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segunda-feira, 30 de abril de 2012

LUNAR COP - O VINGADOR (1995)


(Esta é a terceira resenha de aventura pós-apocalíptica em sequência, depois dos textos sobre "Cyborg - O Dragão do Futuro" e "Condição de Defesa". Será que o medo do 2012 está se manifestando inconscientemente aqui no FILMES PARA DOIDOS?)

Bastante popular na década de 80, o ciclo de aventuras pós-apocalípticas copiando "Mad Max 2" teve uma sobrevida nos anos 1990, quando várias pequenas distribuidoras/produtoras, como Nu Image e PM Entertainment Group, desovaram inúmeras produções desse naipe nas locadoras, no finzinho da Era de Ouro do VHS. Eram títulos como "Fronteira de Aço" (1995, com Joe Lara) e "Cold Harvest - No Limite da Vingança" (1999, com Gary Daniels), entre outros produzidos a toque de caixa.


No meio de muita coisa divertida e de muita coisa ruim, a Nu Image saiu-se com uma pequena preciosidade chamada LUNAR COP. Cá entre nós: quem em sã consciência não ficaria doido para ver uma aventura classe C direct-to-video com o nome de "Policial Lunar"? (Descontando, é claro, aqueles cinéfilos chatos que só querem saber dos novos filmes de Woody Allen, Almodovar e Lars Von Trier.)

Mas calma que não fica só no título fantástico: para dar a todos vocês ainda mais tesão de ver o filme, ele é estrelado pelo decadente Michael Paré, aquele "quase-astro" dos anos 80 (de "Ruas de Fogo" e "Projeto Filadélfia") que jogou sua carreira fora e passou a estrelar essas produções mambembes - além de, mais recentemente, virar coadjuvante de luxo em quase todos os filmes do alemão Uwe Boll!


Epa, mas calma aí que eu ainda não terminei: se Paré é o astro, o "Policial Lunar" do título original, adivinha quem é o grande vilão? Uma dica: nove em cada dez aventuras baratas dos anos 90 traziam o cara como bandidão, e não é o Danny Trejo nem o Richard Lynch. Acertou quem respondeu Billy Drago, em performance doidona como "bad guy" (e eu realmente queria um pouco daquilo que o ator tomou antes de gravar suas cenas nesse filme, porque ele parece completamente maluco!).

E quando você acha que já está bom demais, e morrendo de vontade de assistir LUNAR COP, eis que vem o golpe de misericórdia: o diretor dessa balbúrdia é ninguém menos que Boaz Davidson, um dos sócios da Nu Image, mas também diretor de comédias adolescentes clássicas ("Lemon Popsicle" e sua refilmagem, "O Último Americano Virgem")!


Com toda essa "gente boa" envolvida, mais o fato de ser uma aventura pós-apocalíptica rodada com alguns trocados (orçamento de US$ 4 milhões, segundo o IMDB), LUNAR COP é simplesmente obrigatório para admiradores desse cinema tosco e sem-noção que era produzido para consumo rápido e descartável em nossas locadoras, gerando filmes que hoje são bem mais divertidos do que muito blockbuster bilionário.

Escrito por Terrence Paré (que provavelmente é irmão do astro Michael), o filme começa, claro, na Lua. E por Lua entenda uma paisagem desértica qualquer que foi filmada em preto-e-branco para parecer a paisagem lunar. Alguma vegetação "vaza" volta-e-meia no cenário lunar, mas e daí? Certamente é muito mais barato do que filmar na própria Lua!


Estamos no ano de 2050, e a câmera de Davidson mostra a estação lunar onde vivem os seres humanos que sobreviveram a um desastre ambiental na Terra. A tal estação, claro, é uma maquete das mais fuleiras filmada sobre uma mesa coberta de areia e com uma foto do espaço no fundo.

Dentro da base lunar (pffff...), um personagem não perde tempo em explicar toda a trama, através de um daqueles discursos que começam com um "Como todos sabem...", e então passa a um diálogo expositivo para situar o espectador.

Descobrimos, então, que passaram-se 27 anos desde o "Big Burn" - a destruição da Terra pelo Sol depois do desaparecimento da camada de ozônio. O pessoal da elite conseguiu sobreviver à tragédia indo para a tal base lunar, enquanto os pobres coitados que ficaram na Terra passaram a viver de maneira bárbara num mundo desértico, à la "Mad Max 2".


Descobrimos, também, que os ricaços que vivem na Lua criaram uma fórmula secreta chamada Amaranth, para provocar uma reação química nas nuvens e fazer com que volte a chover. Eles pretendem usar esse negócio para forçar a superfície terrestre a "renascer". Mas membros de um grupo terrorista atacam a base e roubam a fórmula, levando-a para a Terra.

(Pausa: engraçado que, em pleno ano 2050, os sujeitos ainda utilizem armas de fogo de grosso calibre e granadas, mesmo numa estação lunar. Aliás, eu me cagaria de medo de dar tiros e explodir granadas num lugar com atmosfera pressurizada, onde um único buraquinho na parede pode ser necessário para matar todo mundo!)


Preocupados com o destino do tal Amaranth, os governantes da Lua (pffff...) resolvem mandar seu melhor homem para a Terra em busca da fórmula. E o designado para a missão é o policial lunar Joe Brody (Paré, claro!). Esquecem eles, talvez, que a Terra tem uma superfície de 510 mihões de quilômetros quadrados (não faço ideia de quanto isso representa, mas é grande pra caramba!!!), e que um único policial lunar pode demorar séculos para encontrar algo ali - a verdadeira agulha no palheiro.

Bem, talvez houvesse um rastreador no recipiente do Amaranth ou algo do gênero, mas o que importa é que Brody pousa na Terra no exato local para onde os terroristas levaram a fórmula. E, sem qualquer explicação lógica, na cena seguinte à sua saída da Lua, o herói já aparece na Terra dirigindo uma motocicleta (que não se sabe de onde saiu) pelo mundo devastado e desértico!


