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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

BOCA (1994)


Em dezembro de 2012, quando entrevistei o ator Anselmo Vasconcellos, falamos rapidamente sobre a produção internacional BOCA (1994), em que ele interpretou um policial corrupto ao lado de um elenco incrível composto por gringos como Rae Dawn Chong, Martin Kemp e Martin Sheen e "prata-da-casa" como Tarcísio Meira, Luma de Oliveira e o próprio Anselmo. Até então, esta produção de Zalman King filmada no Brasil era aquele negócio que muita gente até conhecia de nome, mas nunca tinha visto - eu incluso.

Mesmo na internet, essa inesgotável fonte de cultura inútil e bobajadas diversas, existem pouquíssimas referências a BOCA, mas uma cacetada de informações desencontradas e/ou equivocadas. O Internet Movie Data Base (IMDB), por exemplo, informa que o filme foi dirigido pelo próprio King em conjunto com o brasileiro Walter Avancini, quando na verdade a história não foi bem assim.


Enfim, como essas produções "misteriosas" sempre me encantam, comecei uma investigação para preencher as lacunas existentes. As primeiras pistas apareceram numa reportagem da Folha de São Paulo, publicada no caderno Ilustrada em outubro de 1994: BOCA seria mais uma versão da clássica peça "Boca de Ouro", escrita por Nelson Rodrigues - nesse caso, a terceira -, segundo a matéria do jornal.

A primeira adaptação para o cinema do texto de Nelson foi o fantástico "Boca de Ouro" dirigido por Nelson Pereira dos Santos em 1963, com Jece Valadão brilhando no papel-título. Já a segunda foi uma refilmagem dirigida por Walter Avancini (olha ele aí de novo!) em 1990, e com Tarcísio Meira (olha ele aí de novo!) como Boca. Esse remake foi tão esculhambado pelos críticos na época que nunca chegou a ser lançado em vídeo ou DVD.

Folha anunciou filme como remake de "Boca de Ouro"

Mas as coincidências entre os créditos de "Boca de Ouro", o remake, e do BOCA de Zalman King me deixaram com a pulga atrás da orelha: será que Tarcísio Meira gostou tanto de interpretar o personagem que repetiu o mesmo papel numa co-produção Brasil/Estados Unidos realizada apenas quatro anos depois, e co-dirigida novamente por Avancini? Aí tinha coisa errada...

Foi quando BOCA finalmente caiu na rede e eu pude ver com meus próprios olhos. Para minha surpresa, não apenas Tarcísio repetia o papel de Boca de Ouro, mas vários outros atores brasileiros daquele remake de 1990 apareciam em pequenas participações, como Luma de Oliveira, Cláudia Raia e Maria Padilha. Algumas cenas pareciam jogadas de qualquer jeito, desconexas, sem "fechar" totalmente com a narrativa.


Nesse momento, finalmente ficou clara a malandragem que nem o IMDB, nem aquela reportagem da Folha lá de 1994 se preocuparam em explicar: BOCA não é exatamente uma terceira versão do texto de Nelson Rodrigues, muito menos um filme novo; pelo contrário, trata-se de um novo "filme" produzido através da reciclagem de diversas cenas do "Boca de Ouro" de Avancini (por isso o crédito para ele no IMDB), que foram reeditadas com alguns novos trechos filmados anos depois com Tarcísio Meira e os atores americanos!

Para desenrolar essa história toda, recorri novamente a Anselmo Vasconcellos e também à produtora de elenco Denise del Cueto, que trabalhou nas cenas extras que foram filmadas para BOCA. Só aí apareceu o verdadeiro responsável pela direção do negócio: ao contrário do que informa o IMDB, não foi Zalman e nem Avancini, mas sim o francês radicado nos EUA René Manzor quem veio ao Brasil para gravar as novas cenas com os atores gringos.

Curiosamente, nenhum diretor é creditado em BOCA. Nos créditos iniciais, aparece apenas "A Zalman King Collection Film" (?!?), e nos finais Zalman é creditado como produtor executivo. O nome de René Manzor não é citado em momento algum, enquanto Walter Avancini ganhou crédito de "Contributing Director" junto com... Sandra Werneck??? Pois é: acontece que BOCA também reaproveita na montagem algumas imagens do documentário "A Guerra dos Meninos", filmado por Sandra em 1991, sobre a situação das crianças de rua no país!


Anselmo explicou que BOCA nasceu de uma parceria entre Joffre Rodrigues (filho do lendário Nelson e produtor do "Boca de Ouro" dirigido por Avancini) e Zalman King: o brasileiro vendeu para Zalman os direitos sobre o remake, e Zalman resolveu aproveitar apenas algumas cenas e filmar outras novas para transformar a história num dos seus típicos "erotic thrillers", podendo assim incluir personagens norte-americanos na trama.

Denise confirmou e detalhou: "Quando eu entrei na produção, já estava tudo armado. O Joffre era muito popular em Los Angeles por causa do pai, e foi ele que vendeu o filme para o Zalman. A ideia era essa desde o começo, de reaproveitar o 'Boca de Ouro' do Avancini para baratear os custos da versão americana. O material que eles reaproveitaram eram cenas difíceis, grandes, que seriam difíceis de fazer com baixo orçamento". BOCA teria custado apenas um milhão de dólares graças a essa malandragem!


Enquanto os filmes de 1963 e 1990 eram fiéis à peça de Nelson Rodrigues, em que uma ex-amante do finado Boca de Ouro aparecia dando três versões diferentes da vida do finado (que era bicheiro na versão dos anos 60 e traficante de drogas nos anos 90), BOCA opta por uma narrativa mais tradicional (nada de três versões aqui), misturando patéticas tentativas de crítica social com aquele típico "Brasil para gringo ver" - ou seja, Carnaval, favelas, sexo e macumba!

Por isso, o nome de Nelson Rodrigues como autor da peça "Boca de Ouro" sequer é citado nos créditos. O roteiro foi assinado apenas por Ed Silverstein, que era colaborador habitual do seriado de sacanagem "Red Shoe Diaries", produzido por Zalman King para a TV a cabo norte-americana entre 1992-99.


Vale lembrar que tanto Manzor quanto Zalman já tinham investido em sacanagem à brasileira antes de BOCA. Na mesma época, René dirigira um episódio de "Red Shoe Diaries" chamado "Night of Abandon", cuja trama envolve aventuras sexuais no Rio de Janeiro embaladas pelo misticismo das religiões afro-americanas e dos ritos a Iemanjá, estrelada pelos gringos Ann Cockburn e Daniel Leza e pela brasileira Catalina Bonakie.

Zalman, por sua vez, dirigiu o famigerado erotic thriller "Orquídea Selvagem" em 1989, cuja trama jogava Mickey Rourke, Carré Ottis e Jacqueline Bisset em aventuras sexuais num Rio de Janeiro absurdamente estereotipado.


Para BOCA, Zalman nem chegou a vir ao Brasil, sendo representado no país pelo diretor René e pelo seu homem de confiança, o produtor Jeff Young. Segundo aquela reportagem da Folha de São Paulo, as filmagens aconteceram entre abril e julho de 1993, no Rio, embora tanto Anselmo quanto Denise tenham chutado que as filmagens teriam acontecido em 1992.

