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sexta-feira, 4 de abril de 2014

DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN (1971)


No começo dos anos 1970, Drácula e Frankenstein figuravam entre os monstros clássicos mais adaptados para o cinema: o vampirão já tinha cinco filmes produzidos pela Universal nos Estados Unidos e mais cinco pela Hammer na Inglaterra, enquanto a criatura ressuscitada pelo Dr. Frankenstein aparecera em sete filmes da Universal e outros seis da Hammer. Isso sem contar produções baratas feitas "por fora", tipo o mexicano "Santo en El Tesoro de Dracula" (1969) e o italiano "Lady Frankenstein" (1971).

O próprio Jess Franco já tinha feito uma versão de Drácula em 1969, estrelada por Christopher Lee ("O Conde Drácula", considerado uma das adaptações mais fiéis do livro de Bram Stoker!), quando resolveu juntar as duas criaturas num único filme, DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN, de 1971.


Não era algo exatamente original, considerando que a Universal estava filmando "crossovers" entre seus monstros mais famosos desde a década de 40, e no mesmo ano de 1971 o norte-americano Al Adamson lançou uma famosa tranqueira com título e proposta muito semelhantes, "Dracula Vs. Frankenstein"!

Mas, ora bolas, estamos falando de Jesus Franco! Mesmo que a ideia não seja original, é claro que uma versão "Franquiana" para o suposto duelo entre Drácula e Frankenstein será algo... hã... no mínimo diferente - para o bem ou para o mal. E embora DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN não seja um dos títulos mais famosos da fase setentista do diretor espanhol, certamente é uma obra bem curiosa e que merece ser conhecida.


Numa época em que os filmes de vampiros produzidos pela Hammer ainda eram bastante populares, com sua alta carga de erotismo e violência, Franco seguiu pelo caminho inverso e puxou o freio de mão no quesito "sexo e sangue". E olha que o território não era desconhecido para o espanhol: além de "O Conde Drácula", ele já havia feito a obra-prima "Vampyros Lesbos", repleta de nudez e erotismo!

O motivo para o velho Jess se conter em DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN é que sua proposta era outra: ao contrário do que faziam os filmes da Hammer, ele queria homenagear os clássicos da Universal, tipo o "Drácula" ou o "Frankenstein" de 1931. Não por acaso, seu monstro de Frankenstein é uma cópia cuspida e escarrada da criatura interpretada por Boris Karloff no filme de James Whale - embora aqui numa versão sem orçamento nenhum, é claro.


Além disso, naqueles tempos em que a Hammer conquistava o público com filmes cheios de efeitos especiais e mulher pelada, Franco preferiu fazer um filme mais introspectivo e praticamente sem diálogos: em 78 minutos, conta-se pouco mais de uma dúzia de diálogos, e a maioria deles em "off" (ou seja, foram inseridos na pós-produção).

Como os atores não falam, ou falam muito pouco, eram obrigados a interpretar com a expressão corporal e principalmente com os olhos, que são mostrados em close o tempo inteiro pela câmera de Franco. Isso aproxima DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN de uma versão colorizada dos velhos clássicos com vampiros do cinema mudo, tipo "Nosferatu" e "Vampyr" (por mais herético que possa parecer comparar Jess Franco com Murnau e Dreyer).


O roteiro do próprio Franco começa com uma citação do seu escritor fictício preferido, "David H. Klunne" (que vem a ser o próprio Jess). Depois, o Conde Drácula (interpretado por Howard Vernon) ataca uma garota que se preparava para dormir (Anne Libert), numa pequena vila europeia que parece ter parado em algum ponto do século 19.

É quando o médico do povoado, Dr. Jonathan Seward (o argentino Alberto Dalbés), resolve dar um fim na ameaça: antes que anoiteça, ele vai sozinho ao castelo de Drácula, encontra seu caixão numa cripta e enfia uma estaca de madeira em seu coração. Ao invés de virar pó, como todo mundo espera, o finado vampiro regride ao aspecto de morcego! Só não se sabe que fim levou suas roupas...


Parece que temos um final feliz, mas na verdade o filme mal começou: eis que chega à vila o Dr. Frankenstein (interpretado pelo inglês Dennis Price), acompanhado pelo seu fiel ajudante demente Morpho (Luis Barboo). Em mais uma auto-citação de Franco, "Morpho" também era o nome do ajudante do Dr. Orloff em seu clássico "O Terrível Dr. Orloff", de 1961.

