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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A GUERRA DOS NINJA (1982)


O passado do Japão é repleto de guerras e intrigas - a bem da verdade, como o passado de toda nação que se preze. Da metade do século 15 até o início do século 17, desenrolou-se por lá o período batizado Sengoku, ou "Era dos Reinos Combatentes", marcado por inúmeras revoluções, traições, intrigas políticas e batalhas sangrentas. O período Sengoku levaria à unificação do poder político sob o comando do shogun Tokugawa. Mas, antes disso acontecer, muito sangue rolou.

A GUERRA DOS NINJA (o título em português é assim mesmo, com plural e singular) é uma impressionante fábula épica produzida pela Toei Company no início dos anos 1980. A história se passa justamente no período Sengoku.


Mas, além das revoluções, trações, intrigas políticas e batalhas sangrentas narradas nos livros de história, o filme também toma algumas, digamos, "liberdades poéticas", introduzindo na história real elementos como samurais voadores com poderes sobrenaturais (inclusive mortíferos disparos de vômito!!!), trocas de cabeças decepadas e ressurreições mágicas, poções afrodisíacas e até um sujeito que dispara dardos pelos olhos!!!

Resumindo: é mais um daqueles FILMES PARA DOIDOS que me fazem ficar pensando no que diabos tem na água que os japoneses bebem...


Menos uma aventura de pancadaria e mais uma fábula "artística" no estilo dos recentes "O Tigre e o Dragão" e "O Clã das Adagas Voadoras" (embora "filme de arte" com vômito mortífero seja muito mais divertido!), A GUERRA DOS NINJA foi baseado na história do Japão, mas também num livro de Fûtarô Yamada, "Iga Ninpōchō", publicado originalmente em 1964.

Yamada era especialista nessas fábulas com ninjas e samurais usando poderes mágicos, e o mesmo livro deu origem a um mangá mais recentemente. Eu, na minha quase ignorância em relação à cultura oriental, classificaria tanto a história quanto o filme como "Wuxia", um gênero da ficção chinesa encontrado em livros, filmes, quadrinhos e artes em geral, e que narra histórias de heróis e batalhas reais misturando-as com elementos fantásticos, como guerreiros que voam ou usam magia.


Entretanto, sites muito mais especializados no negócio do que eu afirmam que não se encaixa como Wuxia, embora a trama de A GUERRA DOS NINJA também misture personagens e acontecimentos reais com aquelas maluquices típicas das aventuras orientais. Na dúvida, vamos deixar a questão em aberto...

Para entender o filme, é preciso antes fazer um intensivão de cultura japonesa. Na "versão oficial" dos livros da história de lá, existe a figura de um conspirador chamado Hisahide Matsunaga, que, aliado ao clã Miyoshi, tramou o assassinato do shogun Ashikaga para chegar ao poder. Depois, aliou-se a Oda Nobunaga para eliminar os ex-companheiros do clã Miyoshgi, e finalmente, para ficar com o poder só para ele, declarou guerra ao próprio Nobunaga, quando foi vencido.


Sabendo que o rival iria ficar com a sua cabeça decepada como troféu, e também com seu valioso pote para fazer chá (chamado "Hiragumo", ou "Pote da Aranha"), o ardiloso Matsunaga resolveu cometer suicídio, mas ordenou que os servos depois cortassem sua cabeça, colocassem no tal pote e explodissem ambos com pólvora. Assim foi feito, privando o vencedor Nobunaga de seus troféus e garantindo uma saída de cena em alto estilo para Matsunaga!

(Viram só? FILMES PARA DOIDOS também é cultura!)



Vários dos elementos dessa história inacreditável, das conspirações de Matsunaga contra o clã Miyoshi ao tal pote de chá Hiragamu, aparecem em A GUERRA DOS NINJA. O livro de Yamada foi adaptado para o cinema por Ei Ogawa.

No filme, Hisahide Matsunaga virou Danjo Matsunaga (interpretado por Akira Nakao), e seu conflito com o clã Miyoshi começa por causa de uma mulher (claro!), a bonita Ukyodayu (Noriko Watanabe), que é a jovem noiva do mas velho dos Miyoshi (Noboru Matsuhashi, de "Portal do Inferno").


