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sexta-feira, 5 de abril de 2013

Django em quadrinhos!


Desde o começo de 2013, o FILMES PARA DOIDOS publicou 14 resenhas sobre as aventuras oficiais e não-oficiais de Django, além de uma análise geral do universo deste personagem que apareceu pela primeira vez em "Django" (1966), de Sergio Corbucci. Mas a MARATONA VIVA DJANGO! não estaria completa sem falar de uma página esquecida da trajetória do personagem: a sua breve passagem pelas histórias em quadrinhos, que aconteceu... apenas no Brasil!!!

Até hoje eu acho incrível que os italianos nunca tenham pensado em criar uma revista em quadrinhos com aventuras de Django, sendo eles os pais do western spaghetti e do próprio personagem, além de ávidos criadores e leitores de "fumetti" (nome dado aos quadrinhos por lá). Sem contar que eles são especialistas em HQ de bangue-bangue, e criaram personagens famosos como "Tex", "Zagor" e "Ken Parker". Bem, o caso é que enquanto os carcamanos dormiam no ponto, a honra de transpor Django para os quadrinhos coube aos brasileiros, e mesmo assim durante pouquíssimo tempo (apenas duas edições).


A história das histórias em quadrinhos do Django começa em 1981, quando o desenhista argentino naturalizado brasileiro Rodolfo Zalla fundou a Editora D-Arte (ele teve um estúdio com este nome nos anos 60-70, através do qual desenhava trabalhos para outras editoras, mas sempre sonhou em entrar para o ramo). Rodeado de outros célebres desenhistas, como Eugênio Colonnese, Luís Meri e Rubens Cordeiro, Zalla resolveu investir na publicação de duas revistas com quadrinhos 100% nacionais.

Uma delas dispensa maiores apresentações: era a "Calafrio", clássica revista com histórias de horror que marcou toda uma geração. A outra, para diversificar, era a "Johnny Pecos - O Faroeste Sensacional", que trazia histórias de western, e que acabou ganhando uma atenção muito maior dos editores, inclusive com páginas internas coloridas e em papel de melhor qualidade, algo que nunca aconteceu com a "Calafrio" (que sempre foi em preto-e-branco e em papel mais fino).


Hoje pode até parecer uma aposta arriscada, mas naqueles tempos gibis de bangue-bangue faziam muito sucesso no Brasil. O clássico "Tex", por exemplo, na época era publicado pela Editora Vecchi e chegava às bancas em duas revistas diferentes (1ª a 2ª edição, esta última republicando as histórias antigas). "Tex" vendia cerca de 150 mil exemplares por mês no país, e naquele mesmo ano de 1981 tornou-se quinzenal para atender a grande demanda!

Outra prova de que havia mercado era o gibi "Chet", também publicado pela Vecchi entre 1980 e 1982, e que trazia aventuras de um personagem de western criado pelos irmãos pernambucanos Wilde e Watson Portela, visivelmente inspirados no italiano Tex (inclusive Chet é "Tex" ao contrário, com o "X" substituído por "Ch"!). A tiragem mensal desse bangue-bangue 100% brasileiro era de respeitáveis 25 mil exemplares.

Segundo texto do pesquisador Gonçalo Junior no álbum "Calafrio - 20 Anos Depois", os primeiros números de "Calafrio" e "Johnny Pecos" chegaram às bancas no mesmo dia, na semana anterior ao Natal de 1981, com 40 mil exemplares de tiragem e 48 páginas cada em formato europeu.

Mas só um dos lançamentos acertou o alvo, e ironicamente não foi o de bangue-bangue: enquanto o gibi de horror quase esgotou, "Johnny Pecos" mal vendeu 12 mil exemplares - e isso que Zalla esperava uma saída de pelo menos 30 mil gibis. Mesmo assim, o editor resolveu insistir mais um pouco, para ver se a revista deslanchava.