Se até então parecia que a história se passava no século 19 - pelo aspecto do vilarejo, pelas roupas e pelo fato de o Dr. Seward deslocar-se numa carruagem -, a chegada de Frankenstein num automóvel provoca uma ruptura, entregando a ambientação contemporânea da trama.


O cientista se muda para o agora desabitado castelo de Drácula, onde monta seu novo laboratório. Pelo pouco que o roteiro sem diálogos entrega, àquela altura ele já criou o seu famoso monstro, e agora pretende dominar o mundo com a ajuda de Drácula.

Afinal, vamos combinar que daria muito trabalho montar novos monstros feitos com partes de cadáveres, enquanto que com um vampiro ao seu serviço ele pode facilmente gerar novos sanguessugas ambulantes para o seu "exército das trevas"!


O primeiro passo do Dr. Frankenstein é ressuscitar o Conde. Morpho vai à cidade e sequestra uma dançarina de cabaré (Josiane Gilbert), que depois tem seu sangue drenado para reviver o vampirão.

A cena é ao mesmo tempo hilária e perturbadora: um morcego vivo (e real!) é mostrado dentro de um jarro de vidro, sendo banhado com sangue falso até praticamente se afogar; num corte rápido, o Drácula de Howard Vernon aparece inteirinho (e com roupas!) no lugar do morcego. Só não se sabe onde foi parar o jarro de vidro, mas é melhor nem perguntar para não parecer uma pegadinha tipo aquela do bambu...


Também não fica muito claro, mas parece que o Dr. Frankenstein arrumou uma forma de controlar o ressuscitado Drácula, e este passa a seguir fielmente as suas ordens, atacando novos inocentes no povoado para a criação do tal exército das trevas.

Quem não gosta muito dessa história é a noiva de Drácula (a portuguesa Britt Nichols, cujo verdadeiro nome é Cármen Yazalde). Ela dormia tranquilamente num caixão próximo sem ser importunada - nem o Dr. Seward, nem o Dr. Frankenstein repararam que havia outros caixões na cripta além do de Drácula! Quietinha no seu canto, a vampirona resolve esperar pelo momento certo para dar o troco no cientista malvado e libertar o amado conde da sua escravidão.


DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN está repleto do melhor e do pior de Jess Franco, incluindo aqueles "zooms" mirabolantes em gatinhos, pássaros e detalhes de prédios até a imagem sair do foco, mas sem que isso tenha relação alguma com a trama. E as loooooongas cenas que só existem para encher linguiça e fechar o tempo de um longa, como as intermináveis viagens de carruagem do Dr. Seward até o castelo de Drácula.

Como praticamente não há diálogos e nem conversas entre os personagens, estas cenas longas e arrastadas, somadas ao silêncio da narrativa "introspectiva", acabam se transformando num convite ao sono. Quem não conseguir resistir aos primeiros 20 minutos dificilmente vai aguentar até o final, já que o primeiro diálogo do filme só é ouvido depois de 15 minutos! (Lembro que quando Paul Thomas Anderson fez isso recentemente, em "Sangue Negro", todo mundo achou genial.)


Também há muito para rir na atmosfera pobretona do filme, especialmente na caracterização dos seus dois monstros. O Drácula de Vernon é um dos piores da história do cinema, e isso que o ator geralmente é muito bom (vide sua interpretação no clássico "O Terrível Dr. Orloff", por exemplo).

Aqui, entretanto, ele aparece o tempo todo com os olhos arregalados e a boca aberta, para mostrar os caninos pontiagudos. Sem falar uma única palavra o filme inteiro, Vernon "interpreta" um vampiro patético e nada ameaçador, e cenas como aquela em que mostra a boca suja de sangue após atacar uma vítima só pioram a situação - pois fica parecendo que o ator passou batom vermelho nos lábios!


Mas o monstro de Frankenstein "interpretado" por Fernando Bilbao não é muito melhor: embora roupas, corte de cabelo e até parafusos no pescoço remetam ao monstro que Karloff imortalizou em 1931, a maquiagem aqui é de uma pobreza franciscana, com as "cicatrizes" no rosto costurado da criatura riscadas com caneta no rosto do próprio ator!

E há uma cena digna de Ed Wood quando Morpho é atacado pela vampira em forma de morcego. Inicialmente, vemos o ator segurando o morcego de borracha próximo ao pescoço. Aí parece que o diretor deu um grito alertando que o bicho estava muito parado, e Barboo começa a mexer as "asinhas" dele com os dedos, mas sem sequer se preocupar em disfarçar! Só essa parte já vale o filme, para quem gosta de momentos "quanto pior, melhor".


