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domingo, 25 de março de 2012

VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA (1985)


Nos comentários recebidos sobre a atualização anterior, "A Última Festa de Solteiro", muita gente alegava que aquela era a única comédia decente que Tom Hanks havia feito. Lembrei, então, de um trabalho posterior do ator, e que ficou esquecido na sua trajetória rumo ao sucesso - uma espécie de nota de rodapé em sua filmografia. Trata-se de VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA, uma comédia... digamos... esquisita.

Não sei exatamente o porquê de VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA ter acabado na obscuridade, ainda mais considerando a quantidade de filmes fracos que Hanks protagonizou nessa primeira fase da sua carreira (como "O Homem do Sapato Vermelho", "Um Dia a Casa Cai" e "Dragnet - Desafiando o Perigo"). Mas tenho uma teoria: este talvez seja um dos únicos filmes do astro em que ele interpreta um sujeito REALMENTE mau caráter.


Quem conhece um mínimo da filmografia de Hanks já deve ter percebido que ele geralmente só faz caras bonzinhos, às vezes tão bonzinhos que chega a encher o saco. E mesmo quando faz papel de vilão - como em "Estrada Para a Perdição" e "Matadores de Velhinhas" -, são ou vilões "bonzinhos" e de bom coração, ou caricaturas à beira do desenho animado.

Já o playboy Lawrence Whatley Bourne III, que ele interpreta em VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA, certamente não é um exemplo a ser seguido, e chega a ser até estranho ver Hanks, esse cara sempre tão associado ao bom-mocismo, na pele de um personagem cheio de defeitos e desvios de caráter.


Antes de mais nada, uma observação sobre o título nacional: é fácil um filme cair na obscuridade quando o título não ajuda, e vamos combinar que dá vontade de esganar o sujeito que inventou "Voluntários DA FUZARCA" para um filme que se chama apenas "Voluntários" no original. Lá em Portugal, a tradução foi muito mais inspirada, "Voluntários à Força".

Agora, quando você traduz o título e usa uma expressão do arco-da-velha como "fuzarca" (segundo o dicionário, "farra ruidosa, desordem, confusão"), está pedindo para que o público saia correndo. Afinal, quantas pessoas nascidas depois de 1950 sabem o que diabos é uma "fuzarca"?


Já os "voluntários" em questão são os membros do Peace Corps, criado pelo presidente John F. Kennedy em 1961. Era um programa em que jovens estudantes se voluntariavam (ahá!) para viajar até países estrangeiros com o objetivo de ajudar pessoas necessitadas.

VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA se passa no início da década de 60, conforme anunciam os belíssimos créditos iniciais: uma montagem de imagens de arquivo da época, em que vemos gente como Doris Day, Rock Hudson, Kennedy e Marilyn Monroe, numa sessão de nostalgia regada a "Blue Moon", na voz da banda The Marcels.


Em seguida, vemos nosso "herói" Bourne III e sua namorada (Jude Mussetter) como as únicas pessoas brancas numa mesa de pôquer repleta de negros ameaçadores e estereotipados. Viciado em jogo e blefador nato, Lawrence fatura uma bolada, com a qual paga parte da sua dívida com o dono quase mafioso do local. Como ainda deve dinheiro, o rapaz convence seu credor a apostar toda aquela grana num jogo de basquete.

Após uma noite de sexo selvagem com a namorada no dormitório da faculdade (e essa deve ser uma das únicas vezes em que Tom Hanks aparece transando num filme, embora nada seja mostrado, apenas escutamos a barulheira), nosso herói se lembra que é o dia da sua formatura. Mas está mais interessado no resultado do jogo em que apostou a própria vida. E, claro, seu time perde, deixando-lhe automaticamente com uma exorbitante dívida de milhares de dólares que ele deve pagar antes da meia-noite - ou morrer.