Em seus dois primeiros números, "Johnny Pecos" trouxe aventuras do personagem-título, um mestiço de índio com mexicano criado por fazendeiros americanos (e declaradamente inspirado no western spaghetti "Meu Nome é Pecos", com Robert Woods), e outras histórias curtas que inclusive flertavam com o horror da "Calafrio", volta-e-meia narrando tramas de vingança com finais surpreendentes e irônicos.

A verdade é que as histórias eram curtas e nada memoráveis (ainda mais para uma revista que se auto-proclamava "O Faroeste Sensacional"!). A pior história de "Tex" e "Chet" ainda era melhor que a mais espetacular aventura de "Johnny Pecos", o que dá uma ideia do nível da revista. O que realmente chamava a atenção nesses dois primeiros números da publicação eram as propagandas de página inteira anunciando: "Breve: Django, o western spaghetti! Aventuras completas e coloridas".

O que será que Zalla e cia. estavam armando? Uma quadrinização do filme com Franco Nero ou de alguma das suas imitações, a exemplo das fotonovelas produzidas a partir de filmes para a revista "Ringo", da Editora Rio Gráfica?


O mistério acabou em "Johnny Pecos" nº 3, que trouxe a primeira história em quadrinhos de Django. Na verdade, Zalla resolveu criar suas próprias aventuras do personagem, sem nenhum vínculo com as adaptações cinematográficas - e provavelmente sem pagar nada de direitos autorais, também.

A aventura, chamada apenas "Django", era roteirizada por Luis Meri e desenhada por Zalla, em 10 páginas coloridas. Mostrava o herói enfrentando a quadrilha de bandidos mexicanos liderada por Pancho. Django só aparece a partir da quarta página, e lembra pouco o pistoleiro interpretado por Franco Nero (embora fique claro que o ator foi a inspiração para o traço do personagem).

O curioso é que o texto insinua que Django e o mexicano Pancho já se conheciam, e que o herói quer vingar-se dele. Talvez "Pancho" tenha sido inspirado no General Hugo Rodriguez, interpretado por José Bódalo no filme de Corbucci (a roupa, pelo menos, é bem parecida).

Abaixo você confere as 10 páginas da estreia de Django nos quadrinhos (clique para ampliar e ler):











Na edição seguinte, a quarta (publicada em março de 1982), "Johnny Pecos" trouxe uma curiosa chamada na capa: "Em cores: Django enfrenta Pancho!". Mas peraí... a história anterior tinha terminado com o herói matando seu arquiinimigo mexicano! Bem, como todo leitor de gibis da DC ou da Marvel deve saber, heróis e vilões raramente permanecem mortos nos quadrinhos, e portanto Pancho voltou, ferido, para um segundo round.

Esta nova aventura, também intitulada simplesmente "Django", foi desenhada e dessa vez roteirizada por Zalla (o roteiro ele assinou com seu tradicional pseudônimo "Jota Laerte"). Com 11 páginas, novamente coloridas, traz o herói ouvindo notícias sobre o retorno de Pancho e eliminando o que restou de sua quadrilha, até chegar ao grande vilão... que está agonizando num cemitério (uma ambientação que lembra muito o final do filme de Corbucci).

Abaixo, as 11 páginas da segunda história brasileira de Django:









 


Esta segunda história termina com Django virando as costas e indo embora sem terminar com o sofrimento do rival moribundo ("Valente ou não, não me bato com candidatos a cadáver!", justifica), o que deixava um gancho mais do que evidente para um futuro retorno do mexicano duro de matar numa próxima aventura.

Mas o Django dos quadrinhos jamais chegaria à sua terceira aventura: por causa da baixa vendagem, a Editora D-Arte resolveu cancelar "Johnny Pecos" no número 4, substituindo o título por uma segunda revista de horror (para aproveitar as boas vendas de "Calafrio"), chamada "Mestres do Terror", e que foi igualmente bem-sucedida.

O pobre Zalla acabou sofrendo um grande prejuízo no fim das contas, pois acreditava tanto em "Johnny Pecos" que já tinha preparado material antecipado para mais seis números da revista, incluindo - provavelmente - novas aventuras de Django. Todo esse material segue inédito. Anos depois, outras editoras de pequeno porte (Ninja e Noblet) compraram as histórias já publicadas da "Johnny Pecos" e tentaram ressuscitar a revista, mas sempre sem sucesso e sem passar do primeiro número.