Sabendo que nunca poderá tê-la pelos "meios oficiais", Danjo apela para o famoso e maligno feiticeiro Kashin Koji (Mikio Narita, de "Mensagem do Espaço"). O bruxo tem a receita para uma mirabolante fórmula afrodisíaca que fará com que a bela Ukyodayu fique caidinha por Danjo. O único problema é que a tal fórmula é um pouquinho, digamos, complicada de preparar.

Menos mal que o feiticeiro empresta a Danjo seus cinco capangas, uns monges demoníacos que usam chapelões, voam, têm poderes mágicos bizarros (como o tal disparo de vômito mortífero) e podem ter sido a inspiração para personagens bem parecidos em "Os Aventureiros do Bairro Proibido", de John Carpenter.


Além de dez tipos de ervas raras e do famoso Pote da Aranha, o afrodisíaco requer lágrimas da pretendente para funcionar. Sabendo que jamais conseguirá chegar tão perto de Ukyodayu para obter essa parte da receita, Danjo manda os cinco monges voadores sequestrarem Kagaribi, que é a irmã gêmea bastarda de Ukyodayu (interpretada pela mesma atriz).

Kagaribi, por sua vez, está apaixonada pelo jovem ninja Jotaro (Hiroyuki Sanada, o professor Takayama da série "Ringu"). O rapaz até já lhe ensinou alguns truques ninjas, como o de cortar bambu com as mãos nuas, soltando uma espécie de raio laser azulado com os dedos (!!!).


O idílio romântico dos dois no meio de um bosque é interrompido com a chegada dos monges voadores. Jotaro é imobilizado pelo vômito mortífero de um dos bruxos (e vocês nem imaginam o quanto eu rio aqui sozinho toda vez que escrevo isso "vômito mortífero").

A meleca atinge o rosto do pobre rapaz e se solidifica. Faça um favor a si mesmo e veja essa cena, no vídeo abaixo!

Como vencer um ninja usando vômito



Enquanto Jotaro sofre com vômito duro na cara (!!!), os monges levam Kagaribi até o palácio de seu chefe. Danjo pretende estuprar a garota para poder recolher suas lágrimas. Mas, prevendo seu triste destino, Kagaribi prefere cometer suicídio, cortando a própria cabeça (!!!) com o truque da mão de raio laser (!!!).

E a coisa não acaba por aqui. Acontece que os monges malvados conhecem um truque bizarrísimo para ressuscitar os mortos: eles decepam a cabeça de uma criada de Danjo e simplesmente trocam as cabeças das garotas - o corpo de Kagaribi fica com a cabeça da pobre criada, e vice-versa!!! Assim eles conseguem estuprar o corpo de Kagaribi e recolher as lágrimas necessárias para o feitiço.


Aí os problemas recomeçam: deixado esquecido num canto, o corpo da criada com a cabeça de Kagaribi desperta, rouba o Pote da Aranha com a poção afrodisíaca dentro e foge de encontro a Jotaro.

A garota é eventualmente morta, enquanto o jovem ninja passa a ser caçado implacavelmente pelos monges voadores e resolve proteger a fórmula com sua própria vida para que Ukyodayu não seja enfeitiçada - e porque ele simplesmente não joga fora o maléfico afrodisíaco e se livra dos problemas é algo que foge à minha compreensão!


Como deve ter ficado claro pelo resumo, A GUERRA DOS NINJA é uma coleção de belíssimas imagens - ora violentas, ora coloridas, ora românticas, ora acachapantes -, e também dessas maluquices tipicamente orientais, como corpos decapitados que ficam de pé jorrando sangue como um gêiser.

A trama é naturalmente absurda, mas se leva a sério, com pouquíssimo humor (sem contar, é claro, o humor involuntário). Portanto, não é todo mundo que vai embarcar e engolir o excesso de absurdos, principalmente porque uma maluquice logo vem seguida de outra ainda pior. Mas o clima de estranheza deve passar depois dos 15 minutos iniciais, que já bombardeiam o espectador com toda sorte de bizarrices; quem conseguir sobreviver a isso, vai encarar até o final (trágico, porém poético) numa boa.