Lawrence até tenta conseguir um empréstimo com o pai milionário, mas ele nega. Resta-lhe, então, uma única alternativa para salvar o pescoço: assumir a identidade de seu colega de quarto, Kent (Xander Berkeley, quando ainda tinha cabelo), e embarcar num avião do Peace Corps, como "voluntário", rumo à Tailândia! Na troca, Kent fica com a namorada e o carrão do colega.

O playboyzinho percebe já no início do voo a fria em que foi se meter, ao conhecer voluntários irritantemente idealistas como "Tom Tuttle from Tacoma, Washington" (John Candy, ainda na sua fase de figurante). Mesmo assim, encontra tempo para tentar seduzir Beth (Rita Wilson), que inicialmente pensa que ele é Kent e por coincidência trocava correspondências com o colega de quarto. Revelada a troca de identidades, Lawrence fica queimado com a moça, mas não desiste de passar o restante do filme tentando seduzi-la.


Pois Lawrence, "Tom Tuttle from Tacoma, Washington" (ele se apresenta assim toda vez, e são diversas ao longo do filme) e Beth são designados para a mesma aldeia pobre da Tailândia.

E enquanto os dois voluntários de verdade tentam ajudar os moradores locais, nosso herói está muito ocupado pervertendo-os: primeiro os ensina a jogar black jack com apostas em galinhas, porcos e frutas; depois, constrói um bar completo na aldeia, o "Lawrence's"! Numa frase genial, ele resume todo o seu mau-caratismo: "Não é que eu não possa ajudar essas pessoas. Eu simplesmente não quero ajudá-las!".


Não demora para ele ser contatado pelo bandidão Chung Mee (Ernest Harada), o maior traficante de ópio do país, que precisa que uma ponte seja construída sobre o rio ao lado da aldeia dos "voluntários" para facilitar o transporte das drogas. Como ele promete dinheiro e uma passagem de volta aos Estados Unidos, Lawrence se dedica a acelerar a construção da estrutura, surpreendendo os colegas com sua súbita mudança de comportamento.

É necessário situar-se no contexto histórico, social e político do mundo nos anos 1960 para entender melhor a trama de VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA. Afinal, não faltam piadas sobre "vilões" comunistas, especialmente quando "Tom Tuttle from Tacoma, Washington" é aprisionado pelo exército local e sofre lavagem cerebral para odiar os "ianques capitalistas". Considerando que tudo isso perdeu o sentido depois do fim da Guerra Fria, as novas gerações provavelmente não vão entender a maior parte do filme sem antes fazer uma pequena pesquisa de história.


Durante a década de 80, Tom Hanks fez algumas comédias bem divertidas, como "Splash", "A Última Festa de Solteiro", "Quero Ser Grande" e "Meus Vizinhos São um Terror". Mas, vamos combinar, as outras comédias que ele estrelou no período eram ruins demais e só rendiam mesmo risos amarelos (ou alguém aqui realmente gosta de "Dragnet" ou "Uma Dupla Quase Perfeita"?).

Por isso, é surpreendente como o ator está bem interpretando um personagem imperfeito e cara-de-pau em VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA. Ele tem tiradas hilárias, e, o que é melhor nesses tempos politicamente corretos, não passa por nenhum processo de "bom-mocismo" no final. Tudo bem, ele até realizará alguns atos de heroísmo (como resgatar Beth, sequestrada pelos vilões). Mas não recebe nenhuma lição de moral, não "aprende" nada e termina o filme tão mau caráter quanto começou, inclusive anunciando seus planos de construir um cassino na pequena aldeia e promover apostas em corridas de elefantes!


Particularmente, gosto muito desse filme e o incluiria tranquilamente numa relação dos meus trabalhos preferidos do Tom Hanks.

Porém, se ele está ótimo, o mesmo não se pode dizer de John Candy. Aliás, nada como o tempo para fazer justiça. Quando eu era moleque, eu adorava as comédias estreladas por Candy, como "As Grandes Férias" e "Quem É Harry Crumb?"; só agora, depois de "velho" e revendo esses filmes todos, percebo como o gorducho (falecido em 1994) era mala-sem-alça e sem graça - uma espécie de Jack Black dos anos 80.