Django só voltaria aos quadrinhos (e aos cinemas) 30 anos depois, em 2013: desde o começo do ano, a DC Comics vem publicando nos Estados Unidos, através do seu selo Vertigo, a quadrinização do filme "Django Livre", de Quentin Tarantino, dividida em cinco números (o último está agendado para sair em junho), e com arte de R.M. Guera e Jason Latour (abaixo, uma amostra).


Não seria uma boa oportunidade para alguma editora brasileira resgatar todo aquele material do Django produzido pelo Zalla nos anos 1980, quem sabe até as tais aventuras inéditas que nunca foram publicadas, e fazer um álbum de luxo para colecionadores? Sabe como é, sonhar não custa nada...

PS 1: Eu mesmo escaneei as páginas e capas da minha coleção particular de "Johnny Pecos" para essa postagem, e deu o maior trabalho. Assim, por favor citem a fonte caso queiram compartilhar esse material em qualquer outro site ou blog. Caso contrário, o Django do Rodolfo Zalla sairá atrás de vocês em busca de vingança...

PS 2: Com esse último capítulo, encerra-se - finalmente - a MARATONA VIVA DJANGO!. Em breve voltaremos à nossa programação normal.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR (1987)


1987 foi o ano de "Máquina Mortífera", "O Predador", "Robocop", "007 Marcado para a Morte" e, vejam vocês, da primeira e única continuação oficial do "Django" de Sergio Corbucci: DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR! Isso mesmo: exatos 21 anos depois do original (lançado em 1966), e no mesmo ano de "Máquina Mortífera", "O Predador", "Robocop" e "007 Marcado para a Morte", quando o western spaghetti já estava morto e enterrado, alguém achou que seria uma boa fazer um "Django 2"...

Precisa dizer que não deu certo? Bem, digamos apenas que, em 1987, ressuscitar velhos heróis de western não era algo que estava na moda, e que a ideia soa tão deslocada quanto alguém sugerir, hoje, que se faça um jogo de Atari para XBox. Inclusive eu acho que DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR deveria ser usado para sempre como sinônimo de algo que não soube aproveitar o seu tempo, foi produzido muitos anos depois e quebrou a cara.


Afinal, depois do sucesso do "Django" de Corbucci, foram feitas diversas aventuras não-oficiais do personagem, conforme você, leitor, pôde acompanhar aqui no blog nessa nossa MARATONA VIVA DJANGO!. Outros tantos westerns genéricos receberam novos títulos para transformar-se em aventuras de Django à força, mesmo sem qualquer relação com o personagem.

Enfim: entre 1966 e 1972, houve uma verdadeira overdose de Djangos não-oficiais e imitações. Então por que diabos não fizeram a continuação oficial nessa época áurea, ao invés de esperar 21 anos, quando o próprio apelo do personagem já não era mais o mesmo, e havia toda uma nova geração que sequer sabia quem era esse tal de Django?


Para ser justo, não foi por falta de tentativa: em 1967, Franco Nero quase voltou a interpretar o personagem em "Viva Django!", de Ferdinando Baldi, já que tinha assinado um contrato para três filmes com o produtor Manolo Bolognini, e este seria o terceiro. Mas Nero preferiu quebrar o contrato e ir para Hollywood interpretar Sir Lancelot no épico "Camelot". Nem imagino o quanto a troca foi vantajosa para a carreira do italiano (afinal, quanta gente REALMENTE lembra de "Camelot"?), mas pelo menos foi nessa filmagem que ele conheceu sua futura esposa Vanessa Redgrave.

Sem Nero, "Viva Django!" foi estrelado por Terence Hill, e uma outra extensa galeria de intérpretes deu vida ao personagem nos "sotto-Djangos" que analisamos em nossa Maratona. Nero nunca mais voltou ao papel, e nem o diretor do original, Sergio Corbucci, teve interesse em fazer uma continuação, preferindo dirigir outros westerns - como os maravilhosos "Vamos a Matar, Compañeros" e "O Grande Silêncio".


