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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS (1978)


Alguns filmes são "hors concours" nas listas de piores de todos os tempos, como "Plan 9 From Outer Space", de Ed Wood, ou "Robot Monster". Injustamente, ninguém nunca lembra do cinema brasileiro ao fazer essas listas. E digo injustamente porque OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS deveria estar no topo de qualquer lista das maiores bombas da história fílmica.

Para quem achou que "As Aventuras de Sergio Mallandro" era o grande clássico do trash nacional, conferir essa produção dos Trapalhões, produzida em 1978, será uma verdadeira prova de fogo. Inassistível por qualquer ser humano com idade mental acima dos 6 anos, talvez seja o grande "trash dos trashes" do cinema brasileiro, e uma lenda no exterior por causa do seu título alternativo: "Brazilian Star Wars"!


O título em português (Guerra dos Planetas) já entrega a fonte de inspiração do roteirista Renato Aragão: "Guerra nas Estrelas" (ou, atualmente, "Star Wars Episódio 4 - Uma Nova Esperança", como é chamado pelos nerds), o primeiro filme da saga interplanetária de George Lucas, lançado no ano anterior (1977) e um sucesso de bilheteria também no Brasil.

A farta bilheteria das aventuras de Luke Skywalker animou produtores inescrupulosos ao redor do globo. Os italianos, reis da picaretagem cinematográfica, não demoraram a realizar as mais diversas cópias de "Star Wars" (diversas também em criatividade e qualidade), de "Star Crash", de Luigi Cozzi, ao hilário "O Humanóide", de Aldo Lado. Mas o auge da loucura plagiadora certamente é o clássico "Dünyayı Kurtaran Adam", ou "Star Wars Turco", realizado em 1982.


Pois OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS rivaliza em ruindade com o "Star Wars Turco".

O cinema brasileiro várias vezes utilizou a paródia para brincar com superproduções hollywoodianas, especialmente nos tempos da chanchada - quando saíram filmes tipo "Matar ou Correr" e "Nem Sansão Nem Dalila".

Para os Trapalhões, paródia não era novidade. Afinal, quase todos os seus filmes até então eram versões cômicas de clássicos da literatura ("A Ilha do Tesouro", "As Minas do Rei Salomão", "Robin Hood"...), e eles já haviam se aventurado com a sátira cinematográfica no anterior (e superior) "O Trapalhão no Planalto dos Macacos" (1976).


O próprio diretor de OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS, Adriano Stuart, egresso da Boca do Lixo, era um notório parodiador, tendo realizado dois outros clássicos do trash brasileiro: "Bacalhau" (1976), uma sátira a "Tubarão", e "Kung Fu Contra as Bonecas" (1975), brincadeira com os filmes de Bruce Lee e com o seriado "Kung Fu".

O problema do filme dos Trapalhões é que a paródia não funciona. Ao invés de brincar com os elementos de "Guerra nas Estrelas", o roteiro de Renato Aragão apenas empresta os seus principais elementos: a vila no deserto com iglus, que parece Tatooine; o herói que é cópia xerox de Luke Skywalker e que tem um ajudante com cara de cachorror à la Chewbacca; o vilão que é a cara (e a máscara) do Darth Vader; cenas como a da taverna de Mos Eisley...

SEPARADOS NO NASCIMENTO


Só que estes elementos são jogados na trama sem que se faça piada com eles. O Luke Skywalker brasileiro pode ser pobretão, mas é heróico, e não engraçado como deveria ser; o Darth Vader brasileiro pode vestir uma fantasia de baile de carnaval, mas é um vilão patético levado a sério, ao invés de ser tratado como piada - algo que Mel Brooks faria posteriormente com o "Darth Vader" de Rick Moranis em "Spaceballs", uma sátira de "Star Wars" feita quase 10 anos DEPOIS dos Trapalhões, e infinitamente mais engraçada.

Enfim, o riso vem da precariedade da produção, dos figurinos e dos efeitos especiais, mas sempre involuntariamente, e não porque era essa a proposta. As piadas "prontas", que deviam provocar risadas, nada causam além de tédio. O riso vem sempre nas horas erradas; por outro lado, a sensação de tempo perdido, e de "Porra, como esse filme é ruim", é constante.


OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS marca um momento importante dos Trapalhões. Primeiro, eles estavam mudando de trio para quarteto com a entrada de Mauro Gonçalves, o Zacarias (este é seu primeiro filme como Trapalhão; os outros traziam apenas Didi, Dedé e Mussum). Segundo, o grupo deixava a TV Tupi, onde fazia o maior sucesso com seu programa semanal, para ir à TV Globo, onde alcançaria uma projeção ainda maior.

O dedo da Globo na produção é perceptível, até porque o filme todo foi gravado não em película, como os anteriores, mas em videotape, um formato televisivo, que permitia maior rapidez e menos custos para filmar. A imagem em VT depois foi ampliada para 35mm, mas mesmo assim ficou muito estranha, mais com cara de "especial de televisão" do que de filme.

A aventura começa com uma interminável perseguição de automóveis sem diálogos, em que Didi e sua turma fogem de perseguidores anônimos (mais tarde, Dedé xinga Didi dizendo que ele deve aprender a não se meter com a mulher dos outros).


A seqüência já dá o tom do que vem pela frente: gigantesca, sem qualquer noção de ritmo, usa e abusa da inexpressiva trilha musical de Beto Strada, que praticamente martela os tímpanos do espectador.

Depois de despistar os perseguidores, os quatro amigos resolvem dormir ao relento no meio de um bosque, onde testemunham o pouso de uma tosquíssima nave espacial em esquema "chroma-key" (os discos voadores de "Plan 9..." parecem coisa do George Lucas depois disso).


Da nave sai o Luke Skywalker tupiniquim, rebatizado Príncipe Flick, e interpretado por Pedro Aguinaga - que à época era considerado um dos maiores gatões do Brasil, se é que essa informação serve para alguma coisa.

Flick pede a ajuda dos Trapalhões para combater o maligno Príncipe Zuco (que algumas fontes indicam ser interpretado por Carlos Kurt, vilão de quase todos os filmes do grupo na época). O vilão quer a outra metade de um poderoso computador para dominar a galáxia, mas pode esquecer, isso não faz diferença alguma na trama.

Diante da promessa do seu peso em ouro como prêmio, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias embarcam no disco com Flick e seu navegador, Bonzo (!!!), o Chewbacca brasileiro ("interpretado" por Emil Rached).


Chegando no planeta - um grande deserto imitando Tatooine -, o grupo entra numa gigantesca (literalmente) briga com os monstros de Zuco. Sem diálogos e repleta de efeitos digitais ridículos (como se alguém estivesse brincando com um velho teclado eletrônico Casio), esta cena de pancadaria é dose pra leão: dura uns 10 minutos, e parece ainda maior por causa dos efeitos de repetição (estilo replay) usados à exaustão.

Sabe aquilo que o "Pânico na TV" faz hoje, de repetir alguma bobagem qualquer até três ou quatro vezes? Pois devem ter aprendido aqui nesse filme dos Trapalhões, onde cada macacada ganha replay e repete três vezes, para desespero do espectador! (Se tiver paciência, veja a cena no vídeo no final desse texto.)

No meio da briga, Zuco foge com a amada de Flick, a princesa Myrna (Maria Cristina Nunes). A partir de então, o príncipe, Bonzo e os Trapalhões ficam circulando pelo filme sem muito rumo, visitando lugares como uma danceteria alienígena (emulando a "cena da cantina" de "Guerra nas Estrelas"), florestas com seres invisíveis e cavernas com aranhas gigantes (que ganham vida através de efeitos à la "Chapolim"!).


OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS devia se chamar "Zorra Total", já que do roteiro às piadas, dos personagens aos cenários, dos figurinos aos efeitos especiais, da música aos efeitos sonoros, NADA funciona!

Quase todas as cenas com "efeitos especiais" usam o "chroma-key", um dos recursos mais simplórios e artificiais da televisão (o mesmo utilizado nos episódios do "Chapolim", para o leitor ter uma idéia). Na cena dos homens-invisíveis, o chroma-key é tão vagabundo que você percebe pedaços das pernas e das mãos dos homens invisíveis, que "vazam" para dentro da imagem.