Aqui, Candy felizmente aparece pouco, mas consegue irritar sempre que entra em cena pela sua interpretação caricatural e exagerada (embora a piada envolvendo sua lavagem cerebral quase instantânea seja muito engraçada).


Já Rita Wilson é uma mocinha apagada, mantendo a rotina "garota que odeia o protagonista no começo mas aprende a amá-lo da metade para o final do filme". O mais interessante de sua participação em VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA foi o fato de Hanks ter se apaixonado por ela de verdade: eles começaram a namorar, casaram em 1988 e ainda estão juntinhos, comprovando como Tom Hanks é um bom moço também na vida real!

VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA ainda tem duas participações ilustres e muito engraçadas: a primeira é Gedde Watanabe (à época cumprindo o papel de "rapaz oriental engraçadão" em filmes como "Vamp - A Noite dos Vampiros" e "Gatinhas e Gatões"), no papel do único rapaz da vila que fala inglês, e que logo se transforma em parceiro de Lawrence em suas presepadas; a outra é do astro de "Trancers" Tim Thomerson, que rouba todas as cenas em que aparece.


Thomerson interpreta John Reynolds, o piloto de helicóptero que transporta os voluntários do Peace Corps, e é mostrado como um sujeito legal e simpaticão no começo do filme. À medida que a história progride, porém, ele se revela um louco de pedra que vive conversando com sua faca (a quem chama de "Mike"), e que fica obcecado por Beth.

Outra personagem hilária é Lucille, a sensual e perigosa guarda-costas do traficante Chung Mee. Interpretada pela bela Shakti Chen ("O Rapto do Menino Dourado"), ela tem unhas compridas e letais, com as quais tenta matar o herói numa cena impagável.


O diretor no comando de toda essa "fuzarca" (pffff!) é Nicholas Meyer, um nome praticamente desconhecido para a maioria dos cinéfilos, e provavelmente mais lembrado pelos "trekkers" como o cara que dirigiu dois dos melhores longas baseados no seriado: "Jornada nas Estrelas 2 - A Ira de Khan" e "Jornada nas Estrelas 6 - A Terra Desconhecida" (este seu último filme para o cinema, feito em 1991).

Na verdade, Capitão Kirk e cia. à parte (e eu confesso que nunca vi nenhum "Jornada nas Estrelas"), Meyer tem uma filmografia bem decente que merece ser (re)descoberta: além desse interessante VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA, ele também fez os ótimos "Um Século em 43 Minutos" e "The Day After - O Dia Seguinte", e o eficiente "Companhia de Assassinos".

Considerando que esta é a sua única comédia, até que o sujeito se saiu muito bem - dá até pra lamentar o fato de ele não ter se aventurado mais vezes no gênero. Embora o filme tenha algumas tiradas bem estúpidas, Meyer nunca ofende a inteligência do espectador, e o resultado é uma comédia em que até as piadas mais bestas tem um quê de sofisticação (algo difícil de encontrar, por exemplo, nos filmes recentes de Adam Sandler e Ben Stiller).


Já o roteiro é assinado pela dupla Ken Levine e David Isaacs, conhecidos roteiristas de seriados de TV e que geralmente trabalhavam juntos. Eles escreveram alguns diálogos divertidíssimos, como a conversa de Lawrence com Chung Mee:
- O ópio é o meu negócio. A ponte significa mais tráfico. Mais tráfico significa mais dinheiro. Mais dinheiro significa mais poder.
- Certo, certo. E vai ter espaço nesse esquema para mim?
- A rapidez é importante nos negócios. Tempo é dinheiro.
- Mas você disse que ópio é dinheiro!
- Dinheiro é dinheiro.
- Bem, e o que é o tempo mesmo?