"Nós íamos gravar no Morro da Mineira, no Rio, que ainda era bem violento na época, mas tivemos problemas graves e mudamos para o Morro Dona Marta", contou Denise, completando: "Foi algo bem 'low profile', nunca teve imprensa acompanhando nem nada. Foi uma produção bem barata, e a ideia era exatamente essa. A equipe era toda brasileira. De fora vieram apenas os dois atores principais, o coordenador de produção que representou o Zalman aqui, Jeff Young, e o diretor, René Manzor".


BOCA conta a história de um casal de repórteres gringos, J.J. (a linda Rae Dawn Chong) e Reb (o inglês Martin Kemp), que vêm ao Rio de Janeiro para investigar o extermínio de crianças de rua. Após várias entrevistas com padre, assistente social e delegado, eles percebem que ninguém se importa com as mortes e que a polícia finge olhar para o outro lado quando acontece algum massacre do gênero.

Não demora para J.J. fazer amizade com um dos muitos garotos que vivem nas ruas cariocas, um engraxate chamado Tomaz (Patrick de Oliveira). E, seguindo as indicações do moleque, ela e o colega descobrem que há um grupo de extermínio formado por policiais, e financiado por grandes empresários do turismo que querem "limpar a cidade" dos trombadinhas.


Só que as crianças ganham um protetor na figura do perigoso traficante Boca de Ouro (Tarcísio Meira), que tem essa alcunha por causa da dentadura com dentes de ouro. Quando J.J. e Reb estão prestes a testemunhar um novo massacre de crianças pelos policiais, Boca e seus homens aparecem na hora H e salvam os moleques da execução.

Aí é um pulo para a jornalista gringa se deixa fascinar pela figura do bandidão de dentes de ouro e pelo clima de sensualidade do Carnaval do Rio de Janeiro, envolvendo-se com toda aquela fauna típica da Cidade Maravilhosa (bandidos, traficantes, policiais corruptos), mais rituais de macumba e as trepadas de praxe, no que lembra um sub-"Orquídea Selvagem" misturado com trama policial de quinta categoria.


Em meio à narrativa, cenas do "Boca de Ouro" de Avancini são usadas indiscriminadamente como se fossem flashbacks ou histórias contadas pelo personagem de Tarcísio Meira. A cena em que ele é assassinado no meio de um lixão no filme de 1990, por exemplo, reaparece aqui diversas vezes como se fossem "visões premonitórias" do destino do traficante.

Já quando J.J. tira fotografias das crianças de rua, o que vemos são imagens extraídas do documentário "A Guerra dos Meninos", de Sandra Werneck!
 

O editor Andy Horvitch (que trabalhou em vários filmes da Empire/Full Moon) reaproveitou diversas cenas de mulher pelada do remake de 1990, incluindo a nudez de Luma de Oliveira, que tinha um papel de destaque no filme de Avancini, mas este "papel de destaque" foi reduzido a uma pontinha aqui.

Cláudia Raia, outra que aparecia bastante na versão original, foi praticamente cortada do filme e aparece dançando durante uns 20 segundos. Seu nome sequer é citado nos créditos.


Para garantir a cota de nudez nas novas cenas de BOCA, Rae Dawn Chong aparece nua e em cenas de sexo, e pelo menos duas vezes mostra o corpão que não pudemos ver em filmes como "Comando para Matar". Se em diversos takes a atriz está mesmo nua, em outros (principalmente quando ela aparece pelada de costas) fica a dúvida no ar.

Novamente, foi a produtora de elenco Denise quem elucidou o mistério: "A Rae usou uma dublê de corpo, porque ficou muito chateada por causa do corpão das brasileiras. A história é engraçada: nós ficamos no Hotel Glória, e, logo na chegada, ela foi atendida por uma recepcionista que era um espetáculo - brasileira, claro. A atriz ficou maluca ao ver que a recepcionista era mais linda do que ela, e pediu para usar uma dublê de corpo em diversas cenas".


Além dos atores que já apareciam nas cenas do filme de Avancini reaproveitadas na montagem, outros brasileiros fazem pequenas participações em BOCA: Nelson Xavier como um padre, Carlos Eduardo Dolabella como um milionário que seria o mandante dos crimes, José Lewgoy como um delegado e Ruth de Souza como uma assistente social, entre outros.

Já o nome mais conhecido entre o elenco internacional é Martin Sheen, que aparece muito pouco como um agente da Narcóticos chamado Jesse James Montgomery (!!!), e que nem chegou a vir ao Brasil. Suas cenas foram todas gravadas nos EUA, e por isso ele não chega a participar da trama principal. Tanto Sheen quanto Kemp (na época ainda mais famoso como baixista da banda new wave Spandau Ballet do que como ator) acabaram sendo sub-aproveitados no filme.


Anselmo aparece como um policial truculento chamado "Sargento Trebe" (o nome do personagem não é citado no filme, apenas nos créditos finais), que participa das execuções dos meninos de rua. Sua participação acabou sendo prejudicada no corte final, já que originalmente teria mais tempo em cena.

"O papel era bem legal e extenso. Filmamos muito, mas eles cortaram na edição para fazer um dois em um - ou seja, misturar o Avancini com o René Manzor", justificou o ator. Segundo Denise, havia uma cena que foi bastante difícil de filmar em que Trebe estuprava uma menina num lixão, e que infelizmente acabou no chão da sala de edição.


Embora BOCA seja bem ruinzinho, tem algo de divertido em ver tanta gente talentosa e conhecida reunida - principalmente em ver Tarcísio e Dolabella tirando casquinha da gringa Rae Dawn Chong, ou Vasconcellos peitando o inglês Kemp só para depois tomar um tiro no saco do Irmão Coragem promovido a Rei do Morro. (Vale lembrar que Tarcísio e Anselmo já tinham dividido a telona antes no fantástico "República dos Assassinos", de 1979)

Também é muito engraçado ver Tarcísio Meira falando inglês, e aquele inglês enrolado cheio de sotaque. Vários diálogos do ator são repetidos até três vezes em takes diferentes, quem sabe numa duvidosa homenagem ao filme "A Idade da Terra", de Glauber Rocha - em que acontecia a mesma coisa e todas as falas de Tarcísio eram repetidas três, quatro, cinco vezes.


Embora seja difícil eclipsar o fantástico desempenho de Jece Valadão como Boca de Ouro no filme de 1963, o astro até que demonstra um belo desempenho, tanto nas cenas originais gravadas por Avancini quanto nas regravações produzidas pela turma do Zalman. O mais irônico é que Tarcísio não foi a primeira escolha de Avancini para estrelar o remake: o primeiro convidado foi o roqueiro Lobão, então na sua fase "Vida Bandida"!

Claro que nas cenas adicionais gravadas pelos gringos o Boca traficante do filme de 1990 foi transformado numa figura mais heróica e idealista, que protege os meninos de rua da polícia. "O Tarcísio adorou fazer, ele ficou amarradão com a possibilidade de interpretar o Boca de Ouro pela segunda vez. E realmente participou com carinho, porque gostava muito do Joffre", lembrou Denise.