Aí chegamos à década de 80. O western spaghetti tinha desaparecido ainda no final dos anos 70 (críticos e pesquisadores apontam "Keoma", de 1976, como o último grande filme do gênero produzido na Itália). Mas aí alguns italianos malucos acreditaram que havia espaço e interesse para um revival do seu popular subgênero. E o projeto da primeira sequência oficial de "Django" finalmente começou a tomar forma, tardiamente.

Segundo o "Dizionario del Western all'Italiana", do pesquisador italiano Marco Giusti, o interesse por "Django 2" começou a surgir em 1985, enquanto Duccio Tessari dirigia "Tex e os Senhores do Abismo", adaptação da famosa HQ de Sergio Bonelli estrelada por Giuliano Gemma. Alguns produtores da Terra da Bota apostavam que uma nova era dourada do western spaghetti se iniciaria com o sucesso deste filme, e convenceram Sergio Corbucci a dirigir a sequência de sua famosa obra.


É bom lembrar que o pobre Corbucci vivia uma tenebrosa fase de vacas magras: desde o final dos anos 70, ele praticamente só dirigia comédias-pastelão da dupla Terence Hill-Bud Spencer, como "Par ou Ímpar" (1978) e "Quem Encontra um Amigo, Encontra um Tesouro" (1981). Ao saber do envolvimento do diretor na futura sequência, Franco Nero aceitou voltar para um segundo tempo como Django.

Infelizmente, a coisa não fluiu. "Tex e os Senhores do Abismo" revelou-se um retumbante fracasso (além de um filme bem ruim), o tal do revival do western spaghetti nunca aconteceu e o pessoal que iria investir em "Django 2" provavelmente começou a pensar duas vezes. Para piorar, Corbucci ficou doente e também pulou fora, e aquele projeto inicialmente concebido como um ambicioso retorno de Django à ação acabou se tornando esse equívoco de quinta categoria chamado DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR!


A vaga de Sergio Corbucci foi assumida pelo inexpressivo Nello Rossati, que sequer dirigiu algum western na vida (seu trabalho de maior expressão até então era a comédia erótica "The Sensuous Nurse", mais conhecida pela nudez da deusa Ursula Andress do que propriamente pela sua inspirada direção ou pela qualidade da obra).

Já o roteiro ficou a cargo do próprio Rossati e de um amigo seu, o também desconhecido Franco Reggiani. O orçamento ia do reduzido ao inexistente, conforme a fonte consultada, e as filmagens aconteceram na Colômbia (!!!) para baratear os custos, no início de 1987.


A pretensão começa já no título em italiano, que é "Django 2 - Il Grande Ritorno", de maneira a deixar bem claro que esta é a única continuação oficial do clássico de Corbucci, e que todas as outras aventuras não-oficiais deveriam ser descartadas, como se nunca tivessem existido.

Em alguns países onde os "sotto-Djangos" eram bem populares, como Brasil e Estados Unidos, este título com o número 2 nunca foi usado, dando preferência a nomes mais genéricos como DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR ou "Django Strikes Back", que pelo menos não negavam os outros filmes não-oficiais do personagem.


Como duas décadas separam "Django" dessa sua sequência oficial, Franco Nero já não era mais um garotão de 23 anos de idade, e sim um quarentão. Considerando que não havia como rejuvenescer o astro, os realizadores resolveram adotar o "20 anos depois..." também na trama do filme.

Logo, se o original se passava depois da Guerra Civil norte-americana (que terminou em 1865), e esta sequência  traz um Django 20 anos mais velho, a história do novo filme parece se passar por volta de 1890, quando o "Velho Oeste" já não era mais tão velho assim. Isso de certa forma explica porque DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR parece mais um filme de ação do que um western, e metralhadoras, barcos a vapor e canhões roubam o lugar daqueles duelos mano a mano do original.