Outro diálogo hilário acontece entre Lawrence e o seu pai, quando o ricaço lamenta as dívidas de jogo do filho:
- Você tem decepcionado a mim e à sua mãe desde o dia em que nós te tiramos do orfanato.
- Pare com isso, papai! Eu sei que não sou adotado!
- Sim, mas por favor, permita-me essa pequena fantasia!



O roteiro também brinca o tempo todo com o próprio cinema, satirizando cenas famosas de filmes famosos. O "Lawrence's", inaugurado pelo herói no centro da aldeia, é uma referência ao "Rick's" de Humphrey Bogart em "Casablanca". Lawrence até tem uma cena romântica com Beth ao som da eterna música de "Casablanca", "As Time Goes By", dedilhada por um nativo na cítara!

Também há brincadeiras explícitas com "A Ponte do Rio Kwai", "O Mágico de Oz" e "Lawrence da Arábia" - piadas estas que perdem todo o sentido para o público de hoje, e que só serão compreendidas por cinéfilos das antigas.


VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA ainda mistura piadas convencionais (diálogos e situações-pastelão típicas do gênero) com umas tiradas nonsense no estilo do que Jim Abrahams, David e Jerry Zucker faziam na época, em produções como "Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu!" e "Top Secret".

Há uma cena, por exemplo, em que os personagens assumem que estão num filme ao ler a legenda em inglês para compreender um diálogo em tailandês. Essa piada, por sinal, foi incluída pelo diretor, e enfureceu os roteiristas: Ken Levine chegou a queixar-se dela em seu blog, dizendo que "foi a cena que estragou o filme"!


Em outro momento, um mapa na tela mostra a perseguição de Lawrence pelos gângsters para quem ele deve dinheiro... até que o carro dirigido pelo herói atravessa e rasga o mapa como se ele fosse algo físico!

A própria ponte construída pelos voluntários na aldeia é um absurdo: trata-se de uma réplica, em madeira, da famosa Brooklyn Bridge, em Nova York! E, o que é mais curioso, o negócio foi construído DE VERDADE, inflacionando o orçamento do filme. Se fosse hoje, fariam alguma monstruosidade em CGI e pronto.


VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA não foi exatamente um sucesso de bilheteria (custou 25 milhões e faturou "apenas" 19 milhões). Se o público não comprou a ideia, os críticos se dividiram entre quem gostou e quem odiou totalmente. Mas o relativo fracasso não arranhou nem a carreira de Hanks, nem a de Candy.

Os realizadores também tiveram conflitos com Robert Sargent Shriver Jr. diretor do Peace Corps na época da produção. Ele leu o roteiro e ficou enfurecido, alegando que desrespeitava o trabalho da organização e "cuspia na bandeira americana" (patriotismo realmente não é o forte do filme). Sargent chegou a sugerir várias mudanças e alterações no roteiro, mas elas não foram sequer consideradas; e, quando o filme finalmente estreou, o briguento já não era mais diretor da organização para poder questionar nada.


Hoje, eu diria que VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA é uma comédia a ser conhecida, por todos os pontos positivos que eu já elenquei e por tantos outros que o espaço e o medo de soltar spoilers não me permitem citar. Mas principalmente por ser uma comédia que é inteligente mesmo em suas piadas mais idiotas, como a dos personagens lendo as legendas (piada copiada sem a menor vergonha na cara no terrível "Austin Powers em O Homem do Membro de Ouro").

E ainda mais recomendadíssima por trazer um Tom Hanks bem diferente do que estamos habituados a ver, menos "bom moço" e mais salafrário. Pena que o ator foi gradativamente abandonando esse tipo de personagem até se transformar num sinônimo de "cara legal" - e, consequentemente, cada vez mais chato.

PS: Olho vivo para identificar o gigantesco Professor Toru Tanaka, vilão de um sem-número de filmes de ação (brigou com Chuck Norris em "Ajuste de Contas", por exemplo), no papel de um dos homens de Chung Mee.

