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sexta-feira, 21 de março de 2014

BEOWULF - O GUERREIRO DAS SOMBRAS (1999)


Escrito entre os séculos 7 e 8 por autor desconhecido, "Beowulf" é o mais antigo poema épico em inglês ainda existente - e, por isso mesmo, uma das obras mais importantes da literatura inglesa. Conta a história de Beowulf, herói que viaja até um castelo na antiga Escandinávia para enfrentar Grendel, um monstro que está semeando morte e destruição por lá. O manuscrito sobrevivente, a partir do qual foram feitas todas as traduções posteriores, seria do século 10, e hoje "Beowulf" é obrigatório tanto nas aulas de literatura quanto de história para alunos de língua inglesa.

Bem, seja lá quem for que tenha escrito o poema (seu nome se perdeu na poeira dos tempos), fico imaginando a cara do sujeito caso ele viajasse no tempo até 1999 e visse uma das adaptações cinematográficas do seu épico, a bizarra (na falta de adjetivo melhor) aventura BEOWULF - O GUERREIRO DAS SOMBRAS.

Afinal, lá pelas tantas, Beowulf e Grendel lutam ao som de música eletrônica, como se estivessem numa rave, e não num duelo até a morte, e o herói pratica acrobacias e piruetas dignas das pancadarias envolvendo Neo e o Agente Smith em "Matrix" (por coincidência, lançado no mesmo ano)!


E isso não é nem de longe o mais estranho de BEOWULF, que merece, com distinção, o rótulo de "Filme para Doidos", conforme veremos ao longo dessa resenha. É tanta maluquice, doideira e coisa fora de lugar que dá para entender porque o filme foi tão mal-recebido na época do seu lançamento - embora seja exatamente pela maluquice, pela doideira e pelas coisas fora de lugar que eu tenha gostado tanto dele em primeiro lugar!

Para começar, o roteiro de Mark Leahy e David Chappe (este é o único crédito de ambos, e Chappe até já morreu) não esconde suas intenções de atualizar o velho épico "Beowulf" para uma nova geração.

Imagine, caro leitor, que o poema é, para os jovens norte-americanos e ingleses, o mesmo que Machado de Assis é para os brasileiros: um texto arcaico (nesse caso, escrito há mais de mil anos), que eles terão muita dificuldade para ler (o inglês antigo tem diversas expressões em desuso, por isso a leitura exige constantes consultas a um glossário) e dificilmente vão entender (se quiser tirar a prova por conta própria, confira a obra na íntegra nesse link do Projeto Gutenberg).


A proposta de Leahy e Chappe foi ambiciosa: manter a "essência" do poema, mas ao mesmo tempo adicionando coisas que a molecada dos anos 1990 curtia (e com as quais se identificava muito mais), tipo música tecno, as lutas cheias de piruetas típicas do cinema de ação da época (e dos videogames) e muitos efeitos especiais. Os puristas acharam uma heresia, é claro. Mas confesso que sempre acompanho com interesse essas tentativas de modernizar textos clássicos.

Eu gosto muito de uma atualização de "Hamlet" dirigida por Michael Almereyda em 2000, que traz o personagem-título como um videomaker (ele filma os longos monólogos que Hamlet recitava na peça original), enquanto a disputa pelo trono da Dinamarca foi alterada para a luta pela presidência de um grande conglomerado empresarial chamado... Dinamarca! O Hamlet clássico, aquele escrito por Shakespeare no século 17, continuará existindo e continuará sendo filmado e encenado, mas essa versão "modernizada" provavelmente conseguiu atingir um outro público que não teria nenhum interesse no Hamlet "antigo".


Porém, no caso de BEOWULF, a sofisticação do "Hamlet" modernizado de Almereyda passa longe: a adaptação transformou um dos grandes épicos da literatura anglo-saxônica num videogame cheio de ação e música eletrônica.

Talvez tenha algo a ver com o fato de o produtor, Lawrence Kasanoff, ser o mesmo homem por trás da adaptação do videogame "Mortal Kombat" para o cinema em 1995 (com direção de Paul W.S. Anderson). Tem muitas semelhanças estilísticas entre as duas obras, incluindo uma sequência de abertura muito parecida e a já citada trilha sonora tecno.


BEOWULF também altera o cenário do poema clássico da antiga Escandinávia para um espaço-tempo indefinido, que pode ser tanto um futuro pós-apocalíptico em que a humanidade regrediu de volta a uma Idade Média forçada, mas mantendo resquícios da "modernidade" nas roupas, armas e outros elementos de cena (o trailer faz menção a isso), ou mesmo a Idade Média de algum universo paralelo.

