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quarta-feira, 26 de março de 2014

NA TRILHA DA MORTE (1976)


Sempre que sai um novo "Os Mercenários", ou o último filme de ação estrelado por Stallone e Schwarzenegger (que estão chegando na casa dos 70 anos!), é comum que a molecada leite-com-pêra comece a reclamar e/ou fazer piadinhas envolvendo a idade dos veteranos. Talvez eles não saibam, mas dos anos 1970 até começo dos 1980 os astros de ação mais legais não eram jovenzinhos raquíticos, mas sim coroas cinquentões ou sessentões, de cabelo branco ou sem cabelo algum, e que nem por isso faziam feio!

Lee Marvin, por exemplo, foi um dos grande durões dos anos 1970, quando já era cinquentão, e tinha 62 anos ao fazer "Comando Delta" (1986) - isso porque, à época, era o único sujeito casca-grossa o suficiente para convencer como superior do astro Chuck Norris. Charles Bronson tinha 52 anos ao estrelar o primeiro "Desejo de Matar" e 63 quando fez "Desejo de Matar 3". E Clint Eastwood, antes de ser um diretor respeitado, era criticado (pelos mesmos críticos que hoje lhe rasgam seda) por estrelar descerebrados filmes de ação tipo "Firefox - A Raposa de Fogo" e "Impacto Fulminante" quando já tinha passado dos 50 anos!


E não dá para esquecer de Yul Brynner, dono de uma das carecas mais famosas do cinema. Nos anos 70, já cinquentão mas ainda em forma, o russo naturalizado norte-americano estrelou dois ótimos filmes em que dá um show na maioria dos moleques que você vê na telona do cinema hoje. Um é a aventura pós-apocalíptica "O Último Guerreiro" (1975), já resenhada aqui; o outro é NA TRILHA DA MORTE, que seria o seu último filme (Brynner estava com 56 anos na época das filmagens).

Mesmo com o rosto sulcado por rugas e pelas marcas do tempo, os 56 anos do astro não transparecem neste policial bem decente, dirigido por um dos grandes artesãos do cinema italiano, "Anthony M. Dawson", ou Antonio Margheritti. Ele era bastante popular pelos filmes de horror gótico e de ficção científica que dirigiu nos anos 60-70; mas àquela altura, como muitos outros cineastas da Terra da Bota, já se aventurava pelos mais diversos gêneros (no caso, o que quer que estivesse dando lucro no momento).


Yul Brynner era um daqueles atores tão fodões que, mesmo se ficasse parado o filme inteiro, só olhando para a câmera, sem socar ou atirar em ninguém, já bastaria para o espectador se convencer do quanto ele é fodão. E isso só por causa do seu semblante sério e de um característico olhar gélido e ameaçador que poucos atores depois dele conseguiram imitar - um daqueles olhares que deixaria muito brutamontes sem dormir de noite.

Esse "olhar 43" é uma das grandes armas de Brynner também em NA TRILHA DA MORTE, onde ele interpreta um assassino da Máfia aposentado chamado Peter Marciani, que está trabalhando como freelancer em Nova York e passa as horas de folga pescando na margem da famosa Ponte do Brooklyn!


Marciani resolveu abandonar o trabalho com os mafiosos depois que seu irmão mais novo foi executado na sua frente alguns anos antes, e ele próprio quase morreu no mesmo atentado. O ocorrido lhe deixou com um problema de visão (que pode ser puramente psicológico) permanente: sofre "bloqueios" diante de luzes muito fortes, porque isso lhe lembra o momento da morte do irmão.

Enquanto isso, em Nápoles, o mafioso Sal Leonardi é assassinado pelos homens de uma quadrilha rival, chefiada por Gennaro Gallo. O grupo de Leonardi resolve partir para a "vendetta" (vingança), mas decide que o melhor a fazer é mandar seu melhor homem para a guerra. E este é o ex-assassino Marciani, convencido a voltar para a Itália ao descobrir que Gallo, seu novo alvo, teria sido o mandante do assassinato do seu irmão anos antes.


