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domingo, 20 de janeiro de 2013

DJANGO ATIRA PRIMEIRO (1966)


Lá no começo da MARATONA VIVA DJANGO!, vimos que o sucesso de "Django" nos cinemas europeus fez surgir uma leva de outras aventuras com o personagem, pelo menos no título. Produtores espertalhões simplesmente pegaram faroestes italianos ou espanhóis que estavam sendo filmados ou concluídos e "adaptaram" títulos e pôsteres para que se transformassem em aventuras não-oficiais do personagem - com o objetivo óbvio de tentar abocanhar pelo menos uma pequena fatia da bilheteria da obra estrelada por Franco Nero.

Na maioria dos casos, os produtores não faziam nada além de colocar "Django" no título e no pôster de aventuras cujos heróis já haviam sido batizados com outro nome. O pobre espectador só descobria que tinha comprado gato por lebre quando já estava dentro da sala de cinema, o filme começava e o personagem principal era chamado por algum outro nome (Regan, Peter, Billy, Ray...), menos Django!


DJANGO ATIRA PRIMEIRO faz parte desta primeira leva de "Sotto-Djangos" (como eram chamados os "Sub-Djangos" pela crítica de cinema da Itália), e percebe-se claramente que trama e personagem principal não têm nada a ver com o original. O filme chegou aos cinemas apenas seis meses depois do "Django" de Sergio Corbucci, evidenciando que já estava sendo filmado quando o outro foi lançado e foi transformado numa aventura não-oficial do personagem na pós-produção.

Pelo menos neste caso os realizadores tiveram tempo suficiente para fazer algumas pequenas adaptações não só no título e no pôster de cinema, mas também na trama do filme. Incluindo, por exemplo, um rápido diálogo em que o herói, que se chama Glenn Garvin, explica que os mexicanos o apelidaram de Django, justificando assim o título picareta. (Para não ser injusto, o apelido "Django" é citado mais três ou quatro vezes no filme, talvez para que os espectadores não se sentissem tão enganados; mesmo assim, todo mundo se refere muito mais vezes ao herói pelo seu nome "oficial", Glenn Garvin).


Em sua segunda encarnação cinematográfica, Django/Glenn Garvin é interpretado pelo ator holandês Glenn Saxson (nome de batismo: Roel Bos), que fez pouquíssimos filmes, entre eles "Vá com Deus, Gringo" (1966), de Edoardo Molargia, e o personagem-título do policial "Kriminal" (1966), dirigido por Umberto Lenzi.

DJANGO ATIRA PRIMEIRO começa de maneira bem curiosa: um jovem pistoleiro (Saxson) encontra um caçador de recompensas (José Manuel Martín) que está levando o cadáver de sua última vítima até uma cidade próxima, Silver Creek, para trocar o presunto pelo dinheiro da recompensa. O herói se aproxima do corpo e descobre que se trata de Thomas Garvin, seu próprio pai, a quem não via desde a infância e a quem estava justamente indo reencontrar em Silver Creek! A vingança é instantânea: o pistoleiro se apresenta como Glenn Garvin, filho do finado, e saca mais rápido, matando o caçador de recompensas pego absolutamente de surpresa!


Aí se desenrola um curioso momento de humor negro: Django/Glenn Garvin (vamos chamá-lo de Gardjango a partir de agora, para não precisar ficar citando sempre os dois nomes) começa a cavar uma sepultura para enterrar o pai no deserto, ao mesmo tempo em que CONVERSA animadamente com o finado. É quando tem um momento de "iluminação" e resolve levar o cadáver do seu velho para a cidade e embolsar os 5.000 dólares da recompensa, ao invés de deixá-lo para apodrecer lá no meio do nada!

Dito e feito: Gardjango embolsa a bufunfa em Silver Creek (onde apresenta-se como Glenn Garvin E Django, explicando que este último nome era o seu apelido no México) e está prestes a deixar a cidade em paz e com uma boa graninha no bolso. Mas aí ele é abordado por um bonachão chamado Gordon (Fernando Sancho), que revela ao herói que seu pai não era um bandido, mas sim um homem de negócios acusado injustamente.