Este tipo de ambientação é o que se convencionou chamar de steampunk: um subgênero da ficção científica que estava no auge no início dos anos 1990, e que trata de um passado "alternativo" onde a tecnologia avançou mais rápido do que na vida real, gerando um bizarro cruzamento entre, por exemplo, cavaleiros medievais e máquinas a vapor.


O universo esquisitão de BEOWULF é apresentado desde os primeiros minutos, já que a ambientação da trama é um castelo que parece saído do pesadelo de algum arquiteto modernista: todo construído em metal, e com chamas de gás metano e fumaça saindo eternamente por toda parte, o cenário lembra o cruzamento entre um velho forte medieval com uma fábrica dos primórdios da Era Industrial, ou uma refinaria de petróleo pós-apocalíptica!

Este excêntrico palacete é governado pelo Rei Hrothgar (Oliver Cotton), e está sendo assombrado noite após noite por um monstro que aparece e desaparece - o Grendel do poema, embora o nome seja usado pouquíssimas vezes -, e que sempre deixa uma vítima esquartejada.


Do lado de fora do castelo, moradores das aldeias próximas delimitaram um cerco para não deixar que ninguém entre ou saia da construção, temendo que a "maldição" se espalhe para o resto do reino. É uma mudança bem-vinda ao texto original, pois no poema Hrothgar e seu povo não abandonavam o palacete assombrado por puro patriotismo (de não querer sair do lar construído pelos antepassados), enquanto aqui há uma explicação mais lógica e aceitável (o cerco que impede a fuga do castelo).

Logo no início, os aldeões aprisionam uma garota que acabou de fugir do palácio maldito (interpretada pela gatinha venezuelana Patricia Velasquez, de "O Retorno da Múmia"), e se preparam para executá-la, para não deixar "o Mal se perpetuar", quando aparece o herói Beowulf para acabar com a farra.


Se o espectador ainda não tinha percebido que estava vendo um filme... digamos... diferente, a partir deste momento terá a confirmação de que BEOWULF é um legítimo "Filme para Doidos". Afinal, não só a garota é amarrada em um excêntrico instrumento de tortura que lembra o formato de uma navalha gigante (acima), mas também o herói Beowulf é interpretado por... Christopher Lambert!!!

Completamente diferente do Beowulf do poema (conforme veremos mais adiante), o herói interpretado por Lambert surge vestindo roupas de couro e um grande sobretudo preto por cima de tudo, estilo "Matrix". E ele resgata a moça da execução utilizando todo tipo de "gadgets" futuristas, inclusive duas bestas que dispara como se estivesse num filme do John Woo - segurando uma em cada mão e apontando-as ao mesmo tempo para a fuça dos inimigos! Ah, e as bestas se carregam automaticamente com novas flechas, não me pergunte como...


Depois de arregaçar vários rivais com suas armas engraçadas e desfilar todo tipo de piruetas e acrobacias, Beowulf tenta levar a garota resgatada de volta para o castelo. Só que entre a morte nas mãos dos aldeões ou nas garras do monstro, ela prefere correr de volta para seus captores - que, agora sim, conseguem finalmente executá-la antes que o herói consiga reagir.

Dessa forma, toda a cena do resgate foi completamente inútil - bem como todos os inimigos mortos por Beowulf neste prólogo morreram por nada! Que beleza de roteiro, não?


Sem mais delongas, nosso herói parte rumo ao castelo decidido a acabar com Grendel. Não demora para que se envolva nas intrigas palacianas, já que o Rei está sendo assombrado por um segredo do passado (que pode estar ligado à origem do monstro), e sua filha, Kyra (Rhona Mitra, explodindo de gostosa!), acabou de perder o marido de maneira misteriosa.

Quando a moça começar a se atirar para cima do recém-chegado cavaleiro, surgirá uma rivalidade-clichê com Roland (Gotz Otto), o melhor soldado do castelo e também um pretendente enciumado de Kyra.

E Grendel não se faz de rogado: alheio às tais intrigas, o monstro continua atacando toda noite, aparecendo e desaparecendo como que por mágica, ao mesmo tempo em que parece indestrutível às armas dos poucos guerreiros dispostos a enfrentá-lo. Será que Beowulf terá melhor sorte contra a ameaça?


BEOWULF foi dirigido pelo inglês Graham Baker, que tem uma pequena filmografia composta por conhecidos filmes divertidos e descartáveis como "A Profecia 3 - O Conflito Final", "Vìtimas do Desconhecido" e "Missão Alien" (1988, que foi provavelmente o ponto alto da sua carreira e rendeu até seriado de TV). Este aqui foi o último filme que Baker dirigiu, e o homem está sumido do mapa desde 1999!