Chroma-key ruim de doer



Aliás, toda a parte técnica do filme é um fiasco, com destaque para o disco voador de brinquedo (cujo "trem-de-pouso" foi feito com desentupidores de pia!) e para a cena em que, no meio da pancadaria em "Tatooine", várias das "criaturas alienígenas" caem no chão revelando pernas humanas, meias humanas, tênis humanos e até as CUECAS HUMANAS dos figurantes por baixo da roupa de ET! Morra de inveja, Ed Wood!!!


Ainda assim, é possível encontrar alguns momentos marcantes nessa agonia.

Um destes momentos, de tão "sem noção", salta aos olhos. A cena mostra Didi comprando armas de raios de um vendedor alienígena. "Testando" as pistolas, o trapalhão desintegra (isso mesmo, DESINTEGRA) dois grupos de alienígenas e uma nave espacial!

Depois, quando o vendedor não aceita seus "cruzeiros" pela compra das armas, Didi simplesmente usa uma das pistolas para desintegrar o sujeito! A patrulha do "politicamente correto" certamente crucificaria os realizadores do filme caso ele fosse feito hoje.


Mas nada pode preparar o espectador para a conclusão, de longe uma das mais tristes e depressivas da história dos Trapalhões.

Em vários dos filmes anteriores do grupo, o personagem de Renato Aragão se apaixonava pela mocinha e a perdia para o "galã" secundário da trama. Aqui isso também acontece, mas de uma maneira muito dramática.

Acontece que o vilão Zuco confessa a Flick que sua amada princesa morreu durante o processo de preparação de um clone da moça (exato, a mocinha do filme MORREU!). Aí, Flick precisa contentar-se com a irmã dela, que vem a ser Loya (Wilma Dias), a namorada do Didi.


A cena é de partir o coração, e me espanta estar num filme "infantil": num momento, Didi e Loya estão fazendo planos de casar e morar para sempre no planeta alienígena; no minuto seguinte, Flick levanta e tasca um abraço e um beijo na namorada do "amigo", diante dos olhos estupefatos do Didi! Jamais uma cena igual seria feita hoje!

Outra qualidade de OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS é a participação (pequena) de uma das deusas da Boca do Lixo da época, a loira Arlete Moreira (que fez "Perversão", do Mojica), como namorada do Mussum.

Ela é um dos poucos motivos para ficar de olho no filme, ao invés de fazer qualquer outra coisa enquanto a "trama" se desenrola.


Apesar do humor do filme ser praticamente nulo, às vezes é possível dar algumas risadinhas de leve, especialmente em momentos que parecem ser os tradicionais improvisos de Renato Aragão.

Ao "imobilizar" o vilão Zuco com seus raios, por exemplo, Didi começa a fazer todo tipo de palhaçada com o sujeito, inclusive tirando seu capacete de Darth Vader para colocar na própria cabeça! É tanta micagem que parece que baixou o Sergio Mallandro no Didi!


OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS dificilmente seria lembrado, hoje, se não fosse pela sua associação com "Star Wars". Tanto que, lá fora, virou cult e peça disputada a tapa por colecionadores - principalmente quando o primeiro DVD do filme, lançado pela Som Livre ainda nos anos 90, esgotou.

É hilário ler as críticas dos gringos sobre a obra e vê-los questionando o humor "sem pé nem cabeça" (eles obviamente não conhecem os Trapalhões como nós), como na cena em que Didi rebola diante de uma aranha gigante (coisa que nós esperamos que o Didi faça, mas os gringos não). Aliás, Trapalhões lá fora é "The Tramps", e Didi é "Dee Dee". hehehehe.

Temos, assim, mais um FILME PARA DOIDOS com louvor, e só mesmo sendo doido para agüentar esse martírio até o final. Mesmo assim, confesso que já revi OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS umas dez vezes - e a cada reprise, continuo espantado com a ruindade da coisa toda!


E pensar que este é um dos maiores sucesso de bilheteria dos Trapalhões, quase empatando com a renda que o próprio "Star Wars" fez nos cinemas brasileiros na época: a "sátira" levou 5 milhões de espectadores aos cinemas, tornando-se uma das maiores bilheterias do cinema nacional de todos os tempos (mais que o público que foi ver "Tropa de Elite" e "Cidade de Deus", para dar uma idéia).

Também é o 3º filme mais rentável dos Trapalhões, atrás apenas do grande recordista "O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão" e de "Os Saltimbancos Trapalhões"!


É, assim, a prova de que Renato Aragão não tem nada de bobo, e estava antenado com o que acontecia no mundo do cinema da época.

Até porque, além de copiar "Star Wars", o filme traz uma coincidência estranhíssima: Didi aparece vestindo uma camiseta vermelha com a palavra "Flash" em letras brancas, IDÊNTICA àquela que seria utilizada por Sam Jones no filme "Flash Gordon" - que só foi filmado dois anos DEPOIS, em 1980!!! Eu jurava que era uma citação ao filme gringo até descobrir que os Trapalhões vieram antes.

Ah, e se você pensa que o diretor Adriano Stuart aprendeu com seus erros, pense de novo: dez anos depois, ele seria o responsável por "Fofão e a Nave Sem Rumo", outro escalafobético clássico trash brasileiro!

A pancadaria na Tatooine tupiniquim



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Os Trapalhões na Guerra
dos Planetas (1978, Brasil)

Direção: Adriano Stuart
Elenco: Renato Aragão, Dedé Santana, Mussum,
Zacarias, Pedro Aguinaga, Carlos Kurt, Emil Rached,
Maria Cristina Nunes e Arlete Moreira.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O POVO CONTRA GEORGE LUCAS (2010)



Onde você estava em junho de 1999? Pois eu, como boa parte da humanidade, estava numa sala de cinema a 45 km da minha cidade para ver o aguardado e tão sonhado "Star Wars Episódio 1 - A Ameaça Fantasma". E, como boa parte da humanidade, saí do cinema frustrado, tentando achar fatores que redimissem aquela experiência insatisfatória ("Pelo menos o duplo duelo final com o Darth Maul foi ótimo!"), mas acabando por concluir que aquele não era bem o filme que eu esperava 16 anos depois de "O Retorno de Jedi". Também como boa parte da humanidade...

É sobre isso o interessante documentário O POVO CONTRA GEORGE LUCAS, dirigido pelo norte-americano Alexandre O. Philippe e lançado este ano: o dúbio sentimento de amor e ódio dos fãs de "Star Wars" pelo seu criador, George Lucas. Embora tenha alguns problemas evidentes (é muito longo e arrastado, além de repetitivo e inconclusivo), o filme traz algumas discussões bastante pertinentes sobre o universo criado (e, para muitos, também destruído) por Lucas.

Uma das questões que permeia o documentário é justamente a insatisfação dos antigos fãs da série com os três novos filmes ("A Ameaça Fantasma", de 1999; "O Ataque dos Clones", de 2002, e "A Vingança dos Sith", de 2005).


Eu nunca me considerei um viciado em "Star Wars", pelo menos não como algumas pessoas que eu conheço (que assistiram os fraquíssimos novos filmes da série até nove vezes na semana de lançamento), e muito menos como os malucos entrevistados em O POVO CONTRA GEORGE LUCAS, que dedicam suas vidas, seu tempo e seu dinheiro à série. Muita fã histérica da saga "Crepúsculo" passa vergonha perto do nível de loucura de alguns viciados em "Star Wars" mostrados no documentário.

Enfim, mesmo não sendo um viciado, sempre gostei muito da chamada "trilogia original". Não tive a sorte de ver os filmes no cinema (apenas quando foram relançados, no fim dos anos 90, com novas cenas e efeitos de computador), mas lembro que vi o original de 1977 pela primeira vez na TV Manchete, na década de 80. Na época, o filme se chamava simplesmente "Guerra nas Estrelas" - e não "Star Wars Episódio 4 - Uma Nova Esperança", como hoje. Aliás, sempre achei esquisito aquele "Episódio 4" no que para mim era o primeiro filme da série, mas faz parte da infância.


A verdade é que não tem como não gostar de "Guerra nas Estrelas" quando você é criança. Os efeitos especiais (bons até hoje), os personagens carismáticos, os vilões antológicos, os nomes esquisitos, as lutas de sabre de luz...

Nada do que Lucas mostrou era exatamente novo (afinal, não passa da velha história do cavaleiro indo salvar a princesa em perigo), mas a coisa era tão bem feita que você se apaixonava por aquilo. E depois veio "O Império Contra-Ataca" para confirmar que estávamos diante de algo muito interessante ("O Retorno de Jedi" já é mais fraquinho e infantil, mas está valendo).

Nestes 16 anos de silêncio entre o final da trilogia clássica e o início da nova trilogia (com o "Episódio 1"), muitos transformaram "Star Wars" em uma religião. Enquanto Lucas curtia umas férias como produtor em outros filmes de outros diretores, os próprios fãs trataram de expandir a mitologia da série, em quase duas décadas de "fan films", sátiras dos originais, "fan fiction" e livros especulando sobre o início e o final da saga.


Isso sem contar os produtos "oficiais" licenciados pelo próprio George Lucas, como brinquedos, jogos de videogame, roupas, revistas em quadrinhos e todo tipo de bugiganga com a marca (até cuecas e pijamas!).

Os problemas começam nos anos 90, conforme enfocado em O POVO CONTRA GEORGE LUCAS. Primeiro, George Lucas endoidou e resolveu mexer nos filmes que milhões de fanáticos aprenderam a amar apaixonadamente desde seu lançamento. A "maquiagem digital" na trilogia clássica não foi apenas para modernizar os efeitos, mas também para adicionar/modificar/excluir cenas, o que revoltou muitos fãs.

Pior: Lucas esnobemente declarou que aqueles velhos filmes idolatrados por pelo menos duas gerações estavam incompletos, e que a "sua visão original" estava nestas versões "melhoradas" digitalmente - em outras palavras, "Esqueçam os antigos, o que vale são estes novos!".


A primeira parte do documentário lança esta interessante discussão: afinal, qual é o limite da "posse" de um criador pela sua criatura? Ao realizar essas mudanças de certa forma discutíveis na sua própria obra, George Lucas estaria exercendo seu direito de realizador que quer melhorar seu trabalho ou "traindo" os fãs que gostavam dos filmes como eles eram antes?

A refletir: Ridley Scott já mexeu umas 500 vezes em "Blade Runner" (inclusive mudando todo o sentido original do filme na director's cut), mas os fãs da obra nunca reclamaram tanto quanto os fãs de "Star Wars". Por outro lado, um fanático por "Star Wars" entrevistado no documentário alega que se DaVinci viajasse no tempo para os dias atuais e quisesse mudar o sorriso da Monalisa, o mundo inteiro iria criticar a atitude do artista.

Uma das alterações mais polêmicas feitas pelo diretor, e que ganha bastante espaço no documentário de Philippe, é a clássica boiolagem do "Greedo atirou primeiro". Lucas achou que o fato de Han Solo atirar a sangue-frio em um caçador de recompensas em "Guerra nas Estrelas" desmerecia a "nobreza" do personagem.


Inventou, então, um primeiro tiro digital efetuado por Greedo, ao qual Han Solo reage, numa cena completamente estúpida - primeiro porque estraga a idéia de Han Solo ser um anti-herói das antigas, e segundo porque ninguém erraria um tiro a meio metro da vítima, como acontece nesta cena modificada!

(E como um fã comenta em O POVO CONTRA GEORGE LUCAS, o pai de "Star Wars" preocupou-se tanto em mudar o tiroteio entre Han Solo e Greedo, para supostamente transformar o personagem de Harrison Ford num sujeito mais legal, que se esqueceu de cortar a cena em que descobrimos que Han Solo é um traficante espacial de drogas e armas!)

(A propósito, até George Lucas deve ter se arrependido dessa história toda, pois, nos bastidores das filmagens de "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal", foi fotografado com uma camiseta que diz "Han atirou primeiro"!!!)


Enfim, esta questão do "limite de posse" de uma obra é uma pergunta interessante que acaba ficando meio sem resposta no documentário, mas todos os fãs entrevistados por Philippe são unânimes em afirmar que George Lucas NÃO deveria ter mexido na trilogia clássica para fazer o que fez, muito menos recusar-se a relançar as obras no seu formato original.

Eu mesmo nunca comprei esses DVDs com a "nova versão" do diretor, e nem os discos da nova trilogia, que considero muito fraca. O único box de "Star Wars" que tenho é aquela lata que traz a trilogia clássica supostamente sem novos efeitos e novas cenas, embora alguns fãs argumentem que mesmo nesta versão há algumas diferenças em comparação aos filmes originalmente lançados no cinema e em VHS décadas atrás (felizmente, também tenho as velhas fitas de "Guerra nas Estrelas" e "O Império Contra-Ataca" na coleção!).

Na segunda parte de O POVO CONTRA GEORGE LUCAS, a discussão entra numa seara ainda mais polêmica: o inconformismo dos fãs antigos com a nova trilogia dirigida por Lucas. A maioria é unânime em reafirmar seu ódio pelos filmes e suas invencionices, como o irritante Jar Jar Binks e os "Midi-chlorians" que os Jedi têm no sangue (argh!).


Praticamente todas as pessoas entrevistadas discutem sua frustração com a forma como George Lucas conduziu uma trama que daria origem aos personagens imortais da trilogia clássica. "Nós ficamos 16 anos pedindo um novo 'Star Wars', mas esquecemos de pedir que fosse um bom 'Star Wars'", resume um fã.

Uma das justificativas mais comuns para a baixa qualidade da nova trilogia é o fato de George Lucas desta vez ter abraçado tudo sozinho, enquanto na trilogia antiga estava cercado por uma equipe de pessoas criativas que ajudaram-no a criar os filmes (Lucas dirigiu apenas o "Guerra nas Estrelas" de 1977, mas os dois seguintes foram conduzidos por outros cineastas, e com uma mãozinha de Lawrence Kasdan nos roteiros).


Esta é a talvez a parte mais interessante do documentário, quando são analisadas as "fan editions" produzidas por fãs de "Star Wars" para tentar dar um "formato mais agradável" aos dispensáveis novos filmes.

Entre elas, a já famosa "Phanton Edition" (que resumiu o "Episódio 1" para 70 minutos e eliminou bobagens como o personagem de Jar Jar Binks), e uma versão condensada que um fã fez resumindo os três filmes da nova trilogia em um único longa de 90 minutos, mas em preto-e-branco! Vários entrevistados argumentam que estas versões são muito melhores que as originais!

O POVO CONTRA GEORGE LUCAS também analisa a absurda quantidade de "fan films" produzidos a partir do universo de "Star Wars" (que demonstram claramente como os fãs acabaram tomando o controle sobre a obra). São mostradas várias cenas destes trabalhos, para dar uma idéia da riqueza criativa dos seus realizadores.


Alguns "fan films" são famosos e estão disponíveis no YouTube, como "Troops", que, copiando o formato do seriado de TV "Cops", apresenta o dia-a-dia dos Storm Troopers de Darth Vader. Outro muito interessante é "George Lucas in Love", sátira de "Shakespeare Apaixonado", mostrando um jovem Lucas tendo a idéia de fazer "Star Wars" a partir de seus colegas de faculdade. Os diretores destes dois curtas, Kevin Rubio e Joe Nussbaum, inclusive são entrevistados no documentário.

Há uma infinidade de material na rede. Procure por "Star Wars fan film" no YouTube que aparecerão mais de 5.000 vídeos, alguns apenas brincadeiras feitas por garotos que aprenderam a mexer no programa que cria os "sabres de luz", mas outros muito interessantes, como "Forcery" (outro que tem cenas exibidas no documentário). Este curta é uma sátira de "Louca Obsessão", e mostra George Lucas sofrendo um acidente de carro logo após escrever o roteiro do "Episódio 3", e sendo resgatado e aprisionado por uma fã psicótica de "Star Wars", que obriga o diretor a reescrever o roteiro!

Outros vídeos mostrados no documentário trazem brincadeiras com os personagens de "Star Wars" em forma de desenho animado, Lego, bonequinhos, garrafas e até ovos (!!!) em stop-motion.


Infelizmente, O POVO CONTRA GEORGE LUCAS termina sem chegar a nenhuma conclusão - ou veredicto, já que se propunha julgamento. George Lucas é culpado de ter estragado a trilogia original ou estava no direito de mexer nos filmes que ELE escreveu e dirigiu? É culpado de ter frustrado os fãs com uma nova trilogia cheia de bobagens, ou os fãs é que levaram aqueles três filmes antigos a sério demais, e não conseguem se divertir com os novos?

São questões que permanecem no ar para serem discutidas pelos nerds em fóruns de "Star Wars" na internet, pois talvez cada espectador, fã da série ou não, deva chegar ao seu próprio veredicto. Eu, que me incluo naquela categoria de fãs que prefere pensar que a nova trilogia nunca existiu ou aconteceu, até prometo dar uma chance aos Episódios 1 a 3 daqui uma década, para ver se a minha impressão sobre eles melhora.

E mesmo cheio de defeitos, O POVO CONTRA GEORGE LUCAS vale exatamente como documento e registro dessa louca febre, paixão ou obsessão, como preferirem, pelo universo criado por George Lucas em 1977. Quem diria que aquele "Há muito tempo atrás, em uma galáxia muito, muito distante..." iria dar origem a um culto tão grande?


Termino citando um quadro clássico do programa humorístico "Saturday Night Live", em que William Shatner, o próprio, participa de uma convenção de fanáticos por "Star Trek" e xinga aqueles sujeitos: "People, please, get a life!".

É impossível não lembrar disso ao ver, no documentário, diversos adultos e pais de família acampados em frente aos cinemas na época do lançamento do "Episódio 1", ou vestindo-se como seus personagens preferidos. É apresentado até o caso de uma mulher cujo casamento acabou por causa da sua obsessão por colecionar bonequinhos de "Star Wars"!

Bem que próprio George Lucas podia aparecer no final de O POVO CONTRA GEORGE LUCAS e dizer exatamente isso, direto para a câmera: "People, please, get a life!".


Trailer de O POVO CONTRA GEORGE LUCAS



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O Povo Contra George Lucas
(The People Vs. George Lucas, 2010, EUA)

Direção: Alexandre O. Philippe
Entrevistas com: Kevin Rubio, Joe Nussbaum,
Brandon Kleyla, Matt Cohen, Frankie Frain e
George Lucas (cenas de arquivo).

sábado, 10 de abril de 2010

Plágio nas Estrelas


Acabei de voltar de uma sessão do curioso documentário "O Povo Contra George Lucas", que está sendo exibido dentro da programação do 15º Festival Internacional de Documentários "É Tudo Verdade", aqui em São Paulo. Estava animado para escrever algumas impressões sobre o trabalho do norte-americano Alexandre O. Phillipe, mas achei que uma imagem (ou várias, neste caso) vale mais que mil palavras, principalmente depois que encontrei esta impressionante comparação de fotos feita por um usuário do site Cinemageddon.

Eis que o paciente rapaz colocou lado a lado cenas do épico e famoso final de "Guerra nas Estrelas" (ou "Star Wars Episódio 4 - Uma Nova Esperança", como preferirem) e de um obscuro filme de guerra inglês/norte-americano de 1964, chamado "633 Squadron", sobre corajosos pilotos que precisam voar baixo para explodir um super-forte nazista durante a Segunda Guerra Mundial, antes que os chucrutes consigam disparar mísseis que destruirão a Inglaterra e impedirão o "Dia D".

Bem, uma olhadinha por cima nas imagens abaixo já revela de cara que George Lucas não apenas "se inspirou" no final de "633 Squadron" ao filmar o ataque da Aliança Rebelde à Estrela da Morte, mas sim COPIOU o filme de 1964 praticamente quadro a quadro em seu "Guerra nas Estrelas"!

Não sei se alguém aqui já conhecia essa "inspiração" de George Lucas, mas para mim foi uma grande novidade e resolvi compartilhar com todos. Para ver as imagens maiores, basta clicar em cada bloco que uma ampliação abrirá automaticamente. A propósito, "633 Squadron" também é um filme bem interessante, vale a pena (re)descobrir.

"That's all, folks!".

(E quem puder, vá conferir o documentário "O Povo Contra George Lucas", que, apesar de longo demais e repetitivo demais, propõe uma interessante discussão sobre até onde um diretor tem controle e poder sobre a sua obra!)