Trailer de VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA



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Volunteers (1985, EUA)
Direção: Nicholas Meyer
Elenco: Tom Hanks, Rita Wilson, John Candy, Tim Thomerson,
Gedde Watanabe, George Plimpton, Ernest Harada, Xander
Berkeley, Shakti Chen e Professor Toru Tanaka.

terça-feira, 20 de março de 2012

A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO (1984)


Sexta-feira passada (16/03/2012) estreou nos cinemas brasileiros a comédia "Projeto X - Uma Festa Fora de Controle", sobre uma festa de adolescentes que, como o título já diz, sai "um pouquinho" do controle e se transforma num autêntico caos. O trailer é muito divertido, mas enquanto não vou aos cinemas conferir, prefiro relembrar com os leitores do FILMES PARA DOIDOS uma outra festinha fora de controle, esta realizada há quase 30 anos.

Trata-se de A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO, um clássico da TV aberta e uma daquelas comédias apelativas como o cinema norte-americano parece ter desaprendido a fazer nestes tempos modernos.

E o mais curioso: se "Projeto X" é sobre adolescentes e as doideiras típicas da faixa etária, A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO retrata personagens ADULTOS que perdem completamente a compostura e portam-se de maneira pior que muito moleque por aí.


Como o título original (bem mais apropriado) já anuncia, o filme é sobre uma bachelor party - a tradicional despedida de solteiro. No caso, a despedida de Rick Gassko (Tom Hanks, em seu segundo filme como protagonista), irresponsável motorista de ônibus escolar que recusa-se a crescer, mesmo estando com o casamento marcado com a gata Debbie (Tawny Kitaen, de "Execução Sumária").

A notícia de que Rick vai "se enforcar" pega seus amigos de surpresa, já que todos são solteirões convictos, ainda mais irresponsáveis e imaturos do que ele. Mas os safadões vêem no casório a oportunidade de liberar geral com uma despedida de solteiro de arromba, cheia de, como um dos rapazes anuncia, "garotas, armas, fogos de artifício, prostitutas, drogas e álcool, tudo aquilo que faz a vida valer a pena!".


A exemplo do que acontece no recente "Projeto X", a despedida de solteiro de Rick acabará saindo do controle: a festa acontece num hotel de luxo, decorado com balões feitos com camisinhas e tudo mais, e a barulheira no quarto (tem até uma banda tocando ao vivo!!!) acaba atraindo outros hóspedes. Não demora para que a pequena e particular bachelor party se transforme na festa mais animada da cidade!

Mas não fica só nisso, e o roteiro escrito por Pat Proft e pelos irmãos Bob e Neal Israel (este último também diretor) é incrível pela quantidade de personagens e situações paralelas que consegue criar. Além da despedida de solteiro em si, Rick enfrentará o ódio do sogro Ed Thompson (George Grizzard), um ricaço que não aprova o casório; a marcação cerrada da própria noiva e de suas amigas, desconfiadas do que está acontecendo na festinha, e até um ex-namorado ciumento e possessivo de Debby, o playboy Cole (Robert Prescott), que quer matar Rick para ter sua amada de volta!


A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO mereceria um prêmio só pela quantidade de frases de efeito (que lá fora chamam de one-liners) disparadas por todos os personagens, mas principalmente por Hanks, que solta piadinha atrás de piadinha e nunca parece falar sério.

E outro prêmio pela coragem de baixar o nível até o limite do bom gosto, coisa que a maioria das comédias recentes parece ter medo de fazer (a exceção é o ótimo "Se Beber Não Case", e que mesmo assim parece bem inofensivo perto desse filme aqui).


Impossível não citar alguns dos momentos antológicos da película, como a participação do canastrão Brett Clark ("Delta Force Commando") no papel de um stripper super-dotado que tem a sugestiva alcunha de "Nick The Dick" (alguém lembra como era o nome na versão nacional???).

Pois o pinto extralarge do Sr. The Dick é usado como recheio de cachorro-quente numa sacanagem armada por Rick e sua turma durante o chá-de-panela da noiva Debby. E se só a reação de Hanks e seus amigos ao tamanho do "dick" de Nick já é hilária (fotos abaixo), o desfecho da piada provocaria risos até no meio de um velório!