Por fim, o título DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN é uma enganação, já que em nenhum momento o filme mostra Drácula lutando contra os Frankensteins, seja o criador ou a criatura. Os títulos em inglês e francês, que significam "Drácula, Prisioneiro de Frankenstein" em tradução literal, são muito mais condizentes com a trama.

Até porque quem REALMENTE luta contra o monstro de Frankenstein não é Dracula, mas sim um... LOBISOMEM?!? Exato: eis que lá pelas tantas, sem nenhum anúncio, um homem-lobo igualmente mambembe (e interpretado por um anônimo identificado apenas como "Brandy"!!!) aparece lutando pelo lado do Bem, enviado por um grupo de ciganos para ajudar o Dr. Seward no combate aos vilões. É o mais perto de uma luta de monstros que Franco mostra - remetendo ao clássico da Universal "Frankenstein Meets the Wolfman", de 1943.


Assim, com vampiros, Frankensteins (criador e criatura), homem-lobo, um ajudante demente e necrófilo (Morpho aparece abusando rapidamente do cadáver da dançarina) e até uma feiticeira cigana (interpretada por Geniève Deloir), tudo isso no mesmo filme, DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN lembra menos os filmes da Universal que Jess tentou homenagear e mais as maluquices do cinema mexicano, que, em aventuras absurdas como "Santo y Blue Demon vs Drácula y el Hombre Lobo" (1973), costumava reunir todo tipo de monstros e personagens exóticos. O clima de vale-tudo aqui é o mesmo, e até parece que algum "luchador" mascarado vai invadir o filme de Franco a qualquer momento!


O lado bom do filme é que Jess não deixa o clima de improviso da obra afetar sua criatividade. O roteiro pode até não fazer sentido algum, mas há elementos bem fiéis à mitologia dos monstros apresentados e outros originais inventados pelo próprio diretor-roteirista.

O Dr. Seward, por exemplo, aqui assume o papel de Van Helsing como nêmesis de Drácula. O personagem já existia no livro de Bram Stoker, onde era o chefe da clínica em que o maluco Reinfield estava internado. Aqui, Seward também chefia uma clínica e cuida de uma jovem paciente, Maria (Paca Gabaldón), que é praticamente uma versão feminina de Reinfield (só não come insetos).


Franco não deixa de criar sua própria mitologia. Além do seu Drácula andar normalmente à luz do sol sem se desintegrar, há uma cena muito interessante em que o Dr. Seward é chamado para examinar uma das vítimas do vampiro. Usando uma lente de aumento, ele enxerga a figura de um morcego na retina da morta (!!!), e neste momento entende que ela está condenada a se transformar numa criatura idêntica. Para destruí-la, ao invés da tradicional estaca no coração, o médico usa um prego enfiado no olho - a mesma maneira de destruir vampiros já apresentada por Jess em "Vampyros Lesbos", onde é a destruição do cérebro, e não do coração, que mata os sugadores de sangue! Fãs xiitas de vampiros certamente vão reclamar, mas eu confesso que achei essa ideia bem legal, e inclusive aproxima vampiros de zumbis, pelo menos na maneira de matá-los (e não são todos mortos-vivos, afinal?).


A trilha sonora de DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN poderá soar familiar para fãs da obra de Jess. Isso porque o diretor reaproveitou uma música composta por Bruno Nicolai para o anterior "Santuário Mortal" (1969), aquela que toca nas cenas em que o Marquês de Sade, interpretado por Klaus Kinski, aparece na prisão.

O curioso é que a referida música funciona muito melhor aqui do que no outro filme, então sua reutilização não soa tão ruim. Outras partes da trilha foram compostas pelo colaborador habitual Daniel J. White (que também aparece numa ponta como o dono do cabaré).


Se os monstros principais aparecem mal-caracterizados, pelo menos Franco contou com dois ótimos atores para fazer os médicos em lados opostos, Dalbés como o bonzinho Dr. Seward e Price como o malvado Dr. Frankenstein. Infelizmente, faltou um confronto entre eles. Eu até desconfio que suas cenas foram filmadas em locais e épocas diferentes, já que Dalbés e Price nunca dividem o mesmo take.

No caso de Price, vale ressaltar que o ator estava em fim de carreira e cada vez mais entregue ao alcoolismo. É visível, em todas as suas aparições, que ele mal consegue ficar de pé e precisa se apoiar em paredes ou objetos de cena. Achei que fosse por problemas de idade, mas o próprio Franco disse, numa entrevista, que Price começava a tomar brandy logo que acordava, às seis da manha, e ao meio-dia já estava se arrastando, completamente mamado!


DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN foi filmado parte na Espanha, parte em Portugal. Nesse último foram usadas belíssimas locações históricas, com o Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães, em Cascais, virando a clínica do Dr. Seward, e o velho Castelo dos Mouros, em Sintra, se transformando na morada de Drácula.

Quando viajei para Portugal, alguns anos atrás, passei por estas duas cidades e vi os cenários in loco. Felizmente, não encontrei nem Drácula e nem Frankenstein por lá; infelizmente, não encontrei nem a Britt Nichols!

O Castelo de Drácula no filme e o dos Mouros em 2009

A clínica do Dr. Seward e a fonte do museu em Cascais

Por falar em Britt Nichols, muitos fãs da atriz (e do cinema safado de Franco) ficarão decepcionados com o fato de ela não aparecer nua aqui, embora faça isso com frequência em outros filmes do diretor. A bem da verdade, não há uma única cena de nudez no filme inteiro, e o máximo de safadeza é um número de dança no cabaré - mas também sem mostrar nada!

Pela curta duração do filme (78 minutos), muitos pesquisadores argumentam que deve existir alguma versão de DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN com cenas de nudez e/ou sexo, que teriam sido cortadas na montagem atualmente em circulação.

O fato de o filme ser co-produzido por Robert de Nesle, que adorava enxertar cenas de sexo (até explícito!) nas obras de Jess que bancou, reforça essa possibilidade. Esperemos, portanto, que qualquer dia apareça uma versão alternativa em que as vítimas de Drácula e a prórpia Britt estejam nuas.


Hoje, a única versão diferente existente é a norte-americana, em que foram inseridos vários diálogos em off nas cenas originalmente silenciosas, para tentar explicar melhor a história - e, quem sabe, quebrar aquele climão introspectivo do original.

O mais engraçado dessa montagem ianque é que os caras chegaram a incluir um letreiro narrado, NO MEIO DO FILME, como se fosse um trecho do diário do Dr. Frankenstein, recapitulando tudo que aconteceu na trama até então (imagem abaixo)! Este trecho aparece como extra no DVD importado do filme.


No ano seguinte (1972), Jess lançaria mais dois filmes envolvendo Drácula e Frankenstein. São eles "La Fille de Dracula" e "La Maldición de Frankenstein" (também conhecido como "Les Expériences Érotiques de Frankenstein"!!!).

O fato de quase todos os atores deste aqui reaparecerem em um deles ou em ambos - Britt Nichols, Anne Libert, Alberto Dalbes, Fernando Bilbao, Howard Vernon, Luis Barboo e até Dennis Price, novamente como Dr. Frankenstein! - pode sinalizar que eles foram feitos às pressas (ou improvisados) durante ou logo depois das filmagens de DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN!


Este aqui, entretanto, é o melhor da "trilogia", mesmo com seus diversos problemas. Sem a putaria habitual de Franco, e com menos das suas doidices estéticas e narrativas, também é um dos seus trabalhos mais fáceis de acompanhar, principalmente para quem não é muito chegado no estilo do diretor - desde que sobreviva ao clima lento e quietão do filme.

Mas, obviamente, a "homenagem aos clássicos da Universal" não foi bem recebida na época do seu lançamento, quando eram os vampiros e Frankensteins da Hammer que ditavam as tendências. Bastante criticado na época, DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN só começou a ser reavaliado mais recentemente, e há até quem considere uma contribuição bem decente à filmografia destes personagens.

Digamos que, em tempos de "Crepúsculo" e "Frankenstein: Entre Anjos e Demônios", os monstros à moda antiga de Jess Franco nunca pareceram tão bons - por mais pobretões e mambembes que sejam!


DRACULA CONTRA FRANKENSTEIN em 2 minutos!



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Dracula Contra Frankenstein/ 

Dracula, Prisoner of Frankenstein
(1971, Espanha/França/Portugal/Liechtenstein)

Direção: Jess Franco
Elenco: Dennis Price, Alberto Dalbés, Howard Vernon,
Britt Nichols, Paca Gabaldón (aka Mary Francis), 

Geniève Deloir, Luis Barboo e Fernando Bilbao.

domingo, 15 de janeiro de 2012

ORGIA DA MORTE (1965)


No começo dos anos 1960, o produtor de cinema búlgaro Stephen C. Apostolof resolveu tentar a sorte no mercado de cinema sexploitation de Hollywood. Foi quando seu amigo e diretor de fotografia William C. Thompson disse que conhecia alguém especializado em fazer filmes baratos e rápidos. Seu nome: Edward D. Wood Jr. Ou simplesmente Ed Wood.