Sem demora, o veterano matador viaja para Nápoles, onde acaba juntando forças com um jovem vigarista chamado Angelo (interpretado pelo cantor pop, e ídolo das adolescentes da época, Massimo Ranieri). A principal ocupação do rapaz é manipular os resultados das apostas no hipódromo local: ele convence clientes a fazerem grandes apostas em determinado animal e depois atinge o cavalo com um tiro de arma de pressão, forçando-o a acelerar e vencer a corrida!

Embora seja um mero vigarista, Angelo tem planos de subir para a "primeira divisão" do crime, e por isso acredita que associar-se a uma lenda do ramo, como Marciani, será muito bom para o seu currículo. A ligação entre eles fica tão forte que o rapaz chega a entregar a amada, uma stripper chamada Anny (Barbara Bouchet), para ser amante do veterano!


Numa reviravolta que lembra bastante "Assassino a Preço Fixo" (1972), de Michael Winner, o personagem de Brynner também começa a treinar o rapaz para ser um matador frio e implacável como ele, a exemplo do que Charles Bronson fez com outro jovem pupilo naquele filme.

Assim, entre um tiroteio e outro, o espectador acompanha o "embrutecimento" de Angelo e sua transformação de simples vigarista a assassino sem sentimentos. Quando Marciani executa um capanga que havia lhe dado informações importantes, o rapaz questiona: "Mas ele contou o que você queria, por que o matou?". O mentor rapidamente justifica sua frieza: "Para que não dissesse aos outros que sabemos". Mais adiante, Marciani explica as três etapas importantes do "negócio": preparação, tiro e fuga. "Se cometer um erro em alguma delas, você está morto", resume.


Ao mesmo tempo em que capangas de Gallo pipocam por toda parte, para tentar impedir o velho assassino de cumprir sua missão, a dupla Marciani/Angelo também enfrenta a própria polícia, representada por um comissário veterano interpretado pelo norte-americano Martin Balsam, que, encarnando o típico xerifão de western, quer evitar uma guerra sangrenta nas ruas da "sua" cidade.

Produzido pelo cineasta Umberto Lenzi (que dirigiu ele mesmo alguns policiais ultraviolentos na mesma época), NA TRILHA DA MORTE provavelmente não se diferenciaria muito de outros exemplares do cinema policial italiano se não fosse pela hipnótica presença de Brynner. Sempre vestido de preto, e raramente esboçando algo sequer parecido com um sorriso (a não ser quando vê Barbara Bouchet pelada, mas quem pode culpá-lo?), seu Peter Marciani é um daqueles personagens incríveis que o espectador até lamenta por não ter aparecido em mais filmes.


O roteiro de Guy Castaldo (este é o seu único crédito) é bastante eficiente em apresentar Marciani como uma figura cuja fama o faz ser ao mesmo tempo temido e respeitado, tanto pela polícia quanto pelos seus rivais. E isso acontece sem que seja preciso mostrar Brynner matando 30 ou 40 pessoas no começo do filme; pelo contrário, o ator convence o espectador da sua periculosidade apenas com a (falta de) expressão e atitude.

Numa cena fantástica, que resume o quanto Marciani é "o cara", ele é rendido por um dos capangas de Gallo, que aponta uma arma para a sua cabeça. "Se eu fosse você, atiraria agora mesmo", diz Brynner, com aquela sua cara de poucos amigos. Quando o capanga explica que Marciani vale muito mais caso seja entregue vivo, o temido matador retruca: "Se eu fosse você, atiraria mesmo assim!".


E o que acontece depois é relevante; a força da cena é a mítica do personagem e do ator que o interpreta - já que qualquer espectador que tenha visto "Sete Homens e um Destino", "Adios Sabata" ou mesmo "Westworld - Onde Ninguém Tem Alma", sabe que Yul Brynner é um sujeito com quem não se deve mexer...

Nesses tempos em que vigora o politicamente correto, e heróis são exemplos de conduta chatos como coroinhas, sempre é bom ver um filme cujo protagonista é um anti-herói que não faz prisioneiros e nem fica com a consciência pesada depois de executar rivais desarmados.

Para arrancar informações de um capanga ferido, por exemplo, Marciani cutuca o buraco de bala do sujeito com sua arma, sem fazer cerimônia. O que só evidencia aquilo que eu escrevi acima: que não se deve mexer com Yul Brynner!


