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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

VIVA DJANGO! (1968)


Todos os filmes não-oficiais com o personagem Django produzidos depois do sucesso da obra de Sergio Corbucci eram aventuras independentes, com pouca ou nenhuma relação direta com o original, embora sempre emprestando um elementozinho aqui, outro ali. Para todos os efeitos, a única sequência oficial de "Django" saiu apenas duas décadas depois, em 1987 ("Django, A Volta do Vingador"), contando inclusive com o retorno de Franco Nero no papel-titulo.

Só que bem antes dela houve um "Sotto-Django" que conseguiu se aproximar bem mais do universo do personagem. Trata-se de VIVA DJANGO!, de Ferdinando Baldi, que na Itália se chama "Preparati la Bara" ("Prepare o Caixão"). Motivos não faltam para que esta seja a mais fiel das sequências bastardas do clássico de Corbucci: o filme tem o mesmo produtor (Manolo Bolognini), o mesmo diretor de fotografia (Enzo Barboni) e até um dos roteiristas de "Django", Franco Rossetti (tornando-se, assim, o único a escrever uma outra aventura do personagem além da oficial).


Além disso, por contar uma história anterior aos acontecimentos mostrados em "Django", muitos críticos e espectadores consideram VIVA DJANGO! um "prequel" do original, mostrando como o protagonista transformou-se naquele pistoleiro solitário e sanguinário encarnado por Franco Nero em 1966.

Em minha resenha sobre "Django", eu até comentei que muitas informações eram jogadas apenas por alto e nunca devidamente explicadas, como o que aconteceu à esposa assassinada do herói, ou onde ele encontrou o caixão e a metralhadora que arrastava desde o início do filme. Pois bem: apesar de ser uma produção "não-oficial", VIVA DJANGO! se preocupa em tentar explicar tudo isso, mesmo que os fatos aqui apresentados não batam 100% com aqueles que vimos no filme de Corbucci (mais sobre isso a seguir).


Vale registrar que por muito pouco o próprio Franco Nero não voltou ao seu papel mais famoso, pois tinha assinado um contrato com o produtor Bolognini para estrelar três produções. A primeira, claro, foi "Django", que ninguém imaginava que seria um sucesso tão estrondoso; a segunda foi "Adeus, Texas" (1966), um outro western também dirigido por Ferdinando Baldi (e divertidíssimo).

A terceira obra do contrato seria VIVA DJANGO!, que o produtor concebeu exatamente como um retorno de Nero ao personagem. O problema é que o agora astro recebeu uma proposta irrecusável para trabalhar em Hollywood, estrelando o épico "Camelot" (1967), de Joshua Logan, no papel de Sir Lancelot (que ele roubou de astros como Terence Stamp e Alain Delon), ao lado de um elenco de peso que incluía Richard Harris, Vanessa Redgrave (futura esposa de Nero) e David Hemmings.


É claro que entre fazer mais um western spaghetti poeirento ou estrelar uma superprodução hollywoodiana, Nero não pensou duas vezes e quebrou o contrato com Bolognini - produtor e astro só voltariam a se encontrar num set de filmagem quase dez anos depois, em "Keoma" (1976), de Enzo G. Castellari.

Com a saída do astro quando o projeto já estava encaminhado, os realizadores resolveram tocar VIVA DJANGO! do mesmo jeito, só que encontrando um sósia de Nero para o papel de Django. A opção escolhida pode parecer meio esquisita para o espectador de hoje, mas caiu como uma luva: Bolognini contratou um ator de 29 anos chamado Mario Girotti, que ficaria conhecido pelo pseudônimo americanizado de Terence Hill.


Hoje o nome do ator está associado ao personagem Trinity e às inúmeras comédias e faroestes cômicos que ele estrelou ao lado do parceiro Bud Spencer. Mas é bom lembrar que, em 1968, Terence ainda não era Trinity: sua veia cômica só começou a ser mais explorada a partir de "Trinity é o Meu Nome" (1970), de Enzo Barboni, embora o ator já tivesse feito algumas poucas comédias (como "La Feldmarescialla", de Steno, em 1967; este filme seria rebatizado "Trinity Vai à Guerra" no Brasil por causa do sucesso do personagem POSTERIOR de Terence Hill).