Naquela reportagem da Folha que não explicava que BOCA era uma remontagem de "Boca de Ouro", havia uma declaração curiosa do próprio Tarcísio sobre esta esquisita co-produção: "Não tenho a mínima ideia do que está no filme. Foi uma coisa estranha. As últimas cenas que rodei - depoimentos sobre meninos de rua - foram feitas depois que eu já tinha filmado tudo. Fui visitar o Dolabella e o Zalman King me pediu para filmar. O Jeff Young escreveu na hora, e rodamos. Eu já havia até tirado o bigode". (O tal depoimento nem entrou na montagem final.)

Na mesma entrevista, Tarcísio justifica seu inglês meio enrolado dando a culpa para o incômodo provocado pela "dentadura de ouro": "Era um volume imenso dentro da minha boca, difícil falar com aquilo, em outra língua pior ainda".


Assim, a grande curiosidade de BOCA é ser um autêntico "filme-Frankenstein", feito a partir de ideias e de retalhos de outras produções. O espectador atento pode até perceber quando é o Tarcísio Meira das cenas originais de 1990 e quando é Tarcísio repetindo o papel nas cenas filmadas alguns anos depois, já que seu cabelo está relativamente diferente.

E por serem dois filmes completamente diferentes costurados juntos, fica sempre aquela sensação de que as coisas não fecham. O tom é confuso: uma das cenas reaproveitadas do "Boca de Ouro" de Avancini, por exemplo, mostra Luma de Oliveira, Maria Padilha e Betty Gofman desfilando nuas num lixão, e algumas mulheres da favela, idosas inclusive, também tiram a roupa para imitar. São imagens até curiosas, mas que não se encaixam de maneira alguma na "narrativa norte-americana", cujo fio condutor é a investigação da matança das crianças de rua.


Mas confesso que me diverti vendo BOCA, da mesma maneira que sempre me divirto vendo produções estrangeiras rodadas no Brasil que mostram uma visão extremamente estereotipada do nosso país, ou que promovem encontros insólitos entre atores importados e brasileiros - tipo, digamos, "Kickboxer 3 - A Arte da Guerra", em que o karateka Sasha Mitchell sai distribuindo voadoras pela favela e os vilões são Gracindo Júnior e Monique Lafond!

Qualquer tentativa de fazer um comentário social sério sobre a situação das crianças de rua (e, acredite, isso acontece várias vezes) afunda na mesma hora em que a trama se entrega ao "Feitiço do Rio" e coloca seus personagens estrangeiros em meio a desfiles de Carnaval e afetadíssimos rituais de macumba, que lembram mais orgias caligulescas.


Vamos combinar que fica meio difícil falar sério quando o que você está fazendo é um erotic thriller, e tem a necessidade de mostrar alguém pelado ou transando a cada cinco minutos. Mesmo assim, Zalman King tentou e até colocou uns letreiros finais com números que tirou sabe-se lá de onde, informando que havia 7 milhões de menores abandonados vivendo nas ruas brasileiras na época das filmagens, e que a cada dois minutos uma criança morria de fome no país.

Ao que parece, ele levou BOCA um pouco mais a sério do que deveria, e chegou a comparar este seu pornô softcore com o clássico "Os Esquecidos", de Luis Buñuel! Prepotência pouca é bobagem!


Mas Zalman foi de certa forma um visionário, já que em 23 de julho de 1993, quando em teoria BOCA ainda estava sendo filmado, aconteceu a famosa Chacina da Candelária: policiais militares atiraram contra mais de setenta crianças e adolescentes de rua que estavam dormindo nas proximidades da Igreja da Candelária, no Rio, matando seis menores e dois maiores, e ferindo outros tantos.

Não foi o primeiro caso do gênero, e nem o último; mas foi esta chacina covarde que mais repercutiu no mundo, revelando uma triste realidade que tentávamos esconder. Realidade esta que atingiu o próprio elenco mirim de BOCA, segundo a produtora de elenco Denise: "Um dos meninos que aparece no filme, o Flávio, entrou para o tráfico e morreu logo depois".


BOCA só estreou na telona em 1994, no Toronto International Film Festival, no Canadá, mas não chegou a ganhar lançamento comercial nos Estados Unidos, onde saiu direto em vídeo em 1995. A produção também passou batida no Brasil, onde, a despeito daquela reportagem da Folha, nunca chegou aos cinemas e nem ao mercado doméstico (continua inédito em vídeo, DVD e blu-ray, como se nunca tivesse existido).

Até algum tempo atrás era muito difícil encontrar o filme, até que ele finalmente ganhou uma sobrevida ao ser redescoberto no universo dos downloads - para o horror de alguns dos envolvidos! Segundo Denise, o fato de esta co-produção não ter sido lançada no país foi um alívio: "Para falar a verdade, nós meio que abafamos o projeto porque sabíamos que ia ficar uma merda. Algum tempo depois, eu recebi uma fita VHS do filme e emprestei para o Tarcísio, que ainda não tinha visto".


Com o mistério sobre a autoria de BOCA finalmente resolvido (não acreditem em tudo que vocês leem no IMDB, amiguinhos!), recomendo este filme apenas a quem, como eu, se diverte com essas co-produções que apresentam um Brasil "para gringo ver". Ou para quem quiser ver a nudez da bela Rae Dawn Chong. Ou mesmo para quem quiser ver pelo menos algumas cenas (tipo Luma pelada) do "Boca de Ouro" de Walter Avancini, que só passou nos cinemas na época e depois sumiu para sempre.

Tudo considerado, esse filme-Frankenstein ainda é melhor e mais divertido que o outro erotic thriller brasileiro de Zalman King, o popular "Orquídea Selvagem", pois aqui pelo menos há uma trama policial vagabunda que evita que o espectador pegue no sono entre as diversas cenas de sexo softcore e nudez.

Deixo um agradecimento especial para Anselmo e Denise por terem ajudado a desenterrar a história curiosa por trás de BOCA. Vamos ver se agora alguém vai ter coragem de desenterrar o filme e exibi-lo em algum festival, ou pelo menos lançá-lo em DVD, para que mais gente possa dar umas boas risadas do "erotic thriller com consciência social" do Zalman King...


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Boca (1994, EUA/Brasil)
Direção: René Manzor (e Walter Avancini)
Elenco: Rae Dawn Chong, Tarcísio Meira, Martin Kemp,
Martin Shen, Carlos Eduardo Dolabella, José Lewgoy,
Anselmo Vasconcellos e Luma de Oliveira.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Entrevista com Anselmo Vasconcellos

 
O ator carioca Anselmo Vasconcellos tem uma extensa biografia composta por trabalhos dos mais diversos gêneros em cinema, teatro e TV. Ficando apenas no campo do cinema, o homem aparece em dois dos meus filmes brasileiros preferidos de todos os tempos: "O Segredo da Múmia", de Ivan Cardoso, e "Eu Matei Lúcio Flávio", de Antônio Calmon. Portanto, eu mal podia acreditar quando fiquei cara a cara com ele no Festival de Cinema de Gramado, em 2010. Lá também estava um outro ícone, Paulo Cesar Pereio, mas foi com Anselmo que fiz questão de tirar uma fotografia, depois de dizer alguma bobagem do tipo "É uma honra apertar a mão do grande Faraó Runamb!".