Embora NA TRILHA DA MORTE não esteja entre os melhores trabalhos de Margheritti, e muito menos entre os mais memoráveis, tem muita coisa boa que ajuda a valorizar a trama de vingança mafiosa já batida. Um dos diferenciais é o trauma/problema de visão do protagonista, que se manifesta sempre que uma luz forte incide sobre os seus olhos, seja o sol ou a passagem de um trem no metrô.

Quando isso acontece, Marciani é bombardeado por imagens que até lembram uma viagem de LSD, enxergando, em cores vivas, as últimas imagens do momento da execução do irmão. Mais tarde o espectador descobre que este trauma surgiu do reflexo do sol no pára-brisa de um carro, que atingiu os olhos de Marciani durante aquele evento traumático.


Outra coisa boa (ou, neste caso, maravilhosa) de NA TRILHA DA MORTE é a alemã Barbara Bouchet, interpretando a stripper por quem Marciani e Angelo são igualmente apaixonados. A moça não regula no quesito nudez e aparece completamente pelada em frente e verso, embora as cenas mais "ousadas" tenham sido cortadas em algumas versões do filme que circulam por aí.

O irônico é que embora Anny e Marciani interpretem um casal apaixonado, nos bastidores não havia nenhuma química entre Brynner e Barbara: eles simplesmente se odiavam! Segundo entrevistas da atriz, o quebra-pau teria começado por causa da maneira tirânica com que Yul tratava a equipe. Ao testemunhar o envelhecido astro jogando as meias sujas no rosto da figurinista e mandando que as lavasse, Barbara ficou revoltada e passou a tratar seu colega de cena com a mesma grosseria.

O auge da provocação foi quando ela descobriu que Yul era supersticioso e não gostava de cravos, por temer uma reação alérgica às flores. Sem pensar duas vezes, Barbara mandou um enorme buquê de cravos para o camarim do ator!


Curiosamente, o resto da equipe sempre manteve uma relação de cortesia com o careca. Massimo Ranieri, que interpretou seu pupilo no filme, e teve que passar mais tempo com ele, falou sobre isso em entrevista publicada no livro "Yul Brynner: A Biography", de Michelangelo Capua. O rapaz teve um contato anterior com Yul durante as filmagens de "O Farol do Fim do Mundo" (1971), e na ocasião havia achado o ator muito arrogante e pretensioso.

Nesse segundo trabalho juntos, entretanto, Yul teria mudado praticamente da água para o vinho: "Eu descobri um ser humano fantástico, com uma sensibilidade extraordinária", disse Ranieri no livro, lembrando das suas conversas com o astro sobre os trabalhos humanitários que ele fazia, voltados a crianças refugiadas da guerra (Brynner inclusive teria realizado diversas viagens ao Vietnã por aqueles anos, colaborando com as Nações Unidas para ajudar órfãos do conflito).


O diretor Margheritti também gostou muito de trabalhar com Yul e realizou um grande sonho ao dirigi-lo, já que era fã declarado do astro. A experiência foi tão boa que Margheritti prometeu fazer um segundo filme estrelado por ele, em que o careca interpretaria um caçador na África. Só que o projeto nunca sairia do papel porque a carreira de Brynner ganhou uma sobrevida na Broadway: a partir do seu retorno aos EUA, naquele mesmo ano, o ator passou a fazer mais sucesso nos palcos do que seus últimos filmes no cinema!

Em 1977, ele resolveu repetir um dos seus papéis mais famosos, o Rei Mongkut de "O Rei e Eu", que já havia feito nos palcos e no filme homônimo de 1956, numa nova montagem da obra para a Broadway. O espetáculo foi um sucesso estrondoso e teve diversas turnês pelos Estados Unidos e pela Europa durante os oito anos seguintes, até 1985. Neste ano, em 30 de junho, Yul comemorou 4.625 performances em "O Rei e Eu" (!!!), e morreria quatro meses depois (em 10 de outubro de 1985), por complicações decorrentes do câncer de pulmão diagnosticado algum tempo antes.


