Quantos argumentos você precisa para largar
essa resenha agora mesmo e sair da frente do computador para ver ou rever SOL
VERMELHO?
Um só? Bem, este é o único western da história
em que Toshiro Mifune, um dos "Sete Samurais", faz parceria com
Charles Bronson, um dos "Sete Homens e um Destino"!
Dois? O filme é dirigido pelo Terence Young, o
cara que começou a série James Bond e dirigiu algumas das suas melhores
aventuras, e o vilão é interpretado pelo galã francês Alain Delon!
Ah, quer três argumentos? Então saiba que a
linda musa suíça Ursula Andress não apenas faz parte do elenco, mas ainda
aparece PELADA lá pelas tantas!
(Como depois desses três argumentos não deve
ter ficado mais ninguém por aqui para ler, vou continuar minha explanação para
ninguém, mas feliz por saber que esse filmaço chamado SOL VERMELHO estará
recebendo a devida atenção dos distintos leitores do FILMES PARA DOIDOS!)
Se existe algo que pode ser chamado de
"produção internacional", este algo é SOL VERMELHO. Dá só uma sacada:
é um legítimo western spaghetti (ou pelo menos segue de perto as
"regras" da coisa), mas foi produzido por americanos. O elenco tem um
ianque (Bronson), um chinês que ficou famoso no cinema japonês (Mifune), um francês e uma francesa (Delon e a musa
Capucine), uma suíça (Ursula) e mais uns atores italianos conhecidos (Luc
Merenda, Guido Lollobrigida...). Foi dirigido por um inglês (Young) nascido na
China, e filmado em Andalucía, na Espanha!
O resultado dessa reunião de nacionalidades e
talentos não é apenas eficiente, mas imperdível - uma daquelas pérolas que,
sabe-se lá porque, acabou caindo na obscuridade sem merecer.
O roteiro foi escrito a seis mãos por Denne
Bart Petitclerc, William Roberts e Lawrence Roman, baseados num livro de Laird
Koenig que, supostamente, narra uma história verdadeira ocorrida nos Estados
Unidos do final do século 19.
Bronson interpreta Link Stuart, líder de um
grupo de assaltantes de banco. Seu braço direito é o francês bon-vivant Gauche
(Delon). Quando o filme começa, o bando de Link e Gauche ataca um trem para
roubar uma fortuna levada no vagão de carga.
Por coincidência, o mesmo trem está
transportando o embaixador japonês em sua primeira visita aos Estados Unidos,
para um encontro com o presidente Ulysses S. Grant. E como o ilustre visitante
leva uma espada samurai folheada em ouro para dar de presente a Grant, dois
samurais o acompanham para garantir sua segurança e a do tesouro.
Rudes foras-da-lei do empoirado Velho Oeste,
Link e Gauche não entendem nada da cultura oriental, mas sabem que balas de
revólver são mais eficientes que espadas. Portanto, o francês mata um dos
samurais e rouba a espada de ouro. Depois, tenta se livrar do parceiro Link com
uma banana de dinamite, fugindo com todo o produto do roubo e o que restou da
quadrilha.
Quem já viu um filme de faroeste sabe que
pistoleiro traído não deixa passar barato. E é claro que Link sobrevive ao
atentado e resolve sair atrás de Gauche e da fortuna roubada. Mas terá que
fazê-lo com um parceiro inesperado: o segundo samurai, Kuroda Jubie (Mifune),
que pretende vingar a morte do companheiro e recuperar a espada roubada.
E, como todo bom samurai, ele tem um prazo
apertado para cumprir as duas missões; se não conseguir, deverá praticar
harakiri - aquele suicídio em que o sujeito rasga o próprio bucho com a própria
espada!
Aí começa aquela típica história de parceiros que não se bicam, que são completamente diferentes, que brigam e discutem o tempo todo, mas que, ao longo de sua jornada, descobrem ser mais parecidos do que imaginavam.
A parceria forçada entre Link, o fora-da-lei
ocidental, e Kuroda, o guerreiro oriental, rende alguns belíssimos momentos. O
pistoleiro quer livrar-se do samurai com truques sujos porque sabe que ele matará
Gauche antes que este revele onde escondeu a fortuna roubada; já o samurai age
movido pela honra e tenta entender as motivações do "companheiro".
Eles irão aprender muito sobre suas diferenças, e dessa união nascerá uma
grande amizade.
Já as belas Ursula Andress e Capucine aparecem
como prostitutas de um bordel onde a dupla acaba parando, já que Cristina
(Ursula) é a amada de Gauche e ele terá que passar pelo local para buscá-la. Em
pelo menos duas cenas, a linda loira suíça mostra tudo que não pôde mostrar
para James Bond no clássico "007 Contra o Satânico Dr. No", como você
pode ver nas fotos abaixo.