Na verdade, é miraculoso que o diretor Kôsei Saitô (um veterano que fez pouquíssimos filmes) tenha conseguido realizar uma aventura interessante com base numa trama tão trágica e deprimente, em que personagens inocentes são mortos cruelmente a todo momento (o destino da pobre Kagaribi é notavelmente perverso).

As cenas de ação e de luta são bem filmadas e particularmente bem coreografadas pelo astro Sonny Chiba, que aparece num pequeno, mas importante papel (entrando em cena apenas no começo e na conclusão).


E o roteiro também inclui outras particularidades históricas do passado do Japão, como o incêndio criminoso do Templo Budista de Nara (que realmente aconteceu em 1567, e foi atribuído a Matsunaga, no filme e nos livros de história), ou a presença de Hattori Hanzo, um famoso ninja do século 16 que já foi usado como personagem em diversos filmes, inclusive em "Kill Bill", de Quentin Tarantino (então interpretado por Sonny Chiba).

Originalmente batizado "Iga Ninpôchô" (Guerras Ninjas), como o livro em que se baseia, o filme ganhou todo tipo de título em seus lançamentos comerciais no Ocidente, de "Black Magic Wars" até "Death of a Ninja".


No Brasil, foi distribuído em VHS pela Transvídeo como A GUERRA DOS NINJA e saiu numa época ingrata, em que aquelas aventuras ocidentais com ninjas (tipo "American Ninja" e "Ninja - A Máquina Assassina") faziam sucesso nas locadoras.

Deve ter sido um choque para muita gente que alugou a fita imaginando que veria um filme de ação "comum", deparando-se então com essa fábula maluca e mórbida. Felizmente, só o vi "depois de velho"; fico imaginando o estrago que algumas imagens fariam na minha cabeça de moleque.


E ironicamente, apesar do título, um único ninja com aquela tradicional roupinha preta e mascarado aparece no filme... e durante uns 10 segundos, no máximo!

Tudo considerado, A GUERRA DOS NINJA é um pouco difícil de acompanhar, principalmente para um pobre ocidental que desconhece a cultura e a história do Japão (essas explicações todas que você encontrou de lambuja aqui na resenha eu tive que pesquisar na internet DEPOIS de ver o filme).


Mas é um filme que eu recomendo fortemente apenas pelo clima mágico/fantástico, e por cenas belíssimas como a dos jovens Jotaro e Kagaribi no bambuzal antes da encrenca começar, ou da cabeça decapitada que cai girando por causa do chapelão que o finado usava no momento da morte.

São imagens tão bonitas (mesmo quando fortes e sangrentas) e hipnóticas que acho que eu veria o filme até sem legendas, descartando os diálogos em prol do visual. Porque, no fundo, essa é uma daquelas aventuras cujo charme é justamente a esquisitice, e não a trama propriamente dita - na linha do incompreensível "Duna", de David Lynch.


Claro, sempre vai aparecer um daqueles malas reclamando que A GUERRA DOS NINJA é muito "surreal" com suas trocas de cabeças, vômitos mortíferos e ninjas voadores. Ironicamente, às vezes são os mesmos caras que aceitam numa boa os filmes ocidentais de super-heróis, em que a picada de uma aranha radioativa faz alguém escalar paredes e lançar teias, ao invés de morrer contaminado.

Ou então pessoas que aceitam numa boa um certo livro muito mais fantasioso chamado "Bíblia Sagrada", que tem pessoas caminhando sobre as águas, cobras falantes e um sujeito que vive dias dentro da barriga de uma baleia.

Comparando com isso tudo, A GUERRA DOS NINJA até parece bem menos absurdo...

Trailer de A GUERRA DOS NINJA



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Iga Ninpôchô / Ninja Wars (1982, Japão)
Direção: Kôsei Saitô
Elenco: Hiroyuki Sanada, Noriko Watanabe, Jun Miho,
Yuki Kazamatsuri, Mikio Narita, Noboru Matsuhashi,
Hiroshi Tanaka, Sonny Chiba e Akira Nakao.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

BODIGAADO KIBA (1973) e THE BODYGUARD (1976)


Hoje voltamos com mais uma exclusiva Sessão Dupla aqui no FILMES PARA DOIDOS, e trazendo um caso curioso: as versões oriental e ocidental do filme "O Guarda-Costas", estrelado por Sonny Chiba, sendo que apenas a última (e mais fraquinha) foi lançada no Brasil.