Embora não tenha concretizado a anunciada parceria seguinte com o astro, pelo menos Margheritti deu a última oportunidade para Yul Brynner no cinema. E parece ter se divertido bastante na direção, já que NA TRILHA DA MORTE não se leva tão a sério como parece: tem até um momento em que os vilões tentam eliminar Marciani usando um... colírio assassino?!?

Mas a cena mais divertida é aquela em que Marciani executa uma vítima durante o show de uma banda de rock tipicamente setentista; atingida pelo tiro fatal, a vítima se contorce em câmera lenta, com os braços abertos, e a imagem se confunde com a do vocalista da banda na mesma posição!


As cenas de ação também são eficientes, com a quantidade certa de tiroteios e perseguições de automóvel, ao som da bela trilha sonora dos irmãos De Angelis, Guido e Maurizio (o mausoléu da família De Angelis aparece em certa cena num cemitério, talvez numa homenagem/citação à dupla).

Mas o filme não abusa da violência explícita característica dos filmes policiais (ou de Máfia) produzidos na Itália na época, e pouquíssimo sangue é mostrado - o oposto do que promete o violento pôster italiano, reproduzido acima.


E por falar em pôster, vale destacar uma inacreditável picaretagem relacionada ao filme. NA TRILHA DA MORTE chama-se, originalmente, "Con La Rabia Aggli Occhi" ("Com a Raiva nos Olhos"), um título que diz muito sobre o personagem de Brynner, sua sede de vingança e mesmo o seu problema ocular/psicológico.

Mas quando ele foi lançado nos Estados Unidos, o distribuidor resolveu transformá-lo numa continuação de "Desejo de Matar" (!!!), mesmo que um filme não tenha absolutamente nada a ver com o outro.

Para isso, rebatizou o policial italiano como "Death Rage" (Fúria Mortal), e providenciou um pôster completamente enganoso (ao lado), onde se lê, em letras garrafais: "O segundo capítulo do Vigilante da Cidade Grande! Bronson começou, Brynner termina!".

Mais embaixo, para forçar a relação com o sucesso dirigido por Michael Winner em 1974, há um "Primeiro 'Death Wish'. Agora... 'Death Rage'!".

Não sei se a picaretagem do distribuidor surtiu algum efeito, mas com certeza o público que esperava ver uma nova aventura na linha de "Desejo de Matar" saiu frustrado ao encontrar uma história sobre guerra de mafiosos que sequer se passa em Nova York, mas sim na Itália!

(A continuação "oficial" de "Desejo de Matar" sairia apenas em 1982, e com Charles Bronson de volta ao papel de protagonista, e não Yul Brynner!)


NA TRILHA DA MORTE pode até não ser o mais memorável dos trabalhos do astro no cinema (embora bastante decente como um fim de filmografia, já que ele interpreta um personagem de classe e ainda dá uns pegas numa gatinha com a metade da sua idade). Mas sempre é bom ver o mitológico Brynner em ação e constatar como esses coroas mandavam bem no cinema de outrora.

Principalmente em comparação com o que se tem hoje, pois o posto de careca durão do cinema de ação deixado por ele espera desde 1985 para ser preenchido. Até existem dois bons concorrentes contemporâneos à vaga (Vin Diesel e Jason Statham), mas ambos ainda precisam comer muito feijão com arroz para ficar à altura do bom e velho Yul Brynner...


Trailer de NA TRILHA DA MORTE



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Con La Rabbia Aggli Occhi (1976, Itália)
Direção: Anthony M. Dawson (aka Antonio Margheritti)
Elenco: Yul Brynner, Massimo Ranieri, Martin Balsan,
Barbara Bouchet, Giacomo Furia, Salvatore Borghese,
Rosario Borelli e Giancarlo Sbragia.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

BODIGAADO KIBA (1973) e THE BODYGUARD (1976)


Hoje voltamos com mais uma exclusiva Sessão Dupla aqui no FILMES PARA DOIDOS, e trazendo um caso curioso: as versões oriental e ocidental do filme "O Guarda-Costas", estrelado por Sonny Chiba, sendo que apenas a última (e mais fraquinha) foi lançada no Brasil.