É óbvio que eu estava me referindo ao personagem que ele fez em "O Segredo da Múmia", filme que lhe deu a distinção de interpretar o único Faraó e a única Múmia do cinema brasileiro. E eu provavelmente teria bombardeado o pobre ator com perguntas mil sobre sua carreira se ele não estivesse com a maior cara de pressa. Assim, meu único encontro com meu ídolo Anselmo Vasconcellos durou apenas esses marcantes 10 segundos...

Fade-in, um pequeno salto no tempo e, no começo de novembro de 2012, descubro que o ator tem perfil no Facebook - e daquele tipo bem participativo, que revela quando um perfil pertence à pessoa mesmo. Meio sem jeito, mandei uma mensagem particular pedindo se ele se importaria em responder a todas aquelas perguntas que eu queria fazer pessoalmente no Festival de Gramado mas não fiz para não passar por chato. Para a minha surpresa, eis que Anselmo Vasconcellos em pessoa respondeu: "Sinto-me honrado e agradeço a generosidade".

Eu tietando Anselmo Vasconcellos no Festival de Gramado

O timing não poderia ter sido melhor: primeiro, "O Segredo da Múmia" completou 30 anos (sua estreia nos cinemas foi em 21 de outubro de 1982), e a data passou em brancas nuvens na nossa imprensa (se bobear, nem o próprio Ivan Cardoso lembrou); depois, descobri que o próprio Anselmo estava para completar 60 anos (o que aconteceu há poucos dias, em 1º de dezembro), e que ele considerava a publicação dessa entrevista como parte das comemorações do seu aniversário!

Após uma rápida troca de e-mails, que resultou em duas baterias de perguntas (sempre prontamente respondidas pelo ator), duas coisas me chamaram a atenção em Anselmo Vasconcellos. A primeira foi a sua marcante humildade, pois ele comenta com a mesma intensidade sobre seus filmes mais famosos e outros trabalhos menores ou menos conhecidos. A segunda foi o seu amor incondicional pelo cinema e pelas artes em geral: do programa humorístico "Zorra Total" à sua interpretação de Ricardo III nos palcos, Anselmo considera tudo arte e tudo válido, e tem tantos projetos em andamento que torna-se até difícil acompanhar o que ele está fazendo.

Já existe uma ótima entrevista com o ator feita pela Andrea Ormond em 2006 para seu blog Estranho Encontro. Com esta minha, eu tentei não repetir as mesmas perguntas e nem tocar nos mesmos temas, apenas ampliar para outros campos aquela que considero uma entrevista obrigatória: enquanto a Andrea fez um trabalho fantástico resgatando histórias dos trabalhos mais respeitados do ator, como "República de Assassinos" e "Eles Não Usam Black-Tie", eu tentei ir para o outro lado, perguntando primeiro sobre os meus filmes preferidos ("O Segredo da Múmia" e "Eu Matei Lúcio Flávio"), e depois sobre outros menos comentados ("O Torturador" e "A Rota do Brilho").

O resultado o leitor pode conferir a partir de agora...



FILMES PARA DOIDOS: Como você se envolveu com "O Segredo da Múmia"? Em algum momento estranhou o fato de um ator carioca interpretar um Faraó/Múmia?
ANSELMO VASCONCELLOS: Fui convidado pelo Ivan Cardoso. Conhecia o Ivan e seu trabalho com aquela turma fantástica - Hélio Oiticica, Júlio Bressane, José Mojica Marins, Rogério Sganzerla -, e me entusiasmei com a ideia de um filme cheio de referências ao cinema de terror produzido pela Hammer, RKO, etc. O roteiro do [Rubens Francisco] Lucchetti, um autor de historinhas em quadrinhos, ja vinha com esse sabor, e Ivan reunia atores e equipe que perceberam a possibilidade da realização. Não preciso ser egípcio para representar Runamb, o Faraó. Não preciso ser inglês para representar Ricardo III. A concepção da palavra "representar" já me dá esse passaporte legítimo e vermelho.

FPD: Li em uma reportagem da época do lançamento que você foi inicialmente convidado pelo Ivan para interpretar o herói do filme (o papel ficou com Evandro Mesquita), mas preferiu fazer a Múmia. Por quê?
AV: Ivan me convidou para fazer o personagem do Repórter, brilhante na atuação do Evandro Mesquita. Eu pedi para fazer a Múmia pois era uma oportunidade de brincar de Boris Karloff, Lon Chaney, Mojica... Enfim, do cinema B que eu curtia e assistia em cineclubes e sessões de meia-noite daquela época. Queria me juntar a esses colegas que deram ação a estas personagens extraordinárias e incomuns.

FPD: Quais suas principais inspirações para interpretar a Múmia? O clássico com Boris Karloff da década de 30, ou as produções da Hammer?
AV: Conhecia estas produções e atuações, mas trabalho com a tentativa de conexão, com o que acontece no set, no coletivo da filmagem. Não há vestígios de outras "encarnações" no que realizamos.

Anselmo em dose dupla: enfaixado, no papel da Múmia...
...e de cara limpa, interpretando o Faraó Runamb

FPD: É realmente você por baixo das bandagens da Múmia?
AV: Sim, sou eu. Porque a ideia era essa: representar um personagem que é uma máscara de corpo inteiro, sem olhos, sem expressão facial. O [diretor de arte] Oscar Ramos me desafiou me tirando tudo, enfaixando tudo. Karloff tem sua própria máscara facial [em "A Múmia", de 1932], e mesmo imobilizando seu olhar ele tem essa expressão. Eu não tinha nada, este foi o desafio, a brincadeira - o "to play".

FPD: E como foi interpretar debaixo daquela máscara fechada e de todas aquelas faixas? Quais eram as principais dificuldades?
AV: Oscar Ramos e Nina de Pádua [atriz e assistente de direção] me mumificavam literalmente com ataduras e gesso. Levava horas. Quando ficava pronto, eram dificuldades de toda ordem. Filmamos no verão e em lugares difíceis. Não houve nenhum sofrimento, a roupa era uma engenharia bem bolada pelo Oscar, e a máscara permitia alívios entre cada set. O gesso funcionava para ter textura quebradiça, sugerindo envelhecimento. Nos divertimos muito. Fomos felizes e sabíamos. Só usei dublê na cena final do lago, quando a Múmia submerge. Ali foi o grande dublê [Amauri] Guarilha quem atuou - lindamente, por sinal. Conversamos sobre como seria e combinamos da mão ficar por último, como um adeus. Ficou muito bonita e bem feita a cena. Sabíamos que haveria uma bela trilha sonora [composta por Júlio Medaglia e Gilberto Santeiro] e desenhamos a cena. A trilha sonora deste filme é espetacular, um show de referencias e citações, e foi premiada em Gramado.