Mario/Terence foi chamado porque era praticamente uma cópia xerox de Franco Nero (compare as fotos abaixo), e inclusive parecia uma versão mais jovem do ator, embora na vida real Nero fosse dois anos mais jovem. Tanto que quando o ator substituto aparece vestido com roupas pretas e disparando rajadas de metralhadora nos inimigos em VIVA DJANGO!, o espectador praticamente esquece que quem está ali é Terence Hill, e não Franco Nero.


O roteiro de Ferdinando Baldi e Franco Rossetti passa-se em data ignorada antes da Guerra Civil, portanto antes dos acontecimentos mostrados em "Django". O herói ainda não é um pistoleiro errante e silencioso: no começo do filme, encontramos o jovem Django sempre falante e sorridente, bem casado com a bela Lucy (Angela Minervini) e trabalhando como guarda-costas para um ambicioso político que pretende concorrer ao Senado, David Barry (o alemão Horst Frank, que é praticamente um clone de Klaus Kinski).

Certo dia, Django é designado para ajudar na escolta de uma carruagem que transporta uma fortuna em ouro para outra cidade, e aproveita para levar a esposa na viagem. Só que o carregamento cai numa emboscada armada pela quadrilha de Lucas (George Eastman), que mata todos para roubar o ouro. Somente Django sobrevive ao ataque e, depois de enterrar Lucy e providenciar uma sepultura falsa para ele próprio, foge e passa a viver como anônimo numa pequena cidade.


Cinco anos se passam e o herói agora trabalha como carrasco na tal cidadezinha, sendo o responsável por enforcar em praça pública os ricos fazendeiros e trabalhadores honestos que foram injustamente acusados de crimes pelo próprio Lucas, agora um dos homens mais importantes da região. Só que Django está pondo em prática um ousado plano de vingança: ao invés de executar os inocentes, ele apenas simula suas mortes e depois os recruta para um pequeno exército particular.

O carrasco pretende usar seus "mortos-vivos" para desferir um ataque direto contra o bando de Lucas. Não demora para as coisas se complicarem. Especialmente porque Django nem imagina que o superior de Lucas é o próprio Senador Barry, que usou o ouro roubado anos antes para se eleger, mas não pretende desistir das atividades ilícitas.


Embora possa até ser visto como uma pré-continuação de "Django", e assim seja considerado por muita gente, VIVA DJANGO! não respeita as informações básicas sobre o personagem introduzidas no filme de Corbucci, mesmo tendo um de seus roteiristas (Rossetti) no time. Por exemplo, em "Django" o personagem dizia que sua esposa tinha sido assassinada pelo Major Jackson (Eduardo Fajardo, vilão daquele filme) enquanto ele estava "muito longe", lutando na Guerra Civil.

Aqui, por outro lado, vemos a esposa de Django ser morta por Lucas a mando do Senador Barry, mas não quando o herói está "muito longe" na guerra; pelo contrário, o herói está bem ao lado da mulher no momento em que ela é morta! E se em "Django" o protagonista está em busca do Major Jackson justamente para vingar a esposa assassinada, aqui em VIVA DJANGO! o herói já exerce sua tão sonhada vingança ao eliminar tanto Lucas quanto o mandante do crime.


O pior é que, com um pouco mais de cuidado, o filme poderia realmente passar por uma pré-continuação. Por exemplo, se o personagem de Horst Frank fosse rebatizado "Jackson", e não morresse na conclusão, o espectador poderia assumir que ele é a versão jovem do vilão interpretado por Eduardo Fajardo no filme de Corbucci, e que, com a fuga dele, Django continuou sua busca por vingança durante anos e durante a própria Guerra Civil, quando o antigo político fez carreira no exército e virou major. Não é o que acontece, infelizmente.

Além disso, VIVA DJANGO! tem uma conclusão espetacular que cita "Django" diretamente: cercado pelo Senador Barry num velho cemitério, e em desvantagem numérica diante dos mais de 20 capangas do político, Django desenterra o caixão da sua própria sepultura, aquela que usou para simular a própria morte, e tira do seu interior uma metralhadora semelhante à usada por Franco Nero em "Django", e que usa para exterminar todos os seus rivais (unindo, assim, as duas cenas mais icônicas do filme de Corbucci: o massacre com a metralhadora e o duelo final no cemitério!).