Por que "caso curioso"? Já explico: em 2006, publiquei no meu extinto Multiply (alguém ainda usa essa joça?) uma resenha mal-humorada sobre o filme, baseada num DVD pra lá de fuleiro distribuído no país pela Kives.

E, como sempre digo, vai chegar o dia em que os fãs de cinema perceberão o completo desserviço que são esses DVDs fuleiros e piratex lançados em larga escala por aqui. O argumento do "Ah, pelo menos estão lançando clássicos inéditos" não cola mais como desculpa para justificar produto porco nesses tempos de download.


Acontece que o disquinho da Kives tem imagem em fullscreen e com qualidade de VHS, tão ruim, mas tão ruim, que torna-se praticamente impossível entender qualquer coisa que acontece nas cenas de luta. E foi nessa edição lamentável que embasei minha resenha de então.

Só recentemente arranjei uma cópia de qualidade para rever, e parecia que estava assistindo um outro filme (como aconteceu com o western "Sete Dólares para Matar", cujo DVD nacional também é um lixo).

Só para terem uma idéia da "qualidade" do tal DVD nacional, e de quanta informação se perde pelo fato do filme estar em tela cheia, comparem as imagens abaixo (a primeira, em fullscreen e cores lavadas pela ripagem de VHS, é do disco da Kives; a segunda, em widescreen e super-nítida, é do DVD importado).


Lá em 2006, quando escrevi sobre o filme, eu ainda nem sabia que "The Bodyguard" era a versão ocidental do filme japonês "Bodigaado Kiba" (1973), devidamente cortada e "adaptada" para o mercado norte-americano, onde estreou em 1976. Curiosamente, até hoje nem o IMDB sabe disso (os filmes não estão linkados na opção Movie Connections).

Com ambos os filmes em mãos, pude finalmente assistir e comparar as diferenças entre eles, conforme você vai acompanhar a partir de agora:


BODIGAADO KIBA (1973)


Sonny Chiba é uma lenda viva do cinema oriental de pancadaria. Fez mais de 120 filmes, estrelou grandes sucessos de bilheteria e hoje é um ídolo cult, embora sua participação no cinema, dos anos 90 para cá, tenha se relegado a pequenas participações em filmes como "Battle Royale 2".

Um de seus fãs, o cineasta Quentin Tarantino, fez questão de prestar homenagem a Chiba mais de uma vez: em "Amor à Queima-Roupa" (roteiro dele dirigido por Tony Scott), o personagem principal assiste uma sessão tripla da franquia "The Street Fighter" (grande sucesso do ator) no cinema; mais tarde, incluiu o próprio Chiba no papel de Hattori Hanzo em "Kill Bill - Volume 1" - sendo que o ator já havia feito um personagem com este nome num seriado de TV dos anos 80.

Uma das características de Chiba é que seus heróis sempre foram mais brutais e menos simpáticos, daquele tipo que mata com os punhos e sem pensar duas vezes; em alguns filmes, ele exibe um olhar mais mal-encarado do que o dos próprios vilões, e talvez por esse motivo Chiba acabou interpretando vários papéis de vilão no cinema.


BODIGAADO KIBA é de 1973, portanto veio antes da famosa série "The Street Fighter" e também de outros sucessos do ator (como "The Executioner"). Dirigido por Tatsuichi Takamori e escrito por Ryuzo Nakanishi, o filme começa com um bandidão sendo executado, junto com a família e os guarda-costas, ao sair de uma igreja. Os responsáveis são perigosos assassinos da Máfia.

Corta para o mestre de artes marciais Naoto Kiba (Chiba) dando uma demonstração de seus poderes mortais ao impedir o sequestro de um avião por terroristas. Kiba é tão foda que enfrenta homens armados com revólveres e consegue matá-los com as próprias mãos. Um deles chega a cuspir os dentes da frente, ainda presos pelas gengivas!!! Os créditos iniciais do filme se desenrolam durante a pancadaria.