E é justo no momento em que Paré chega à Terra que LUNAR COP transforma-se numa aventura "mad-maxiana" genérica, com nosso herói esquecendo a missão de reaver o Amaranth para defender uma aldeia de honestos fazendeiros sobreviventes do apocalipse, que vem sofrendo ataques dos bandidos comandados por Kay (Billy Drago, é claro!).

Resumindo: é uma espécie de "Mad Max 2" misturado com "Sete Homens e um Destino" (nesse caso, "Um Único Homem e um Destino") ou "Os Brutos Também Amam" (e pelo menos Joe Brody mata muito mais gente do que o Shane!).


Uma mistura que nem ao menos é criativa, pois além de já existirem inúmeros filmes com trama semelhante, o próprio Paré interpretou O MESMO PERSONAGEM e com A MESMA MOTIVAÇÃO em outra aventura pós-apocalíptica bem mais divertida feita anos antes, "Era da Destruição" (1988).

E por falar em brutos que amam, é claro que o herói logo irá se apaixonar por uma das terrestres, Thora (a linda Walker Brandt, vista mais tarde no ótimo slasher "Malevolence").


O confronto de Brody e seus amigos fazendeiros com os punks malvados de Kay é o ponto alto de LUNAR COP: o herói ensina a galera a se defender (novamente, como em "Sete Homens e um Destino", mas com seis homens a menos), e eles criam armadilhas hilárias como melancias explosivas repletas de pregos (!!!), que, infelizmente, são usadas numa única ceninha.

Quando você acha que a conclusão está próxima, eis que LUNAR COP reserva ainda um terceiro ato que é simplesmente hilário: a elite lunar fica putinha pelo fato de seu melhor policial apoiar os "bárbaros" da Terra devastada e manda um cyborg para eliminá-lo. Aí, o "Mad Max 2" + "Sete Homens e um Destino" ganha uma terceira influência: "O Exterminador do Futuro". É quando Brody e Thora são implacavelmente perseguidos por um fortão com metade do rosto "normal" e metade cibernético (à la Schwarzenegger em "Terminator").


O detalhe é que a maquiagem é tão ruim que parece que o pobre ator está com a cara cheia de merda (no estilo dos zumbis do hilário "Nightmare City", do Umberto Lenzi). Mais tarde, seu rosto todo ficará "deformado", menos a região ao redor dos olhos e o seu pescoço, que pelo visto os maquaidores esqueceram de retocar!!!

LUNAR COP é impossível de levar a sério, e hilário da primeira à última cena - se não pelo seu roteiro frouxo e cheio de furos, ao menos pela sua pobreza e tosquice. Cenários e figurinos são de chorar de rir (Thora, por exemplo, veste-se como se fosse uma princesa da Idade Média!), e é interessante como os bárbaros da Terra devastada não parecem lutar por água ou gasolina, como em "Mad Max 2" e suas cópias; pelo contrário, água e gasolina são usados à vontade durante todo o filme, o que me leva a crer que os vilões são apenas uns xaropes sem nada para fazer além de atacar pobres fazendeiros!


Por falar em cenários, o filme se passa quase totalmente ao ar livre quando o herói chega na Terra (as filmagens foram no Deserto da Namíbia), e as poucas cenas internas reaproveitam cenários e figurinos de uma aventura anterior também dirigida por Boaz Davidson, "American Cyborg - O Exterminador de Aço" (1993) - que, por coincidência, também tem um cyborg indestrutível perseguindo o herói Joe Lara!!!

O mais divertido de LUNAR COP é como ele surpreende mais e mais o espectador: você acha que o pior já passou, mas aí o diretor Boaz Davidson avacalha com uma bobagem ainda maior e mais divertida.


No meio da luta entre bonzinhos e vilões, por exemplo, um moleque da aldeia encarna Macaulay Culkin e dá um couro num dos bandidos como se estivesse em "Esqueceram de Mim Parte 12" - com direito ao movimento da mão seguido de "Yes!" que o Culkin sempre fazia!

Já as cenas envolvendo o cyborg conseguem ser ainda piores do que as "Shocking Dark", do italiano rei da picaretagem Bruno Mattei. Espere só para ver a cena em que o inimigo metálico misteriosamente enterra-se na areia COM MOTO E TUDO (!!!), apenas para sair de repente de debaixo da terra e dar um susto no herói! Tipo, é algo tão sem lógica que você fica se questionando o porquê de terem filmado isso - e deixado no corte final.


Mas não posso ser injusto com Billy Drago: seu vilão histérico também é muito legal, principalmente quando, durante o ataque à aldeia, pinta seu rosto com tinta colorida como se fosse, sei lá, um índio apache ou um figurante de "Coração Valente". Drago sai na porrada com Paré numa luta até bem coreografada, e o IMDB informa que o pobre Billy machucou-se de verdade no quebra-pau.

No fim, o roteiro do outro Paré reserva uma revelação-surpresa que é simplesmente o fim da picada - e uma cópia barata de "Blade Runner", adicionando ainda mais um filme conhecido à mistura bizarra feita pelo roteirista. Não sei se era para ser um desfecho dramático, mas eu sinceramente me peguei rindo alto e sozinho no sofá!


Se você é fã daquelas cópias toscas de "Mad Max 2" feitas nos anos 80 (como "Stryker - O Sobrevivente", do filipino Cirio H. Santiago), não deixe de dar uma chance a LUNAR COP. Principalmente porque o filme não é só trasheira e também se segura pela ação, incluindo uma contagem de cadáveres que chega às raias dos 100 mortos - muito mais do que Paré matou no fracassado "Execução Sumária", por exemplo.