Mas o grande culpado pelo resultado final não foi o diretor, e sim o produtor Kasanoff. Consta que Baker assumiu o comando do filme com a promessa de um orçamento de 25 milhões de dólares. Porém, durante as filmagens, a verba foi sendo cortada drasticamente. Segundo algumas fontes, o orçamento REAL teria sido de menos de 4 milhões (!!!), o que explica o ar de filme classe C da coisa toda (as filmagens aconteceram na Romênia, não só pelas belas paisagens, mas principalmente para economizar).


BEOWULF também deu azar de ter sido feito mais ou menos na mesma época de outra produção problemática, "O 13º Guerreiro", de John McTiernan, filme baseado no livro "Devoradores de Mortos", de Michael Crichton, que por sua vez é considerado uma releitura contemporânea (ou homenagem, se preferirem) ao poema "Beowulf".

Quando "O 13º Guerreiro", que era uma superprodução de 85 milhões de dólares, naufragou nas bilheterias (arrecadando menos de 30 milhões!), a Miramax decidiu não arriscar e cancelou o lançamento de BEOWULF nos cinemas, como estava inicialmente previsto. Assim, embora o filme tenha passado na telona em alguns poucos festivais europeus, acabou saindo direto em vídeo nos Estados Unidos.


Ainda que o filme tenha problemas evidentes, a adaptação "contemporânea" dos roteiristas Leahy e Chappe merece elogios, já que "Beowulf", o poema, é meio infilmável em versão integral. No texto original, Grendel ataca o palácio do Rei Hrothgar durante doze anos antes que o herói resolva se mexer para enfrentar a ameaça (e isso que ele vive a apenas um dia de viagem pelo mar!). Quando Beowulf finalmente resolve fazer alguma coisa pelos vizinhos, ele reúne 14 guerreiros de confiança e parte para o palácio assombrado, onde enfrenta e mata o monstro já na primeira noite, arrancando o braço de Grendel numa luta sem armas!!!

Na adaptação cinematográfica, fica claro que os ataques do monstro são coisa recente, e Grendel é representado como uma criatura monstruosa que usa camuflagem para "desaparecer", estilo Predador. Ao invés de ser derrotado por Beowulf já na primeira noite, ele continua aparecendo de repente para matar vítimas que insistem em perambular sozinhas pelo castelo - uma desculpa para as cenas de suspense e ação que o poema, obviamente, não traz!


Outra grande liberdade poética de BEOWULF é em relação ao personagem-título. Enquanto no poema ele é descrito como o típico guerreiro musculoso ao estilo Hércules ou Sansão, e sempre cercado por seus fiéis soldados, no filme o Beowulf de Lambert é uma figura mais trágica e solitária, uma espécie de anti-herói sempre vestido de preto e assombrado por questões existenciais - muito diferente do fortão bonachão do original.

Acontece que o Beowulf cinematográfico nasceu do cruzamento de uma mãe humana com o demônio Baal. Dividido entre Luz e Escuridão, ele está constantemente sendo tentado pelo seu "lado negro", e decide combater o Mal para evitar que ele mesmo passe para o outro lado (conforme justifica ao Rei Hrothgar no filme).

O fato de ser filho de um demônio também lhe garante algumas cartas na manga, como o poder de sobreviver a ferimentos graves e regenerá-los em tempo recorde, tipo o Wolverine. E, ao contrário do Beowulf do livro, que pode contar com 14 guerreiros, o do filme é uma alma amargurada e solitária que prefere enfrentar Grendel sozinho. Em alguns momentos, parece até que Christopher Lambert está interpretando o igualmente amargurado e solitário Connor McLeod, de "Highlander", novamente.


Na época do lançamento, BEOWULF foi destruído sem piedade pela crítica, principalmente por causa dessas inúmeras liberdades poéticas tomadas na "atualização" do texto clássico, mas também por causa da ambientação absurda e da direção de arte chapada.

Algumas resenhas resumiram o filme como "medíocre"; outras alegaram que "os filmes de gênero dificilmente ficarão mais idiotas do que este" (ah, se eles soubessem que dentro de alguns anos teríamos coisas como "Transformers" e "Avatar"...). Ninguém parece ter enxergado a aventura divertida e estúpida que Graham Baker dirigiu, e eu confesso que até me impressionei com o quanto BEOWULF era divertido quando finalmente resolvi assisti-lo; pelas críticas, já esperava a grande bomba do milênio.


Depois, eu até procurei ler várias dessas resenhas negativas para tentar entender o porquê de tanto ódio. E acabei me surpreendendo com o fato de muitas coisas que os críticos consideram pontos negativos representarem, pelo menos para mim, grandes acertos do filme! Porque se eu tivesse visto BEOWULF lá pelos meus 10 ou 11 anos, ele provavelmente se tornaria um clássico da minha infância como acabaram sendo "Os Caçadores de Atlântida" e "Fuga de Nova York"!