FPD: Você lembra como foi feita aquela cena em que a Múmia ergue as rodas traseiras do carro do Cláudio Marzo? Aquilo ficou muito bom na tela!
AV: Sim, lembro que eu sugeri ao Ivan erguer aquele MP Lafer com um macaco comum. Então a Múmia se posicionava segurando o carro já no alto, e bastava soltar a trava do macaco e o carro descia. Ivan decupou a cena e a edição ficou perfeita.

Esqueceu o macaco? Chame a Múmia!

FPD: O filme de Ivan tem um elenco fantástico, e algumas celebridades aparecem durante poucos segundos. Como era o set de filmagem com tanta gente famosa junta? Esse pessoal todo interagia, ou filmavam suas pontas e depois iam embora?
AV: O filme teve várias fases de realização. Todo este grande elenco se dividiu nestas etapas e nos encontramos mesmo foi na edição final, brilhante na minha opinião. Atores não usam esse conceito de "pontas", isso me parece jargão de imprensa que inventa coisas mensuráveis para poder situar seus conceitos, críticas e avaliações. Atores fazem seus trabalhos e o tempo é mera ilusão, de ótica inclusive. Tive mais contato com o Wilson Grey, a Regina Casé, o Felipe Falcão e a Tania Boscoli, pelas sucessivas sequências que tínhamos em comum. E as participações de convidadas para a Múmia atacar, que foram maravilhosas. Havia um clima muito gostoso de cumplicidade em brincar com este gênero. Algum material foi filmado em época diferente e se juntou na edição. Ivan e equipe de finalização foram muito espertos e inspirados. Acho fantástico o filme que resultou dessas variadas experimentações.

FPD: Como foi contracenar com Wilson Grey e testemunhar aquela interpretação única e brilhante dele como cientista louco?
AV: Wilson Grey é um ator extraordinário. Uso o verbo no presente porque podemos ver suas atuações memoráveis, elas estão vivas nos rolos dos filmes, nos frames de DVDs e na luz do projetor. Grey é uma assinatura, uma grife de cinema. Sua sabedoria cênica mesclava intuição e desenhos corpográficos. Ele usa seu rosto como máscaras, e mexe as expressões como se as trocasse, mudando significados. Sua qualidade atravessou as diversas faces do cinema brasileiro. Ivan prestou a ele a devida homenagem permitindo estes grandes momentos de atuação livre. Grey brinca com o trágico como ninguém. Sua atuação é uma navalha afiada, eu acho. Foi ele quem deu o tom do filme, eu acho.

FPD: Você lembra onde foram filmadas as cenas que se passam no "Egito"? É verdade que inicialmente consideraram filmar cenas no Egito "de verdade"?
AV: Sim, havia a ideia de se filmar em locações no Egito. Mas descobrimos o Areal da Barra, uma terra nua na época, e filmamos onde hoje é o Condomínio Novo Leblon. Os atores sobem uma duna e olham para o horizonte, e na edição monta com cenas reais das Pirâmides Egípcias, ao som da música-tema de "Os Dez Mandamentos". Eu apareço subindo uma duna montado num puro-sangue árabe que a produção conseguiu. Genial! A apresentação do Cairo é um stock-shot sobre um cartão-postal antigo da cidade. Achados maravilhosos, criativos, e que resultam numa invenção saborosa.

Anselmo montando o cavalo árabe fujão

FPD: Você poderia contar algumas anedotas dos bastidores de "O Segredo da Múmia"?
AV: O que há de interessante para contar de bastidores são situações muito engraçadas que aconteceram, como um mosquito que entrou pelo buraco das narinas da máscara da Múmia. Eu me debatia querendo aliviar no meio de um set, a equipe olhava a cena e achava que eu estava interpretando, e não me acudia. Foi um desespero! Outra: quando montei o cavalo árabe, do campeão Alfinete [José Roberto Reynoso Fernandez, um dos maiores cavaleiros da história do hipismo brasileiro], que nos emprestou e participava como ator, vestido de egípcio com capa, o cavalo se assustou e, no que toquei para correr, ele disparou pela Avenida das Américas e perdi o controle. Alfinete, montado em outro cavalo, correu para me ajudar, mas o meu cavalo, um campeão, não se deixava alcançar. Eu me agarrei na crina dele, colei as pernas na barriga do colosso árabe e esperei ele resolver parar. Sufoco!

FPD: Sabe-se que a produção parou várias vezes e enfrentou inúmeras dificuldades, inclusive problemas de falta de dinheiro. Como foi trabalhar sob essas condições?
AV: É sempre difícil lidar com a falta de recursos e condições adversas, e os riscos que tudo isso envolve. Aprendi tanto que hoje sou consultor da empresa Cofargo S.A., que avalia e administra riscos e seguranças na área de entretenimento. Filmes hoje são feitos com esta noção de organização e cuidados. Queremos cada vez mais organização, competência e segurança. Um negócio como outro qualquer, que visa o bem-estar e a geração de empregos e trabalho.

FPD: Quanto tempo faz desde a última vez em que reviu "O Segredo da Múmia", e o que você acha do filme? Sobreviveu à passagem do tempo?
AV: Vi há pouco tempo, numa sessão promovida pelo cineasta Cristiano Requião em seu Cineclube Doméstico. Gosto da realização, de rever figuras fantásticas como o genial Wilson Grey. O trabalho dele é uma reliquia dos seus anos no cinema brasileiro. Uma atuação antológica, original e engraçadíssima. O Felipe [Falcão], Jardel Filho, Colé, Clarice Piovesan, Dora Pellegrino, Maria Zilda, Hélio Oiticica de ator, Cláudio Marzo, Patrícia Travassos, Joel [Barcellos], [Paulo Cesar] Pereio, Mojica, Regina Casé, Evandro Mesquita falando pela primeira vez "OK, você venceu: batata-frita", Tania Boscoli deslumbrante, e a musa do filme, Nina de Pádua. É tudo um colírio na saudade. Como diz bem a Regina Casé: "Parece que é uma outra encarnação".

Terá Clarice Piovesan descoberto o Segredo da Múmia?

FPD: Alguma vez o papel de Múmia foi motivo de piada na sua carreira?
AV: A Múmia é um personagem clássico do imaginário do cinema de terror, risível em nossa concepção. Oscar Ramos tingia as faixas que cobriam a personagem de verde. Ivan filmou um ponto de vista da múmia com gaze na lente. O inesquecível clown e comediante Colé com Maria Zilda no motel, em cena antológica, exclamava, ao ver a invasão da Múmia no seu quarto: "Uma múmia? Que porra de motel é esse?". Uma gag típica de Teatro de Revista. A intenção, portanto, era fazer rir.

FPD: Existe um boato de que você teria brigado com o Ivan depois da estreia de "O Segredo da Múmia".
AV: Não me lembro o que foi, mas certamente a culpa foi minha e deve ter sido uma bobeira qualquer, que não resultou em nenhuma mágoa da minha parte. Admiro o Ivan neste trabalho.