De volta ao Japão, o herói é recebido com honras e entrevistado por diferentes emissoras de TV, quando revela que seu "ato de heroísmo" na verdade foi a forma que encontrou para fazer auto-divulgação. Em rede nacional, Kiba afirma que é a segunda única pessoa do mundo a dominar uma técnica mortífera de karatê chamada "Tesshinkai", e que está alugando seus punhos como guarda-costas. (A outra pessoa que domina a técnica é o velho mestre do herói, Daito Tetsugen, famoso por ter matado um touro furioso com as próprias mãos!)

Numa cena ótima, nosso herói dá uma demonstração do seu dom ao arrancar o gargalo de uma garrafa de Coca-Cola com um único golpe de mão aberta!!!


À noite, enquanto conversa com a irmã Maki e se lembra do treinamento com o mestre Tetsugen, Kiba é procurado por uma garota muito suspeita que o contrata como guarda-costas, alegando que está sendo perseguida por mafiosos. Mesmo sem saber nada sobre ela, o herói aceita o trabalho.

Depois que Maki é agredida e quase morta pelos mesmos assassinos da Máfia da cena inicial Kiba passa o restante do filme acompanhando sua cliente para cima e para baixo, até descobrir que entrou numa furada: a garota era amante do bandidão executado na cena inicial, e também a única pessoa que sabe onde está uma carga milionária em heroína que é cobiçada por um montão de personagens.


A partir de então, BODIGAADO KIBA começa a ficar mais complicado do que o necessário. As poucas cenas de ação são separadas por longos momentos de conversa fiada em que são apresentados os outros personagens, basicamente quadrilhas rivais de bandidos que também cobiçam a fortuna em entorpecentes.

Em determinado momento, os criminosos começam a matar uns aos outros, e Kiba, pego no meio do fogo cruzado, precisa revidar, usando os punhos para dar cabo dos vilões que continuam vivos.

Quem espera ver lutas mirabolantes vai se decepcionar, pois, além das cenas de ação serem poucas, o herói interpretado por Chiba mata todos os seus oponentes de primeira usando seus golpes mortais, com requintes de crueldade que vão de olhos perfurados com os dedos a braços torcidos até a inevitável fratura exposta.


Mas o confronto final de Kiba com os bandidos sobreviventes à beira do mar é bem-filmado e bastante climático, graças à música de Toshiaki Tsushima (que muitas vezes lembra uma trilha de western spaghetti) e aos absurdos malabarismos do protagonista, que desvia machadinhas e facas com os pés e parte um rifle ao meio com uma única voadora!

É preciso relevar o exagero das cenas de ação e o estrago provocado pelos golpes de Chiba, algo que não é exclusividade desse filme aqui: em várias produções posteriores, as mãos do herói são tão poderosas que seus socos são capazes de arrancar os olhos do oponente das órbitas ("Return of the Street Fighter") e até costelas ("The Executioner")! Ou seja, Sonny Chiba desarmado é mais perigoso que um tiro de bazuca, e no filme a moça que ele protege chega a comentar: "Como é que mãos tão bonitas podem ser armas letais?".


Apesar de não ter achado BODIGAADO KIBA um grande filme, há algumas coisas bem interessantes: Chiba aparece com sua tradicional expressão de mal-encarado, quase como um anti-herói (é hilária a cena em que ele usa o braço decepado de um dos vilões como arma, jogando-o contra outro comparsa!).

E há algumas boas idéias perdidas num roteiro chinfrim, como um cadáver sendo usado para camuflar as drogas (detalhe copiado em dezenas de outros filmes, inclusive o recente "Os Bad Boys 2"). Também é ótima a cena em que assassinos da Máfia se escondem no interior de um sofá para tentar pegar sua vítima de surpresa - é bem legal ver adagas brotando do interior do sofá e depois os sujeitos saindo dali de dentro!


Pena que Sonny Chiba apareça muito pouco em ação e que o roteiro prefira ficar enrolando com uma trama policial fraquinha. BODIGAADO KIBA pode até não ser um dos melhores filmes do astro, mas esta versão oriental é bem melhor que o "corte norte-americano", sobre o qual falaremos agora...