Acontece que o velho Thomas Garvin era sócio do figurão local, Ken Kluster (Nando Gazzolo), em praticamente todos os seus empreendimentos na cidade, do banco ao saloon. Mas o tal figurão resolveu incriminar o ex-sócio para ficar com tudo. Ele só não esperava que o único filho de Garvin, desaparecido há anos, voltasse à cidade. E quando Gardjango descobre a pérfida trama, decide reaver o que é seu por direito - ou seja, 50% de Silver Creek! -, nem que para isso precise enfrentar Kluster e seu exército de capangas.

É quando começam as encrencas de praxe: é óbvio que se Kluster já não queria dividir a fortuna com o pai, muito menos o fará com o filho! O vilão passará o restante do filme mandando seus capangas contra Gardjango, mas nosso herói é muito mais rápido no gatilho. E não demora para o rapaz somar forças com Gordon e com um homem misterioso sempre vestido de preto que acabou de chegar à cidade, conhecido como Doc (Alberto Lupo), para juntos derrubarem o império de Kluster.


No meio do confronto, também há duas personagens femininas representando o Bem e o Mal: de um lado está Lucy (Erika Blanc), a doce proprietária do saloon, que obviamente acaba se apaixonando por Gardjango; do outro lado está a maquiavélica amada de Kluster, Jessica ("Evelyn Stewart", aka Ida Galli), que, conforme descobriremos no segundo ato, era casada com o misterioso Doc, mas, interesseira que só, deixou-o para desfrutar da fortuna (roubada) de Kluster.

Temos, assim, uma curiosa inversão de papéis em DJANGO ATIRA PRIMEIRO: Fernando Sancho, que geralmente interpretava sádicos vilões mexicanos em faroestes como "Sete Dólares para Matar", de Alberto Cardone, aqui aparece em raro papel de cidadão honesto (e também alívio cômico), enquanto Ida Galli, quase sempre associada ao papel de doce mocinha em perigo nos westerns estrelados por Giuliano Gemma (entre eles, "O Dólar Furado" e "Adios Gringo"), aparece na pele de uma vilã sem escrúpulos. Tudo bem, a coitadinha exagera um pouco nos olhos arregalados como sempre, mas é uma graça mesmo assim.


DJANGO ATIRA PRIMEIRO foi dirigido por Alberto De Martino, à época com 37 anos. Como muitos outros cineastas italianos (incluindo os "Sergios" Leone e Corbucci), De Martino começou sua carreira filmando aquelas aventuras baratas com gladiadores e/ou heróis mitológicos, tipo "Perseu, O Invencível" (1963) e "O Triunfo de Hécules" (1964). Apesar de depois ter assinado alguns westerns spaghetti, o diretor ficaria mais conhecido pelas suas aventuras policiais e de espionagem, e principalmente pelo filme de horror "O Anticristo" (1974), uma versão italiana de "O Exorcista".

Em entrevista publicada no "Dizionario del Western all'italiana", de Marco Giusti, De Martino confirmou que DJANGO ATIRA PRIMEIRO não foi originalmente concebido como aventura de Django e sequer tinha um personagem com este nome no roteiro (o herói chamava-se apenas Glenn Garvin, sem nenhum "apelido dado pelos mexicanos").


Na verdade, a grande inspiração dos seis (!!!) roteiristas foi o clássico da literatura "Os Três Mosqueteiros", de Alexandre Dumas. "Queríamos fazer 'Os Três Mosqueteiros do Velho Oeste', onde Glenn Saxson seria D'Artagnan", explicou o diretor na entrevista. Ele inclusive assina como um dos roteiristas, ao lado de Sandro Continenza, Massimiliano Capriccioli, Tito Carpi, Vincenzo Flamini e Giovanni Simonelli.

Se o falso Django seria D'Artagnan, os outros mosqueteiros eram o bonachão Gordon e o misterioso Doc, enquanto o vilão Kluster assumiria o papel de um sub-Cardeal Richelieu e sua parceira, Jessica, o da vilanesca Milady de Winter. (Em algumas versões de "Os Três Mosqueteiros" a Milady também era ex-esposa de um dos heróis, o mosqueteiro Athos, justificando esta sub-trama envolvendo Doc e Jessica Kluster no filme.)