Pena que tanto o diretor Baldi quanto o roteirista Rossetti foram muito manés na última imagem do seu filme: se tivessem concluído VIVA DJANGO! mostrando o herói indo embora arrastando seu caixão com a metralhadora dentro, teriam criado um belíssimo elo com o início do "Django" original!

Mas eu duvido que o espectador da época tivesse muita familiaridade com prequels, ou que realmente se importasse com o fato de os acontecimentos mostrados aqui não baterem com as informações apresentadas no clássico de Corbucci. Provavelmente a maioria assistiu VIVA DJANGO! sem sequer se lembrar destes detalhes sobre o personagem, motivo pelo qual os próprios realizadores nem se preocuparam tanto em ligar as histórias dos dois filmes, concentrando-se na ação.


E ação é o que não falta! O falecido Ferdinando Baldi (1917-2007) era um especialista no assunto, que infelizmente morreu sem o devido reconhecimento (um outro filmaço dele já resenhado aqui no FILMES PARA DOIDOS foi "Blindman", de 1971). VIVA DJANGO! pode até não ter uma contagem de cadáveres tão alta quanto o original, mas se considerarmos que o herói aqui ainda está em início de carreira, a soma de óbitos é bastante expressiva: Django mata mais de 40 rivais, a maior parte deles com sua metralhadora!

Terence Hill está anos-luz distante do palhaço que encarnaria posteriormente, a partir de Trinity, mas protagoniza um momento muito engraçado ao ser rendido por um dos inimigos, que lhe pede para entregar o revólver segurando pela coronha. Fingindo que vai realmente dar a arma para o rival, o herói faz um rápido malabarismo e gira a pistola, disparando-a virada, direto na cara do sujeito!


Além dos tiroteios de costume, há uma cena explosiva (literalmente) em que Django enfrenta toda a quadrilha de Lucas, e que termina num confronto com o próprio Lucas dentro de um saloon em chamas. Percebe-se claramente que são os próprios atores, e não dublês, se esgueirando pelo cenário em chamas e desviando-se por muito pouco de vigas incendiadas que quase caem sobre eles!

O duelo entre Django e Lucas tem um desfecho fantástico: o herói atira no lampião que o vilão segura, incendiando-o instantaneamente. O engraçado é que, neste momento, o ator George Eastman é visivelmente substituído por um dublê, que inclusive perde a peruca ao rolar pelo chão!


Quem viu "Django" diversas vezes certamente vai identificar inúmeras referências ao original. Por exemplo: ao ser aprisionado pelos homens de Lucas, o Django de Terence Hill também tem suas mãos feridas (elas são pisoteadas pelos bandidos), embora não esmagadas tão violentamete quanto as de Franco Nero no filme de Corbucci.

VIVA DJANGO! também tem uma reviravolta um tanto forçada, quando um dos homens salvos da forca por Django, Garcia (José Torres), consegue convencer o exército secreto do herói a roubar um carregamento de ouro que também é visado pelos ladrões. Depois, o mexicano trai os colegas e os mata todos, fugindo sozinho com a fortuna e sendo caçado pelo próprio Django.


Embora seja algo que me incomode sempre que revejo o filme (pois os esforços do herói em criar um exército com condenados salvos da forca acabou resultando em... nada!), podemos interpretar esta cena como uma prévia desilusão de Django com mexicanos, o que de certa forma justificaria porque, no filme de Corbucci, o herói convence a quadrilha de mexicanos a roubar o ouro de um forte apenas para depois traí-los e roubar a fortuna (é o tal do "toma lá, dá cá"!).

A propósito, o filme também traz alguns toques "Leonianos", como a colorida vinheta animada nos créditos iniciais. Nesse caso, convém assistir a versão italiana, já que a bela sequência de créditos foi mutilada na edição norte-americana (justamente a lançada no Brasil em DVD pela Ocean), para a inclusão dos novos créditos em inglês.


Falar em bela trilha sonora num western spaghetti é redundante, mas não posso deixar de citar as duas músicas mais famosas do filme: a bela canção "You'd Better Smile", na voz de Nicola Di Bari, que toca durante os créditos iniciais, e o melancólico tema instrumental "Last Man Standing" aka "Nel Cimitero di Tucson", composto pelos irmãos Gian Piero e Gianfranco Reverberi.