A ambientação e a direção de arte que misturam presente e passado, por exemplo, tornam a experiência muito mais interessante do que se a história se passasse apenas na Idade Média ou apenas no futuro. É como se "Army of Darkness" tivesse sido dirigido por Terry Gilliam; ou, para ser menos exagerado, um cruzamento entre "Mad Max 2" e "Excalibur".


O palácio meio medieval, meio industrial é um cenário incrível, assim como o design dos figurinos, objetos de cenas e principalmente armas (o Rei Hrothgar leva uma gigantesca espada serrilhada que lembra bastante uma motosserra, e os elmos lembram tanto capacetes de motociclista quanto escafandros de mergulhador!). Isso revela uma preocupação do diretor de arte em criar um universo excêntrico, sim, mas perfeitamente crível, onde passado, presente e até elementos futuristas convivem lado a lado.

Nesse aspecto, a trilha sonora eletrônica "moderninha" não soa tão deslocada quanto, por exemplo, a música de sintetizador de "O Feitiço de Áquila", de Richard Donner. Mesmo assim, o "tum-tum-tum" começa a incomodar os ouvidos depois da terceira ou quarta cena de ação ao som de tecno, quando você até começa a fazer uma analogia entre as múltiplas piruetas de Beowulf e alguém chapado de ecstasy dançando numa rave!


Muitas críticas da época também reclamaram do francês Christopher Lambert no papel principal. À época, Lambert já estava longe dos seus tempos de astro (com "Greystoke - A Lenda de Tarzan" e "Highlander", nos anos 80), e já começava o reinado nos filmes de ação direto para vídeo, muitos deles dirigidos por Albert Pyun.

Ao estrelar BEOWULF, Lambert deixou de repetir o papel de Rayden na primeira continuação de "Mortal Kombat". Assim, James Remar assumiu seu papel em "Mortal Kombat - A Aniquilação" (1997), e este filme é tão ruim que acho que o francês tomou a decisão certa.


Mas eu sou suspeito pra falar porque sou fãzaço de Lambert desde sempre, e acho que ainda chegará o dia em que ele será eleito o "ator que não sabe atuar" mais cool do Universo! Sua interpretação aqui é muito divertida, sempre com um sorrisinho cínico no canto da boca, de quem não está levando a coisa muito a sério.

E dando piruetas e saltos ornamentais durante as lutas como se fosse um ginasta olímpico (o astro é substituído por um dublê mais do que visível e que tem pelo menos 30 anos a menos). Por sinal, essas piruetas e pulinhos durante as lutas me lembraram as escalafobéticas cenas de ação do cinema trash turco!


Para o público masculino, BEOWULF traz ainda dois verdadeiros colírios para os olhos (além da já citada Patricia Velasquez, que infelizmente aparece pouco). Rhona Mitra está um espetáculo, e aparece o tempo inteiro vestindo corselets tão apertados que parece que seus peitões vão pular para fora do figurino a qualquer momento (acima). O que, infelizmente, fica só na ameaça.

Hoje, mais famosinha, a moça já declarou que se arrependeu de ter feito o filme e que teve uma experiência terrível na Romênia. O curioso é que ela escapou de filmar uma cena em que seria abusada sexualmente por Grendel, quando o diretor Baker achou que não havia lugar para isso na história. Mas cacilda, como é que o cara não arruma espaço para uma gostosa sendo estuprada por um monstro num filme como esse???

O outro colírio é a Coelhinha da Playboy Layla Roberts, que aparece "quase nua" (abaixo) como uma "súcubo" que no passado seduziu Hrothgar, e de cuja relação nasceu Grendel (em outra grande liberdade poética do roteiro em relação ao poema, onde o monstro era filho de... Caim, o famoso assassino do irmão Abel!!!). O resto do elenco é predominantemente masculino, então essas três belas (Rhona, Layla e Patricia) fazem a diferença no meio das "feras".


Fãs de podreiras vão gostar de saber que BEOWULF vai ficando cada vez mais maluco conforme a trama progride, e o auge da porra-louquice é quando a súcubo gostosa se transforma num HI-LÁ-RIO monstrengo gigante lovecraftiano (abaixo), produzido a partir da pior computação gráfica disponível na época! É bater o olho no bicho para começar a gargalhar sem parar, embora o restante do filme utilize efeitos práticos bem eficientes até. Grendel, por exemplo, é um homem num traje de monstro (Vincent Hammond, especialista em "interpretar" criaturas).