Mesmo que eu nunca tivesse lido a entrevista com De Martino confirmando a gênese do projeto, fica bem claro para qualquer um que DJANGO ATIRA PRIMEIRO não passa de um faroeste genérico que alguém transformou em aventura de Django simplesmente alterando o título e o nome do personagem principal. Até porque o herói interpretado por Saxson não tem absolutamente nada em comum com o do filme de Sergio Corbucci - faria até mais sentido se rebatizassem como "O Dólar Furado 2" ou "Ringo Ataca Novamente".

Por isso, este é o Django mais leve e "romântico" da Maratona, contrastando com aquele tipo cínico, calado e truculento interpretado por Franco Nero (posteriormente copiado por atores como Jack Betts e Anthony Steffen). O Gardjango de Saxson é um herói de boa índole, paquerador, que está sempre sorrindo e até faz piadinhas, bem diferente do anti-herói de poucas palavras e poucos amigos interpretado por Nero. Já o vilão de Gazzolo é aquele típico homem de negócios bunda-mole que dá ordens o tempo inteiro e nunca suja as mãos, bem diferente dos sanguinários antagonistas enfrentados pelo herói no clássico de Corbucci.


Visualmente e narrativamente, DJANGO ATIRA PRIMEIRO tampouco tenta se parecer com a obra de Corbucci como outros "Sotto-Djangos" produzidos nos anos posteriores. Cenários e personagens são limpinhos, os inúmeros tiroteios e mortes são praticamente inofensivos, e o filme todo tem um tom meio cômico e leve, bem censura livre - com direito a uma cena em que o herói precisa esconder-se numa banheira de espuma para livrar-se da perseguição dos seus rivais.

O próprio estilo de direção de De Martino está mais para o faroeste norte-americano (a exemplo de colegas como Giorgio Ferroni em "O Dólar Furado") do que para o western spaghetti dos Sergios Leone e Corbucci, o que poderá desagradar quem for ver por causa do nome do personagem no título e esperando algo minimamente parecido.


A bem da verdade, a única coisa que este tem em comum com "Django", além do nome do personagem, é que a conclusão também envolve um tiroteio num cemitério. Sem o mesmo clima do final do filme de Corbucci, é óbvio, mas ainda assim uma bela conclusão, com Gardjango enfrentando Kluster num duelo mais tradicional (estilo "quem saca primeiro") sobre o túmulo do velho Thomas Garvin.

De Martino dirige com visível entusiasmo, buscando belos enquadramentos e explorando a paisagem na linda fotografia em widescreen (ainda bem que não vi este nos tempos do VHS, quando a copiagem cortava as laterais da imagem para ficar em tela cheia). Mesmo assim, DJANGO ATIRA PRIMEIRO é bem convencional e igual a baldes de outros faroestes italianos do mesmo período, com cenas de ação sem grandes novidades (resumindo-se ao "aponta o revólver para o bandido e atira") e até uma gigantesca pancadaria estilo comédia-pastelão no saloon, como mandavam as convenções do período. Até a música composta por um mestre, Bruno Nicolai, é apenas correta, mas pouco memorável.


Para não ser injusto, o roteiro escrito a 12 mãos (!!!) até reserva alguns toques bem interessantes aqui e ali: além do começo genial envolvendo o inesperado "reencontro com o pai", há um irônico final-surpresa que complica toda a trama e deve deixar muitos espectadores revoltados. Por sinal, este momento também marca a estreia no cinema do popular ator George Eastman (foto acima), à época com 24 anos, quase irreconhecível com cara de moleque e sem sua barba e bigode característicos!

Eu até diria que estas cenas inicial e final, as únicas que fogem do lugar-comum, ajudam a salvar DJANGO ATIRA PRIMEIRO do terreno do "completamente descartável". O problema é que Gardjango é um herói bem meia-boca, especialmente para quem espera um Django no estilo Franco Nero de ser. Falastrão e simpático, Glenn Garvin não poderia estar mais distante do apelido que os mexicanos lhe deram. O próprio intérprete Saxson não teve muito mais futuro no gênero, passou a fazer comédias e aposentou-se do cinema em 1983.