Thompson, que tinha sido diretor de fotografia de quase todos os filmes de Wood (inclusive os famigerados "Plan 9 From Outer Space" e "Glen or Glenda?"), marcou um almoço para que Apostolof e Ed se conhecessem, num restaurante que costumava reunir a nata do cinema em Los Angeles. Imaginem a surpresa do búlgaro quando Wood apresentou-se vestindo suéter angorá, saia acima dos joelhos, peruca loira e bigode!


Foi dessa forma meio torta (e definitivamente engraçada) que Apostolof e Wood se conheceram e iniciaram uma bizarra parceria: o primeiro produzia e dirigia a preço de banana, o segundo escrevia roteiros escalafobéticos com temáticas cada vez mais absurdas. E o primeiro trabalho da dupla foi o inacreditável ORGIA DA MORTE - tradução brasileira infeliz para "Orgy of the Dead", ou "Orgia dos Mortos".

ORGIA DA MORTE pode ser definido como a mais porca desculpa da história do cinema para se fazer um longa-metragem. Também pode ser definido como um dos roteiros mais estúpidos e sem propósito já "escritos" por Wood, pior até do que o já célebre "Plan 9" (que pelo menos tinha algo próximo de uma narrativa, algo que não existe aqui).


Além disso, o projeto é uma das mais esdrúxulas reuniões de "talentos" (ou "desprovidos de..."), juntando num mesmo balaio strippers, o pseudo-médium Criswell (!!!) e dois manés com fantasias de carnaval de lobisomem e múmia! ]

E sabe o quê? Por tudo isso, o filme é divertidíssimo de tão tosco e sem-vergonha - mais um autêntico "Filme para Doidos" em sua mais pura essência!


Embora tenha sido dirigido e produzido por Apostolof (espertamente escondido atrás do pseudônimo "A.C. Stephen"), ORGIA DA MORTE é puro Ed Wood. Tudo que caracteriza o cinema do célebre cineasta aparece no filme: os erros grosseiros de continuidade (dia vira noite e depois vira dia novamente), o elenco habitual de Wood (Criswell e uma dublê de Vampira, recrutada quando a original pulou fora do projeto!) e os diálogos ridículos sendo declamados com empolgação shakesperiana pelos "atores".

É muito fácil e rápido falar sobre a "trama", porque, na verdade, ela não existe: a exemplo de "Plan 9" e "Night of the Ghouls", duas obras anteriores escritas e dirigidas por Wood, ORGIA DA MORTE começa com um close na fuça de Criswell, que "acorda" dentro de um caixão e levanta-se para o seu tradicional discurso sem pé nem cabeça (algo que José Mojica Marins copiaria posteriormente nas aberturas dos filmes do Zé do Caixão).


Visivelmente lendo textos escritos em cartazes ou cartões atrás da câmera (perceba os movimentos dos olhos, que ele nem tenta disfarçar), e com a maior cara de encachaçado, o ator-apresentador anuncia: "Eu sou Criswell. Durante anos, tenho dito coisas quase inacreditáveis, relatado o irreal e mostrado que ele é mais do que um fato. Agora vou contar uma história sem limites, tão surpreendente que alguns de vocês podem até desmaiar. Esta é a história de pessoas na hora do crepúsculo. Uma vez humanos, agora monstros, presos entre a vida e a morte. Monstros para sentir pena, monstros para desprezar. Uma noite de assombrações, que renascem das profundezas do mundo".

(E Wood é tão sem-vergonha que simplesmente reproduziu o mesmo discurso inicial do mesmo Criswell em um filme anterior, "Night of the Ghouls", cujo título inclusive é citado na última frase proferida pelo personagem!!!)


Corta para o carro do nosso casal de protagonistas, e você sabe que está vendo um legítimo filme de Ed Wood (embora ele não seja o diretor aqui) quando os planos gerais foram filmados à luz do dia e os planos médios dos atores na escuridão da noite!!!

Nossos "heróis" são o casal Bob (William Bates, no primeiro de seus dois filmes) e Shirley (Pat Barrington, que a partir de então se transformaria numa estrelinha do cinema sexploitation). Ele é um escritor de histórias de horror em busca de um velho cemitério onde pretende conseguir inspiração (não pergunte...); ela é uma ruivinha deliciosa, mas infelizmente chata e resmunguenta.