Por que "caso curioso"? Já explico: em 2006, publiquei no meu extinto Multiply (alguém ainda usa essa joça?) uma resenha mal-humorada sobre o filme, baseada num DVD pra lá de fuleiro distribuído no país pela Kives.

E, como sempre digo, vai chegar o dia em que os fãs de cinema perceberão o completo desserviço que são esses DVDs fuleiros e piratex lançados em larga escala por aqui. O argumento do "Ah, pelo menos estão lançando clássicos inéditos" não cola mais como desculpa para justificar produto porco nesses tempos de download.


Acontece que o disquinho da Kives tem imagem em fullscreen e com qualidade de VHS, tão ruim, mas tão ruim, que torna-se praticamente impossível entender qualquer coisa que acontece nas cenas de luta. E foi nessa edição lamentável que embasei minha resenha de então.

Só recentemente arranjei uma cópia de qualidade para rever, e parecia que estava assistindo um outro filme (como aconteceu com o western "Sete Dólares para Matar", cujo DVD nacional também é um lixo).

Só para terem uma idéia da "qualidade" do tal DVD nacional, e de quanta informação se perde pelo fato do filme estar em tela cheia, comparem as imagens abaixo (a primeira, em fullscreen e cores lavadas pela ripagem de VHS, é do disco da Kives; a segunda, em widescreen e super-nítida, é do DVD importado).


Lá em 2006, quando escrevi sobre o filme, eu ainda nem sabia que "The Bodyguard" era a versão ocidental do filme japonês "Bodigaado Kiba" (1973), devidamente cortada e "adaptada" para o mercado norte-americano, onde estreou em 1976. Curiosamente, até hoje nem o IMDB sabe disso (os filmes não estão linkados na opção Movie Connections).

Com ambos os filmes em mãos, pude finalmente assistir e comparar as diferenças entre eles, conforme você vai acompanhar a partir de agora:


BODIGAADO KIBA (1973)


Sonny Chiba é uma lenda viva do cinema oriental de pancadaria. Fez mais de 120 filmes, estrelou grandes sucessos de bilheteria e hoje é um ídolo cult, embora sua participação no cinema, dos anos 90 para cá, tenha se relegado a pequenas participações em filmes como "Battle Royale 2".

Um de seus fãs, o cineasta Quentin Tarantino, fez questão de prestar homenagem a Chiba mais de uma vez: em "Amor à Queima-Roupa" (roteiro dele dirigido por Tony Scott), o personagem principal assiste uma sessão tripla da franquia "The Street Fighter" (grande sucesso do ator) no cinema; mais tarde, incluiu o próprio Chiba no papel de Hattori Hanzo em "Kill Bill - Volume 1" - sendo que o ator já havia feito um personagem com este nome num seriado de TV dos anos 80.

Uma das características de Chiba é que seus heróis sempre foram mais brutais e menos simpáticos, daquele tipo que mata com os punhos e sem pensar duas vezes; em alguns filmes, ele exibe um olhar mais mal-encarado do que o dos próprios vilões, e talvez por esse motivo Chiba acabou interpretando vários papéis de vilão no cinema.


BODIGAADO KIBA é de 1973, portanto veio antes da famosa série "The Street Fighter" e também de outros sucessos do ator (como "The Executioner"). Dirigido por Tatsuichi Takamori e escrito por Ryuzo Nakanishi, o filme começa com um bandidão sendo executado, junto com a família e os guarda-costas, ao sair de uma igreja. Os responsáveis são perigosos assassinos da Máfia.

Corta para o mestre de artes marciais Naoto Kiba (Chiba) dando uma demonstração de seus poderes mortais ao impedir o sequestro de um avião por terroristas. Kiba é tão foda que enfrenta homens armados com revólveres e consegue matá-los com as próprias mãos. Um deles chega a cuspir os dentes da frente, ainda presos pelas gengivas!!! Os créditos iniciais do filme se desenrolam durante a pancadaria.