Vale destacar a presença do mestre Enzo G. Castellari como assistente do diretor. Ele estrearia oficialmente na direção no ano seguinte (1967), com "Vou, Mato e Volto", mas em 1966 estava super-requisitado no mundo do western spaghetti: na mesma época das filmagens de DJANGO ATIRA PRIMEIRO, ele também trabalhava como assistente de direção de Giorgio Ferroni em "Ringo Não Perdoa", com Giuliano Gemma, e teve que se dividir entre os dois sets de filmagem.

Além disso, naquele mesmo ano de 1966 Castellari praticamente dirigiu sozinho "Poucos Dólares para Django", com Anthony Steffen, que foi "oficialmente" assinado pelo argentino León Klimovsky por questões burocráticas, mas teve a maior parte das cenas feitas pelo assistente de direção! Apesar do título, "Poucos Dólares para Django" é uma daquelas enganações típicas do período, onde o nome do personagem só aparece no título (o pistoleiro interpretado por Steffen chama-se Regan).


Dos envolvidos em DJANGO ATIRA PRIMEIRO, pelo menos dois teriam destaque em outros "Sotto-Djangos": o ator Fernando Sancho voltou (desta vez no habitual papel de vilão mexicano) no excelente "10.000 Dólares para Django", enquanto um dos seis roteiristas, Tito Carpi, também ajudou a escrever "O Filho de Django".

A partir do ano seguinte , começariam a estrear "Sotto-Djangos" mais elaborados, já que seus realizadores tiveram um pouquinho mais de tempo para estudar o que deu certo no filme de Corbucci para tentar copiar, ao invés de simplesmente adicionar "Django" no título.

Mas apesar de alguns filmaços terem saído dessa safra de 1967, infelizmente não é o caso da nossa próxima obra em análise, "Django Não Espera... Mata".


Assista DJANGO ATIRA PRIMEIRO (dublado)



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Django Spara per Primo (1966, Itália)
Direção: Alberto De Martino
Elenco: Glenn Saxson, Fernando Sancho, Nando Gazzolo,
Ida Galli, Erika Blanc, Alberto Lupo, Guido Lollobrigida,
José Manuel Martín e Marcello Tusco.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O DÓLAR FURADO (1965)


Você sabe que fez parte da Era de Ouro do VHS no Brasil se alguma vez o seu pai chegou em casa com a velha fitinha do bangue-bangue O DÓLAR FURADO - aquela mesma que ele já havia assistido e reassistido inúmeras vezes em outras oportunidades -, e o tema inconfundível de Gianni Ferrio ecoou pela sala em glorioso som mono, cheio de chiado, mas mesmo assim assobiado a plenos pulmões pelo seu velho.

Considerado um clássico do western spaghetti, O DÓLAR FURADO na verdade tem bem pouco em comum com outras obras bem mais famosas do ciclo - além, é claro, do óbvio fato de também ter sido produzido na Itália.

O filme foi dirigido por Giorgio Ferroni (recém-saído dos "peplums", aquelas aventuras épicas baratas produzidas na Terra da Bota) em 1965. No ano anterior, 1964, Sergio Leone lançara "Por um Punhado de Dólares", considerado por muitos pesquisadores a epítome, a obra inaugural, a pedra fundamental do western spaghetti, e largamente imitado a partir de então.


O DÓLAR FURADO, entretanto, não teve tempo de pegar carona no ciclo, e seus realizadores ainda imitavam a fórmula bem-sucedida (e bem mais comportada) daqueles westerns norte-americanos certinhos do período, como "Os Brutos Também Amam" (1953) e "Sete Homens e um Destino" (1960). Assim, não há anti-heróis cafajestes vestidos de negro e com barba por fazer, nem tiros pelas costas, nem violência nua e crua, nem sujeira e roupas em farrapos, muito menos a ironia que marcou os verdadeiros western spaghetti.

O herói comportado, limpinho e bem barbeado é encarnado por Giuliano Gemma, considerado o primeiro grande astro do faroeste italiano, aqui em seu primeiro papel em filmes do gênero, também saído das produções "peplum" com Hércules e Macistes genéricos.