FPD: Você assistiu "O Sarcófago Macabro", que ele dirigiu em 2006? É um curta e piloto de série que usa trechos de "O Segredo da Múmia" editados com algumas cenas novas estreladas pelo Carlo Mossy. Ele interpreta um agente da CIA investigando nazistas que vêm para o Brasil disfarçados como múmias. Nesse curta, o Ivan explica que Runamb seria o próprio Adolf Hitler mumificado! O que acha disso, e da oportunidade de "contracenar" com o grande Carlo Mossy mesmo sem jamais encontrá-lo no mesmo set?
AV: Conversei com o Ivan quando ele estava retomando as filmagens deste piloto. Mas não sei considerar estas ideias, não vi ainda no que resultou. Fiz um longa com o Mossy em Gramado e curtimos muito juntos fazer cinema, pensar cinema e superar dificuldades.



FPD: Você participou de dois filmes sobre o Esquadrão da Morte ("Eu Matei Lúcio Flávio" e "República dos Assassinos"). Por isso, queria saber como você vê a polêmica em relação a um filme recente, "Tropa de Elite", que também enfocou o tema da brutalidade policial.
AV: Não vi "Tropa de Elite" até hoje. Lamento. Tenho muitos filmes para ver. Muitos ainda não consegui ver. Acompanho produções independentes que nem chegam ao cinema e que vejo na internet, em sites fantásticos que nos dão acesso a jóias autorais de toda parte do mundo. Tenho meu cineclube, uma pequena e significativa coleção de clássicos, e a ida à sala do cinema é bem criteriosa e selecionada pelo que me proporciona de enriquecimento. Não acompanho a moda ou a mídia. Tenho meu faro e a minha fome. Busco satisfazê-la.

FPD: Você se considera um cinéfilo? Ainda vai muito ao cinema?
AV: O cinema é meu abrigo! Sempre foi. Venho da Geração Paissandu, Cinema I, Cineclubes. Nada como ir a uma sala de cinema. Meu favorito é o Cine Bardot, de Búzios.

FPD: Você poderia falar um pouco sobre Antônio Calmon? Sou fã do seu cinema cheio de referências, inclusive costumo escrever que ele tem um estilo semelhante ao do Quentin Tarantino antes mesmo de o Tarantino existir.
AV: Calmon é um criador inteligentíssimo, culto em tudo. Antecipou, com seus filmes, tendências que se consagraram depois dele, como as jogadas estilísticas do Tarantino. Calmon gosta de atores com assinatura, e ele os segue com sua câmera devassa. Recentemente nos reencontramos numa mostra em sua homenagem no Rio. Sua lucidez sobre esta época e outras é uma aula. Ele falou sobre os atores e me honrou com uma análise do meu trabalho que me encheu de lágrimas. Falou sobre a profundidade do meu alcance como intérprete. Ele continua criando.

FPD: E o que disse o Calmon para lhe emocionar tanto?
AV: Por ocasião da Mostra "Calmon em 3 Atos" no Rio, recentemente, pude reencontrá-lo e ele me chamou à mesa que liderava para o debate. Sentei ao seu lado. Ele analisou meu trabalho em seus filmes e apontou a minha entrega, invenção e comprometimento com o fazer como sendo uma qualidade de aprofundamento da interpretação. Somou a isso a observação da minha coragem em interpretar outsiders e borderlines, e de entrar e sair deles com habilidade no espetáculo.

Como policial executor em "Eu Matei Lúcio Flávio"

FPD: "Eu Matei Lúcio Flávio" é outro dos meus filmes brasileiros preferidos. Acredito que deve ter provocado muita polêmica na época, pela maneira como representa o Esquadrão da Morte e por ter recebido a "bênção" do próprio Mariel Mariscot [interpretado por Jece Valadão no filme].
AV: Esses anos que produziram estas obras eram obscuros nas questões dos debates. Essas obras anteciparam a barbárie que se avizinha. Essa São Paulo dos últimos dias parece com o quê? Somos um pais com 55.000 homicídios por ano! Se você ver esses filmes hoje, vai entender muita coisa e refletir sobre o papel da polícia, dos bandidos e sua submissão a um sistema cruel e desumano. Esta pergunta merece um livro, uma análise, debates que hoje teriam mais alarde. Hoje temos a internet, e ela poderia ter um papel relevante na elaboração de pensamentos e considerações. Estou aqui te respondendo, na internet, e pensando nisso, no que posso dizer de tudo isso. Gustavo Dahl, saudoso pensador do cinema, dizia que "Eu Matei Lúcio Flávio" é um filme cult. Merece ser estudado, debatido sobretudo.

FPD: Você chegou a conhecer o verdadeiro Mariel Mariscot? Ele participou do processo de realização do filme?
AV: Não conheci. Ele já estava preso quando fizemos estes filmes. Mas aquele medalhão da Caveira - Scuderie Le Cocq, que o Jece Valadão usa no filme, foi emprestado pelo próprio Mariel.

FPD: Como foi sua preparação para viver o policial assassino em "Eu Matei Lúcio Flávio"? Aquela cena dele torturando um suspeito ao som de "Lady Laura", do Roberto Carlos, é genial!
AV: Eu acompanhei muitos desses crimes pelos jornais da época. Morei em Vila Isabel, e ali ouvia e lia sobre esses lendários psicopatas. Não é dificil representá-los: são óbvios, banais em sua insanidade. Difícil é interpretar um artista, um pensador, um iluminado, ou simplesmente o homem comum.

FPD: Graças a essa parceria com o Calmon, você trabalhou com uma lenda do cinema brasileiro, Jece Valadão. Como era o velho Jece?
AV: Conheci o Jece na fase da Magnus Filmes, seu estúdio e produtora. Fiz vários filmes ali, não só os do Jece. Neste período, ele se cercava de mistérios, ficava recluso em sua sala e camarim. Não tive acesso a ele e nem fui seu amigo.

Um padre ligeiramente suspeito em "O Torturador"

FPD: Acho "O Torturador", outra parceria sua com o Calmon, uma divertida maluquice. Eu sempre lamento que filmes doidos e divertidos como esse e "O Segredo da Múmia" não sejam mais produzidos no Brasil. Qual sua opinião sobre isso? Será que há espaço para filmes como "O Torturador" nesse nosso cinema pós-Retomada?

AV: Também me divirto com esses filmes irreverentes, engraçados e falsamente escapistas. São surpresas que o tempo vai revelando e fazendo justiça aos seus méritos, muitos deles negados na sua época de lançamento. A atualidade vem marcada pelo escaldante deserto que o Governo Collor nos impôs. Perdemos alegrias, humor. Ganhamos vontade de expressar outros matizes, outras cores, outros olhares. Eu canto baixinho neste momento o samba plataforma de João Bosco, da trilha sonora do filme "Se Segura Malandro", do [Hugo] Carvana:
"Não põe corda no meu bloco
Nem vem com teu carro-chefe
Não dá ordem ao pessoal
Não traz lema nem divisa
Que a gente não precisa
Que organizem nosso carnaval
Não sou candidato a nada
Meu negócio é madrugada
Mas meu coração não se conforma
O meu peito é do contra
E por isso mete bronca
Neste samba plataforma
Por um bloco
Que derrube esse coreto
Por passistas à vontade
Que não dancem o minueto
Por um bloco
Sem bandeira ou fingimento
Que balance e abagunce
O desfile e o julgamento
Por um bloco que aumente
O movimento
Que sacuda e arrebente
o cordão de isolamento."