(Um outro ator de "Dr. No", o inglês
Anthony Dawson, também aparece no filme como um dos homens de Gauche,
demonstrando que o diretor Terence Young gostava de trabalhar várias vezes com
o mesmo time.)
SOL VERMELHO é um western definitivamente
diferente, pois não é todo dia que você vê Charles Bronson e Toshiro Mifune
combatendo bandidos com tiros e espadadas, em cenas lindamente orquestradas por Young
e sublinhadas pela música de Maurice Jarre. E também não é todo
dia que você vê Alain Delon como vilão filho da puta e Ursula Andress linda e maravilhosa.
O terceiro ato traz uma bem-vinda reviravolta,
pois quando parece que teremos um duelo triplo à la "Três Homens em
Conflito" (lançado cinco anos antes), Link, Kuroda e Gauche precisam unir
suas forças (e revólveres) contra uma ameaça maior: o ataque de índios
renegados em busca de escalpos.
Contempla-se, assim, quase todos os elementos
característicos de um faroeste tipicamente norte-americano (os heróis
rechaçando um ataque de índios) e de um western spaghetti (o fora-da-lei gente
boa em busca do parceiro traíra), com a bem-vinda adição do elemento oriental
(o samurai).
Por isso, SOL VERMELHO não funciona apenas
como uma aventura acima da média, mas também como uma homenagem às três
vertentes básicas do faroeste moderno. Afinal, vários clássicos do western
europeu e norte-americano beberam da fonte do cinema oriental: "Por um
Punhado de Dólares" foi inspirado em "Yojimbo"; "Sete
Homens e um Destino" é remake de "Os Sete Samurais", e
"Quatro Confissões" tem estrutura bem semelhante a
"Rashomon". SOL VERMELHO talvez seja o primeiro filme que busca uma
ponte com o cinema oriental (através de um de seus personagens mais
característicos, o samurai) ao invés de simplesmente refilmar a história com
elementos ocidentais, como aconteceu nas produções já citadas.
Isso dá um tom épico ao filme: é o encontro de
três mundos (EUA, Europa e Japão) e três culturas, mas não num pretensioso
dramalhão de época, e sim numa aventura divertida, barulhenta e violenta,
repleta de tiroteios e sangrentos golpes de espada desferidos pelo samurai.
Infelizmente, hoje é difícil encontrar uma versão
decente de SOL VERMELHO para que o filme possa ser devidamente apreciado. O
formato original de tela é widescreen, mas quase todos os DVDs existentes pelo
mundo trazem uma copiagem porca ampliada para tela cheia, com as laterais da
imagem criminosamente cortadas.
Uma verdadeiro crime para com uma obra de relevante
importância cultural, ALÉM de ser um western bem decente. E poderia muito bem
sucitar pesquisas e discussões sobre este aspecto que eu citei por cima, do
amálgama das três referências do faroeste moderno.
Não obtive informações confiáveis para saber se SOL VERMELHO foi sucesso ou fracasso de bilheteria na época do seu lançamento. Seja como for, abriu as portas para vários outros westerns na linha "Ocidente encontra Oriente", como "Ouro Sangrento" (1974), do italiano Antonio Margheritti, com Lee Van Cleef e Lo Lieh, ou o recente "Bater ou Correr" (2000), de Tom Day, com Owen Wilson e Jackie Chan.
Também recentemente, tivemos alguns casos de
"SOL VERMELHO às avessas", com cineastas orientais prestando
homenagens abertas e apaixonadas ao faroeste (seja ianque ou europeu).
Um deles é "Era Uma Vez na China e na
América" (1997), de Sammo Hung, que coloca Jet Li para lutar com
pistoleiros do Velho Oeste, explorando o episódio verídico dos imigrantes
chineses que foram trabalhar na construção das rodovias nos Estados Unidos no
final do século 19.
Outro caso é uma brincadeira feita pelo
diretor japonês e doidão-mor Takashi Miike, que em 2007 filmou um legítimo
western spaghetti só que no Japão e com japoneses no elenco - o divertido
"Sukiyaki Western Django".
Uma prova de que ainda há muito a explorar, e
muitas histórias a contar, nesse filão do "Ocidente encontra Oriente no
Velho Oeste". Mais um motivo para (re)descobrir SOL VERMELHO.
PS: O italiano Alberto De Rossi assina a
maquiagem das cenas de violência. Adivinha só: ele era pai do Giannetto De
Rossi, o mestre responsável pela sangueira nos filmes do Lucio Fulci e de
tantos outros diretores do cinema fantástico italiano!
*******************************************************
Soleil Rouge / Red Sun
(1971,
Itália/França/Espanha)
Direção: Terence Young
Elenco: Charles Bronson, Toshiro Mifune, Alain
Delon,
Ursula Andress, Capucine, Anthony Dawson,
Barta Barri,
Guido Lollobrigida, Luc Merenda e Mónica
Randall.