Vale destacar que o monstrão em CGI é outra criação exclusiva dos roteiristas Leahy e Chappe. No poema em que se inspiraram, Beowulf volta para a sua terra-natal após matar Grendel, é proclamado rei e, 50 anos mais tarde (!!!), enfrenta uma nova ameaça, dessa vez um dragão - que, felizmente, não aparece aqui e talvez tenha ficado para um futuro e nunca realizado "Beowulf 2"!


Mesmo bem longe de ser uma obra-prima, BEOWULF tem qualidades mais do que suficientes para ser lembrado por fãs de tranqueiras (principalmente a direção de arte inspirada, algo que não é tão comum em produções barateiras como essa).

As cenas de ação a cada 10 minutos também seguram o clima numa boa, e a duração de 95 minutos não chega a incomodar como outros épicos cinematográficos contemporâneos (tipo a série "O Senhor dos Anéis"). Assim, o filme é redondinho, curto e grosso, e funciona dentro das suas limitações.

Quase dez anos depois, em 2007, Robert Zemeckis fez aquela que muitas consideram a adaptação definitiva do clássico literário para o cinema, "A Lenda de Beowulf". Mas o fez em forma de animação, com atores famosos de Hollywood emprestando seus movimentos e feições para os bonequinhos de computação gráfica (Ray Winstone para Beowulf, Anthony Hopkins para Hrothgar e Angelina Jolie para a mãe de Grendel), e ambientando a história na época em que ela acontece originalmente no poema (lá pelo ano 500 d.C.).


Nunca vi essa versão do Zemeckis para tirar a prova, já que não sou muito chegado em animação computadorizada. Mas, sinceramente, duvido que seja tão divertida quanto a dirigida por Baker. Assim como duvido que o Beowulf de Winstone seja tão eficiente quanto o de Christopher Lambert, capaz de disparar bestas como se fossem pistolas automáticas e cruzar o cenário dando saltos mortais.

Se "só pode haver um", como Lambert vivia dizendo na série "Highlander", prefiro que este seja o Beowulf pobretão de 1999...

PS: Qual clássico da literatura brasileira também mereceria uma versão anabolizada tipo BEOWULF? Que tal uma versão pós-apocalíptica de "Grande Sertão: Veredas"? Ou um novo "O Guarani", em que o índio Peri lutaria contra seus inimigos usando artes marciais e ao som de música eletrônica? Peraí, melhor não dar ideia...


Trailer de BEOWULF - O GUERREIRO DAS SOMBRAS



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Beowulf (1999, EUA/Reino Unido)
Direção: Graham Baker
Elenco: Christopher Lambert, Rhona Mitra, Götz Otto,
Oliver Cotton, Layla Roberts, Vincent Hammond,
Patricia Velasquez e Charles Robinson.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

ADRENALINA (1996)


Na segunda metade dos anos 1990, eu estava completamente viciado naqueles jogos de tiro em primeira pessoa para computador. Em 1996 ninguém tinha internet ainda, e os PCs domésticos eram aqueles velhos 486 e Pentium 5, com capacidade de processamento bem menor que as máquinas de hoje. E ainda que os jogos do gênero tenham evoluído bastante nesses quase 20 anos, confesso que prefiro a simplicidade daqueles dos anos 90, que não exigiam que o jogador tivesse que decorar 30 comandos no teclado para poder andar e atirar nos inimigos.

Comecei jogando o clássico Wolfenstein 3D, que a galera da época conhecia como WOLF3D porque era esse o comando executável que você digitava no DOS para rodar o jogo (algo que parecerá aramaico para a geração leite-com-pêra que já pegou computador com Windows). Mas o jogo do gênero pelo qual eu me apaixonei foi Doom. Nada do que veio depois, pelo menos na minha modesta opinião, conseguiu superar as horas de diversão com jogabilidade simples que o velho Doom me proporcionou.


Então, num belo dia entre 1996-97, lá estava eu conferindo os lançamentos em vídeo na locadora quando me deparo com ADRENALINA, uma fita com essa capinha que você vê aí em cima. O filme era estrelado por Christopher Lambert e pela gostosa que tinha feito a alienígena peladona em "A Experiência" no ano anterior, Natasha Henstridge - como as filmagens de ADRENALINA também aconteceram em 1995, eu desconfio que ele foi gravado antes que o dinheirudo "A Experiência", mas isso não vem ao caso.

Levei a fita para casa mais pelo Lambert, pela Natasha e pelo resumo no verso da capa do que pelo diretor: o infame Albert Pyun, que, à época, dirigia de quatro a seis filmes baratos POR ANO para abastecer as locadoras ao redor do mundo. Por exemplo: só em 1996, o ano de ADRENALINA, ele também lançou "Ravenhawk - Instinto Assassino", "Omega Doom - A Maldição", e as partes 3 e 4 de sua franquia "Nêmesis", essas filmadas ao mesmo tempo e com a mesma equipe.