FPD: Como você se meteu naquela tralha chamada "A Rota do Brilho", de Deni Cavalcanti? Sei que o filme devia ser um policial sério, mas hoje só pode ser visto como comédia involuntária.
AV: Eu não fazia cinema há um tempo, não havia cinema sendo produzido. Estava em Sampa e aproveitava para frequentar a Boca do Lixo, os cinemas underground, a Praça Roosevelt. Fiquei sabendo desta produção e fui lá pedir para fazer. Queria filmar, não julguei méritos e nem currículos. Queria o set, a câmera. Fiz. Faltava isso.

Tomando leite no bar em "A Rota do Brilho"

FPD: Um detalhe divertido sobre "A Rota do Brilho" é que ali tem o Deni, que estava ligado ao cinema erótico, o José Miziara, que dirigiu filmes pornôs, o Marcos Manzano, que era dançarino do Clube das Mulheres. Você não ficou com medo de ficar marcado por aparecer numa produção classe C da Boca do Lixo?
AV: Medo? Eu estava vivendo em Sampa pela primeira vez, conhecendo o que ainda havia de Boca de Lixo, underground, Praça Roosevelt. Trabalhava na Band e conheci outros profissionais, com outras posturas. Adriano Stuart foi um cara que me ensinou a conhecer São Paulo, suas estórias, suas possibilidades. [Ronald] Golias, Miziara, Agnaldo Rayol, Felipe Levy, Moacyr Franco... Era outro mundo. Com ele conheci Toninho Meliande, fotógrafo deste filme, atores que sobreviviam das mais variadas formas e sem glamour. Uma escalada tortuosa e cheia de obstáculos. Mas me treinou.

FPD: Mas acredito que deve ter sido um trabalho curioso para um grande ator estar lado a lado com vários "não-atores", incluindo um integrante do Clube das Mulheres promovido a astro. Como foi a experiência?
AV: O cinema permite que você trabalhe e reúna diversidades e conhecimentos diferenciados. Há experiências bem-sucedidas neste âmbito, como o Neorrealismo Italiano, para ficar num único exemplo. O resultado de um filme sempre sofrerá críticas e reflexões, e para isso são feitos e exibidos. Guardo e comento o que é positivo, o que aprendi, e outros aspectos eu esqueço e/ou deleto. Acredito no panfleto do Luiz Severiano Ribeiro: "Cinema é a maior diversão".

FPD: Fale sobre sua relação com Hugo Carvana como diretor, já que você aparece em quatro filmes dele.
AV: Carvana mantém viva a tradição do cinema popular brasileiro que começou na Atlântida Cinematográfica. Para ele e para mim, Atlântida não é um continente desaparecido. Vamos sempre lá.



FPD: Na sua filmografia dos anos 90 aparecem pelo menos duas co-produções internacionais que hoje são muito difíceis de encontrar: "Boca" (1994), que teria sido produzido pelo norte-americano Zalman King, e "Filhas de Iemanjá" (1995), da finlandesa Pia Tikka. O que pode dizer sobre esses filmes?
AV: Fiz também um filme canadense pretensamente humanitário, "Comme Les Oiseaux Dans Rio", de François Labontè. Em "Boca" eu peguei um diretor americano que não era o Zalman. Ele me curtia e filmamos bem. Tinha a Rae Dawn Chong e um elenco grande nacional, Tarcísio [Meira], [Carlos Eduardo] Dollabella, [José] Lewgoy. Fiz teste para fazer o filme e a filmagem era bem organizada. Ele passa no cardápio dos Telecines. Pude vê-lo duas vezes e me escapa uma consideração substantiva para o que vi, o resultado. É confuso, nunca entendi com clareza para poder determinar coisas aqui e agora. Com a Pia, era um filme de formatura dela lá na Academia Finlandesa, e feito aqui com poucos recursos. Tinha uma poesia inalcançável para nós, brasileiros. Recentemente, participei de "Suriname Gold", um filme americano produzido pela New York University e dirigido pelo brasileiro Paulo H. Tostelines. Muito interessante e muito bem realizado, está em finalização nos EUA.

FPD: O estilo de direção dos estrangeiros era muito diferente do adotado pelos cineastas brasileiros?
AV: É bastante curiosa a relação. Lembro que eles comentavam muito sobre meu trabalho, mas não consegui muita comunicação com eles. Os canadenses eram muito frios, esquemáticos; Pia, um doce e uma mulher linda, glamourosa.

FPD: É bom lembrar que, nessa época negra do nosso cinema (entre 1990-94), era muito difícil até para atores renomados conseguir trabalho em filmes brasileiros, até porque "filmes brasileiros" quase nem existiam. Quais suas lembranças desse triste capítulo da história do nosso cinema?
AV: Atravessamos um deserto escaldante. Eu sofria vendo os colegas buscando sobrevivência em outras frentes e profissões. Parecia que tínhamos sido expulsos de casa. Um triste exílio. Acho estranhíssimo que não se fale mais nisso, não se cobre os valores que sumiram do nosso patrimônio artístico.

FPD: Você sempre teve uma presença muito forte em cena, e é um ator excelente, mas nunca chegou a estrelar uma longa. Você se ressente disso?
AV: Tenho um filme inédito feito recentemente em Gramado como protagonista, "Réquiem para Laura Martin", de Paulo Duarte e Luiz Rangel. Sou protagonista de curtas bem interessantes e premiados: "República dos Ratos", de Beto Mattos (pelo qual recebi o prêmio de Melhor Ator no Festival de Santa Maria/RS), "Madrugada de Inverno", de Carlos Alberto Sozza (prêmio de Melhor Ator no Festival de Mogiguaçu/SP), "O Coração de Dom Quixote", de Nina Tedesco, onde faço Dom Quixote, "Brilho da Noite", de Emiliano Ribeiro, "Copa Mixta", de José Joffily, "Herois", de Miguel Oniga...


Veja o curta "Madrugada de Inverno"



FPD: Poderia falar mais sobre "Réquiem para Laura Martin"?
AV: Sou apaixonado pelo roteiro do Paulo Duarte. "Réquiem para Laura Martin" narra um pacto sinistro e afetivo entre um Maestro e sua musa. Um criador complexo, um artista que dirige sua vida como uma orquestra. Dá ritmos a fatos e conduz intenções subversivas no cotidiano de suas relações com as pessoas que o cercam, como se fossem instrumentos que ele domina. Um filme de respiração, de fôlego autoral. Filmamos tudo na europeia Gramado, num clima frio e em paisagens deslumbrantes. Fomos capturados pelo filme que resulta desses dias e de uma finalização que o Paulo Duarte orquestrou em sua produtora em São Paulo. Gosto demais deste espetáculo. O produtor Fernando Muniz está trabalhando seu lançamento e distribuição. Em festivais distintos, no Brasil e em Madrid, ganhamos prêmios de trilha sonora, direção e melhor atriz (Cláudia Alencar, em atuação inspiradíssima).

