto, com o silencioso Morpho fazendo o papel de psiquiatra, a condessa relata como foi atacada e estuprada quando ainda era humana, centenas de anos antes, e então salva pelo próprio Drácula, que matou seus agressores e a transformou em vampira. Desde então, ela odeia os homens e nunca se apaixonou por ninguém até conhecer Linda. Soledad recita o monólogo da vampira com tristeza e amargura, mas também com a doçura de uma mulher apaixonada. É, provavelmente, um dos melhores momentos da sua curta trajetória.


Um mês depois deste trabalho, Franco já se reencontrava com a musa para rodar outros dois filmes: o sensacional "Ela Matou em Êxtase", que é uma refilmagem não declarada de "Miss Muerte" (e a segunda obra-prima da parceria Franco-Miranda), e o thriller de espionagem "Der Teufek Kam aus Akasava", todos eles produzidos pelo mesmo Artur Brauner de VAMPYROS LESBOS.

Mas a atriz nem chegaria a ver esses trabalhos prontos, já que morreu num trágico acidente de carro em Portugal, em 18 de agosto de 1970, duas semanas depois da bem-sucedida estreia de VAMPYROS LESBOS em Berlim. Ela tinha apenas 27 anos. Sua carreira foi breve, mas marcante - e eternizada por Jess Franco!


Além da eterna musa, os destaques do elenco são a igualmente maravilhosa Ewa Strömberg, bem convincente como a garota inocente dividida entre o amor e a eternidade, e Dennis Price, aqui menos mamado do que de costume - à época, o ator inglês bebia compulsivamente para esquecer que sua carreira tinha ido para o vinagre. Soledad e Ewa voltariam como "par romântico" em "Ela Matou em Êxtase".

Embora VAMPYROS LESBOS tenha altas doses de nudez e sexo, Franco filma todas essas cenas de uma forma mais artística e romântica do que pornográfica; o erotismo não é tão explícito ou gráfico como em produções posteriores do diretor ("A Maldição da Vampira", por exemplo, que inclusive tem argumento parecido, mas uma vampira bem mais sexualmente ativa interpretada por Lina Romay).


Ao mesmo tempo, típicas "Franquices", como super-zooms aparentemente aleatórios de insetos, aqui cumprem o papel de simbolismos bem caracterizados. Takes de uma mariposa se debatendo numa rede de pesca aparecem com insistência quando Linda chega à casa da condessa, como se ela fosse o inseto que cai na teia da aranha; ao mesmo tempo, takes de um escorpião zanzando pelo quintal reforçam o aspecto predador da vampira.

E tem uma pipa vermelha dançando ao vento que pode simbolizar tanto a tensão sexual entre as duas protagonistas como uma alternativa simbólica para aquela transformação de vampiro em morcego vista nos filmes "normais" do gênero. Para reforçar essa ultima hipótese, tem até um momento em que o take da pipa fica sobreposto ao da condessa (abaixo), comprovando essa analogia.


Também merece aplausos a deslumbrante direção de arte, que usa e abusa dos tons de vermelho, cor que aqui representa tanto sangue quanto sedução - as duas molas-mestras de VAMPYROS LESBOS.

Eu sempre fiquei encantado com a quantidade de elementos de vermelho na cenografia do fantástico "Inverno de Sangue em Veneza", de Nicolas Roeg, mas a verdade é que o filme de Franco não fica muito atrás: a cor vermelha é onipresente (veja imagens abaixo), aparecendo em móveis, cenários (paredes e escadas), elementos decorativos (quadros, velas, cortinas), roupas, e no sangue, claro.

A Condessa Carody veste sempre uma longa echarpe vermelha (mesmo quando está nua, a echarpe nunca sai do seu pescoço!), que lembra um jato de sangue fluindo permanentemente do seu pescoço. Não por acaso, na cena em que a vampira está nua dentro da piscina usando apenas a echarpe, esta lembra o sangue que jorra de um pescoço cortado.


Talvez para cumprir a cota de "horror" que o filme precisava para ser melhor distribuído, Franco deu um jeito de incluir um psicótico na trama, Memeth (interpretado por ele mesmo!), que é porteiro do hotel onde Linda fica na véspera de embarcar para a ilha. O misterioso personagem primeiro tenta alertar a garota para os perigos do local, mas não demora para revelar-se um demente que sequestra e tortura mulheres no porão do hotel.