Como o filme tenta se passar por produção norte-americana ("estratégia de marketing" muito comum na época), todo mundo esconde seus nomes de batismo com pseudônimos em inglês. Gemma optou por "Montgomery Wood", nome pomposo que só usaria em mais dois filmes antes de assumir o seu nome verdadeiro.

Embora não siga de perto os cânones do western spaghetti, o diretor Ferroni (rebatizado "Calvin Jackson Padget" nos créditos iniciais!) copia pelo menos as vinhetas animadas nos créditos iniciais, que se tornariam um referencial do subgênero depois de "Por um Punhado de Dólares".


O DÓLAR FURADO começa com o final da Guerra da Secessão, entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos. Gary (Gemma) e Phil O'Hara (Nazzareno Zamperla, ou "Nick Anderson") são dois irmãos confederados (os sulistas, lado derrotado da batalha) que estão entre os diversos soldados libertados de um campo de prisioneiros de guerra.

Como uma espécie de humilhação, os nortistas (vencedores da guerra) devolvem aos derrotados seus revólveres com os canos serrados - o que arruína completamente a mira da arma.


Sem perspectivas de vida após o final do conflito, os irmãos se separam: Phil resolve seguir para o Oeste em busca da sorte grande, e Gary volta para seu velho rancho, onde reencontra a esposa Judy (Ida Galli, ou "Evelyn Stewart").

Algum tempo depois, Gary também resolve tentar a sorte e segue os passos do irmão até a cidade de Yellowstone, dominada por um figurão, McCory (Pierre Cressoy, ou "Peter Cross"), que está forçando os pequenos fazendeiros a venderem suas propriedades a preço de banana - coisa típica de vilão de western.


Num argumento parecido com tragédia grega, Gary é engambelado por McCory e convencido a matar um "sanguinário bandido" chamado Black Eye, que, na hora H, descobre ser seu próprio irmão Phil!

O saldo da brincadeira é que Phil/Black Eye é morto pelos homens de McCory, e Gary acaba sendo mortalmente atingido com um disparo no coração, mas salvo milagrosamente por uma moeda de dólar que levava no bolso e que desviou a trajetória da bala - o "dólar furado" do título.


De volta do mundo dos mortos, Gary corta a barba e o bigode e, de cara limpa, infiltra-se no bando de McCory para semear a discórdia e acabar com todos os facínoras. Mas a situação se complica quando a "viúva" Judy aparece na cidade em busca de notícias do marido.

Muito diferente dos filmes de Leone, Corbucci e cia, O DÓLAR FURADO tem um clima de ingenuidade que às vezes chega a irritar, principalmente porque o mocinho interpretado por Giulianno Gemma é bonzinho DEMAIS. Até mesmo sua vingança lhe é roubada na cena final, quando a população da cidade impede que Gary mate um desafeto desarmado, e os próprios cidadãos fazem justiça com suas pistolas.


Embora o filme de Ferroni seja muito bem dirigido, contornando com habilidade as limitações de orçamento e produção, a narrativa é excessivamente lenta, dando ao herói pouquíssimas oportunidades de sacar seu revólver para passar chumbo nos bandidos. Pelo contrário, Gary prefere usar a astúcia, jogando os criminosos uns contra os outros e deixando que os próprios se matem!

Mesmo assim, há algumas coisas bem interessantes neste "pré-western spaghetti", como a idéia dos canos serrados das armas, uma curiosa alusão à castração e à perda de masculinidade. Embora faltem bons tiroteios no filme, o duelo final entre O'Hara e McCory, envolvendo um destes revólveres sem o cano, é antológico - talvez a coisa mais memorável de O DÓLAR FURADO depois da música-tema.


E num filme que é bem comportado na maior parte do tempo (sem sangue ou buracos de bala nas trocas de tiros, algo que só viraria moda anos depois), duas cenas surpreendem pela violência.

A primeira é a morte de um dos capangas de McCory, que leva uma punhalada no pescoço. A segunda é o espancamento de O'Hara pelos bandidos, que culmina com uma tortura sádica e inusitada: o herói é deixado amarrado ao sol com a boca cheia de... sal!!!

O DÓLAR FURADO foi um sucesso estrondoso na Itália e alavancou a carreira de Giulianno Gemma, que a partir de então se tornaria figurinha carimbada dos faroestes feitos no país.