Aliás, Michael Paré pode ser um dos piores atores do universo (não consegui perceber uma simples mudança de expressão nele durante o filme todo), mas mesmo assim está foda demais como o "policial lunar" Joe Brody, sempre vestido de preto, sempre pilotando velozmente a sua moto e sempre metendo chumbo nos bandidos com uma espingarda enorme. Ele não faz feio como clone de Mad Max, e também não é difícil acreditar que seu herói conseguiria sobreviver num mundo pós-apocalíptico.


No Brasil, LUNAR COP foi lançado em vídeo bem na fase de transição entre VHS e DVD. Mas a distribuidora nacional não foi esperta o suficiente para perceber que um dos grandes charmes dessa aventura trash era o título, e preferiu adotar um título genérico, "O Vingador", embora o herói não se vingue de ninguém durante o filme.

Para piorar, já existiam vários "O Vingador" nas prateleiras das locadoras, como "Raven" (1996) e "Murphy's Law" (1986), este com Charles Bronson.


E embora essa seja apenas uma obra de ficção (mal-)escrita por um parente do Michael Paré, anote aí a data de 2023 como possível ano para o tal "Big Burn". Considerando que a camada de ozônio realmente está mais esburacada que o roteiro desse filme, vai que Davidson e o outro Paré foram visionários e previram nosso futuro?

Bem, se for o caso, fica a dica: melhor continuar na Terra desértica com os "bárbaros", mas ao mesmo tempo acompanhado de gatinhas tipo a Walker Brandt, do que numa estação espacial tosca na Lua, onde todo mundo se veste como se estivesse num episódio da série clássica de "Jornada nas Estrelas" e as únicas mulheres são umas cyborgs bem vadias reservadas apenas ao pessoal mais endinheirado...

Trailer de LUNAR COP
 


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Lunar Cop / Solar Force (1995, EUA) 
Direção: Boaz Davidson Elenco: Michael Paré, Billy Drago, 
Walker Brandt, Robin Smith, Gavin Van Der Berg, Wilson Dunster, 
Ron Smerczak, Greg Latter e David Sherwood.

sábado, 21 de abril de 2012

CONDIÇÃO DE DEFESA (1985)


Se você foi moleque na finaleira da década de 80, certamente, em algum momento da sua infância, você entrou numa videolocadora e topou com a fita de CONDIÇÃO DE DEFESA da extinta Transvídeo na prateleira de ficção científica. E ficou encantado com a arte da capinha, aquele esqueleto de astronauta semi-enterrado na areia com uma estação espacial em ruínas ainda em órbita acima dele. E pensou: "Preciso ver esse filme, deve ser foda demais".

E aí você provavelmente locou o filme, reuniu a turma na sala, colocou a fita no velho videocassete do papai e sentou no sofá preparado para ver o negócio mais foda de todos os tempos... mas logo viu-se diante de mais um clássico caso de pôster/capinha muito melhor que o filme em questão. Por sinal, algo bem comum entre as produções classe B daquela era pré-capinhas photoshopadas, quando a regra era: "Se você tem um filme meia-boca, capriche no pôster!".


A bem da verdade, CONDIÇÃO DE DEFESA nem é tão meia-boca assim, só é muito diferente do que você espera por aquela capinha fantástica com o esqueleto do astronauta (que nunca aparece no filme) e a estação espacial em ruínas (que aparece muito rapidamente e não está tão em ruínas quanto no desenho da capinha).

A bem da verdade, também, esta é aquela típica produção que parece ficar melhor quando você revê depois de "velho" do que naquela primeira assistida ainda moleque, pela velha fitinha da Transvídeo ou pelas reprises no SBT, que, naquela época mágica do final dos anos 80/começo dos 90 costumava passar aventuras violentas e pessimistas, como esta, em pleno horário da tarde!


Antes de falar da obra em questão, permitam-me fazer uma rápida retrospectiva do período. CONDIÇÃO DE DEFESA foi lançado em 1985. Quatro anos antes, os australianos fizeram o clássico dos clássicos "Mad Max 2", dando origem a toda uma série de aventuras pós-apocalípticas que tomaram este filme como referência visual e estilística. Assim, durante um período de mais ou menos seis anos, cineastas norte-americanos, italianos e filipinos, principalmente, dedicaram-se a lançar cópias baratas de "Mad Max 2", com cenários pós-apocalípticos, punks, mutantes e guerreiros sem nome lutando por água ou gasolina.

À primeira vista, CONDIÇÃO DE DEFESA parece ter sido produzido para aproveitar a febre "Mad Max 2", e até tem algumas coisas em comum com a aventura australiana. Além do óbvio fato de a história se passar depois do apocalipse nuclear, aqui também temos punks e veículos construídos com sucata e design engraçado.


As "semelhanças", entretanto, param por aí, pois esta produção canadense é beeeeeem diferente de "Mad Max 2", e quem espera algo na mesma linha ficará muito decepcionado. Até porque este filme aqui tem muito mais em comum com uma outra aventura barata produzida nos EUA uns anos antes, chamada "The Aftermath" (1982), e dirigida por Steve Barkett.

Peraí, eu escrevi "muito em comum"? Generosidade minha. Na verdade, CONDIÇÃO DE DEFESA é tão parecido com "The Aftermath" que caberia até processo por plágio: em ambos, astronautas na órbita da Terra voltam ao planeta após uma guerra nuclear e encontram o mundo devastado e governado por bárbaros criminosos e/ou mutantes canibais!


O filme canadense foi escrito, produzido e dirigido por Paul Donovan, que não fez mais nada tão conhecido. Começa com um letreiro dizendo que a trama se passa "no dia depois de amanhã", e então apresenta nosso trio de protagonistas: astronautas que controlam uma estação espacial carregada de mísseis nucleares na órbita terrestre (baseada no sistema de defesa "Guerra nas Estrelas", do Governo Reagan).