Essa ideia de pistoleiros vivendo fora de sua época e de um Velho Oeste que começa a se modernizar fica bem clara na cena inicial, que é, disparado, a melhor coisa do filme - e ironicamente foi cortada em várias cópias internacionais, como a que saiu em VHS no Brasil no começo dos anos 90!

O prólogo traz dois veteranos pistoleiros (interpretados pelo veterano William Berger e outro que não consegui identificar) encontrando-se para um último duelo no estilo "quem saca primeiro". Só que eles estão realmente velhos e não conseguem nem matar um ao outro! Resta tomar um trago no saloon e falar sobre aqueles tempos distantes em que o Velho Oeste era regido pela lei do colt.


Entre goles de uísque, a dupla comenta o fato de serem sobreviventes de tempos idos em novos tempos que já não têm mais honra, nem duelos entre pistoleiros, e ser o gatilho mais rápido de nada serve porque as novas gerações atiram pelas costas...
- Wyatt Earp, Butch Cassidy... Todos mortos!
- E o que aconteceu com aquele rapaz da metralhadora?
- Ele era o melhor de todos!
- Sim, e tinha um nome indígena curioso...


Nesse momento, um grande barco a vapor ameaça atacar a vila, e os dois veteranos resolvem enfrentar os inimigos à moda antiga, na cara e na coragem, marchando para a morte no estilo do "wild bunch" de Sam Peckinpah ao final de "Meu Ódio Será Sua Herança". Dito e feito: os velhotes tomam um tiro de canhão e, antes de morrer, o personagem de Berger balbucia: "Agora me lembrei... O nome dele era Django!".


Entram os créditos iniciais, quando reencontramos o velho Django num... mosteiro mexicano?!? Exato: aparentemente, o pistoleiro resolveu abandonar as armas depois de enfrentar o Major Jackson com as mãos quebradas no final de "Django", e virou monge (recebendo até um novo nome, "Irmão Ignácio") para escapar da violência dos novos tempos e do seu passado.

(Ah, e antes que você possa dizer que isso é cópia do Rambo vivendo num mosteiro budista no início de "Rambo 3", é bom lembrar que o filme do Stallone saiu um ano depois, em 1988!)


A rotina religiosa de Djan... Irmão Ignácio é quebrada com a visita de uma mulher à beira da morte, uma ex-amante do passado (seria Maria, a garota vivida por Loredana Nusciak no original?), que revela ao pistoleiro aposentado que ele tem uma filha pré-adolescente, Marisol (Consuelo Reina). Não bastasse esse susto, ela também diz que está morrendo de uma doença grave e que o herói precisará cuidar da menina. Bela forma de começar um dia, hein?

O Monge Django abandona o mosteiro depois de algum tempo (semanas? meses?), e por coincidência o faz no mesmo momento em que aquele barco a vapor do início atacou e dizimou a cidade inteira. Há cadáveres enforcados ou despedaçados por toda parte, e o orfanato onde Marisol vivia (a mãe doente morreu tempos antes) foi invadido. O reencontro entre pai e filha precisará esperar, já que as meninas foram todas levadas pelos invasores da vila.


Acontece que o tal barco a vapor pertence a "El Diablo" Orlowsky (Christopher Connelly, de "Missão Cobra", que morreu de câncer um ano depois). Este militar húngaro é a própria encarnação da maldade: ele ataca cidades com seu pequeno exército, levando moças e mulheres para prostituir e rapazes e homens para trabalharem como escravos até a morte em suas minas de prata. Orlowsky esbofeteia crianças, pratica tiro ao alvo com seres humanos (ecos do Major Jackson, de "Django"?), e tem até uma cabeça decepada adornando o seu barco. Um sujeito simpático, não?

Depois de anos vivendo num mosteiro, e tendo feito votos de abandonar a violência, o Monge Django tenta conversar com Orlowsky numa boa, para recuperar sua filha sem precisar dar um único tiro. Bem, é claro que se isso acontecesse não haveria filme. E o vilão prefere aprisionar o herói (nossa, que malvado, ele também não respeita religiosos!), torturá-lo e enviá-lo para morrer como escravo em suas minas - e, ao ver Nero com grilhões nos pulsos e tornozelos, é impossível não se lembrar do título do filme de Tarantino, "Django Unchained"!