No mesmo ano, ele apareceria também em "Adiós Gringo", dirigido por Giorgio Stegani. Com o pseudônimo "George Finlet", Stegani escreveu O DÓLAR FURADO ao lado de Ferroni, e levou para "Adiós Gringo", além de Gemma, boa parte do elenco deste filme: Ida Galli, Pierre Cressoy e vários figurantes (sabe como é, em time que está ganhando não se mexe...).

A verdade é que o astro faria produções muito melhores nos anos seguintes, especialmente "O Dia da Ira", e Tonino Valerii, e "Quem Dispara Primeiro?", de Giulio Petroni.


E, como aconteceu com Terence Hill e Trinity, Gemma ficou associado eternamente ao personagem "Ringo": embora tenha interpretado Ringo em único filme ("Uma Pistola Para Ringo"), vários de seus trabalhos posteriores ganharam títulos "alternativos" como o nome Ringo, mesmo que interpretasse personagens com outros nomes.

Uma das produções posteriores dirigidas por Ferroni e estreladas por Gemma, por exemplo, chama-se "Per Pochi Dollari Ancora" (Por Alguns Poucos Dólares), mas no Brasil o título foi "Ringo Não Perdoa" (1966).

Por sinal, "Per Pochi Dollari Ancora" é considerado uma espécie de continuação de O DÓLAR FURADO - neste caso seria uma "prequel", já que o personagem de Gemma é um soldado confederado durante a guerra (e também se chama Gary, embora tenha outro sobrenome, Diamond).


Ainda que visivelmente datado, e lento demais na maior parte do tempo, O DÓLAR FURADO continua tendo o mérito de ter iniciado toda uma geração (este que vos escreve inclusive) no ciclo do western italiano, graças às já citadas fitinhas VHS que foram um verdadeiro fenômeno nos primórdios do vídeo no Brasil. Locadora que se prezasse tinha que ter o filme do Ferroni na estante, ou perdia dinheiro.

Em DVD, o filme ganhou algumas edições péssimas e uma surpreendente cópia de ótima qualidade lançada por uma revista virtual, a Showtime. Essa é a única que vale comprar: traz o áudio original em italiano e imagem cristalina em widescreen, sem os abomináveis cortes laterais para a imagem "caber na tela", que muitas distribuidoras ainda adotam (esquecendo que a Era do VHS já acabou faz anos).


Enfim, é aquele tipo de filme antológico que é obrigatório conhecer, nem que seja para ficar assobiando a inesquecível música-tema, que posteriormente foi parar em filmes tão díspares quanto "Patricia Gennice" (uma produção independente dirigida por... eu mesmo!) e "Bastardos Inglórios", de Quentin Tarantino - mas que fique registrado que eu usei a música antes dele!!!

PS: Embora lembrado com carinho pelos fãs de western spaghetti, hoje Giuliano Gemma vive meio abandonado lá na Terra da Bota, fazendo pequenas participações em minisséries e filmes da TV italiana. Ele completou 72 anos no começo de setembro, e merecia um pouco mais de consideração por ter sido um ídolo para diversas gerações.

Trailer de O DÓLAR FURADO



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O Dólar Furado (Un Dollaro Bucato/
One Silver Dollar1965, Itália/França)

Direção: Calvin Jackson Padget (Giorgio Ferroni)
Elenco: Montgomery Wood (Giuliano Gemma), Evelyn
Stewart (Ida Galli), Peter Cross (Pierre Cressoy) e
Max Dean (Massimo Righi).

quinta-feira, 21 de maio de 2009

ADIOS GRINGO (1965)


Na era de ouro das videolocadoras brasileiras (fim dos anos 80 e início da década de 90), dois filmes não podiam faltar de maneira alguma na prateleira de westerns: "O Dólar Furado" e este ADIOS GRINGO, duas pérolas made in Italy que fizeram a alegria dos aficionados pelos "filmes de bangue-bangue", e criaram toda uma nova geração de admiradores (eu, inclusive). O engraçado é que nenhum dos dois é, exatamente, um western spaghetti; ambos são de uma fase "pré-spaghetti", quando os produtores italianos ainda faziam faroestes copiando o modelo norte-americano - inclusive "americanizando" os nomes de todos os envolvidos para parecer um produto realizado nos Estados Unidos. As fontes divergem, mas o western spaghetti começaria oficialmente com Sergio Leone e seu "Por um Punhado de Dólares", de 1964.