Este último, que é repetido umas 15 vezes ao longo do filme (mas é tão lindo que nunca incomoda), é um dos temas mais conhecidos do gênero, e ficou ainda mais famoso ao ser sampleado pela dupla norte-americana Gnarls Barkley no hit "Crazy", em 2006. Compare as versões originais e sampleada nas janelinhas abaixo:


O original "Nel Cimitero di Tucson"



A versão sampleada, "Crazy"



Nas minhas resenhas anteriores sobre "Django Não Espera... Mata" e "10.000 Dólares para Django", eu lamentei o fato de os atores Ivan Rassimov e Gianni Garko só terem interpretado o personagem uma única vez. Porém quem REALMENTE parece ter sido talhado para personificar Django em uma longa série de filmes é Terence Hill; não só pela sua semelhança física com Franco Nero, mas principalmente porque ele não tenta inventar moda e nem moldar o personagem à sua maneira - o que vemos no filme não é Terence Hill interpretando Django, mas sim Terence Hill interpretando Franco Nero interpretando Django!

Claro que, hoje, fica difícil saber os motivos para o ator não ter sido oficializado como "o novo Django". Deve ter pesado o fato de Terence estar sendo disputado por outros diretores, como Giuseppe Colizzi ("Boot Hill") e Enzo Barboni, para interpretar seus próprios personagens, incluindo o famoso Trinity ("Trinità", no original). Uma pena, porque o ator foi, disparado, o melhor Django depois de Franco Nero, e o único que é realmente parecido com o original.


Considerando que todos os filmes com "Django" no título produzidos depois de 1966 eram ou picaretagens ou aventuras independentes, VIVA DJANGO! tem o grande mérito de ser a única aventura a manter relações bem próximas com o original de Corbucci - além de trazer o "Sub-Django" mais parecido com Franco Nero, não só visualmente, mas também no modus operandi e no uso da metralhadora. É até irônico que esta aventura não-oficial seja muito mais fiel que a continuação oficial de "Django", aquela produzida em 1987!

Portanto, VIVA DJANGO! é simplesmente obrigatório para todos os fãs do personagem e do filme de Corbucci. É uma pena que os realizadores não tenham observado alguns detalhes básicos para poder vendê-lo como prequel oficial do clássico, embora ainda seja possível vê-lo dessa maneira com alguma boa vontade.

E, sinceramente, quem apostaria que o palhaço Terence Hill, lembrado até hoje pelos seus faroestes bem-humorados e comédias-pastelão, acabaria sendo o segundo melhor Django da história do western spaghetti?


Trailer de VIVA DJANGO!



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Preparati la Bara (1968, Itália)
Direção: Ferdinando Baldi
Elenco: Terence Hill, Horst Frank, George Eastman,
José Torres, Pinuccio Ardia, Guido Lollobrigida, Barbara
Simon, Luciano Rossi e Spartaco Conversi.

domingo, 20 de janeiro de 2013

DJANGO ATIRA PRIMEIRO (1966)


Lá no começo da MARATONA VIVA DJANGO!, vimos que o sucesso de "Django" nos cinemas europeus fez surgir uma leva de outras aventuras com o personagem, pelo menos no título. Produtores espertalhões simplesmente pegaram faroestes italianos ou espanhóis que estavam sendo filmados ou concluídos e "adaptaram" títulos e pôsteres para que se transformassem em aventuras não-oficiais do personagem - com o objetivo óbvio de tentar abocanhar pelo menos uma pequena fatia da bilheteria da obra estrelada por Franco Nero.

Na maioria dos casos, os produtores não faziam nada além de colocar "Django" no título e no pôster de aventuras cujos heróis já haviam sido batizados com outro nome. O pobre espectador só descobria que tinha comprado gato por lebre quando já estava dentro da sala de cinema, o filme começava e o personagem principal era chamado por algum outro nome (Regan, Peter, Billy, Ray...), menos Django!


DJANGO ATIRA PRIMEIRO faz parte desta primeira leva de "Sotto-Djangos" (como eram chamados os "Sub-Djangos" pela crítica de cinema da Itália), e percebe-se claramente que trama e personagem principal não têm nada a ver com o original. O filme chegou aos cinemas apenas seis meses depois do "Django" de Sergio Corbucci, evidenciando que já estava sendo filmado quando o outro foi lançado e foi transformado numa aventura não-oficial do personagem na pós-produção.