Antes que a ação comece, segue-se um diálogo hilário entre o casal:
- Visitar um cemitério numa noite como essa deve dar muitas ideias para uma boa história de horror.
- Mas tem tantas coisas boas para escrever, Bob.
- É claro que tem, e eu tentei todas elas. Peças de teatro, histórias de amor, westerns...
- Mas histórias de horror? Por que histórias de horror?
- Shirley, eu escrevi durante anos sem conseguir vender uma única palavra. Meus monstros me fizeram bem. Você acha que devo desistir deles para escrever sobre árvores, cachorros ou margaridas?


(Inclusive percebe-se algo de auto-biográfico no personagem de Bob, já que o próprio Ed Wood fez tudo isso - peças teatrais, romances, westerns... -, mas acabou mais lembrado pela sua "contribuição" ao cinema fantástico, escrevendo e dirigindo histórias de horror e ficção científica.)


Perto dali, num velho cemitério abandonado (que conveniente!), o Imperador das Trevas (Criswell, quem mais?) desperta do túmulo ao lado de sua amada/criada, a Princesa das Trevas (quanta inspiração, Wood!), vivida pela deliciosa Fawn Silver. Nos créditos, a moça aparece batizada como "Black Ghoul".

Pelo figurino e pelo estilo, o cinéfilo com um mínimo de conhecimento da obra de Wood vai perceber que o papel da moça foi escrito para Maila Nurmi, na época popular como a personagem Vampira, com a qual apresentava filmes de horror na TV. Vampira havia trabalhado com Ed em "Plan 9" e sabiamente pulou fora desse filme aqui, mas os produtores resolveram criar uma personagem semelhante para deixar bem claro que a intenção inicial era ter Vampira no elenco!


(Mais um adendo: sabe-se que Maila processou Cassandra Peterson anos depois, alegando que a personagem desta, a popular Elvira, era um plágio de Vampira. Ora, quem devia ter processado Cassandra era a pobre Fawn Silver, pois Elvira é uma cópia cuspida e escarrada da "Black Ghoul" de ORGIA DA MORTE, no traje, no penteado e até nos peitões!!!)

Voltando ao filme: de tempos em tempos, em noites de lua cheia, o Imperador das Trevas sai do túmulo para julgar as "almas condenadas" dos recém-falecidos, obrigadas a humilhar-se diante dele para sua diversão e satisfação.


No papel parece bonito; na prática, o que veremos pelos próximos 60 minutos são meninas entrando e saindo de um cenário fuleiro imitando cemitério para fazer shows de strip-tease (!!!); esporadicamente, cansado de ver peitos balançando, o Imperador das Trevas ordena que seus súditos torturem algumas delas, mas são cenas fuleiras e sem nenhum valor sádico ou masoquista.

Sim, e você leu corretamente: apenas "almas condenadas" de MENINAS são julgadas durante o filme e obrigadas a dançar e tirar a roupa diante do Imperador e da Princesa das Trevas. O personagem de Criswell justifica isso rispidamente - "E quem quer ver um homem dançar?" -, uma explicação com a qual eu concordo plenamente.


Quando o carro de Bob e Shirley capota na estrada (não havia dinheiro para filmar o desastre, então quem "capota" é a câmera, girando várias vezes para simular o acidente), eles são aprisionados pelas forças do mal e obrigados a acompanhar a dancinha das strippers até o restante do filme, quando a Princesa das Trevas pretende sacrificá-los para a sua própria diversão (aparentemente, ela não curte strip-teases como o seu mestre).

É impossível o leitor ter uma ideia da pobreza e do absurdo de ORGIA DA MORTE sem realmente ver o filme. O argumento não passa disso (casal aprisionado é obrigado a assistir terríveis shows de strip-tease de "almas condenadas" - todas elas gostosas e peitudas, claro!), e deve haver uns 20 ou 30 diálogos O FILME INTEIRO, com o restante da narrativa sendo preenchida pelas mulheres nuas dançando e sacudindo os peitos, ao som de uma trilha sonora que é impossível de definir, de tão "excêntrica"!!!


A obra se encaixa num subgênero do sexploitation conhecido como "nudie-cuties", ou simplesmente "nudies". Realizados antes da popularização dos pornôs softcore e (posteriormente) hardcore, os nudies limitavam-se a mostrar mulheres nuas, mas em tal quantidade que a história ficava em segundo, até terceiro plano - histórias que se passavam em campos nudistas, por exemplo, eram bem comuns e livraram o diretor ou roteirista de pensar numa justificativa para pelar a mulherada.