Nesses tempos lazarentos em que se busca o "politicamente correto" a todo custo, e não dá mais para brincar com certas coisas, é ótimo ver uma comédia de uma época em que sexo com prostitutas e consumo de doses cavalares de drogas são atitudes comuns e até mesmo incentivadas, sem qualquer juízo de valor. Praticamente todos os personagens do filme transam com as profissionais em algum momento da festa, e há até um "buffet" de entorpecentes para o uso dos convivas!

Acredite ou não, o roteiro foi inspirado nos acontecimentos registrados na despedida de solteiro do próprio co-roteirista e produtor Bob Israel, o que dá uma bela ideia das maluquices que esses sujeitos aprontavam também na vida real...


Mas o mais interessante de A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO é a química entre os atores que interpretam os amigos de Tom Hanks: você realmente acredita que aqueles caras todos são parceiros há anos. Eu gosto muito de algumas cenas simples que demonstram essa afinidade entre eles, como quando um dos rapazes joga batatas-fritas nos outros para chamar a atenção durante uma discussão.

É muito difícil que um filme consiga passar a ideia de que os atores REALMENTE são amigos de longa data, e não completos estranhos interpretando amigos de longa data. Esse aqui é um dos melhores exemplos de como fazer isso de forma convincente.


Por sinal, o jovem Hanks, ainda no árduo caminho para o estrelato (ele só estouraria mesmo em "Quero Ser Grande", de 1988), pode até ser o protagonista, mas também é o personagem mais xarope do filme: seu Rick Gassko só é imaturo e "adultescente" ATÉ que começa a despedida de solteiro, pois nesse momento revela-se um completo mala, aquele típico cara legal e certinho que não pretende passar dos limites e nem curtir as últimas horas de solteirice com uma puladinha de cerca.

Esse moralismo exagerado e empurrado goela abaixo no espectador ficou ainda mais evidente nas comédias recentes, como o pavoroso "Passe Livre". Mas A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO já traz uma cena um tanto difícil de engolir: por mais que sua noiva e futura esposa Debby seja uma gata, dá vontade de matar o Tom Hanks por recusar a lindíssima Monique Gabrielle, que, no papel de uma ex-namorada ainda apaixonada, oferece-se a ele completamente pelada!


Se Hanks faz o tipo certinho, pelo menos os seus parceiros de folia estão entre os sujeitos mais irresponsáveis já vistos numa comédia - e o fato de serem todos adultos, e não adolescentes com hormônios em ebulição, torna tudo mais divertido!

O rol de doidos conta com O'Neill (Adrian Zmed), um fotógrafo que, na sua primeira cena no filme, faz de tudo para enquadrar os seios fartos de uma pobre mãe solteira que leva seu filho pequeno para ser fotografado; o médico e irmão mais velho de Rick, Stan Gassko (William Tepper), louco para afogar as mágoas do casamento infeliz com as prostitutas da festa; o agenciador de shows Gary (Gary Grossman), que protagoniza uma das melhores cenas do filme ao apaixonar-se perdidamente por um travesti; o junkie Brad (Bradford Bancroft), que passa a festa toda tentando cometer suicídio e é o mais chato dos personagens principais; o garçom Ryko e o mecânico tarado Rudy.


Algumas palavrinhas sobre estes últimos dois: Ryko é interpretado por um jovem Michael Dudikoff, o próprio "American Ninja", ainda antes da fama. Ele viraria astro no ano seguinte, 1985, graças à aventura de artes marciais da Cannon Films.

Já Rudy, o mecânico tarado e alucinado interpretado por Barry Diamond (de "A Reunião dos Alunos Loucos"), rouba o filme toda vez que aparece. Seu personagem porco e grosseirão lembra muito John Belushi em "Clube dos Cajafestes", o que nos leva à informação de que...