O trio é formado pelo nosso herói, um nerd magricela (!!!) chamado Howe (Tim Choate, em seu crédito mais expressivo), por uma médica chamada Jordan (Kate Lynch, de "Almôndegas"), e pelo escroto, taradão e fã de filmes pornô Walker (John Walsch, único crédito), que, apesar de todas as suas "qualidades", vem a ser o comandante da missão (!!!).


Quando russos e líbios detonam a Terceira Guerra Mundial, disparando mísseis nucleares que destróem boa parte do globo, os três astronautas precisam decidir se seguem suas ordens (de disparar mais mísseis em retaliação) ou seguram as pontas. Após uma discussão, decidem que jogar mais radiação na Terra acabará com o que quer que tenha sobrado do planeta, e que o melhor é sentar e esperar para ver se há sobreviventes do confronto.

Um mês depois, Howe faz alguns estudos por computador e descobre que menos de 10% da população mundial sobreviveu às bombas nucleares, e que este percentual vai baixar mais ainda nos meses seguintes por causa da contaminação pela radioatividade. O trio resolve voltar à Terra, mas os únicos locais seguros são a Antártida, a Ilha da Páscoa e certas áreas da América Central!!!


Então, subitamente, a estação espacial recebe um estranho sinal de rádio e é atraída de volta ao planeta, sem que seus ocupantes possam reverter o comando. Preocupados, eles descarregam seus mísseis nucleares no espaço (somente uma das ogivas fica presa à nave) e entram numa cápsula de emergência, com a qual pousam em algum lugar do litoral dos Estados Unidos.

A cápsula fica enterrada na aeia, e nossos bravos heróis (alô, Bial!) precisam cavar sua saída. Mas o pobre Walker é agarrado por algo do outro lado e puxado para fora da nave. A única coisa que resta do sujeito é sua mão, cortada na altura do pulso!


Horas depois, Howe resolve fazer um reconhecimento, deixando a colega Jordan no interior da cápsula. O pobre astronauta vai descobrir que a Terra virou um lugar nada pacífico ao encontrar um grupo de canibais comendo o que restou do cadáver de Walker, à la "A Estrada"! (E por falar nele, vale dar uma olhada nesse divertido fake trailer que usa cenas de CONDIÇÃO DE DEFESA para criar uma aventura fictícia bem parecida com "A Estrada"...)

Pois eis que, como acontecera em "The Aftermath", a Terra pós-apocalipse está dominada por mutantes canibais (apelidados de "Terminais") ou por membros de uma violenta milícia. Os poucos sobreviventes que não pertencem nem a um nem a outro grupo são caçados implacavelmente por ambos, para virarem prisioneiros ou comida - dependendo do grupo em questão.


Howe encontra outros sobreviventes, como Vinny (Maury Chaykin, figurante em mais de 150 filmes, entre eles "Ensaio Sobre a Cegueira"), um fazendeiro que usa kilt escocês, e J.J. (Lenore Zann, de "Feliz Aniversário Para Mim"), uma loirinha vestida como colegial. E logo todos, mais Jordan, são aprisionados pela tal milícia.

E é quando a coisa começa a ficar trash: a tal milícia tem um campo de concentração repleto de soldados esfarrapados e prisioneiros idem. Numa reviravolta impossível de levar a sério, os sujeitos são liderados por Gideon Hayes (Kevin King, o clone de Val Kilmer), um moleque filhinho-de-papai que, sabe-se lá como, conseguiu dominar e influenciar toda aquela gente, e é obedecido cegamente por eles!


Pois foi Gideon o responsável por trazer a estação espacial de Howe e Jordan de volta à Terra, através de um gênio da informática que trabalha para ele. Tudo porque precisava das informações sobre locais livres de radiação que aparentemente só a nave contém. Quando os malvadões se apossam destes dados, a vida dos astronautas e dos demais prisioneiros passa a ser descartável. Será que eles conseguirão escapar de Gideon e seu exército e encontrar um lugar seguro no mundo devastado

Só pelo resumo da trama, já deu para perceber que quem viu ou for ver CONDIÇÃO DE DEFESA esperando pela típica cópia de "Mad Max 2" quebrou a cara ou ainda quebrará. Descontando algumas cenas esporádicas aqui e ali, a aventura canadense é praticamente desprovida de ação, e na maior parte do tempo os heróis estão aprisionados e pensando em maneiras de escapar.


Claro que não ajuda o fato de o filme ter um dos piores heróis de todos os tempos, o frágil e covarde Howe, que faz pouco ou nada de útil até a conclusão - mas pelo menos o roteiro é realista na sua transformação beeeeeem lenta de bunda-mole em vingador. Para piorar, todos os outros personagens "bonzinhos" são difíceis de simpatizar. O único sujeito interessante era o porra-louca do Walker, e o coitado é justamente o primeiro a morrer!

Mas há algo de interessante em CONDIÇÃO DE DEFESA que é justamente o suspense. Aniquilando a ação em prol de uma abordagem mais "realista", o filme consegue deixar o espectador em permanente tensão, preocupado com o destino dos protagonistas, já que nenhum deles é tão heróico quanto um Mad Max para sair na porrada com os vilões e livrar-se facilmente dos problemas do mundo pós-apocalíptico.

Inclusive, comparando com "Mad Max 2" e seus clones e imitações, CONDIÇÃO DE DEFESA tem um aspecto muito mais cru e verossímil. Aqui você não vê punks com vastas cabeleiras e roupas de couro pós-fim do mundo, mas sim pessoas sujas e destruídas pela radiação. Cenários, figurinos e figurantes são tão feios, nojentos e apodrecidos que você fica até feliz por não existir nenhuma tecnologia que permita sentir os cheiros do filme, que nesse caso aqui não seriam nada agradáveis.