Nesta primeira fase de filmes pré-spaghetti, ainda não eram comuns os enredos politicamente incorretos, os heróis sujos, com barba por fazer e vestidos de negro, e muito menos mostrar violência explícita, mocinhos maltrando mulheres ou atirando pelas costas nos seus inimigos. Como o modelo eram os (certinhos e caretas) westerns produzidos nos EUA, os mocinhos tinham que andar ajeitadinhos e bem barbeados.


Assim, não é de se estranhar que o rosto mais representativo das obras do período tenha sido o rostinho de bebê de Giuliano Gemma, que estrela ADIOS GRINGO. Gemma também foi o grande astro desta primeira leva de bangue-bangues italianos, cujos mocinhos eram castos e gentis com as mulheres e jamais atirariam pelas costas ou armariam ciladas para os inimigos, como seus colegas do posterior ciclo spaghetti. Enfim, eram heróis naturalmente bonzinhos ou cowboys acusados injustamente que tentavam provar sua inocência.

ADIOS GRINGO foi filmado num momento áureo dos primórdios do western italiano, o ano de 1965 - mesmo ano do clássico "O Dólar Furado", dirigido por Giorgio Ferroni. Foi o estrondoso sucesso de bilheteria deste que transformou Gemma em astro do bangue-bangue: ele fez mais dois filmes ("Uma Pistola para Ringo" e "O Retorno de Ringo") antes de entrar no set de ADIOS GRINGO, a primeira produção que ele assinou com seu nome real, Giuliano Gemma, e não com o pseudônimo americanizado ("Montgomery Wood") que usou nos outros filmes até então.


E como em time que está ganhando não se mexe, os produtores praticamente reaproveitaram tudo que tinha dado certo em "O Dólar Furado": o casal principal é o mesmo, Gemma e Ida Galli, e o roteirista de "O Dólar...", Giorgio Stegani, escreve e também dirige este novo filme. As filmagens duraram apenas três semanas, com locações em Roma e em Madri, na Espanha.

A estrutura narrativa também é bem parecida com "O Dólar Furado": Gemma interpreta Brent Landers, um fazendeiro honesto que comemora a compra de uma pequena propriedade numa cidadezinha. Porém acaba se dando mal ao confiar num velho amigo mau caráter, Gil Clawson (Nello Pazzafini, usando o pseudônimo "Ted Carter"), que lhe vende uma manada roubada de um rico fazendeiro da região.

Sem saber de nada, Brent toca o gado para sua propriedade e, no caminho, cruza com o furioso verdadeiro proprietário dos animais. Este, acreditando que o mocinho é o ladrão de gado, tenta matá-lo com quatro tiros, sem sucesso; Brent então saca sua arma e atira em legítima defesa, matando o rival.


Mas é claro que quando um vaqueiro mata um rico fazendeiro, a coisa acaba em porcaria. Brent é acusado de roubo de gado e assassinato, e quase linchado pelo povo furioso, mas consegue fugir e promete voltar com o verdadeiro ladrão, o "amigo" Clawson, para provar sua inocência.

Seguindo os rastros do facínora, o herói acaba encontrando uma garota nua e amarrada no meio do deserto. Descobre que ela é Lucy Tillson (Ida Galli, com o pseudônimo "Evelyn Stewart"), que foi levada como refém após o assalto de uma diligência, e ainda estuprada e torturada por três homens.

Um deles é o próprio Clawson, a quem Brent vem seguindo; já o terceiro dos agressores é Avery Ranchester (Massimo Righi, ou "Max Dean"), filho do poderoso manda-chuva da região, Clayton Ranchester (Pierre Cressoy, ou "Peter Cross").