...o roteirista e diretor Neal Israel reviu diversas vezes a clássica comédia de John Landis para tentar aprender como reconstruir aquele clima caótico, repleto de piadas soltas e personagens engraçados.


Pois algumas cenas de Rudy são tão parecidas com comportamentos de Belushi em "Clube dos Cafajestes" que provavelmente o próprio Belushi teria sido convidado para A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO caso não tivesse morrido de overdose alguns anos antes. Vejam, por exemplo, o momento em que Rudy come vários doces em um mercadinho sem pagar, semelhante ao antológico momento alimentar de John Belushi em "Clube dos Cafajestes"; ou a cena em que Rudy cospe cerveja inesperadamente na cara de uma garota, comportamento que se esperaria de Belushi no filme de Landis; ou, ainda, Rudy quebrando uma garrafa de uísque na própria cabeça, outro comportamento tipicamente belushiano.

Há um outro momento hilário "emprestado" diretamente de "Clube dos Cafajestes", envolvendo um jumento morto no elevador do hotel em que acontece a festa de Rick - uma citação confessa ao cavalo morto na sala do diretor da escola, no filme de Landis.


Acontece que, numa das cenas mais divertidas e ultrajantes de A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO, uma stripper (Toni Alessandrini, que era stripper também na vida real) é levada até o quarto de hotel para um show de zoofilia com um jumento!!! Mas, enquanto a moça dança e tira a roupa, o pobre quadrúpede começa a comer anfetaminas e cheirar linhas de cocaína dispostas sobre a mesa para os convidados da festa, morrendo logo depois de overdose e sendo "descartado" no elevador do hotel!

(Esta cena engraçadíssima da overdose do jumento foi cortada em quase todas as exibições do filme na TV aberta, e portanto a morte do animal ficava meio inexplicada, como se tivesse acontecido por ataque cardíaco ou algo do gênero!)


E por falar em TV aberta, é interessante destacar que a dublagem nacional de A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO subvertia o sentido de diversos diálogos para eliminar o incentivo à promiscuidade e ao uso de drogas que o filme originalmente fazia! Bem que alguém que tem o filme gravado da TV poderia colocar as cenas dubladas no YouTube para melhor comparação, mas, de memória, eis os piores momentos da versão em português:

No início do filme, quando Rick transporta um grupo de alunos de uma escola de freiras, há uma cena em que uns garotos jogam pôquer com apostas em dinheiro no chão do ônibus. Para diminuir um pouco a exibição de menores praticando jogo ilegal, a Globo dublou uma das crianças falando algo como "Olha, tem dinheiro aqui no chão!".


Em outra cena, o personagem do junkie oferece drogas a Hanks. Na dublagem nacional, ele dava uma de bom rapaz e dizia: "Eu não vou tomar essa porcaria com você!". No diálogo original, Hanks dispensava a oferta simplesmente dizendo que era falta de educação dividir drogas!

Finalmente, no auge da despedida de solteiro, um dos rapazes abre a porta e dá as boas-vindas a mais pessoas não-convidadas, anunciando, na versão dublada: "Gatinhas à esquerda, rapazes à direita". Na versão original, a divisão era bem diferente: "Drugs to the right, hookers to the left"!!!


A única parte fraca de A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO é a conclusão. O filme bem que poderia terminar com o desfecho da festa propriamente dita, mas há uma última cena de ação e perseguição, quando Cole sequestra Debby e Rick o persegue em seu ônibus escolar. O conflito termina com uma luta num cinema 3-D (que exibe cenas de "Mercenários das Galáxias", produzido por Roger Corman).

Essa conclusão com uma grande perseguição ou cena de ação é uma infeliz característica dos roteiros de Neal Israel, que fez a mesma coisa em "Loucademia de Polícia", "Academia de Gênios" e "Trânsito Muito Louco" (este ele também dirigiu). Eu particularmente acho esta "ação final" dispensável, e quebra o clima de comédia burlesca construído até então.