Enfim, se houvesse um apocalipse nuclear, acho que o resultado seria algo bem mais próximo do que é mostrado aqui do que daquele universo fantasioso e carnavalesco de "Mad Max 2" e seus clones italianos e filipinos.

Tem uma cena que me marcou desde a primeira vez que vi, vinte e poucos anos atrás: Gideon prepara um filé para um subordinado tetraplégico, tentando forçá-lo a conseguir as informações de que necessita. E precisamos considerar que um filé grelhado, num mundo pós-apocalíptico, deve ser algo próximo do que vale o ouro hoje. Enfim, o vilãozinho de araque fica grelhando o filé até conseguir o que quer, e então joga a carne no chão repleto de lama ou merda (escolha o que achar melhor). Não satisfeito, derruba o pobre inválido de cara no mesmo chão nojento, e mesmo assim o sujeito dá umas lambidas de satisfação no filé todo sujo de lodo!

Esta é uma qualidade admirável em CONDIÇÃO DE DEFESA: o desprezo pelos personagens, já que seus realizadores não poupam nem mesmo os protagonistas de sofrimentos atrozes ou mortes cruéis. Um dos "heróis" tem um destino terrível lá para o final do filme, algo que foi de grande impacto quando vi ainda moleque. E sem esquecer o pobre Walker, o melhor personagem da primeira parte da trama, morto sem mais nem menos no retorno à Terra.


Por outro lado, o roteiro de Paul Donovan também dá um tiro no próprio pé por criar alguns personagens secundários muito interessantes, mas nunca desenvolvê-los satisfatoriamente. É o caso de Vinny, o fazendeiro de kilt que usa um tanque blindado para, com visível satisfação, atropelar e matar alguns "Terminais".

Ou mesmo o vilão Gideon: não deixa de ser curioso ter um bunda-mole como grande ditador do mundo pós-apocalíptico, mas o roteiro nunca explica satisfatoriamente como é que um adolescente conseguiu ter uma milícia sob seu comando. Infelizmente, os verdadeiros protagonistas são os bem menos interessantes Howe e J.J., e a narrativa prefere gastar tempo com eles.

Segundo o IMDB, embora Donovan tenha assinado a direção, outros dois sujeitos dirigiram cenas sem receber crédito. Um é o desconhecido Digby Cook, que, segundo o site, teria sido o responsável pelos noticiários exibidos no começo do filme; o outro, acredite se quiser, seria o americano Tony Randel, de "Hellraiser 2" e "O Guerreiro da Estrela Polar". Nos créditos finais ele aparece como "supervisor de pós-produção", mas também teria dirigido algumas cenas.

Uma olhadinha nos créditos revela outros talentos envolvidos na produção: a trilha sonora é de Christopher Young, que depois faria músicas para blockbuster hollywoodianos; o coordenador de produção é Steve Barnett, posteriormente diretor do belo filme B "Pesadelo Futuro", com Bruce Campbell; e o designer dos créditos iniciais, Ernest D. Farino, saiu daqui para trabalhar com efeitos visuais em filmes como "O Exterminador do Futuro" e "O Segredo do Abismo" (além de também ter dirigido um belo filme B, "Máquina da Vingança").


Embora não seja exatamente um grande filme, CONDIÇÃO DE DEFESA vale justamente pelo que é: uma produção barata e nostálgica que pertence a um subgênero morto há anos (as aventuras pós-apocalípticas). Também é uma tentativa de se fazer algo radicalmente diferente dos meros clones de "Mad Max 2" e suas intermináveis lutas por água e combustível no deserto.

Sem contar que passa uma importante lição de vida: por via das dúvidas, procure ser amigo daquele filhinho-de-papai bunda-mole da sua vizinhança. Vai que acontece uma Terceira Guerra Mundial e ele milagrosamente vira líder dos esfarrapados sobreviventes, como aconteceu com o sósia do Val Kilmer aqui?


PS 1: Uma rápida explicação sobre o título original, porque o FILMES PARA DOIDOS também é cultura. "Def-Con" é a sigla para "defense condition", ou "condição de defesa", uma posição de alerta usada pelas Forças Armadas norte-americanas em situações de risco de ataque. Um estágio "Def-Con 5" significa que está tudo normal, mas "Def-Con 4" já pede certas medidas de segurança. A coisa vai progredindo até o temível "Def-Con 1", que é o código para uma guerra nuclear iminente.

PS 2: O Blogger mudou o sistema de postagem e ficou uma verdadeira MERDA. Portanto, até eu me acostumar com as novas e ridículas ferramentas, as atualizações devem ser menos frequentes - já que o ato de configurar o post ficou desnecessariamente mais complicado!


Trailer de CONDIÇÃO DE DEFESA
 
 
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Def-Con 4 (1985, Canadá) 
Direção: Paul Donovan (mais Tony Randel e Digny Cook) 
Elenco: Tim Choate, Lenore Zann, Maury Chaykin, Kate Lynch, 
Kevin King, John Walsch, Jeff Pustil, Alan MacGillivray, 
Donna King e Florence Paterson.

domingo, 15 de abril de 2012

CYBORG - O DRAGÃO DO FUTURO (1989)


Em 1987, a Cannon Films começava a pré-produção de dois blockbusters. Quer dizer, "blockbusters" para os padrões barateiros da companhia, é claro. Os filmes eram "Mestres do Universo 2", continuação daquela versão live-action do desenho do He-Man (dirigida por Gary Goddard e estrelada por Dolph Lundgren), e "Homem-Aranha", adaptação dos quadrinhos da Marvel que era a menina-dos-olhos da Cannon (e cuja história você pode ler clicando aqui). Albert Pyun era o diretor contratado para dirigir os dois filmes praticamente ao mesmo tempo.