FPD: Você parece ter uma bela relação com o Rio Grande do Sul.
AV: Amo o Rio Grande do Sul. É a "Europa" que vou sempre. Adoro a cultura e aquela gente gaúcha. Já percorri muitas cidades, conheço a serra, o interior, o centro e algumas fronteiras. Me surpreendo sempre por lá. Fiz um filme ["O Carteiro"] com Reginaldo Farias em Vale Vêneto - uma Xangri-Lá Italiana, fica na Quarta Colônia, um lugar extraordinário! As ruas não têm nomes e as casas não têm números. Fomos felizes nesta terra. Tenho parcerias lindas por lá com gente de cinema, cultura, teatro, grandes amigos e amores eternos. Filmei "República dos Ratos" em Porto Alegre com Beto Mattos, fui homenageado nacional do FLO - Festival do Livre Olhar, da Biah Werther e equipe. Fui premiado em Santa Maria com o Troféu Vento Forte de Melhor Ator, e dou workshops patrocinados pelos SESC do Rio Grande do Sul. Montei "O Último Carro de João das Neves" em São Leopoldo, no Festival SESC Aldeia Capilé. Fui diversas vezes ao Festival de Gramado, e tenho projetos naquela área bem significativos para breve.

FPD: Em quase 40 anos de carreira, você interpretou inúmeros vilões, uma múmia, um travesti, policiais corruptos e bonzinhos... Qual desses papeis foi o mais difícil, e que personagem você ainda não fez no cinema, mas adoraria fazer?
AV: Gosto muito do personagem "O Maestro", do longa "Réquiem para Laura Martin". Um artista, um criador complexo, delicado, que exigiu extrema verdade para fazê-lo. Gostaria de fazer o João do Rio, personagem que interpretei na peça de Aguinaldo Silva "Isadora Duncan - É Dançando que a Gente se Aprende". João é um figura extraordinária, um autor, um dândi.

FPD: Em sua opinião, qual foi o ponto alto da sua carreira, e por quê?
AV: Fazer Ricardo III no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, na íntegra, os cinco atos. Que texto, que personagem, que privilégio que o Antonio Pedro Borges me concedeu!


Veja o curta "O Coração de Dom Quixote"



FPD: Qual o seu trabalho preferido no cinema?
AV: Gosto muito de "O Coração de Dom Quixote". Viver este mitológico personagem é uma vibração fortíssima. Ele é um tesouro da humanidade, um brilho eterno de um autor fantástico.

FPD: E qual filme você gostaria de apagar da sua filmografia?
AV: Nenhum.

FPD: Com qual diretor brasileiro você gostaria de trabalhar ou de ter trabalhado?
AV: Muitos. Todos. Cada filme bem dirigido me desperta este desejo. Gosto muito de trabalhar com jovens diretores que estão despontando. Vou filmar com alguns em breve. Júlia Cruz está na mira!

FPD: Lembra qual foi o último bom filme que viu da recente safra?
AV: Eu sou apaixonado pelo "Réquiem para Laura Martin", esse filme não me sai da retina!

Durante as filmagens de "Réquiem para Laura Martin"

FPD: O que você está fazendo hoje e quais são os seus projetos futuros?
AV: Vou dirigir, a convite do Núcleo de Cinema da Bahia, o curta "Alô Boys" em Maracangalha, Bahia. Estou filmando com Carvana "A Casa da Mãe Joana 2". Tenho convite para "Lampião - O Filme", de Bruno Azevedo, e "Um Longo Inverno", de Marco Schiavon. O livro "Comédia, A Arte da Irreverência" [capa abaixo], em parceria com a jornalista Raquel Villela, é um projeto de cinco anos de estudos e pesquisas que complementam um overview sobre a comédia, os fatos e os tempos, teoria e prática da engenhosidade da comédia - um compêndio sobre a comédia. Estamos lançando pelo país, e parte dele integrou um livro russo de vários autores. Continuo no "Zorra Total", defendendo essas ideias todas. Desenvolvo uma parceria com o Maestro Mateus Bruno, regente da OSB Jovem [Orquestra Sinfônica Brasileira], e vamos trabalhar unindo teatro e sinfonias. Dirijo o show da [cantora e atriz] Bia Sion e promovo encontros criativos num curso livre na Escola de Teatro Martins Pena, onde estou há 24 anos. Viajo em parceria com o SESC do Rio Grande do Sul, desenvolvendo trocas culturais. E, quando posso, vou pescar na praia.


FPD: Qual sua relação com o programa humorístico "Zorra Total"? Muita gente lamenta ver um grande ator como você no cast de um programa tão popular, mas você parece gostar muito do que faz ali.
AV: O "Zorra" é um humor que vem da tradição do circo. Uma audiência incrível, une "Brasis" nas noites de sábado! Minha infância foi aprender a amar o circo, eu ia sempre e meus pais amavam também. Cresci com o perfume do picadeiro, internalizei a irreverência dos clowns. Trabalhei cinco anos com um clown genial, um dos maiores do mundo, Ronald Golias, e com ele e por ele com um grande elenco de artistas populares. Na adolescência, via os filmes da Atlântida e Herbert Richers. Conheço muito, com grande intimidade, os trabalhos de Oscarito, Ankito, Grande Otelo, Wilson Grey, Anselmo Duarte, Violeta Ferraz, Zé Trindade, José Lewgoy e também o grande Mazzaropi e seu inesquecível Jeca. Trabalhei com Adriano Stuart e Walter Stuart, de origem circense, e com eles aprendi muito. Trabalhei com Vic Militello, também de família de circo, e com ela, somados a Antonio Pedro, Alexandre Regis, Luca de Castro, Claudia Borionni, Lafayete Galvão e tantos outros, aprendi a trabalhar os dramalhões do circo-teatro. Criamos uma escola de circo-teatro que fez grande sucesso no Rio, o "Terror na Praia". Anos em cartaz com teatro de repertório e shows de variedades. Cheguei ao "Zorra" por aí e me sinto em casa lá. Estou desde o início do programa, há 13 anos. Estudei muito, anos e anos, o trabalho dessa gente e de nossos colegas antepassados. Por isso tive o intento de escrever um livro, com a Raquel Villela, para dar respostas a este incrível preconceito contra o humor popular, a comédia. O papel da comédia é altamente relevante para o desenvolvimento humano, social e político. É a maior arma contra o autoritarismo e pedantismo intelectual. Tenho e sinto o maior orgulho de ter feito dupla cômica com meu ídolo de infância, adolescência, maturidade e da velhice que virá: Ronald Golias!

FPD: Para terminar, sei que são mídias completamente diferentes, mas hoje você prefere trabalhar com cinema ou TV?
AV: Gosto muito de trabalhar, atuar, dirigir... tudo e em todas! Sou um fominha de bola, como se diz nas peladas. Tenho muitas recordações do futuro, meus filhos lindos, minha amada Cristiana, meus amores todos. Muita vontade de aprender sobre a vida e a arte. Espero conseguir.


PS: Por último, mas não menos importante, gostaria de deixar os meus sinceros agradecimentos à lenda viva Anselmo Vasconcellos pelas respostas e pela atenção. Parabéns pelos 60 anos de vida e também pelos quase 40 de carreira (que serão oficialmente contabilizados em 2013). E que continue nos surpreendendo com suas interpretações únicas e personagens exóticos e imortais!