Por sinal, A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO é provavelmente o grande filme de Israel, que foi trabalhar na TV depois do fracasso de seus projetos dos anos 90 (como o insuportável "Surfistas Ninjas", com Rob Schneider e Leslie Nielsen). Um triste fim para o cara que fez comédias simpáticas como "Trânsito Muito Louco" e "Loucademia de Combate".

Outro que não sobreviveu à ação do tempo foi Adrian Zmed, cujo personagem tem bastante destaque neste filme e, aparentemente, estava sendo talhado para também virar astro de cinema - na época, ele estrelava o popular seriado de TV "T.J. Hooker", ao lado de William Shatner! Mas, apesar do cara mandar bem, não deu certo e, graças a escolhas erradas nos anos seguintes, a promessa de astro virou um esquecido coadjuvante de luxo.


Eu escrevi várias vezes, ao longo dessa resenha, que as comédias de hoje ficaram afrescalhadas, e seus realizadores parecem ter medinho de pegar mais pesado - como era regra lá atrás, nos anos 80. Uma bela forma de constatar isso na prática é fazer uma sessão dupla deste filme aqui com o recente "American Pie 3 - O Casamento" (2003), que também retrata uma despedida de solteiro e também tenta "pegar pesado", mas parece até produção da Disney perto do que Tom Hanks e sua turma aprontaram lá em 1984...

Ainda engraçadíssimo mesmo depois de 30 anos e pelo menos umas trinta reassistidas (de minha parte), A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO só tem um grande defeito: deixa todo mundo com a maior vontade de participar de uma despedida de solteiro como aquela de Rick Gassko e seus amigos.

Infelizmente, todos os meus amigos que cometeram a imbecilidade de casar também cometeram a dupla imbecilidade de não fazer qualquer festa de despedida de solteiro, muito menos algo animado e selvagem no nível dessa do filme. É de chorar...


PS 1: Em 2008, Neal Israel, Bob Israel e Pat Proft comprovaram que estão no fundo do poço ao assinarem o roteiro de "A Última Festa de Solteiro 2 - Tentação Final", uma abominável sequência de seu famoso sucesso, dirigida pelo novato James Ryan. Nenhum dos atores do original deu as caras, a continuação não tem graça nenhuma e ainda demonstra como o politicamente correto tomou conta das comédias modernas, já que não há nenhuma piada no nível da overdose do jumento ou de Nick The Dick.

PS 2: A cena do jumento foi "homenageada" com uma piada patética no igualmente abominável "O Balconista 2" (2006), de Kevin Smith, outra prova incontestável de como os ianques desaprenderam a fazer comédias divertidas.


ATUALIZAÇÃO: Numa incrível coincidência, A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO foi exibido num Corujão da Globo apenas dois dias após a publicação desta resenha. Dei uma conferida para ver se pegava outros casos de tradução porca. Além de todos os já citados (com a correção de que "Drugs to the right, hookers to the left" na verdade é "Quem gosta pra esquerda, quem não gosta pra direita"), praticamente todos os "hookers" foram substituídos por "gatinhas". "Nick The Dick" é "Nick, O Gostosão" na versão brasileira, e dê uma checada nas seguintes traduções puritanas: "Um brinde às grandes mulheres do mundo" (para "To girls with big tits!"), ‎"Parece que foi ontem que eu te ensinei a namorar, menina" (para "Seems like yesterday I showed you how to give a blowjob", tornando sem sentido a reação de surpresa das pessoas ao redor), e "Rapaz, olha só o rosto daquela mulher ali!" (para "Look at the cans on that bimbo!").

Trailer de A ÚLTIMA FESTA DE SOLTEIRO



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Bachelor Party (1984, EUA)
Direção: Neal Israel
Elenco: Tom Hanks, Tawny Kitaen, Adrian Zmed, George
Grizzard, Robert Prescott, William Tepper, Barry Diamond,
Michael Dudikoff e Monique Gabrielle.