Só que aí deu zebra: a Cannon, que já vinha mal das pernas, começou a sentir o baque nas finanças; a Mattel e a Marvel, parceiras da produtora nos dois projetos, pularam fora, e subitamente não havia mais dinheiro para filmar os dois, aham, "blockbusters". Mas, na pré-produção, a Cannon já tinha gastado US$ 2 milhões para elaboração de cenários, figurinos e objetos para os filmes. Como recuperar essa grana agora que os projetos haviam sido cancelados?


Pois para não perder dinheiro, Golam e Globus (os cabeças da Cannon) pediram que Albert Pyun fizesse um novo filme reaproveitando tudo aquilo que já tinha sido feito para os abortados "Mestres do Universo 2" e "Homem-Aranha". Como já haviam queimado dois milhões, Pyun teria apenas a mixaria de 500 mil (!!!) para dirigir a aventura tapa-buraco.

E assim, resumidamente, nasceu CYBORG - O DRAGÃO DO FUTURO.

Pyun é um cineasta com mais detratores do que admiradores. Eu confesso que gosto de vários filmes dele ("Jogo de Assassinos", "Dollman - 33 cm de Altura... E Atira!", "Adrenalina", "Nêmesis"). Mas CYBORG é, de longe, a grande obra-prima do diretor - um filmaço pós-apocalíptico que ficou ainda melhor com o tempo, principalmente por causa do excesso de viadagem dessas aventuras modernas.


Como toda aventura pós-apocalíptica, esta também se passa num futuro não-determinado em que o planeta foi destruído por causas igualmente nunca reveladas pelo roteiro de Kitty Chalmers. O primeiro take do filme é uma visão da Brooklyn Bridge, em Nova York, parcialmente desmoronada, enquanto uma simpática barata caminha nos escombros da civilização em primeiro plano - algo barato e eficaz.

Em breve descobriremos que neste triste futuro a expectativa de vida é bem curta: quem não morre contaminado por uma praga letal e sem cura é brutalmente executado pelos Piratas, bárbaros violentos liderados por Fender (Vincent Klyn), um gigante sempre de óculos escuros que gosta do mundo do jeito que ele ficou e mata quem quer que cruze seu caminho.


Felizmente, ainda existe gente boa dedicada a ajudar o próximo - guerreiros conhecidos como "Slingers" que, por dinheiro, escoltam pessoas pelas cidades devastadas, defendendo-as dos cruéis Piratas.

Um dos Slingers é Gibson, interpretado por um jovem baixinho belga chamado Jean-Claude Van Damme. Ele tinha recém-saído do set de "O Grande Dragão Branco", e na verdade foi a segunda escolha para estrelar CYBORG - a primeira, acredite se quiser, era Chuck Norris! Hoje, é difícil dissociar Van Damme deste filme, que praticamente carimbou o passaporte do belga para a fama.


Gibson parece ter um motivo particular para lutar contra os Piratas, e um ódio profundo por Fender. Ele é procurado por Pearl (Dayle Haddon), que está sendo caçada pelos vilões e precisa chegar a Atlanta. A moça na verdade é uma cyborg (eis o título do filme), e em seu cérebro eletrônico está armazenada a cura para a praga que vem dizimando a humanidade, e que só pode ser sintetizada num laboratório de Atlanta. Os Piratas, claro, querem pôr as mãos na garota robótica para serem os únicos proprietários da cobiçada cura.

Só que Gibson não consegue defender Pearl, que é levada por Fender e sua gangue. Acompanhada por outra garota, esta de carne e osso - Nady, interpretada por Deborah Richter -, o Slinger continua sua jornada rumo a Atlanta, para resgatar a cyborg e acabar com Fender de uma vez por todas.


E isso, basicamente, é CYBORG. Uma aventura simples, direta e violenta, daquele jeito que parece que os caras desaprenderam a fazer com o passar dos anos. É até curioso reassisti-lo hoje e constatar que praticamente não há diálogos, e as poucas falas trocadas pelos personagens são para fazer a história andar, e não para ficar enrolando ou matando tempo.

Mas tudo bem, ninguém precisa de um longo diálogo expositivo ou de um texto introdutório explicando quem são os vilões e o quanto eles são perigosos quando Pyun já os apresenta de maneira foda no início do filme, numa cena em que os sujeitos vêm caminhando em câmera lenta com um incêndio ao fundo. Não precisa falar nada: esses caras mal-encarados são os vilões, e eu certamente atravessaria para o outro lado da rua caso topasse com eles por aí...


Vou até chutar alto agora: para mim, CYBORG é, para as ficções pós-apocalípticas classe B, o que "Era Uma Vez no Oeste", de Sergio Leone, foi para o western spaghetti.

O próprio Pyun já confessou que sua ideia original era fazer uma ópera-rock em preto-e-branco e sem diálogos. Bem, felizmente os produtores não deixaram, mas, mesmo com cores e alguns diálogos aqui e acolá, o resultado está bem perto de uma ópera de ação, com cenas de pancadaria perfeitas, sem aquele exagero das aventuras de Hong-Kong, mas ao mesmo tempo um nível acima do que se fazia na época.


Sem muitas firulas ou efeitos especiais, as lutas são coreografadas e filmadas como se os atores fossem bailarinos atuando num musical. Um toque de gênio é o fato de existirem poucas armas de fogo no futuro imaginado pelos realizadores, então o herói é praticamente obrigado a buscar o contato com os inimigos, seja com os punhos e pés, seja com armas brancas, como facas.

(O IMDB informa que o coreógrafo e treinador de Van Damme, não-creditado no filme, foi Michel Qissi, aquele gigante que interpretou o vilão Tong Po e enfrentou o próprio belga em "Kickboxer - O Desafio do Dragão".)


Por sinal, a coisa é tão "física" que muitas vezes você se pergunta como é que os atores não se machucaram durante as filmagens. Bem, neste caso nem tudo foram flores: durante uma luta de facas com um dos Piratas, interpretado por Jackson "Rock" Pinckney, Van Damme errou o alvo e atingiu o ator no olho, cegando-o de verdade.