Naquela noite, no conforto de meu lar, assisti ADRENALINA no meu velho videocassete. E é claro que era a típica produção pobretona fimada às pressas por Pyun para lançamento nas locadoras (embora tenha sido exibido nos cinemas em alguns países, inclusive no Brasil). Mas havia algo mais ali: pela primeira vez eu percebi como o clima do jogo Doom poderia ser adaptado para os cinemas.

Não, o roteiro de ADRENALINA não tem nada a ver com Doom: no jogo, você está numa estação espacial enfrentando criaturas vindas do inferno, enquanto no filme, que se passa num futuro hoje passado (2007), policiais caçam uma criatura monstruosa dentro das ruínas de um velho presídio.


Mas vendo aquelas andanças dos (poucos) personagens com lanternas e armas sempre em punho pelos corredores escuros do filme, eu comecei a sentir aquele mesmo clima de quando jogava Doom, igualmente perambulando por corredores escuros com arma em punho e à espera de que a qualquer momento um monstro horrível saltasse das sombras.

Talvez uma coisa não tenha nada a ver com a outra, e peço desculpas pela longa introdução, mas sempre que eu penso nele ou revejo ADRENALINA, é inevitável pensar também em Doom. E provavelmente não tenha sido essa sua intenção, talvez ele nunca tenha jogado Doom na vida, mas Pyun conseguiu chegar muito mais perto do clima do jogo do que aquele filme "oficial" pavoroso lançado quase 10 anos depois, "Doom - A Porta do Inferno", dirigido pelo péssimo Andrzej Bartkowiak!


Também escrito por Pyun, ADRENALINA foi filmado no Leste Europeu (externas na Croácia e na Bósnia, internas num estúdio da Eslováquia) para baratear custos, e realmente aparenta ter custado menos que um salário mínimo, já que a trama toda se desenrola nos corredores escuros de um prédio em ruínas - e, salvo uma pequena mudança aqui e ali, os atores parecem estar SEMPRE NO MESMO CORREDOR ESCURO!

Como todas as produções barateiras filmadas por aqueles lados, vários atores secundários e figurantes foram contratados por lá mesmo, conforme você percebe pela fisionomia e pelo forte sotaque do pessoal. Isso quando não foram visivelmente dublados. Porque os caras simplesmente não ambientaram a história no Leste Europeu para simplificar é algo que foge à minha compreensão.


Nossa história se passa no então futuro de 2007. Uma guerra química fez com que um vírus mortal se espalhasse pela Europa, mas isso nunca é satisfatoriamente explicado - só se sabe que a doença é mortal. Os europeus começaram a emigrar para os Estados Unidos em busca de salvação, e os norte-americanos foram obrigados a construir campos de quarentena que acabaram se transformando em cidades, e onde violentos conflitos explodem a todo momento. Ou, pelo menos, é o que nos conta a narração nos cinco minutos iniciais. Pode esquecer tudo a partir de então, pois já não faz mais diferença.

Estamos num desses campos de quarentena, em Boston, e Natasha Henstridge interpreta Delon, uma policial novata que está tentando tirar o filho pequeno (e doente) desse inferno e enviá-lo para a segurança da cidade descontaminada. Antes que isso aconteça, porém, ela é designada para uma "missão de rotina": investigar estranhos gritos vindos de um prédio em ruínas perto da zona de confronto.


Delon e seu parceiro Volker (Xavier Declie) vão até o edifício condenado, mergulhado na escuridão porque não há eletricidade, e encontram uma sala repleta de cadáveres mutilados. Volker é atacado por um tenebroso mutante que escapou do laboratório e está contaminado com um vírus ainda mais mortal. Delon escapa, mas não encontra mais a saída por aqueles corredores escuros. Desesperada, pede reforços pelo rádio.

É quando entra em ação o bambambam do departamento: o ultra-condecorado policial interpretado por Christopher Lambert, que, pelo menos que eu me lembre, nunca é chamado pelo nome, mas nos créditos finais é identificado como "Lemieux". Ele e os parceiros Cuzo (Norbert Weisser, ator habitual nos filmes de Pyun) e Wocek (Elizabeth Barondes) encontram Delon, mas, ao invés de todo mundo se mandar logo daquele prédio escuro e prestes a desmoronar, resolvem juntar forças para enfrentar o mutante. Claro que dá merda...


Pelo restante do filme, nossos quatro únicos protagonistas ficam zanzando pelos corredores com suas lanternas e armas em punho, à procura de um monstrengo que pode estar escondido em qualquer canto escuro, pronto para pular sobre eles.