Mais tarde, descobriremos que o degenerado Memeth era marido de Agra, aquela antiga vítima da condessa que está internada na clínica do Dr. Seward. A perda da amada deixou-o maluco, e agora ele se vinga matando todas as mulheres que possam interessar à vampira - e é claro que Linda acabará entrando no rol de vítimas em potencial. O personagem não se encaixa tão bem na narrativa, mas tampouco incomoda. E sempre é curioso ver Jess em papel de psicótico.


Outra característica marcante de VAMPYROS LESBOS é a sua trilha sonora, que aqui tem papel fundamental para conduzir o filme e cobrir as imagens, já que os diálogos são poucos. Composta por Manfred Hubler e Siegfried Schwab, a trilha ficou bem diferente do jazz característico dos filmes do diretor, e é uma maluquice psicodélica quase inclassificável: mistura pop rock do final dos anos 60, jazz e funk, mais vozes e gritinhos modificados com efeitos eletrônicos!

Somada à direção de arte, a trilha doidona deixa no ar um permanente clima de sonho/delírio (ou de chapadeira, se preferir). Uma prova de como a música continua moderna é o fato de ter sido lançada na Inglaterra em CD mais de 20 anos depois, na década de 1990, e mesmo assim virar hit das baladinhas eletrônicas sem precisar de versão remix! Quentin Tarantino, fã declarado do cinema de Franco, até reutilizou uma música da trilha (chamada "The Lions and the Cucumber") em seu "Jackie Brown" (1997).


Por tudo isso, eu não hesito e nem penso duas vezes em chamar VAMPYROS LESBOS de obra-prima. E isso não apenas considerando a filmografia de Jess Franco, mas como cinema em geral. Inclusive acho o filme muito mais sensual e elegante do que o super-hypado "Fome de Viver" (1983), de Tony Scott, que também trata de vampiras lésbicas com trilha sonora moderninha, mas (pelo menos para mim) sem o mesmo charme - e sem Soledad Miranda, embora Catherine Deneuve não seja de se jogar fora...

E se hoje a dobradinha vampirismo + lesbianismo está mais do que batida (pior: gerando bobagens tipo "Matadores de Vampiras Lésbicas"!), VAMPYROS LESBOS certamente continuará fascinante, moderno, classudo, erótico sem ser vulgar, estranho, apaixonante, surreal e poético pelas próximas décadas, podendo ser exibido tanto em cinemas comuns, para um público safadinho em busca de sacanagem e mulher pelada, quanto em cinematecas e mostras de arte, como genuína obra de arte avant-garde.


Jess continuou filmando histórias de sexo envolvendo belas vampiras em "Le Fille de Dracula" (1972), "A Maldição da Vampira" (1973) e "Doriana Grey" (1976); em "O Massacre dos Barbys" (1996) também aparece uma condessa meio vampira que se alimenta de sangue para manter a juventude eterna, à la Elizabeth Bathory.

Mas o diretor nunca mais conseguiu chegar nem perto do clima dessa sua obra-prima, que só não é mais conhecida/respeitada/incensada hoje porque seu título sensacionalista pode passar a ideia errada de que é apenas um pornô softcore rasteiro. E embora não seja o primeiro filme sobre vampiras lésbicas, provavelmente é o mais representativo de todos.

Enquanto isso, como autênticos vampiros, tanto VAMPYROS LESBOS quanto a precocemente falecida (e portanto eternizada na juventude) Soledad Miranda não envelheceram um único ano desde o lançamento do filme em 1970...

PS: Franco dirigiu uma "nova versão" do filme em 1981, chamada "Macumba Sexual", praticamente apenas trocando vampirismo por feitiçaria (e sem a mesma qualidade, óbvio).


Trailer de VAMPYROS LESBOS



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Vampyros Lesbos (1970, Alemanha/Espanha)
Direção: Jess Franco
Elenco: Soledad Miranda, Ewa Strömberg, Dennis
Price, Heidrun Kussin, Paul Muller, Andrés Monales,
José Martínez Blanco e Jess Franco.