A produção era tão barata que não deu tempo de refazer o take, então podemos ver parcialmente, na versão final do filme, o herói esfaqueando o olho do coitado do figurante - isso acontece na cena final, pouco antes de Van Damme enfrentar o próprio Fender. Um tempo depois, Pinckney processou o belga pela perda da visão e faturou 500 mil dólares.


Infelizmente, cenas mais violentas foram limadas para que o filme não ganhasse uma classificação etária "X" (a mesma dos pornôs) ao invés de "R" lá nos Estados Unidos. Os cortes são perceptíveis, principalmente quando um dos adversários de Van Damme simplesmente desaparece durante uma luta! Estes momentos mais sangrentos foram perdidos, portanto não estão nem no DVD - mas, curiosamente, o que ficou no corte final já é suficientemente violento para não sentirmos falta de mais sangue. Tem até corpos sendo despedaçados pelos Piratas e vítimas crucificadas pelas ruas de Nova York!

Além de filmar as lutas com maestria, em planos abertos que permitem ao espectador acompanhar o "ballet" da pancadaria, Pyun também recorre a quantidades absurdas de câmera lenta, que tornam os embates ainda mais climáticos e plasticamente bonitos. Poucas vezes Van Damme foi tão bem dirigido quanto aqui, e isso anos antes de sua parceria com John Woo em "O Alvo".


E o belga está ótimo como um Mad Max que usa artes marciais ao invés de carros velozes. Seu Gibson é uma espécie de samurai do futuro, um guerreiro errante que oferece seus dotes de lutador a quem pagar mais, mas que, no fundo, busca vingança por motivos pessoais: através de flashbacks mostrados esporadicamente ao longo do filme, descobrimos que Fender e seus Piratas mataram a família do herói.

Como um videogame, a narrativa vai pulando de confronto para confronto do herói com os vilões sem muito tempo para conversa fiada e sem deixar o espectador respirar. Gibson enfrenta inimigos em prédios e fábricas abandonadas, foge por túneis de esgoto, luta dentro de um rio e, por fim, enfrenta Fender nas ruínas de Atlanta, num violento confronto final durante uma chuva torrencial - mais épico, impossível.


Mas, antes de chegar aí, existe uma cena fantástica e antológica em que o herói é espancado pelos Piratas e crucificado no mastro de um navio. Críticos mequetrefes, como nosso célebre Rubinho Ewald Filho, torceram o nariz alegando que Van Damme tinha pretensões messiânicas (!!!), uma bobagem sem tamanho. Fato é que a cena é ótima, e poucas vezes um herói sofreu castigo tão tenebroso quando este inflingido ao pobre Gibson.

CYBORG também tem muita coisa legal além da ação. Como foi originalmente concebido para ser uma "ópera-rock", vários dos personagens principais foram batizados com o nome de empresas que produzem guitarras e outros instrumentos musicais: Gibson, Fender, Nady, Marshall e Pearl.


Além disso, é difícil não ficar imaginando onde e como todos aqueles cenários e figurinos iriam ser usados nos nunca filmados "Mestres do Universo 2" e "Homem-Aranha". Uma das melhores cenas de ação do filme acontece numa velha fábrica em ruínas que lembra muito uma usina elétrica. Seria um cenário construído para "Homem-Aranha", já que o vilão em uma das primeiras versões do roteiro era Electro?

E mesmo sabendo que CYBORG foi produzido com sobras da pré-produção de outros dois filmes, é incrível como as coisas se encaixam direitinho aqui, principalmente os figurinos e objetos de cena. As armas e roupas, por exemplo, parecem realmente instrumentos fabricados com os restos de um mundo destruído, e não itens novinhos em folha, como era comum nesse tipo de aventura.


Sendo uma produção barata e improvisada, CYBORG pagou-se com facilidade: o filme chegou aos cinemas apenas em 1989, mas só nos Estados Unidos faturou mais de 10 milhões de bilheteria, segundo dados do IMDB. Considerando que o orçamento foi de 500 mil (ou US$ 2.500.000, considerando o que já tinha sido investido em "Mestres do Universo 2" e "Homem-Aranha"), o retorno não foi dos piores.

Vale ressaltar que esta foi a última produção da Cannon Films a chegar aos cinemas. Logo depois, Golam e Globus decretaram falência e fecharam aquela pequena produtora responsável por tantas pérolas da ação barata e absurda dos anos 80...


E embora CYBORG tenha ganhado certa fama graças ao vídeo e (muito depois) ao DVD, com um grande contingente de admiradores no mundo inteiro, o diretor Albert Pyun sempre demonstrou-se insatisfeito com o resultado final. Acontece que, segundo ele, o CYBORG que todo mundo conhece não é a "sua" versão oficial do filme.

Em 1988, Pyun teria entregado um primeiro corte, originalmente batizado "Slinger", para a Cannon; os produtores e o astro Van Damme teriam então assumido o controle criativo da edição, convidando o cineasta a abandonar os trabalhos (ou expulsando-o, conforme o próprio Pyun), e finalizando o filme como o conhecemos hoje.


Em 2011, Pyun finalmente lançou sua "director's cut" de CYBORG, usando aquele seu primeiro corte realizado em 1988, e que só sobreviveu através de velhas fitas VHS (portanto, a qualidade de som e de imagem não é das melhores).

Embora esta nova versão traga a visão que o diretor supostamente tinha desde o começo, não posso deixar de comemorar o fato de ele ter sido afastado da edição do longa, pois este é mais um daqueles casos em que a versão original, dos produtores, é muito superior à do diretor (algo que eu também acho de "Blade Runner", pois não consigo gostar da director's cut do Ridley Scott).