Paralelamente, uma equipe militar comandada por Sterns (Andrew Divoff, o Djinn da série "Wishmaster") recebe a missão de localizar e matar o mesmo mutante, já que o vírus em sua corrente sanguínea irá atingir um nível crítico e o monstro pode contaminar o resto do mundo com uma praga mortal - ou algo do gênero. Sterns e seus homens, vestidos com roupas anti-contaminação amarelas e portando armas de grosso calibre, entram nas mesmas ruínas, mas o mutante revela-se um adversário muito mais perigoso do que parece.


ADRENALINA tem todos as qualidades e problemas de uma produção de baixíssimo orçamento. Entre os pontos positivos estão o roteiro enxuto e sem frescura; o filme nunca tenta ser mais do que é, e se limita a mostrar a caçada ao mutante e a subsequente transformação dos caçadores em caça pelo vilão.

Se o mesmíssimo roteiro fosse transformado numa grande produção de Hollywood, os caras certamente iam dar um jeito de tornar tudo mais complexo, aumentando o número de personagens para morrer, quintuplicando a ação e as explosões, os efeitos de maquiagem, e explicando tintim por tintim a origem do mutante, a sua fuga do laboratório até a prisão em ruínas, etc etc etc.


Trabalhando com merreca, e provavelmente um cronograma de filmagens bastante apertado, Pyun não podia se dar a esse luxo e fez o que dava. ADRENALINA é um filme barato, e isso está na tela. Para o bem ou para o mal.

Como todos sabemos, limitações orçamentárias geralmente obrigam os realizadores a usar a criatividade. Pyun não é exatamente o mais talentoso dos diretores, mas seu trabalho aqui é honesto e quase sempre eficiente. Ele mostra pouco o mutante para não entregar a maquiagem barata, e limita as cenas de ação porque não tem dinheiro para grandes efeitos. Mas volta-e-meia se sai com uns rompantes de inventividade que merecem elogios.


Uma das grandes cenas do filme acompanha o drama de dois dos policiais enquanto eles estão sob intenso fogo do mutante - que roubou a pistola de uma das suas vítimas. Em momento claramente inspirado na cena do sniper de "Nascido para Matar", de Stanley Kubrick, o vilão fica sadicamente atirando nas pernas e nos braços das suas vítimas, que não conseguem fugir dali porque levam um novo tiro a cada tentativa de levantar-se. É talvez o ponto alto de ADRENALINA, com a câmera "atingindo" os atores como se fosse as balas de revólver!

Outro belo trabalho de câmera é a cena inicial do filme, em que uma policial percorre o laboratório-hospital após a fuga do mutante. Trata-se de uma longa cena aparentemente sem cortes, em que a câmera assume o ponto de vista da policial enquanto ela percorre um corredor repleto de cadáveres e sangue. Certo, a câmera como ponto de vista do personagem não era exatamente novidade na época, mas é interessante como Pyun arquitetou uma longa e tensa cena em primeira pessoa numa aventura de baixo orçamento - um momento que, mais uma vez, remete aos jogos estilo Doom!


E há uma surpresa bem-vinda para quem esperava pura rotina: o herói interpretado por Lambert na verdade não é tão fodão quanto parece e se dá mal lá pela metade do filme, precisando da ajuda da novata Natasha para escapar vivo da fuzarca! Por isso, quem espera uma aventura com Lambert chutando traseiros pode se decepcionar.

Já a pobreza da produção torna a coisa toda mais divertida - embora o humor seja involuntário. Claro, é preciso fechar um olho para curtir o filme, porque está na cara que ele custou uma merreca (um espectador acostumado aos blockbusters de Hollywood não vai passar dos primeiros cinco minutos).


Os principais problemas de ADRENALINA decorrem da pobreza generalizada. Por exemplo, como engolir que a história se passa em Boston se os caras não tinham dinheiro sequer para mudar a inscrição "Policia" nas viaturas e nos coletes dos policias para "Police"? Não sei se "policia", sem acento, é croata ou espanhol, mas só iria funcionar se Pyun conseguisse nos convencer de que, no futuro, os imigrantes mexicanos dominaram os Estados Unidos!

Também chega a ser engraçado o fato de ninguém decidir sair daquele maldito prédio em ruínas e incendiá-lo ou explodi-lo para matar o mutante de uma vez. Não, eles preferem perder-se no labirinto de corredores escuros para virar alvo fácil do vilão. E o que dizer do "hospital de quarentena de segurança máxima" com janelas abertas e sem grades (foto abaixo), por onde os contaminados poderiam fugir a qualquer momento?