De volta ao Japão, o herói é recebido com honras e entrevistado por diferentes emissoras de TV, quando revela que seu "ato de heroísmo" na verdade foi a forma que encontrou para fazer auto-divulgação. Em rede nacional, Kiba afirma que é a segunda única pessoa do mundo a dominar uma técnica mortífera de karatê chamada "Tesshinkai", e que está alugando seus punhos como guarda-costas. (A outra pessoa que domina a técnica é o velho mestre do herói, Daito Tetsugen, famoso por ter matado um touro furioso com as próprias mãos!)

Numa cena ótima, nosso herói dá uma demonstração do seu dom ao arrancar o gargalo de uma garrafa de Coca-Cola com um único golpe de mão aberta!!!


À noite, enquanto conversa com a irmã Maki e se lembra do treinamento com o mestre Tetsugen, Kiba é procurado por uma garota muito suspeita que o contrata como guarda-costas, alegando que está sendo perseguida por mafiosos. Mesmo sem saber nada sobre ela, o herói aceita o trabalho.

Depois que Maki é agredida e quase morta pelos mesmos assassinos da Máfia da cena inicial Kiba passa o restante do filme acompanhando sua cliente para cima e para baixo, até descobrir que entrou numa furada: a garota era amante do bandidão executado na cena inicial, e também a única pessoa que sabe onde está uma carga milionária em heroína que é cobiçada por um montão de personagens.


A partir de então, BODIGAADO KIBA começa a ficar mais complicado do que o necessário. As poucas cenas de ação são separadas por longos momentos de conversa fiada em que são apresentados os outros personagens, basicamente quadrilhas rivais de bandidos que também cobiçam a fortuna em entorpecentes.

Em determinado momento, os criminosos começam a matar uns aos outros, e Kiba, pego no meio do fogo cruzado, precisa revidar, usando os punhos para dar cabo dos vilões que continuam vivos.

Quem espera ver lutas mirabolantes vai se decepcionar, pois, além das cenas de ação serem poucas, o herói interpretado por Chiba mata todos os seus oponentes de primeira usando seus golpes mortais, com requintes de crueldade que vão de olhos perfurados com os dedos a braços torcidos até a inevitável fratura exposta.


Mas o confronto final de Kiba com os bandidos sobreviventes à beira do mar é bem-filmado e bastante climático, graças à música de Toshiaki Tsushima (que muitas vezes lembra uma trilha de western spaghetti) e aos absurdos malabarismos do protagonista, que desvia machadinhas e facas com os pés e parte um rifle ao meio com uma única voadora!

É preciso relevar o exagero das cenas de ação e o estrago provocado pelos golpes de Chiba, algo que não é exclusividade desse filme aqui: em várias produções posteriores, as mãos do herói são tão poderosas que seus socos são capazes de arrancar os olhos do oponente das órbitas ("Return of the Street Fighter") e até costelas ("The Executioner")! Ou seja, Sonny Chiba desarmado é mais perigoso que um tiro de bazuca, e no filme a moça que ele protege chega a comentar: "Como é que mãos tão bonitas podem ser armas letais?".


Apesar de não ter achado BODIGAADO KIBA um grande filme, há algumas coisas bem interessantes: Chiba aparece com sua tradicional expressão de mal-encarado, quase como um anti-herói (é hilária a cena em que ele usa o braço decepado de um dos vilões como arma, jogando-o contra outro comparsa!).

E há algumas boas idéias perdidas num roteiro chinfrim, como um cadáver sendo usado para camuflar as drogas (detalhe copiado em dezenas de outros filmes, inclusive o recente "Os Bad Boys 2"). Também é ótima a cena em que assassinos da Máfia se escondem no interior de um sofá para tentar pegar sua vítima de surpresa - é bem legal ver adagas brotando do interior do sofá e depois os sujeitos saindo dali de dentro!


Pena que Sonny Chiba apareça muito pouco em ação e que o roteiro prefira ficar enrolando com uma trama policial fraquinha. BODIGAADO KIBA pode até não ser um dos melhores filmes do astro, mas esta versão oriental é bem melhor que o "corte norte-americano", sobre o qual falaremos agora...