THE BODYGUARD (1976)


Três anos depois de "Bodigaado Kiba", o famoso produtor norte-americano Terry Levene resolveu aproveitar o sucesso que os filmes de artes marciais estavam fazendo nos Estados Unidos: adquiriu os direitos sobre a obra de Tatsuichi Takamori e preparou a famigerada "U.S version", rebatizada THE BODYGUARD, ou "O Guarda-Costas", como foi lançada no Brasil.

Pode parecer estranho hoje, mas o picareta Levene era famoso por picotar as versões originais de filmes estrangeiros para poder lançá-las nos Estados Unidos. Lançou, por exemplo, o terror italiano "Zombie Holocaust", de Marino Girolami, com o título "Dr. Butcher M.D.", e uma sequência de abertura totalmente diferente, editada a partir de cenas de arquivo de um outro projeto que não deu certo!


Enfim, nosso nobre Levene colocou suas mãos em "Bodigaado Kiba" e resolveu, inicialmente, cortar o excesso de diálogos; depois, a última cena (!!!); e, para completar, todas as referências ao fato do personagem de Chiba ser mestre de uma técnica desconhecida de karatê. Aliás, Chiba, em THE BODYGUARD, não interpreta Naoto Kiba, mas sim ele mesmo, Sonny Chiba!!! No total, foram eliminados cinco minutos de cenas do filme japonês.

Talvez achando que o filme não estava "americanizado" o suficiente, o produtor chamou um diretor de araque chamado Simon Nuchtern para filmar algumas cenas adicionais em Nova York (???), mostrando prédios, ruas e transeuntes que, desavisados do que acontecia, ficam o tempo todo olhando para a câmera ou correndo para fora do quadro.


Nuchtern também filmou uma cena gratuitíssima numa escola de artes marciais, onde vemos uma demonstração fuleira dos talentos de dois campeões americanos de karatê, Aaron Banks e Bill Louie, interpretando eles mesmos. Para justificar tal imbecilidade, um deles fala "Vou mostrar como Sonny Chiba faz", antes de dar umas porradas nuns figurantes de quimono!!!

Só depois da "demonstração" dos convidados especiais (que deviam ser super-famosos na época do lançamento do filme, mas hoje ninguém mais lembra quem são) é que entram as cenas de "Bodigaado Kiba" reeditadas por Victor Zimet.


Ah, quase esqueci: THE BODYGUARD começa com outra loucura inventada por Levene: uma passagem bíblica romanceada de "Ezequiel 25:17" que depois seria inteiramente chupada por Tarantino em "Pulp Fiction" (é a citação recitada pelo personagem de Samuel L. Jackson). Só que, ao invés de "...and you will know my name is the Lord", o letreiro do filme diz: "...and they shall know that I am Chiba, The Bodyguard"!!! Bizarro...

(Vale destacar que esse texto, reaproveitado por Tarantino, não existe na Bíblia. Se vocês procurarem Ezequiel 25:17 nas escrituras, encontrarão apenas esse trechinho: "E executarei sobre eles grandes vinganças, com furiosos castigos, e saberão que eu sou o SENHOR, quando eu tiver exercido a minha vingança sobre eles")


Como esta versão norte-americana eliminou todas as referências ao "Tesshinkai" e ao mestre do personagem de Chiba, as cenas de treinamento que eram mostradas em flashback em "Bodigaado Kiba" aqui foram reutilizadas para os créditos iniciais.

A trama continua com o sequestro do avião, mas os diálogos dublados em inglês mudaram um pouco a situação: não é mais um grupo terrorista qualquer, mas sim traficantes em busca do próprio Sonny Chiba, que resolve a situação do seu jeito.

Em seguida, na entrevista coletiva (a edição norte-americana reduziu bastante esta cena), ao invés de falar sobre o "Tesshinkai", Chiba explica que pretende exterminar todos os traficantes de drogas do Japão (!!!), e para isso oferecerá seus serviços a qualquer um que esteja sendo ameaçado por eles. Quando ele arrebenta o gargalo da garrafa de Coca-Cola com um único golpe, por exemplo, diz: "É isso que vou fazer com os traficantes"!!!


A partir de então, a história continua idêntica a "Bodigaado Kiba", apenas com uma dublagem atroz em inglês e alguns cortes pouco importantes em cenas de diálogos. As pancadarias e tiroteios, porém, permanecem intactos.