Entre outras esquisitices da director's cut de Pyun está um letreiro inicial (foto acima) que identifica os Piratas como adoradores de Satã (!!!), e uma série de diálogos em off ou sermões de Fender fazendo alusão ao Diabo, como se todos os crimes cometidos por eles durante a aventura fossem em nome do Coisa Ruim!

"Slinger" também já começa com a imagem de Gibson crucificado, e a partir de então se desenrola a história mostrando o que aconteceu para o herói acabar assim. Os flashbacks com o destino da sua família estão todos concentrados na primeira parte do filme, e não distribuídos ao longo da narrativa, como acontecia na versão original.


Há ainda duas alterações bem esquisitas nessa director's cut: o violento ataque dos Piratas ao porto para roubar um barco foi totalmente cortado por Pyun, assim como metade do confronto final com Fender. Se na versão do estúdio Fender era atingido por uma facada, parecia morto e então voltava para o segundo round, numa luta muito mais longa, aqui Van Damme resolve a parada na primeira facada mesmo, usando a lâmina para cortar a cabeça do vilão ao meio (imagens acima).

Por outro lado, Pyun resgatou um momento cortado do original: o garotinho jogando bola, que é salvo por Gibson em determinado momento da trama, aparece sendo morto e esquartejado por bandidos numa cena que só existe na versão do diretor (imagens abaixo), quando na montagem do estúdio ele simplesmente sumia da narrativa logo após a cena em que é salvo pelo herói.


Já a personagem de Nady tem um forte motivo para acompanhar Gibson na sua busca pelos Piratas nesta director's cut: a personagem explica que era namorada do sujeito que atuava como guarda-costas da cyborg, e que foi morto por Fender logo na primeira cena do filme.

E assim chegamos à mudança mais drástica de "Slinger": todas as menções à praga foram deletadas, portanto não aparecem mais cenas como essa abaixo, da versão do estúdio. Na visão de Pyun, a cyborg não leva mais a cura para a doença em seu cérebro eletrônico. Pelo contrário, ela tem informações para "restaurar a eletricidade e a tecnologia para mudar o mundo", algo que Fender e sua trupe não querem de forma alguma.


Na conclusão, numa mudança corajosa de Pyun, sugere-se que a cyborg e os cientistas de Atlanta na verdade não são a última esperança da humanidade, mas sim vilões com algum plano de dominação mundial: nos diálogos redublados, um dos cientistas pergunta se Gibson não vai "causar problemas", e a cyborg responde que nada mais pode detê-los. Curioso, para dizer o mínimo. E uma aula de como um filme pode mudar completamente de tom apenas na mesa de edição.

Apesar das boas intenções do diretor, eu continuo achando a versão "oficial" de CYBORG muito superior a esta sua director's cut, que inclusive tem uma nova trilha sonora mais rock-and-roll que soa deslocada em comparação com a original (de tom mais "épico", casando com o aspecto operístico com que as cenas de ação foram filmadas).


É difícil que, hoje, alguém não tenha visto CYBORG, graças principalmente às intermináveis exibições na TV aberta, ou à velha fitinha da América Vídeo (o filme depois foi relançado em DVD pela MGM). Se você é um desses poucos infelizes que nunca teve curiosidade pela ópera pós-apocalíptica de Albert Pyun e Van Damme, agora é uma boa hora para abandonar este preconceito e conferir.

Primeiro porque tanto o diretor quanto o belga estão sem realizar um filmaço tão impactante há um bom par de anos, se não décadas. Segundo porque a última aventura pós-apocalíptica decente produzida foi, talvez, "Doomsday/Juízo Final" (2008), do Neil Marshall, que, mesmo com muito mais grana, perde feio em comparação a CYBORG.


E terceiro, e mais importante, porque este filme tem aquele charme barateiro e improvisado típico das produções da Cannon Films. Quando se sabe que Pyun e os demais envolvidos realizaram algo tão foda a partir de sobras de outras duas produções canceladas, não tem como não tirar o chapéu - especialmente ao lembrar da quantidade de bombas realizadas com orçamentos milionários nesses tempos modernos.

Portanto, dispa-se do preconceito e encare uma sessão de CYBORG, este pequeno grande filme produzido há quase 25 anos. E prepare-se para engrossar o séquito de fãs.


PS 1: Nos anos 90, outros produtores e diretor (Michael Schroeder) produziram duas sequências com pouca ou nenhuma relação com o original, "Cyborg 2" (1993) e "Cyborg 3 - A Criação" (1994). A única coisa realmente interessante em ambos é o elenco, trazendo nomes como Zach Galligan, Richard Lynch, Malcolm McDowell, William Katt (todos na Parte 3), Elias Koteas, Jack Palance e Billy Drago (na Parte 2). No segundo filme, também, a bela cyborg é interpretada por uma jovem gostosíssima chamada Angelina Jolie, em seu primeiro papel principal. E ela ainda aparece pelada!

PS 2: Recentemente, Albert Pyun divulgou o teaser de seu novo projeto, uma prequel de CYBORG (!!!) chamada "Cyborgs: Rise of the Slingers" (você pode ver o vídeo clicando aqui). O teaser até não é dos piores, mas não sei o que esperar de um retorno ao universo de Slingers x Piratas mais de 20 anos depois. E Pyun já disse que a trama é inspirada na sua versão do diretor (com a subtrama do mundo sem energia). Agora é esperar para ver. E bem que o Van Damme podia fazer uma pontinha...

Trailer de CYBORG - O DRAGÃO DO FUTURO



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Cyborg (1989, EUA)
Direção: Albert Pyun
Elenco: Jean-Claude Van Damme, Deborah Richter, Vincent Klyn,
Dayle Haddon, Blaise Loong, Ralf Moeller, Terrie Batson, Alex
Daniels, Jackson "Rock" Pinckney e Haley Peterson.