THE BODYGUARD (1976)


Três anos depois de "Bodigaado Kiba", o famoso produtor norte-americano Terry Levene resolveu aproveitar o sucesso que os filmes de artes marciais estavam fazendo nos Estados Unidos: adquiriu os direitos sobre a obra de Tatsuichi Takamori e preparou a famigerada "U.S version", rebatizada THE BODYGUARD, ou "O Guarda-Costas", como foi lançada no Brasil.

Pode parecer estranho hoje, mas o picareta Levene era famoso por picotar as versões originais de filmes estrangeiros para poder lançá-las nos Estados Unidos. Lançou, por exemplo, o terror italiano "Zombie Holocaust", de Marino Girolami, com o título "Dr. Butcher M.D.", e uma sequência de abertura totalmente diferente, editada a partir de cenas de arquivo de um outro projeto que não deu certo!


Enfim, nosso nobre Levene colocou suas mãos em "Bodigaado Kiba" e resolveu, inicialmente, cortar o excesso de diálogos; depois, a última cena (!!!); e, para completar, todas as referências ao fato do personagem de Chiba ser mestre de uma técnica desconhecida de karatê. Aliás, Chiba, em THE BODYGUARD, não interpreta Naoto Kiba, mas sim ele mesmo, Sonny Chiba!!! No total, foram eliminados cinco minutos de cenas do filme japonês.

Talvez achando que o filme não estava "americanizado" o suficiente, o produtor chamou um diretor de araque chamado Simon Nuchtern para filmar algumas cenas adicionais em Nova York (???), mostrando prédios, ruas e transeuntes que, desavisados do que acontecia, ficam o tempo todo olhando para a câmera ou correndo para fora do quadro.


Nuchtern também filmou uma cena gratuitíssima numa escola de artes marciais, onde vemos uma demonstração fuleira dos talentos de dois campeões americanos de karatê, Aaron Banks e Bill Louie, interpretando eles mesmos. Para justificar tal imbecilidade, um deles fala "Vou mostrar como Sonny Chiba faz", antes de dar umas porradas nuns figurantes de quimono!!!

Só depois da "demonstração" dos convidados especiais (que deviam ser super-famosos na época do lançamento do filme, mas hoje ninguém mais lembra quem são) é que entram as cenas de "Bodigaado Kiba" reeditadas por Victor Zimet.


Ah, quase esqueci: THE BODYGUARD começa com outra loucura inventada por Levene: uma passagem bíblica romanceada de "Ezequiel 25:17" que depois seria inteiramente chupada por Tarantino em "Pulp Fiction" (é a citação recitada pelo personagem de Samuel L. Jackson). Só que, ao invés de "...and you will know my name is the Lord", o letreiro do filme diz: "...and they shall know that I am Chiba, The Bodyguard"!!! Bizarro...

(Vale destacar que esse texto, reaproveitado por Tarantino, não existe na Bíblia. Se vocês procurarem Ezequiel 25:17 nas escrituras, encontrarão apenas esse trechinho: "E executarei sobre eles grandes vinganças, com furiosos castigos, e saberão que eu sou o SENHOR, quando eu tiver exercido a minha vingança sobre eles")


Como esta versão norte-americana eliminou todas as referências ao "Tesshinkai" e ao mestre do personagem de Chiba, as cenas de treinamento que eram mostradas em flashback em "Bodigaado Kiba" aqui foram reutilizadas para os créditos iniciais.

A trama continua com o sequestro do avião, mas os diálogos dublados em inglês mudaram um pouco a situação: não é mais um grupo terrorista qualquer, mas sim traficantes em busca do próprio Sonny Chiba, que resolve a situação do seu jeito.

Em seguida, na entrevista coletiva (a edição norte-americana reduziu bastante esta cena), ao invés de falar sobre o "Tesshinkai", Chiba explica que pretende exterminar todos os traficantes de drogas do Japão (!!!), e para isso oferecerá seus serviços a qualquer um que esteja sendo ameaçado por eles. Quando ele arrebenta o gargalo da garrafa de Coca-Cola com um único golpe, por exemplo, diz: "É isso que vou fazer com os traficantes"!!!


A partir de então, a história continua idêntica a "Bodigaado Kiba", apenas com uma dublagem atroz em inglês e alguns cortes pouco importantes em cenas de diálogos. As pancadarias e tiroteios, porém, permanecem intactos.