Por falar em furos de roteiro, a heroína interpretada por Natasha tem uma chance claríssima de matar o mutante logo no começo do filme, mas surta e deixa o vilão escapar. Sim, se ela tivesse atirado teríamos um curta ao invés de um longa-metragem, mas é o tipo de cena que poderia ter sido feita de outra forma. Até porque ficamos com a maior raiva da nossa protagonista pelo restante do filme, e o fato de ela ser novata não justifica a burrada!

Mas tudo bem, eu geralmente prefiro essas aventuras de fundo de quintal que vão direto ao assunto e divertem do que a maioria dos pretensiosos blockbusters que Hollywood produz hoje. E sim, prefiro rever um ADRENALINA do que um "Avatar". Porque, de alguma forma inexplicável, consigo aceitar um mutante mal-maquiado zanzando por um prédio em ruínas muito melhor do que Smurfs gigantes perambulando por um cenário feito por computador durante três intermináveis horas.


Uma curiosidade para fechar a resenha: ADRENALINA tem duas versões, como diversos filmes de Pyun. A versão lançada no Brasil em VHS e DVD é o corte norte-americano, que tem apenas 77 minutos (!!!) e é muito mais direto ao assunto: aquela longa cena inicial com a câmera percorrendo o hospital foi cortada e a trama já começa praticamente dentro do prédio em ruínas, onde várias cenas também foram diminuídas para agilizar a ação.

Na Europa, foi lançada uma versão mais longa, com 94 minutos, que tem mais "história" do que a anteriormente citada, incluindo um momento em que Delon encontra uma espécie de "toca" do vilão, com recordações de quando ele era humano, e uma conclusão significativamente diferente.

Embore eu goste de várias coisas dessa versão mais longa (como a já citada cena inicial em primeira pessoa), acho que uma história tão fraquinha quanto essa funciona melhor em 77 minutos e sem tanta enrolação. Em todo caso, recomendo ver as duas se você também é fã de aventuras de baixo ou nenhum orçamento.


E é uma pena que ninguém tenha pensado em Albert Pyun e ADRENALINA quando o projeto de levar Doom aos cinemas começou a ganhar corpo. Até porque Doom é o tipo de coisa que funcionaria muito melhor no universo do baixo orçamento - fico imaginando como seria uma adaptação produzida por Roger Corman, ou Charles Band.

Para encerrar, acho que ficou mais do que evidente, mas não custa reforçar: fique longe, muito longe desse filme se o seu ideal de diversão for algo muito diferente de ver Christopher Lambert e Natasha Henstridge perseguindo um mutante assassino num prédio em ruínas bósnio-croata num filme classe Z dirigido por Albert Pyun. Porque a coisa não vai muito além disso.


Aí o leitor do FILMES PARA DOIDOS pode querer questionar: "Mas Felipe, você realmente está dizendo que GOSTA de um filme em que dois ou três atores ficam caminhando por corredores escuros durante mais de uma hora?".

Aí eu respondo: um dos maiores classicos do cinema "cult-cabeça" de todos os tempos é exatamente isso, dois ou três atores caminhando por corredores escuros com medo de algo que pode ou não pular sobre eles a qualquer momento. Estou falando de "Stalker" (1979), do russo Andrey Tarkovskiy (um dos cineastas mais chatos da história).

A diferença é que no filme de Pyun os caras perambulam por corredores vazios durante uma hora, enquanto no do Tarkovskiy (muito mais respeitado, é claro, embora seja um porre!), a agonia dura quase três horas. E não tem nenhum mutante assassino esperando na escuridão para atacar os personagens. E nem o Christopher Lambert. E nem a Natasha Henstridge.

Na boa? Fico com o filme do Pyun!


PS 1: O dublê Craig Davis interpretou o mutante assassino. Logo depois, ele foi para Hollywood e começou a trabalhar nas equipes de dublês de vários filmes de super-heróis: "Batman & Robin", a trilogia "Homem-Aranha" de Sam Raimi, "Hellboy" e "Capitão América: O Primeiro Vingador", entre outros blockbusters. Nada mal para quem começou sua carreira como vilão de um filme furreca filmado no Leste Europeu...

PS 2: Não há nenhuma explicação plausível para a palavra em inglês "Adrenaline" ter sido escrita errada no título original (sem o "E"), mas vá saber o que se passa na cabeça de Albert Pyun...

Trailer de ADRENALINA



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Adrenalin: Fear the Rush (1996, EUA)
Direção: Albert Pyun
Elenco: Christopher Lambert, Natasha Henstridge, Norbert
Weisser, Elizabeth Barondes, Xavier Declie, Craig Davis,
Nicholas Guest e Andrew Divoff.