Como usar o diálogo com "El Diablo" não funcionou, Django finalmente decide abandonar o lado pacifista e partir em busca de vingança. Primeiro ele escapa da terrível mina de onde ninguém jamais escapou vivo (simplesmente escondendo-se dentro de uma enorme panela de sopa roubada do refeitório e rolando até o rio!!!); em seguida, ele visita um cemitério e desenterra sua amada metralhadora, que estava enterrada numa cova cuja lápide tem o nome "Django".

Esta cena, a única que realmente lembra o climão do clássico de Corbucci, infelizmente também não era mais novidade em 1987, já que há um momento idêntico no final do já citado "Viva Django!" (quando Terence Hill desenterrava a metralhadora, também de uma sepultura com o nome "Django", para eliminar seus inimigos). Aqui, o herói também tem a oportunidade de testar a arma exterminando um grupo de bandidos que interrompeu um velório para estuprar a viúva (!!!). O legal é que a metralhadora ainda funciona, depois de duas décadas enterrada. E, claro, tem munição sobrando. Afinal, o herói virou monge e fez votos de nunca mais recorrer à violência, mas nunca se sabe...


A partir de então, Django põe em prática um ousado plano. Não, é mentira: o que acontece na prática é que nosso herói fica mais perdido que cego em tiroteio e simplesmente começa a zanzar por aí escondido numa carruagem funerária, procurando bandidos aleatórios e exterminando-os com sua metralhadora!

Ele também faz amizade com um garoto (Mickey Bill Moore), com quem divide o desejo de vingança de "El Diablo" (a cabeça que "enfeita" o barco do vilão pertencia ao pai do menino, e ele quer recuperá-la para dar-lhe um enterro decente). O moleque acaba se tornando um chatíssimo sidekick de Django, e sabe-se de longa data que parceiro-mirim em filme para adultos geralmente é um tiro no pé. Aqui não é diferente.


Quando constata que seu plano de chacinas aleatórias não está dando certo, Django resolve atrair o vilão para uma armadilha. Afinal, além de um canalha inescrupuloso, sanguinário e escravista, "El Diablo" também é um apaixonado colecionador de borboletas (!!!), e está em busca de um raríssimo exemplar - a mariposa negra. E o herói cria uma falsa mariposa negra com o pretexto de levá-lo a uma emboscada. Porra Rossati, sério que você não conseguiu pensar em nada melhor do que isso?

Para piorar as coisas, o plano não dá certo e Django é preso DE NOVO (!!!). Assim, o duelo final com o terrível Orlowsky e seus homens acontecerá na mina de prata, aquela mesma onde o herói foi aprisionado no começo do filme. Mas dessa vez ele conseguirá iniciar uma pequena guerra no local, repleta de rajadas de metralhadora e explosões.


DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR é um festival de erros colossal: não bastasse ter sido feito 20 anos depois do original, ele também falha em criar qualquer vínculo com o original (além de ter um herói chamado Django e um vilão racista). Para começo de conversa, isso aqui sequer é um western spaghetti: está mais para aquelas imitações italianas vagabundas de "Rambo 2" e "Braddock - O Super Comando" filmadas nas Filipinas.

Inclusive a cena final, com Django correndo para lá e para cá com a metralhadora a tiracolo e muitos explosivos, lembra bastante Rambo e Braddock atacando campos de prisioneiros no Vietnã para resgatar prisioneiros de guerra em seus respectivos filmes - o quarentão Franco Nero até se parece um pouco fisicamente com Chuck Norris! A arte internacional do cartaz do filme, usada também na capinha do VHS brasileiro (abaixo), deixa bem clara essa intenção de fazer Django parecer Rambo, com o desenho de um Franco Nero bombadão, de metralhadora em punho e até uma ridícula faixa na cabeça (que, felizmente, no filme ele não usa!).


Logo, muito pouca coisa lembra o "Django" de Corbucci, e o personagem de Nero poderia facilmente ser rebatizado como "Joe" ou "Rimbo" que não faria diferença alguma. Se em 1966 Django havia sido representado como anti-herói que não escolhia lados e só queria levar vantagem financeira, aqui ele é claramente um herói idealista lutando pela justiça (oooh!) e para resgatar a sua filha.

Até a ambientação é outra: enquanto o original se passava em meio à lama e ao frio de uma cidadezinha típica de Velho Oeste, aqui a trama acontece em rios e selvas tropicais de um país mais moderno e visivelmente sul-americano (apesar de a história se passar no "México").


Isso sem contar a decepcionante desculpa usada para trazer Django de volta à ação depois de 20 anos como monge. Poxa, uma filha perdida que ele tem que resgatar? Não tinha nenhum tema mais batido não? Até um notório incompetente, como Demofilo Fidani, foi mais eficiente em "Uma Balada para Django", ao mostrar um velho Django contando as histórias da sua juventude para um pistoleiro da nova geração.

A verdade é que há tantos problemas no filme de Rossati (usando o pseudônimo americanizado "Ted Archer") que nem sei por onde começar. Aliás, sei sim: deve ter sido decepcionante para quem esperava um novo Django "oficial" desde 1966 deparar-se com essa bunda-molice, em que até o próprio herói está apagado e mostra pouco serviço (ele é preso duas vezes e todos os seus planos dão errado). O vilão, quem diria, é muito mais interessante e tem muito mais tempo de cena do que o pobre Nero!


Além de deixar o herói em segundo plano, e sabotá-lo com filha para resgatar e sidekick mirim, o roteiro de DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR ainda consegue a façanha de desperdiçar um grande ator como Donald Pleasence, que aqui apenas bate cartão burocraticamente como rápido alívio cômico, um entomologista escocês aprisionado por "El Diablo" em suas minas de prata, e que resolve ajudar Django a escapar.

Rossati priva-nos até de um emocionante duelo final entre o herói e "El Diablo", e isso depois que Django e sua filha sofreram horrores nas mãos do tirano e o mais lógico seria mostrá-lo desafogando a raiva no filho da puta. Que nada: o confronto entre eles se resume a um momento engraçadinho à la "Os Caçadores da Arca Perdida", quando Orlowsky saca sua espada e Django a arrebenta ao meio com um tiro. Quem realmente vai fazer justiça são os escravos da mina, numa conclusão idêntica à de "Justiça Selvagem", aventura com Charles Bronson lançada dois anos antes.


Além da subtrama imbecil da caçada à tal borboleta rara (bah!), o diretor perde um tempo precioso enfocando um desinteressante triângulo amoroso entre o vilão e duas mulheres: uma escrava negra sádica que anda seminua e cheia de correntes (atriz não-creditada) e uma condessa sequestrada (Licinia Lentini). Mas o caso de amor e traição não interessa a ninguém e só está no filme para encher linguiça mesmo.

Uma pena, porque a tal escrava cheia de correntes, e que usa um chicote como arma, é uma personagem muito legal, certamente a melhor do filme (parece até aquelas "sub-vilãs" exóticas das velhas aventuras do James Bond, talvez inspirada na Grace Jones de "007 Na Mira dos Assassinos"), e poderia ter sido melhor desenvolvida e aproveitada.


A direção em geral é ruim de doer. Rossati tenta dar uma de Sam Peckinpah (com uns 15 anos de atraso!), mas abusa da câmera lenta em momentos desnecessários, levando a um momento simplesmente constrangedor em que monges correm e pulam em câmera lenta com redinhas de caçar borboleta, para preparar a armadilha entomológica para "El Diablo".

Os raros momentos inspirados, como quando Django faz um bandido fumar uma banana de dinamite (com direito à inevitável piadinha sobre como fumar faz mal à saúde depois que o sujeito explode em pedacinhos), ficam perdidos num conjunto extremamente fraco e batido.


Para piorar, o diretor estraga praticamente toda cena de ação do filme com erros dignos de Ed Wood. No grande tiroteio final, só para o leitor ter uma ideia, Django distribui rajadas de metralhadora a torto e a direito, mas milagrosamente atinge apenas os vilões, e não as centenas de inocentes - escravos da mina em fuga - que correm de um lado para outro ao fundo da cena!

Tem até um momento patético em que vemos claramente vilões sendo metralhados enquanto os escravos correm ao fundo (abaixo), e absurdamente nenhuma bala perdida atinge o pessoal atrás! Isso que é mira, hein, Django?



E a música? Caramba, que desgraça! Se uma das coisas que imortalizou o "Django" original foi justamente a trilha sonora de Luis Bacalov, aqui a responsa ficou nas mãos do apagado Gianfranco Plenizio, que não tem lá um grande currículo. Ele até trabalhou no departamento musical de vários westerns italianos, principalmente filmes da dupla Terence Hill-Bud Spencer (como "Boot Hill"), mas sempre conduzindo a orquestra na música composta por terceiros, e não como compositor propriamente dito.

Aqui, tendo o trabalho todo só para ele, Plenizio compôs uma verdadeira monstruosidade com sintetizadores, uma trilha afetada e exagerada cheia de coros tipo "Oooooooohhhh ooooooohhhhhh" tocando em momentos que sequer exigem tamanha dramaticidade, e sem um único acorde que lembre o mestre Bacalov. Aliás, por que caralhos não reaproveitaram o clássico tema de "Django" aqui, pelo menos nos créditos iniciais ou finais?


Eu poderia continuar falando da ruindade de DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR durante dias, mas acho inútil continuar. Para mim, sinceramente, esta é uma das piores e mais desnecessárias continuações de todos os tempos, uma verdadeira frustração quando lembramos que demoraram 21 anos para fazer uma sequência oficial de "Django" e com o verdadeiro intérprete do personagem.

Até mesmo Nero, que está em boa forma física, aparece visivelmente cansado e decepcionado com o filme, fazendo as cenas no piloto automático, como se pensando "Esperei duas décadas para ISSO?". Em alguns momentos ridículos, Nero-Django até parece Jesus Cristo, com cabelo comprido, barba e sua túnica branca de monge. Sei lá se esse "ar messiânico" foi proposital ou apenas coincidência, mas caso tenha sido de propósito é mais uma baboseira para a conta de Nello Rossati e cia. Menos mal que o personagem mantém o padrão de matança do original, eliminando 78 inimigos ao longo do filme (você pode ver a contabilidade da chacina clicando aqui).


O ideal seria esquecer que DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR existe e escolher o seu próprio "sotto-Django" como se fosse a SUA continuação oficial da série. Eu, por exemplo, prefiro encarar "Viva Django!", de Baldi, como prequel e "10.000 Dólares para Django" e "Django, O Bastardo" como continuações legítimas do que esse sub-Rambo colombiano que nem sequer é um western spaghetti.

Tanto que no final, quando Django faz a tradicional cavalgada rumo ao horizonte berrando "Eu vou voltar! Eu vou voltar!" inúmeras vezes, confesso que fiquei pensando comigo mesmo: "Não volta não, Django!". E felizmente isso nunca aconteceu e um possível "Django 3" ficou apenas na intenção. Porque é muito triste ver um personagem clássico ser tão maltratado, e insistir no erro seria bobagem...

PS: Nello Rossati e Franco Nero trabalharam juntos outra vez, novamente na Colômbia, em "O Tesouro do Ovni". O filme também é ruim de doer, mas pelo menos esse é divertido, incluindo a inesquecível cena do confronto entre um cyborg estilo "Terminator" com um touro!


Trailer de DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR



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Django 2 - Il Grande Ritorno /
Django Strikes Back (1987, Itália)

Direção: Nello Rossati (aka Ted Archer)
Elenco: Franco Nero, Christopher Connelly, Licinia
Lentini, Donald Pleasence, Consuelo Reina, Rodrigo
Obregón, Roberto Posse e William Berger