Pelo menos neste caso os realizadores tiveram tempo suficiente para fazer algumas pequenas adaptações não só no título e no pôster de cinema, mas também na trama do filme. Incluindo, por exemplo, um rápido diálogo em que o herói, que se chama Glenn Garvin, explica que os mexicanos o apelidaram de Django, justificando assim o título picareta. (Para não ser injusto, o apelido "Django" é citado mais três ou quatro vezes no filme, talvez para que os espectadores não se sentissem tão enganados; mesmo assim, todo mundo se refere muito mais vezes ao herói pelo seu nome "oficial", Glenn Garvin).


Em sua segunda encarnação cinematográfica, Django/Glenn Garvin é interpretado pelo ator holandês Glenn Saxson (nome de batismo: Roel Bos), que fez pouquíssimos filmes, entre eles "Vá com Deus, Gringo" (1966), de Edoardo Molargia, e o personagem-título do policial "Kriminal" (1966), dirigido por Umberto Lenzi.

DJANGO ATIRA PRIMEIRO começa de maneira bem curiosa: um jovem pistoleiro (Saxson) encontra um caçador de recompensas (José Manuel Martín) que está levando o cadáver de sua última vítima até uma cidade próxima, Silver Creek, para trocar o presunto pelo dinheiro da recompensa. O herói se aproxima do corpo e descobre que se trata de Thomas Garvin, seu próprio pai, a quem não via desde a infância e a quem estava justamente indo reencontrar em Silver Creek! A vingança é instantânea: o pistoleiro se apresenta como Glenn Garvin, filho do finado, e saca mais rápido, matando o caçador de recompensas pego absolutamente de surpresa!


Aí se desenrola um curioso momento de humor negro: Django/Glenn Garvin (vamos chamá-lo de Gardjango a partir de agora, para não precisar ficar citando sempre os dois nomes) começa a cavar uma sepultura para enterrar o pai no deserto, ao mesmo tempo em que CONVERSA animadamente com o finado. É quando tem um momento de "iluminação" e resolve levar o cadáver do seu velho para a cidade e embolsar os 5.000 dólares da recompensa, ao invés de deixá-lo para apodrecer lá no meio do nada!

Dito e feito: Gardjango embolsa a bufunfa em Silver Creek (onde apresenta-se como Glenn Garvin E Django, explicando que este último nome era o seu apelido no México) e está prestes a deixar a cidade em paz e com uma boa graninha no bolso. Mas aí ele é abordado por um bonachão chamado Gordon (Fernando Sancho), que revela ao herói que seu pai não era um bandido, mas sim um homem de negócios acusado injustamente.


Acontece que o velho Thomas Garvin era sócio do figurão local, Ken Kluster (Nando Gazzolo), em praticamente todos os seus empreendimentos na cidade, do banco ao saloon. Mas o tal figurão resolveu incriminar o ex-sócio para ficar com tudo. Ele só não esperava que o único filho de Garvin, desaparecido há anos, voltasse à cidade. E quando Gardjango descobre a pérfida trama, decide reaver o que é seu por direito - ou seja, 50% de Silver Creek! -, nem que para isso precise enfrentar Kluster e seu exército de capangas.

É quando começam as encrencas de praxe: é óbvio que se Kluster já não queria dividir a fortuna com o pai, muito menos o fará com o filho! O vilão passará o restante do filme mandando seus capangas contra Gardjango, mas nosso herói é muito mais rápido no gatilho. E não demora para o rapaz somar forças com Gordon e com um homem misterioso sempre vestido de preto que acabou de chegar à cidade, conhecido como Doc (Alberto Lupo), para juntos derrubarem o império de Kluster.


No meio do confronto, também há duas personagens femininas representando o Bem e o Mal: de um lado está Lucy (Erika Blanc), a doce proprietária do saloon, que obviamente acaba se apaixonando por Gardjango; do outro lado está a maquiavélica amada de Kluster, Jessica ("Evelyn Stewart", aka Ida Galli), que, conforme descobriremos no segundo ato, era casada com o misterioso Doc, mas, interesseira que só, deixou-o para desfrutar da fortuna (roubada) de Kluster.