Uma outra mudança importante de THE BODYGUARD em relação ao original é que Levene cortou a cena final: o filme termina logo que acaba o duelo de Chiba com os vilões na praia. Na versão japonesa, havia ainda algumas cenas alternativas mostrando uma nova coletiva de imprensa do herói, em que ele explicava que continuaria levando sua técnica mortal de karatê para o resto do mundo. A personagem da irmã do protagonista também reaparecia rapidamente, o que não acontece na "U.S. Version" (fotos abaixo).


(Só para constar, THE BODYGUARD termina com 1h28min e sem créditos finais, nem mesmo um "The End". O filme original tem 1h27min. Ou seja: Levene e sua turma cortaram 5 minutos do original, mas adicionaram 6 minutos de encheção de linguiça no lugar! Dá pra entender?)

Mesmo que as diferenças entre as duas versões sejam relativamente pequenas, continuo preferindo a original japonesa. Não consigo engolir aquela cena estúpida com Aaron Banks e Bill Louie em THE BODYGUARD, muito menos as bisonhas cenas em que a câmera apenas passeia pelas ruas de Nova York. Não gosto da dublagem em inglês e muito menos da desculpa fuleira encontrada para colocar Sonny Chiba lutando "contra o tráfico de drogas".

Mas, na essência, "Bodigaado Kiba" e THE BODYGUARD são o mesmo filme. Sonny Chiba fez coisas bem melhores depois, mas para quem tiver curiosidade de conhecer este, sugiro começar pela versão original japonesa. A única coisa legal da edição norte-americana é a falsa citação bíblica na introdução.



E fica a mesma recomendação que fiz no Multiply em 2006: fique longe do DVD nacional, pois o enquadramento que corta os lados das cenas, mais a imagem horrível de VHS, não permitem que se entenda nada do que está acontecendo nas cenas de luta!

Ah, como última curiosidade, compare essas duas imagens, retiradas respectivamente de "Bodigaado Kiba" e "The Bodyguard": aquela velha história de que os japas trocam o "R" pelo "L" é verdadeira, como revela o "Salbadole Locco" na manchete do jornal na versão japonesa!!!


PS 1: As fichas de ambos os filmes no IMDB são uma bagunça e mais confundem do que esclarecem. Na de "Bodigaado Kiba", são creditados apenas quatro atores sem identificar o nome do personagem que interpretam, e não há nenhum link para "The Bodyguard" em Movie Connections. Na ficha da versão norte-americana, além de Simon Nuchtern, outro diretor e roteirista japoneses são creditados (respectivamente Ryuichi Takamori e Ikki Kajiwara), mas eles não têm absolutamente nada a ver com o filme (enquanto os responsáveis pelo original sequer são mencionados); já os atores Sue Shihomi e Jiro Chiba, que segundo o site estão no elenco, nunca dão as caras, em nenhuma das versões do filme. O IMDB também inventou que o "título original" (hein?) da versão ianque é "Karate Kiba"! E, como confusão pouca é bobagem, o site informa que existe uma continuação (???) do filme japonês chamada "Bodigaado Kiba: Hissatsu Sankaku Tobi", feita no mesmo ano de 1973 e com o mesmo elenco e equipe técnica. Aparentemente, é apenas um cadastro repetido do próprio filme original...

PS 2: Alguém sabe se o "Bodigaado Kiba" que Takashi Miike dirigiu em 1993 tem alguma coisa a ver com o filme de Sonny Chiba?

Trailer de O GUARDA-COSTAS



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Bodigaado Kiba (1973, Japão)
Direção: Tatsuichi Takamori
Elenco: Sonny Chiba, Mari Atsumi, Eiji Go,
Rinichi Yamamoto, Yasuoka Rikiya, Hatsui
Tonoka, Yayoi Watanabe e Hideo Murota.

The Bodyguard (1976, EUA/Japão)

Direção: Simon Nuchtern e Tatsuichi Takamori
Elenco: Sonny Chiba, Mari Atsumi, Eiji Go,
Rinichi Yamamoto, Yasuoka Rikiya, Hatsui
Tonoka, Aaron Banks e Bill Louie.