E se para o herói já é complicado convencer o xerife (Jesús Puente) e o médico (Roberto Camardiel, ou "Robert Camardiel") da cidade de que é um inocente injustamente acusado, mais difícil ainda será conseguir entregar à justiça os agressores de Lucy, já que o poderoso Ranchester encobre todos os atos criminosos do seu filho e tenta convencer o povo de que Brent é o verdadeiro culpado de tudo, inclusive do estupro da moça. Conseguirá nosso herói provar sua inocência e mandar para a prisão (ou para o cemitério) os verdadeiros bandidos?

Stegani, que assina direção e roteiro com o pseudônimo "George Finley", inspirou-se num livro chamado "Goodbye", de Harry Whittington, para escrever ADIOS GRINGO. Mas o filme não consegue escapar dos lugares-comuns do gênero: inocente injustamente acusado, o verdadeiro culpado sendo encoberto pelo pai poderoso, o xerife que começa odiando o herói mas depois começa a ajudá-lo, etc etc etc.

Felizmente, é bem dirigido e traz vários lances de suspense, reviravoltas e cenas de ação para fazer o espectador esquecer o quanto a história é fraquinha e, por que não?, absurda.


Além disso, o filme se beneficia de uma fotografia belíssima, assinada pelo espanhol Francisco Sempere (o mesmo do clássico do horror "Let Sleeping Corpses Lie", de Aldo Grau), que usa e abusa de lindas paisagens como montanhas rochosas (bem diferentes do que normalmente se via nos westerns norte-americanos).

Infelizmente, o poderoso "Eastmancolor" em tela larga não sobreviveu à maioria das cópias nacionais do filme, seja em VHS ou em DVD. A mais razoável das versões brasileiras, mesmo tentando manter o formato widescreen com as tradicionais faixas pretas, ainda assim corta boa parte das laterais da imagem, o que é uma pena (nos tempos do VHS vá lá fazerem esse tipo de barbeiragem, mas com a opção do "zoom" no DVD não tem mais desculpa).

ADIOS GRINGO também foi um sucesso de bilheteria na época do seu lançamento, tornando-se o terceiro filme mais visto nos cinemas italianos em 1965 (o primeiro foi "Por uns Dólares a Mais", de Leone).



Ironicamente, como o astro Gemma tinha acabado de fazer dois westerns onde interpretava um pistoleiro chamado Ringo, muita gente pensou que esta era uma cópia picareta da série, interpretando que "Gringo" seria o nome do personagem principal - quando na verdade é apenas a palavra espanhola para "estrangeiro"!

Longe da sofisticação narrativa e criativa que o western spaghetti atingiria a partir do ano seguinte, ADIOS GRINGO mantém-se como um bom passatempo, talvez inofensivo e certinho demais para aqueles que curtem o auge do ciclo, mas ideal para quem busca um bangue-bangue mais hollywoodiano, estilo John Ford ou George Stevens.

Quem lembra do tratamento dispensado às mulheres por Django, Sartana e outros anti-heróis do posterior western spaghetti certamente vai dar risada do relacionamento cheio de pudores e frescuras mantido, aqui, pelo galã Gemma com a mocinha Ida.



Mas, entre mortos e feridos, o filme funciona como um belo passatempo, até porque fica fácil simpatizar com o herói e torcer por ele. E Brent, claro, faz o tipo rápido no gatilho, despachando dezenas de malvados para o cemitério.

Numa cena que deve ter sido violenta para a época (lembre-se que ainda estamos praticamente no pré-spaghetti), o herói arremessa um enorme prego de metal contra um rival, literalmente pregando uma das mãos do inimigo na parede - seria necessária uma força monstruosa para realizar tal façanha, mas vá lá...

Bem feito, divertido e envolvente, e com o simpático Gemma no seu papel preferido de herói certinho, ADIOS GRINGO é o filme perfeito para você assistir com seu pai ou avô que prefere os westerns mais tradicionais daquele período áureo. Já os fanáticos pelo western spaghetti mais violento e amoral deverão achar tudo muito datado e inocente.

Trailer de ADIOS GRINGO


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Adios Gringo (1965, Itália/Espanha/França)
Direção: George Finley (Giorgio Stegani)
Elenco: Giuliano Gemma, Evelyn Stewart (Ida
Galli), Ted Carter (Nello Pazzafini), Jesús
Puente e Max Dean (Massimo Righi).