Temos, assim, uma curiosa inversão de papéis em DJANGO ATIRA PRIMEIRO: Fernando Sancho, que geralmente interpretava sádicos vilões mexicanos em faroestes como "Sete Dólares para Matar", de Alberto Cardone, aqui aparece em raro papel de cidadão honesto (e também alívio cômico), enquanto Ida Galli, quase sempre associada ao papel de doce mocinha em perigo nos westerns estrelados por Giuliano Gemma (entre eles, "O Dólar Furado" e "Adios Gringo"), aparece na pele de uma vilã sem escrúpulos. Tudo bem, a coitadinha exagera um pouco nos olhos arregalados como sempre, mas é uma graça mesmo assim.


DJANGO ATIRA PRIMEIRO foi dirigido por Alberto De Martino, à época com 37 anos. Como muitos outros cineastas italianos (incluindo os "Sergios" Leone e Corbucci), De Martino começou sua carreira filmando aquelas aventuras baratas com gladiadores e/ou heróis mitológicos, tipo "Perseu, O Invencível" (1963) e "O Triunfo de Hécules" (1964). Apesar de depois ter assinado alguns westerns spaghetti, o diretor ficaria mais conhecido pelas suas aventuras policiais e de espionagem, e principalmente pelo filme de horror "O Anticristo" (1974), uma versão italiana de "O Exorcista".

Em entrevista publicada no "Dizionario del Western all'italiana", de Marco Giusti, De Martino confirmou que DJANGO ATIRA PRIMEIRO não foi originalmente concebido como aventura de Django e sequer tinha um personagem com este nome no roteiro (o herói chamava-se apenas Glenn Garvin, sem nenhum "apelido dado pelos mexicanos").


Na verdade, a grande inspiração dos seis (!!!) roteiristas foi o clássico da literatura "Os Três Mosqueteiros", de Alexandre Dumas. "Queríamos fazer 'Os Três Mosqueteiros do Velho Oeste', onde Glenn Saxson seria D'Artagnan", explicou o diretor na entrevista. Ele inclusive assina como um dos roteiristas, ao lado de Sandro Continenza, Massimiliano Capriccioli, Tito Carpi, Vincenzo Flamini e Giovanni Simonelli.

Se o falso Django seria D'Artagnan, os outros mosqueteiros eram o bonachão Gordon e o misterioso Doc, enquanto o vilão Kluster assumiria o papel de um sub-Cardeal Richelieu e sua parceira, Jessica, o da vilanesca Milady de Winter. (Em algumas versões de "Os Três Mosqueteiros" a Milady também era ex-esposa de um dos heróis, o mosqueteiro Athos, justificando esta sub-trama envolvendo Doc e Jessica Kluster no filme.)


Mesmo que eu nunca tivesse lido a entrevista com De Martino confirmando a gênese do projeto, fica bem claro para qualquer um que DJANGO ATIRA PRIMEIRO não passa de um faroeste genérico que alguém transformou em aventura de Django simplesmente alterando o título e o nome do personagem principal. Até porque o herói interpretado por Saxson não tem absolutamente nada em comum com o do filme de Sergio Corbucci - faria até mais sentido se rebatizassem como "O Dólar Furado 2" ou "Ringo Ataca Novamente".

Por isso, este é o Django mais leve e "romântico" da Maratona, contrastando com aquele tipo cínico, calado e truculento interpretado por Franco Nero (posteriormente copiado por atores como Jack Betts e Anthony Steffen). O Gardjango de Saxson é um herói de boa índole, paquerador, que está sempre sorrindo e até faz piadinhas, bem diferente do anti-herói de poucas palavras e poucos amigos interpretado por Nero. Já o vilão de Gazzolo é aquele típico homem de negócios bunda-mole que dá ordens o tempo inteiro e nunca suja as mãos, bem diferente dos sanguinários antagonistas enfrentados pelo herói no clássico de Corbucci.


Visualmente e narrativamente, DJANGO ATIRA PRIMEIRO tampouco tenta se parecer com a obra de Corbucci como outros "Sotto-Djangos" produzidos nos anos posteriores. Cenários e personagens são limpinhos, os inúmeros tiroteios e mortes são praticamente inofensivos, e o filme todo tem um tom meio cômico e leve, bem censura livre - com direito a uma cena em que o herói precisa esconder-se numa banheira de espuma para livrar-se da perseguição dos seus rivais.

O próprio estilo de direção de De Martino está mais para o faroeste norte-americano (a exemplo de colegas como Giorgio Ferroni em "O Dólar Furado") do que para o western spaghetti dos Sergios Leone e Corbucci, o que poderá desagradar quem for ver por causa do nome do personagem no título e esperando algo minimamente parecido.