ORGIA DA MORTE é por aí: após filmar 10 minutinhos que servem apenas como desculpa narrativa, os realizadores devem ter percorrido todas as casas de "shows adultos" da região em busca de strippers que trabalhassem por miséria.


São 10 números de dança ao longo do filme, e as caracterizações das moças são simplesmente hilárias: elas aparecem vestidas como índias, espanholas, havaianas e lá pelas tantas aparece uma fantasiada de gatinho (!!!), que tira a roupa enquanto toma chicotadas de um dos servos do Imperador das Trevas!!!

Menos mal que todas as meninas são gostosas pra caramba, e se os showzinhos ficam no limite entre o cômico e o brochante, pelo menos a variedade de peitos (grandes, pequenos, firmes, caídos...) garante a atenção do público masculino.


A própria Pat Barrington aparece num segundo papel, com cabelo loiro, e, graças ao milagre da edição, dança diante dela mesma. Em cena chupinhada de "007 Contra Goldfinger", a dançarina é castigada por sua "ambição" (não pergunte...), sendo mergulhada num caldeirão com ouro derretido, de onde sai com o corpo todo dourado!

As outras delícias em cena são Mickey Jines, Barbara Nordin, Bunny Glaser, Nadejda Klein, Coleen O'Brien, Lorali Hart (aka Texas Starr), Rene De Beau, Stephanie Jones e Dene Starnes. A Princesa das Trevas Fawn Silver infelizmente não tira a roupa.


A "carreira" das moças não foi muito adiante (pelo menos fora das casas de strip-tease), mas duas viraram celebridades cult com o tempo: os peitões de Lorali/Texas Starr foram motivo de piada em dois filmes da série "Corra que a Polícia Vem Aí!" e motivo de punheta no pornô "Mature Women"; já a búlgara Nadejda continuou fazendo filmes, e em 2011 foi ressuscitada com um pequeno papel em "Mega Python vs. Gatoroid"!

Além de Criswell, da clone de Vampira, do casal de "mortais" e das strippers, ORGIA DA MORTE também conta com dois tosquíssimos monstros que aparecem como servos do Imperador das Trevas - um lobisomem e uma múmia.


Ambos funcionam como "alívio cômico", fazendo piadinhas e comentários sem graça entre as dancinhas, mas podiam até ficar de boca fechada, pois seu figurino pobretão já garante as risadas naturalmente - com destaque para o lobisomem que, em certo momento, levanta a cabeça e exibe ao espectador o pescoço limpinho do ator, onde o maquiador esqueceu de colar pêlos...

Na conclusão da "trama", a luz do sol chega para salvar Bob e Shirley de um triste destino. Os raios solares transformam todas as assombrações em esqueletos, e é curioso como Apostolof repete um erro grosseiro que Wood havia feito em "Plan 9": quando Criswell se dissolve, resta apenas um esqueleto com a capa que o personagem vestia, como se ele estivesse pelado por baixo da capa!!!


Outra referência a "Plan 9" é o fato de Criswell entrar em cena segurando a capa em frente ao rosto, como fazia o dublê de Bela Lugosi em "Plan 9" (lembre-se que ele precisava esconder o rosto por não ser nada parecido com o falecido ator!).

Acredito até que Wood escreveu o personagem do Imperador das Trevas pensando no já falecido Lugosi para o papel. Até porque Criswell veste uma capa originalmente usada por Lugosi em "Bud Abbott Lou Costello Meet Frankenstein" (1948).


De dancinha em dancinha, de peitos desnudos em peitos desnudos, surgem aqueles hilários diálogos que somente Ed Wood sabe escrever. Como Criswell questionando a presença de Bob e Shirley no cemitério: "Vivos onde apenas os mortos deveriam estar?". Ou esta acachapante conversa entre o casal amarrado e prestes a morrer:

Uma bela hora para discutir a relação



Nos créditos iniciais, Ed Wood aparece como autor do roteiro "baseado em seu livro 'Orgy of the Dead'"! E eu confesso que sempre fiquei me perguntando como poderia haver um livro disso, considerando que 80% do filme são meninas tirando a roupa.

Recentemente, descobri que "Orgy of the Dead", o livro, foi publicado na mesma época em que o filme chegou aos cinemas, numa espécie de "venda casada", e na verdade não é uma novelização da trama de ORGIA DA MORTE, mas sim uma coletânea de contos de Wood (incluindo os famosos "The Night the Banshee Cried" e "The Final Curtain").