Uma outra mudança importante de THE BODYGUARD em relação ao original é que Levene cortou a cena final: o filme termina logo que acaba o duelo de Chiba com os vilões na praia. Na versão japonesa, havia ainda algumas cenas alternativas mostrando uma nova coletiva de imprensa do herói, em que ele explicava que continuaria levando sua técnica mortal de karatê para o resto do mundo. A personagem da irmã do protagonista também reaparecia rapidamente, o que não acontece na "U.S. Version" (fotos abaixo).


(Só para constar, THE BODYGUARD termina com 1h28min e sem créditos finais, nem mesmo um "The End". O filme original tem 1h27min. Ou seja: Levene e sua turma cortaram 5 minutos do original, mas adicionaram 6 minutos de encheção de linguiça no lugar! Dá pra entender?)

Mesmo que as diferenças entre as duas versões sejam relativamente pequenas, continuo preferindo a original japonesa. Não consigo engolir aquela cena estúpida com Aaron Banks e Bill Louie em THE BODYGUARD, muito menos as bisonhas cenas em que a câmera apenas passeia pelas ruas de Nova York. Não gosto da dublagem em inglês e muito menos da desculpa fuleira encontrada para colocar Sonny Chiba lutando "contra o tráfico de drogas".

Mas, na essência, "Bodigaado Kiba" e THE BODYGUARD são o mesmo filme. Sonny Chiba fez coisas bem melhores depois, mas para quem tiver curiosidade de conhecer este, sugiro começar pela versão original japonesa. A única coisa legal da edição norte-americana é a falsa citação bíblica na introdução.



E fica a mesma recomendação que fiz no Multiply em 2006: fique longe do DVD nacional, pois o enquadramento que corta os lados das cenas, mais a imagem horrível de VHS, não permitem que se entenda nada do que está acontecendo nas cenas de luta!

Ah, como última curiosidade, compare essas duas imagens, retiradas respectivamente de "Bodigaado Kiba" e "The Bodyguard": aquela velha história de que os japas trocam o "R" pelo "L" é verdadeira, como revela o "Salbadole Locco" na manchete do jornal na versão japonesa!!!


PS 1: As fichas de ambos os filmes no IMDB são uma bagunça e mais confundem do que esclarecem. Na de "Bodigaado Kiba", são creditados apenas quatro atores sem identificar o nome do personagem que interpretam, e não há nenhum link para "The Bodyguard" em Movie Connections. Na ficha da versão norte-americana, além de Simon Nuchtern, outro diretor e roteirista japoneses são creditados (respectivamente Ryuichi Takamori e Ikki Kajiwara), mas eles não têm absolutamente nada a ver com o filme (enquanto os responsáveis pelo original sequer são mencionados); já os atores Sue Shihomi e Jiro Chiba, que segundo o site estão no elenco, nunca dão as caras, em nenhuma das versões do filme. O IMDB também inventou que o "título original" (hein?) da versão ianque é "Karate Kiba"! E, como confusão pouca é bobagem, o site informa que existe uma continuação (???) do filme japonês chamada "Bodigaado Kiba: Hissatsu Sankaku Tobi", feita no mesmo ano de 1973 e com o mesmo elenco e equipe técnica. Aparentemente, é apenas um cadastro repetido do próprio filme original...

PS 2: Alguém sabe se o "Bodigaado Kiba" que Takashi Miike dirigiu em 1993 tem alguma coisa a ver com o filme de Sonny Chiba?

Trailer de O GUARDA-COSTAS



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Bodigaado Kiba (1973, Japão)
Direção: Tatsuichi Takamori
Elenco: Sonny Chiba, Mari Atsumi, Eiji Go,
Rinichi Yamamoto, Yasuoka Rikiya, Hatsui
Tonoka, Yayoi Watanabe e Hideo Murota.

The Bodyguard (1976, EUA/Japão)

Direção: Simon Nuchtern e Tatsuichi Takamori
Elenco: Sonny Chiba, Mari Atsumi, Eiji Go,
Rinichi Yamamoto, Yasuoka Rikiya, Hatsui
Tonoka, Aaron Banks e Bill Louie.