A bem da verdade, a única coisa que este tem em comum com "Django", além do nome do personagem, é que a conclusão também envolve um tiroteio num cemitério. Sem o mesmo clima do final do filme de Corbucci, é óbvio, mas ainda assim uma bela conclusão, com Gardjango enfrentando Kluster num duelo mais tradicional (estilo "quem saca primeiro") sobre o túmulo do velho Thomas Garvin.

De Martino dirige com visível entusiasmo, buscando belos enquadramentos e explorando a paisagem na linda fotografia em widescreen (ainda bem que não vi este nos tempos do VHS, quando a copiagem cortava as laterais da imagem para ficar em tela cheia). Mesmo assim, DJANGO ATIRA PRIMEIRO é bem convencional e igual a baldes de outros faroestes italianos do mesmo período, com cenas de ação sem grandes novidades (resumindo-se ao "aponta o revólver para o bandido e atira") e até uma gigantesca pancadaria estilo comédia-pastelão no saloon, como mandavam as convenções do período. Até a música composta por um mestre, Bruno Nicolai, é apenas correta, mas pouco memorável.


Para não ser injusto, o roteiro escrito a 12 mãos (!!!) até reserva alguns toques bem interessantes aqui e ali: além do começo genial envolvendo o inesperado "reencontro com o pai", há um irônico final-surpresa que complica toda a trama e deve deixar muitos espectadores revoltados. Por sinal, este momento também marca a estreia no cinema do popular ator George Eastman (foto acima), à época com 24 anos, quase irreconhecível com cara de moleque e sem sua barba e bigode característicos!

Eu até diria que estas cenas inicial e final, as únicas que fogem do lugar-comum, ajudam a salvar DJANGO ATIRA PRIMEIRO do terreno do "completamente descartável". O problema é que Gardjango é um herói bem meia-boca, especialmente para quem espera um Django no estilo Franco Nero de ser. Falastrão e simpático, Glenn Garvin não poderia estar mais distante do apelido que os mexicanos lhe deram. O próprio intérprete Saxson não teve muito mais futuro no gênero, passou a fazer comédias e aposentou-se do cinema em 1983.


Vale destacar a presença do mestre Enzo G. Castellari como assistente do diretor. Ele estrearia oficialmente na direção no ano seguinte (1967), com "Vou, Mato e Volto", mas em 1966 estava super-requisitado no mundo do western spaghetti: na mesma época das filmagens de DJANGO ATIRA PRIMEIRO, ele também trabalhava como assistente de direção de Giorgio Ferroni em "Ringo Não Perdoa", com Giuliano Gemma, e teve que se dividir entre os dois sets de filmagem.

Além disso, naquele mesmo ano de 1966 Castellari praticamente dirigiu sozinho "Poucos Dólares para Django", com Anthony Steffen, que foi "oficialmente" assinado pelo argentino León Klimovsky por questões burocráticas, mas teve a maior parte das cenas feitas pelo assistente de direção! Apesar do título, "Poucos Dólares para Django" é uma daquelas enganações típicas do período, onde o nome do personagem só aparece no título (o pistoleiro interpretado por Steffen chama-se Regan).


Dos envolvidos em DJANGO ATIRA PRIMEIRO, pelo menos dois teriam destaque em outros "Sotto-Djangos": o ator Fernando Sancho voltou (desta vez no habitual papel de vilão mexicano) no excelente "10.000 Dólares para Django", enquanto um dos seis roteiristas, Tito Carpi, também ajudou a escrever "O Filho de Django".

A partir do ano seguinte , começariam a estrear "Sotto-Djangos" mais elaborados, já que seus realizadores tiveram um pouquinho mais de tempo para estudar o que deu certo no filme de Corbucci para tentar copiar, ao invés de simplesmente adicionar "Django" no título.

Mas apesar de alguns filmaços terem saído dessa safra de 1967, infelizmente não é o caso da nossa próxima obra em análise, "Django Não Espera... Mata".


Assista DJANGO ATIRA PRIMEIRO (dublado)



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Django Spara per Primo (1966, Itália)
Direção: Alberto De Martino
Elenco: Glenn Saxson, Fernando Sancho, Nando Gazzolo,
Ida Galli, Erika Blanc, Alberto Lupo, Guido Lollobrigida,
José Manuel Martín e Marcello Tusco.