No caso, os contos ocupam, no livro, o espaço que as dancinhas ocupam no filme. A primeira edição tinha prefácio assinado por Forrest J. Ackerman, como você pode ver na reprodução da capa ao lado (e eu definitivamente compraria um livro com essa capa e esse título!).

O diretor Apostolof trabalharia com roteiros de Wood em diversos outros filmes, progressivamente piores, como "Drop Out Wife" (1972) e "The Beach Bunnies" (1976).

Cada vez mais miserável, Ed entregou-se ao alcoolismo e fez um último trabalho como cineasta, o pornô "Necromania", em 1971. Ele morreu de ataque cardíaco em 1978; Apostolof faleceu recentemente, em 2005.

Alguns anos antes de falecer, Apostolof gravou uma entrevista falando sobre ORGIA DA MORTE, e explicou que seu sonho era fazer uma continuação contemporânea do filme (!!!), em que pretendia explicar detalhes do original, como a relação entre a múmia e o lobisomem (palavras do próprio diretor). A história se passaria no futuro, no ano 3000 (!!!), e teria menos shows de strip-tease e mais narrativa.


(In)Felizmente, ele morreu sem realizar seu sonho, mas deixou como legado esse impressionante trash movie, um daqueles filmes inacreditáveis e charmosos exatamente pela ruindade.

Considerando que quase não há história nem diálogos, eu recomendo exibições de ORGIA DA MORTE em telões ao fundo de shows de rock (as imagens casariam perfeitamente com um show da banda Damn Laser Vampires, por exemplo), ou em bares com temática de rock e cinema fantástico, como o (atualmente fechado) Astronete em São Paulo.


Mas uma qualidade do filme eu preciso ressaltar: mesmo com a ruindade generalizada em todos os departamentos, o uso de cores vivas nas cenas ("In shocking SEXICOLOR", anunciava o pôster de cinema) é impressionante, lembrando a fotografia nas obras de diretores italianos como Mario Bava e Dario Argento - especialmente o vermelho, sempre presente em detalhes do figurino ou da maquiagem das meninas, e no cabelo de Shirley.

Já o restante irá apetecer apenas aos fãs de sacanagem (embora as dancinhas de topless sejam bem inocentes para os padrões atuais) e de trash movies. Não sem motivo, outro notório diretor de tralhas esteve envolvido na produção: Ted V. Mikels (responsável por "The Astro-Zombies"!!!) assumiu o cargo de assistente de direção que pertencia a Ed Wood, quando Apostolof expulsou o roteirista do set por encher a cara durante as filmagens!


Por tudo isso, e já me estendi demais, ORGIA DA MORTE é um daqueles filmes cujo fascínio é difícil de explicar.

Você pode até odiar a si mesmo enquanto estiver assistindo essa porcaria, pode até acionar a tecla Fast Foward incontáveis vezes até os créditos finais começarem a subir, mas com certeza se pegará pensando nas imagens (e nas bobagens) nos dias seguintes, até surgir uma incrível vontade de rever, nem que seja para mostrar para os amigos, para eles rirem junto.

Portanto, prepare-se para ser hipnotizado por ORGIA DA MORTE você também - ou, no mínimo, curtir oitenta e poucos minutos de mulheres gostosas fazendo strip-tease sem a necessidade de gastar grana num puteiro!

UPDATE: Hugo Malavolta, leitor contumaz do FILMES PARA DOIDOS e enciclopédia viva sobre cinema mundial, acaba de enviar para o meu e-mail duas incríveis fotos dos bastidores das filmagens dessa tralha. Não sei de onde ele tirou, mas não duvidaria se Hugo tivesse participado das gravações em pessoa. A primeira mostra a gostosa da Pat Barrington sendo pintada de dourado para a cena chupada de "Goldfinger"; na segunda podemos ver o diretor de fotografia Robert Caramico em ação. Valeu, Malavolta!



Melhores momentos de ORGIA DA MORTE



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Orgy of the Dead (1965, EUA)
Direção: A.C. Stephen (aka Stephen C. Apostolof)
Elenco: Criswell, Fawn Silver, Pat Barrington,
William Bates, Mickey Jines, Bunny Glaser,
Nadejda Klein e Texas Starr (aka Lorali Hart).


* A quem interessar possa, esta foi a capinha (feia pra caralho!) do filme quando lançado em VHS no Brasil pela famigerada Continental, reconhecidamente uma das piores distribuidoras do país: