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quarta-feira, 11 de julho de 2012

A espetacular história do Espetacular Homem-Aranha da Cannon Films


Estreou no começo deste mês (julho/2012) a nova aventura cinematográfica do herói aracnídeo da Marvel Comics, “O Espetacular Homem-Aranha”, dirigida por Marc Webb. Eu não vi o filme, e nem pretendo ver tão cedo. Antes que algum curiosão pergunte o motivo, citarei três: primeiro, porque o Homem-Aranha deixou de ser um dos meus heróis preferidos depois que passei dos 13 anos de idade; segundo, porque já tive minha dose suficiente de Homem-Aranha com a trilogia recentemente dirigida por Sam Raimi, e terceiro, porque acho uma estupidez fazer um remake (ou “reboot”, o novo termo favorito dos nerds) de uma série que mal completou 10 anos. Lembrem-se que o primeiro “Homem-Aranha” do Raimi é de 2002!

Agora pare um pouco e pense comigo: qual a lógica de pagar para ver a mesmíssima origem do herói sendo recontada quando a versão apresentada por Sam Raimi ainda é tão recente? Por que perder tempo revendo a picada da aranha radioativa, o bullying sofrido por Peter Parker no colégio, a morte do Tio Ben e o clichê do “Grandes poderes, grandes responsabilidades”, somente com outros atores e ângulos de câmera? Ainda mais considerando que a origem do herói mostrada por Raimi era bem fiel aos quadrinhos, e nem os nerds chorões podiam se queixar disso - tá bom, o Aranha de 2002 tinha lançadores de teia biológicos, mas quem em sã consciência engole um moleque criar em casa uma cola semelhante a teia de aranha e lançadores mecânicos para dispará-la?


Enfim, mesmo que as três aventuras estreladas por Tobey Maguire tenham lá seus defeitos (e têm muitos), também têm várias qualidades e são razoavelmente divertidas e fiéis à fonte. Não vejo muita lógica em recomeçar tudo da origem se bastava continuar contando novas aventuras do Homem-Aranha estreladas por outros atores e dirigidas por outros diretores - mais ou menos como Joel Schumacher tentou fazer ao herdar o Batman de Tim Burton, ou Bryan Singer com seu “Superman Returns”, por piores que sejam estes filmes.

Mas chega de “O Espetacular Homem-Aranha”, porque vocês podem ler sobre ele na maioria dos sites e blogs de cinema pela internet afora. E somente aqui no FILMES PARA DOIDOS você vai encontrar um outro Homem-Aranha, um inexistente, mas que durante quase uma década povoou os sonhos de muitos cinéfilos. Estou falando, é claro, do Espetacular Homem-Aranha da Cannon Films!

Quem cresceu na década de 80 certamente lembra das produções baratas da Cannon, lançadas no Brasil pela América Vídeo com aquelas tradicionais capinhas azuis com estrelinhas brancas. Não vou me repetir: se quiser saber mais sobre Cannon/América Vídeo, leia meu post sobre o assunto clicando aqui.

A Cannon era bem popular pelas aventuras baratas estreladas por Chuck Norris, Charles Bronson e Michael Dudikoff, mas nunca escondeu o sonho de comandar produções milionárias. O problema é que eles se estreparam nas raras oportunidades em que gastaram um pouquinho mais de grana.

Para dar um exemplo: em 1987, Menahem Golan e Yoram Globus, os primos israelenses que presidiam a Cannon, viraram assunto na mídia por pagarem uma fortuna (15 milhões de dólares) para Sylvester Stallone estrelar o filme “Falcão - O Campeão dos Campeões”, cujo orçamento total ficou em 25 milhões (ou seja: Stallone embolsou sozinho a maior parte da grana!!!). Mas a carreira de “Falcão” nos cinemas foi um fiasco, e a bilheteria mal cobriu o que o astro do filme custou.

Tá, mas onde o Homem-Aranha entra nessa história toda?

Pois o personagem criado por Stan Lee e Steve Ditko nos anos 60 estava praticamente implorando para virar filme. Até então, ele tinha ganhado sua própria série de desenhos animados (exibida entre 1967-1970), um seriado de TV live-action com 13 episódios chamado “The Amazing Spider-Man” (entre 1977-79), e até um seriado japonês chamado “Supaida-Man”, que estreou em 1978 e teve um total de 41 episódios, mostrando o herói às voltas com monstros e ninjas - e sim, ele também tinha um robô-gigante tipo “Jaspion” e “Changeman”.


Abertura do seriado “The Amazing Spider-Man”


Abertura do seriado “Supaida-Man”


Mas embora fizesse sucesso na TV e nos quadrinhos, o Homem-Aranha continuava inédito nos cinemas. Isso, claro, relevando-se picaretagens como a aventura turca “3 Dev Adam”, de 1973, que trazia Capitão América e El Santo enfrentando um Homem-Aranha malvado que, além do uniforme pobretão, em nada lembrava o personagem dos quadrinhos, muito menos lançava teias!

Mas eis que, em 1978, Richard Donner fez o mundo todo acreditar que o homem podia voar com “Superman - O Filme”, que transformou-se numa referência para toda e qualquer aventura cinematográfica de super-heróis - e, com uma bilheteria monstruosa, atraiu a atenção de outros produtores, que passaram a investir em filmes baseados em personagens dos quadrinhos tão díspares quanto Flash Gordon e Popeye.

Ironicamente, o mesmo Super-Homem que mostrou que era lucrativo fazer filmes de super-heróis também comprovou o perigo de investir em adaptações de quadrinhos, quando o fracasso comercial de “Superman III”, em 1983, deixou os grandes estúdios em alerta vermelho.


A partir de então, as aventuras de super-heróis migraram para as produções de baixo orçamento, onde permaneceriam até o "Batman" de Tim Burton.

E foi por volta dessa época que os nossos amigos da Cannon Films adquiriram os direitos para fazer sua própria versão cinematográfica do Homem-Aranha. A produção do filme começou a tomar corpo em 1984, quando a Cannon comprou uma página na Variety (famosa revista semanal especializada em cinema) e publicou o primeiro anúncio de “Spider-Man - The Movie”, com produção executiva de James Galton e Joseph Calamari (Galton era presidente e Calamari um diretor da Marvel à época).


O ARANHA DE TOBE HOOPER
Em 1984, Tobe Hooper era mais conhecido como um diretor de clássicos do horror, tipo “O Massacre da Serra Elétrica” e “Pague Para Entrar, Reze Para Sair”. Mas também tinha fama de encrenqueiro e junkie (diz-se que fazia quilômetro de arrancada com cocaína nos bastidores das filmagens), e saiu brigado do blockbuster “Poltergeist - O Fenômeno” (1982), produzido por Steven Spielberg. Uma das lendas mais famosas sobre o mundo do cinema garante que foi Spielberg quem realmente dirigiu o filme, com Hooper servindo apenas de figura decorativa.

Queimado em Hollywood por conta da experiência e da forma como lidou com ela, Hooper resolveu bandear-se para a Cannon em 1983, porque à época a produtora prometia total liberdade para seus diretores trabalharem. Assinou um celebrado contrato que lhe garantia dirigir três filmes, e a única exigência era que um deles fosse “O Massacre da Serra Elétrica 2”. Sabe-se lá quem teve a ideia de jerico de colocar logo Hooper para comandar o filme do Homem-Aranha, mas provavelmente Golan e Globus queriam aproveitar o fato de Tobe ter trabalhado com Spielberg em “Poltergeist” - àquela altura, Tobe era o mais próximo de “um grande diretor de Hollywood” fazendo filmes na Cannon, o que daria certa moral à produtora.

Mas parecia um desastre anunciado. E foi. Só que a culpa dessa vez não era de Hooper...

Acontece que a Cannon contratou o roteirista Leslie Stevens para escrever a adaptação para o cinema. Stevens era um veterano da TV norte-americana, que produziu e escreveu seriados como “Quinta Dimensão” (The Outer Limits, 1963-1965) e “Buck Rogers” (1979-1981), mas nunca deve ter lido um único gibi do Homem-Aranha. Ao invés de seguir a linha dos quadrinhos, o sujeito resolveu dar sua própria visão do personagem, aproveitando apenas o nome do herói!

Dá só uma sacada: no roteiro de Stevens, Peter Parker seria um fotógrafo trabalhando para um poderoso laboratório chamado Zyrex Corporation. Seu diretor, o maligno Dr. Zyrex, faria experiências com Parker sem o consentimento do rapaz, bombardeando-o com raios radioativos. Quando uma inofensiva aranha entra na mistura, Parker sofre uma mutação estilo “A Mosca”, transformando-se num monstro meio homem, meio tarântula, com oito patas (!!!). Zyrex convida o recém-criado “Homem-Aranha” para integrar seu exército de mutantes e dominar o mundo, mas ele prefere voltar-se para o lado do bem e combater o cientista e seus monstros, numa aventura que estava mais para “A Ilha do Dr. Moreau” do que para o Homem-Aranha que todo mundo conhece!

Àquela altura, Hooper estava em Londres filmando seu primeiro longa para a Cannon, a mistura de horror e ficção científica “Força Sinistra”, baseada no livro “Space Vampires”, de Colin Wilson. Golan e Globus tentavam emplacar o projeto há anos (antes, ele tinha passado pelas mãos de diretores como Luigi Cozzi e Michael Winner!), e investiram pesado para que aquele fosse um dos grandes blockbusters de 1985 (o que não aconteceu: o filme custou 25 milhões e rendeu apenas 11 milhões nos cinemas...).

Enquanto filmava “Força Sinistra”, Tobe recebia relatos sobre a polêmica em torno daquele que seria o seu primeiro filme de super-herói. Um artigo da revista Cinefantastique sobre a adaptação de Homem-Aranha enfureceu os fãs do herói e o próprio co-criador do personagem, Stan Lee, que exigiu mudanças no roteiro para ficar minimamente parecido com os gibis. Preocupados com a repercussão negativa, Golan e Globus voltaram à estaca zero: demitiram Leslie Stevens e chamaram Ted Newsom (que até então havia escrito apenas roteiros de filmes pornográficos!) e John D. Brancato para escrever um novo roteiro usando ideias do próprio Stan Lee.

Só que, enquanto o novo roteiro era escrito, foi Tobe Hooper quem resolveu desligar-se do projeto. Ele decidiu que o segundo de seus três filmes para a Cannon seria um projeto dos sonhos: a refilmagem da ficção científica “Invasores de Marte” (1953), um dos seus filmes preferidos quando criança. Na época, vários mestres do terror estavam revisitando seus clássicos da infância dos anos 1950: John Carpenter refilmou “The Thing”, David Cronenberg logo estaria refilmando “The Fly”. Embora nostálgico e bem intencionado, o remake de Hooper naufragou e foi seu segundo fracasso consecutivo para a Cannon. “O Massacre da Serra Elétrica 2” seria o terceiro, jogando o até então promissor Tobe num ostracismo de dar pena...


O ARANHA DE JOSEPH ZITO
Com a saída de Tobe Hooper, o Homem-Aranha da Cannon estava sem diretor. Mas pelo menos tinha um roteiro novo, escrito a quatro mãos por Newsom e Brancato a partir dos pitacos de Stan Lee. Era bem mais fiel ao personagem dos gibis do que aquela aberração anterior, mas tomava algumas liberdades poéticas em relação à origem do Homem-Aranha: Peter Parker seria aluno do cientista Otto Octavius, o Dr. Octopus, e ambos ganhariam seus poderes a partir de um acidente no laboratório do mentor do herói.

A partir de então, enquanto Octopus inicia sua carreira de crimes, o jovem Peter aproveita seus novos poderes primeiro numa exibição de luta-livre com Hulk Hogan (um astro do esporte popularíssimo na época), depois participando do “The Tonight Show with David Letterman” - e sim, as duas celebridades estavam cotadas para aparecer no filme! Então seu Tio Ben seria morto pelo mesmo bandido que ele deixou escapar horas antes, fazendo surgir um Homem-Aranha bem fiel aos gibis.

Se quiser ler este roteiro nunca produzido, basta clicar aqui.


Vários personagens e situações dos quadrinhos já apareciam nesse roteiro, como o valentão da escola, Flash Thompson, que abusava de Peter Parker, mas ao mesmo tempo era fã do Homem-Aranha. E, claro, o editor-chefe do Clarim Diário, patrão e arquiinimigo do herói, J. Jonah Jamenson - que, vejam só, seria interpretado pelo próprio Stan Lee!

Mas o detalhe mais interessante deste roteiro era em relação ao interesse romântico do herói. Nem Gwen Stacy, nem Mary Jane Watson: Newtom e Brancato optaram por colocar Liz Allen (imagem abaixo), que, nos gibis, foi o primeiro interesse romântico de Peter Parker! Ignorada em todas as outras adaptações para o cinema, ela era namorada de Flash Thompson e apareceu já nas primeiras aventuras do Aranha, entre 1962-1965, mas nunca chegou a realmente namorar Peter - pelo contrário, mais tarde ela acabou se casando com seu amigo, Harry Osborn!

Numa entrevista recente, Ted Newsom comentou a decisão de colocar Liz (ao lado) como interesse romântico do herói: “Nós não escolhemos Liz Allen, John e eu originalmente queríamos Gwen Stacy, e o filme terminaria com a sua morte nas mãos do Duende Verde e tudo mais. Mas Stan era totalmente contra isso, e ele queria usar o Dr. Octopus como vilão. Depois de Gwen, Liz Allen era nossa única escolha, porque Mary Jane não era a pessoa certa para Peter naquele momento. Seria como se Raquel Welch com 40 anos se apaixonasse por um moleque de 14 anos. Mary Jane conhece Peter na fase certa nos quadrinhos, mas antes disso ele não teria nenhuma chance com uma gata como ela. Assim, nossa Liz era o tipo de garota pela qual todo mundo ficaria atraído no colégio: bonita, mas não linda demais, inteligente e divertida”.

O roteiro também foi aprovado pelo presidente da Marvel e produtor executivo James Galton, que, numa carta timbrada a Cannon, escreveu: “O script é soberbo. A esse ponto eu já li uns 12 roteiros e tratamentos para filmes do Homem-Aranha, mas esse é de longe o melhor!”.

(Na mesma carta, Galton reclama de um outro projeto que estava sendo tocado pela Cannon na época e que não saiu do papel: o filme do Capitão América, que seria dirigido por Michael “Desejo de Matar” Winner. Galton queixou-se que o roteiro de Winner e Stan Hey era “bloody awful”, decretando a morte prematura da produção. Mas esta é outra história que contaremos em breve por aqui...)

Sem Tobe Hooper, a Cannon resolveu chamar outra das suas galinhas dos ovos-de-ouro para comandar o filme do Aranha: Joseph Zito, que havia feito “Sexta-feira 13 Parte 4” para a Paramount e desde então trabalhava exclusivamente com a Cannon. Seus trabalhos anteriores para a produtora (“Braddock - O Super Comando” e “Invasão USA”, ambos com Chuck Norris) custaram pouco e renderam uma boa grana.

Zito era fã dos gibis do Homem-Aranha desde criança e ficou emocionadíssimo com o convite. Como piada interna, resolveu colocar um trecho do velho desenho animado do herói numa cena em que Chuck Norris assistia TV em “Braddock”, anunciando assim, extraoficialmente, que seu próximo projeto seria o filme live-action do Aranha. Pena que não rolou...

Mas o projeto pelo menos começou a tomar forma, novamente com James Galton e Joseph Calamari como produtores executivos. O dublê Scott Leva foi contratado para interpretar Peter Parker e o Homem-Aranha, e o inglês Bob Hoskins seria o Dr. Octopus. Embora Hoskins nunca tenha sido oficialmente contratado, Leva chegou a fazer fotos de divulgação vestindo o uniforme do Aranha, e uma delas foi usada na capa da revista “The Amazing Spider-Man” nº 262, de março de 1985 (ao lado), atiçando ainda mais a curiosidade dos fãs.

A pré-produção não parou por aí: Zito escolheu estúdios na Itália e na Inglaterra para rodar o filme, e contratou os renomados ilustradores Mentor Huebner e Nikita Knatz para desenhar os storyboards.

Foram feitos testes de efeitos especiais para ver como ficariam os movimentos do Homem-Aranha balançando em suas teias e dos tentáculos do Dr. Octopus. Também foi produzido um teaser trailer que não mostrava muita coisa além do uniforme do herói, anunciando “Joe” Zito como diretor.


Teaser trailer do "Homem-Aranha" da Cannon!


A Cannon gastou 1,5 milhão de dólares só nessa etapa de pré-produção do filme, e tudo indicava que agora o Aranha finalmente sairia dos gibis para o cinema. Tanto que a produtora chegou a comprar duas páginas na edição de outubro de 1985 da Variety para divulgar “Spider-Man - The Movie”.

Mas aí recomeçaram os problemas: o roteiro já estava pronto e aprovado, mas Zito resolveu chamar seu amigo Barney Cohen (que escreveu "Sexta-feira 13 Parte 4") para “polir” o trabalho de Newsom e Brancato. Aí o produtor Menahem Golan, usando o pseudônimo “Joseph Goldman”, aproveitou para mexer no roteiro também, dando origem a um segundo tratamento no começo de 1986.

As principais mudanças em relação ao roteiro anterior é que o Dr. Octopus ganhou uma expressão característica (“Ookey-dookey”, repetida toda hora) e um capanga chamado Weiner, que seria o responsável por matar o tio de Peter Parker. O herói também foi representado de uma maneira mais dark e violenta (chupa, Zack Snyder!), inclusive surrando o rival Flash Thompson quase até a morte em determinado momento!



A Cannon já tratava “Spider-Man - The Movie” como seu principal lançamento de 1986, marcando a data de lançamento para o Natal daquele ano. Foram produzidos teaser posters e banners anunciando a chegada do Homem-Aranha aos cinemas em “Christmas 86”, mas então um novo empecilho emperrou de vez a produção: os problemas financeiros que a pequena produtora enfrentava na época.

Como outros filmes de super-herói feitos nos anos anteriores tinham dado prejuízo (entre eles o péssimo “Supergirl”, em 1984), Golan e Globus achavam arriscado investir entre 15 e 20 milhões numa aventura do Homem-Aranha. Eles precisavam de um outro projeto que fosse garantia de bom retorno nas bilheterias, e cujo lucro pudesse ser depois investido no filme do Aranha.

Ironicamente, a opção foi por “Superman IV - Em Busca da Paz”! A Cannon torrou 17 milhões, um valor expressivo na época, para colocar o finado Christopher Reeve em sua quarta aventura como Super-Homem. Mas o resultado foi um fracasso: o filme arrecadou pouco mais de 15 milhões nas bilheterias, colocando a saúde financeira da produtora praticamente em coma.

No mesmo ano de 1987, outra cacetada: a Cannon investiu US$ 22 milhões em “Mestres do Universo”, a versão live-action do desenho animado do He-Man, com Dolph Lundgren. Tinha tudo para ser um sucesso, mas os fãs do desenho não engoliram a produção barateira - que transferia os personagens de Eternia para o planeta Terra para economizar em cenários e figurinos. A resposta nas bilheterias ficou em 17 milhões, bem abaixo do custo do filme.

Com duas decepções em tão pouco tempo, ainda mais considerando que eram produções relativamente caras para os padrões da produtora, os cofres da Cannon Films sofreram danos irreparáveis. E o filme do Aranha, claro, foi abortado pela segunda vez, enquanto Golan e Globus colocavam em prática um plano desesperado: investir no maior número possível de aventuras baratas com Chuck Norris, Charles Bronson e Michael Dudikoff, os “astros” da Cannon àquela altura, para tentar estancar a sangria, pagar as dívidas e colocar-se de volta no jogo.



O ARANHA DE ALBERT PYUN
Em 1987, a Cannon perdeu temporariamente os direitos sobre o Homem-Aranha para a New World Pictures, mas a pequena produtora também não conseguiu levar o herói para os cinemas. Golan e Globus não desistiram e compraram de volta os direitos. Durante um curto espaço de tempo, os produtores ofereceram o projeto para quem quer que estivesse trabalhando com eles e fazendo filmes que dessem dinheiro. Até mesmo o italiano Ruggero Deodato, de “Cannibal Holocaust”, que tinha acabado de fazer a cópia de Conan “Os Bárbaros” (1987) para a Cannon, disse que chegou a ser sondado para dirigir a tal aventura do Aranha!

“Spider-Man - The Movie” voltou a ser a menina-dos-olhos da Cannon em 1988, e Albert Pyun acabou sendo o terceiro diretor oficialmente contratado para levar o aracnídeo aos cinemas. Ele vinha numa carreira ascendente no cinema independente: depois da bem-sucedida aventura pós-apocalíptica “Viagem Radioativa” (1985), fez três filmes para Golan e Globus que se pagaram (“Caçada Perigosa”, “O Tesouro de San Lucas” e “Uma Estranha em Los Angeles”, entre 1986 e 1987).

Mais do que isso, Pyun provou aos primos israelenses em dificuldade financeira que conseguia não apenas trabalhar rápido e com pouco dinheiro, mas ainda fazer milagres: o diretor chegou a completar um filme deixado inacabado por outro diretor, e que se transformaria numa aventura incompreensível batizada “Jornada ao Centro da Terra” (para cumprir compromissos assumidos com distribuidores).

Pyun teria um orçamento irrisório de 10 milhões de dólares para filmar seu Homem-Aranha, mas não esmoreceu. Se desse certo, seria um belo empurrãozinho para produções maiores em grandes estúdios. Só que os planos foram se complicando: de repente, os produtores resolveram filmar “Spider-Man” e “Mestres do Universo 2” ao mesmo tempo, e reutilizando os mesmos cenários, para economizar dinheiro. E as duas aventuras seriam dirigidas back-to-back por Pyun: num momento ele filmaria o Aranha entrando por uma porta; uma hora depois, o He-Man entrando pela mesma porta!


O diretor chegou a dar entrevistas falando sobre a adaptação do Aranha - uma delas publicada na revista Cinefantastique em 1988. Ele chamou o ator Don Michael Paul para escrever um novo roteiro, já que a história com o Dr. Octopus jamais poderia ser filmada com um orçamento tão baixo.

A essa altura, os executivos da Marvel já tinham deixado a produção executiva, que ficou com Tom Karnowski, o produtor habitual dos filmes baratos de Albert Pyun.

A nova aventura do Homem-Aranha seguiria os passos da anterior, narrando a origem do herói, mas com um vilão “original”: o cientista Russell Tanner, que se transformava num híbrido de humano e morcego chamado The Night Ghoul (nossa, que original!).


Enquanto Don Michael Paul escrevia seu roteiro, os produtores publicaram sobre a pré-produção do filme na Variety de 24 de outubro de 1988. Meses depois, a revista fez uma reportagem sobre a obra e inclusive entrevistou Stan Lee, que falava otimista sobre a adaptação.

O problema é que quando o novo script ficou pronto, os produtores perceberam que este também tinha fugido do clima dos gibis - era uma história cheia de sangue e violência. Decidiram chamar às pressas Shepard Goldman (roteirista de “Salsa - O Filme Quente”, musical com Robby Rosa produzido pela Cannon) para “corrigir” o script, dando um tom mais leve e censura livre à trama. Goldman acabou creditado como único roteirista em alguns materiais de divulgação, tal a quantidade de alterações que fez no script original de Don Michael Paul.

Apesar de nem haver um roteiro definitivo, a Cannon continuava marcando o “lançamento” do filme, dessa vez para o Natal de 1989. Mas precisou baixar ainda mais o orçamento, obrigando Pyun a buscar um novo roteiro. Dessa vez foi Ethan Wiley (diretor-roteirista de “A Casa do Espanto 2”!) quem assumiu a bronca, dando origem a mais uma história sem pé nem cabeça, à altura daquela criada por Leslie Stevens lá em 1984.


Olha só que bagaça: Peter Parker seria um pobre estudante de ciências vivendo no Queens, bairro pobre de Nova York, e que trabalha como pupilo para um cientista louco. Este cria uma poderosa droga batizada T-Devil, que vende para a Máfia. O entorpecente dá superpoderes aos usuários (!!!), mas seu consumo constante provoca a explosão do coração do infeliz! Finalmente, durante uma experiência frustrada, tanto o cientista quanto Peter ganham superpoderes: ele vira o Homem-Aranha, e o vilão uma mistura de homem e escorpião, que seria combatido pelo novo herói!

Até esse momento, o dublê Scott Leva continuava sendo sondado para viver Peter Parker/Homem-Aranha na telona. Ele leu todas as versões do roteiro feitas desde 1985, testemunhando como o negócio foi degringolando. Num artigo publicado pela revista Starlog em 2002, intitulado “The Man Who Was Almost Spider-Man”, declarou: “O roteiro de Ted Newsom e John Brancato era bom, mas ainda precisava de alguns detalhes. Infelizmente, ele foi reescrito por outros roteiristas tantas vezes que foi do bom para o ruim, até chegar ao terrível!”.

A Variety de 22 de fevereiro de 1989 (abaixo) traz mais uma vez o filme do Aranha como “futuro projeto” da Cannon, com data de início das filmagens marcada para março daquele ano, ao lado de outros filmes que realmente foram produzidos, como “De Volta Para o Futuro 2”.


Aí veio o golpe de misericórdia: tanto a empresa de brinquedos Mattel (que tinha os direitos sobre He-Man) quanto a Marvel rescindiram o contrato com a Cannon devido aos problemas financeiros da produtora, e a tão sonhada filmagem conjunta de “Mestres do Universo 2” e “Spider-Man - The Movie” foi cancelada de vez.

Como Pyun já havia gasto bastante dinheiro na pré-produção dos dois filmes, inclusive construindo cenários e figurinos para as aventuras, foi contratado para dirigir “Cyborg - O Dragão do Futuro”, com Van Damme, praticamente de graça, como tapa-buraco, reaproveitando os materiais produzidos originalmente para as aventuras do He-Man e do Homem-Aranha! Assim, da próxima vez que você ver o filme do Van Damme, tente imaginar que podia ser o escalador de paredes, ou o He-Man, andando por aqueles cenários...

“Cyborg - O Dragão do Futuro” acabou sendo o último filme da Cannon a chegar aos cinemas, já que a produtora pediu falência no final da década de 80.


O ARANHA DE JAMES CAMERON
No mesmo ano de 1989 em que a Cannon cancelou de vez a produção do filme do Aranha, o “Batman” de Tim Burton estreou arrebentando a boca do balão e mostrando que aventuras inspiradas em heróis dos quadrinhos ainda podiam ser lucrativas. Afinal, a Warner faturou mais de 410 milhões de dólares no mundo todo com um filme que custou “apenas” US$ 35 milhões (calcule aí o lucro).

A Cannon já não existia mais a essas alturas, mas um de seus sócios, Menahem Golan, criou a 21st Century Film Corporation e achava que aquele era o momento certo para emplacar seu “Spider-Man - The Movie”. Ele jogou no lixo todos aqueles scripts horríveis de baixo orçamento e recuperou o roteiro que Newsom e Brancato escreveram lá atrás em 1985 - aquele com o Dr. Octopus como vilão.


Em maio de 1989, no Festival de Cannes, Golan disse que começaria a filmar em setembro e conseguiu vender os direitos para lançamento doméstico, que ficaram com a Columbia Pictures. Através dela, o diretor Stephen Herek (“Criaturas”) chegou a ser cogitado para comandar a adaptação. Mas o estúdio pediu algumas alterações no script. Dois roteiristas foram contratados e entregaram seus tratamentos: primeiro Frank LaLoggia (diretor-roteirista de “A Dama de Branco”, e mais associado ao cinema de horror); depois Neil Ruttenberg (roteirista de aventuras vagabundas como “Deathstalker 2”, produzido por Roger Corman).

Enquanto isso, Golan não parava de publicar anúncios na Variety sobre a suposta “pré-produção” da aventura, numa tentativa de tentar atrair possíveis investidores. O primeiro anúncio saiu em 1990, e dizia: “1990 - O ano do Homem-Aranha!”.

O segundo é de 1991 (ao lado), e anuncia como roteiristas Ruttenberg e “Joseph Goldman” (o próprio Golan), além da produção executiva de Stan Lee e Joseph Calamari (de volta ao projeto depois da “fase Pyun”).

O máximo que Golan conseguiu dessa vez foram alguns testes de efeitos especiais realizados em 1990 pela empresa canadense Light and Motion e pelo animador em stop-motion Steven Archer, que trabalhara em “Krull” e “Fúria de Titãs”.

Vencido pelas dificuldades de trabalhar com baixo orçamento, Golan desistiu do Aranha e partiu para a produção daquela aventura do Capitão América que também vinha tentando fazer desde os anos 80, e que seria bem mais fácil porque envolvia um herói mais humano, sem exigir grandes efeitos especiais. O resultado foi aquele trashão dirigido por Albert Pyun em 1990, com Matt Salinger no papel principal.

Já os direitos sobre o Homem-Aranha passaram para uma outra companhia, a Carolco de “Rambo 3”, “O Vingador do Futuro” e “O Exterminador do Futuro 2”. E, graças à mudança de casa, um certo James Cameron acabou se interessando pelo projeto.

Cameron resolveu escrever o seu próprio filme do Homem-Aranha, e enviou um pré-roteiro com 47 páginas para os executivos da Carolco em 1991. Esse tratamento conta a origem do herói e traz dois vilões de uma só vez, Electro e Homem-Areia (algo que depois viraria moda nos filmes de super-heróis).

Mas Cameron não se manteve tão fiel aos gibis, preferindo criar a sua própria versão da origem desses bandidões. O filme terminaria com uma batalha épica no topo do World Trade Center, quando Peter Parker revelaria a Mary Jane que era o Homem-Aranha.

Quer ler como seria o “James Cameron's Spider-Man”? Então clique aqui!

Embora o argumento tenha sido bastante elogiado à época, os produtores discordavam do tipo de aventura que Cameron pretendia fazer. Eles queriam um filme censura livre e divertido para a garotada, mas o pré-roteiro do diretor tinha violência, um Homem-Aranha que falava palavrões (inclusive xingando os vilões de “filho da puta”) e até uma cena de sexo entre Parker e Mary Jane - afinal, eram os anos 1990, quando todo mundo estava trepando no cinema!

Com o andar da carruagem, o projeto começou a ser revisado. A Carolco anunciou nas páginas da Variety a pré-produção de “Spider-Man - A James Cameron Film”, e o diretor de “Titanic” chegou até a mexer naquele antigo roteiro de Newsom e Brancato, anunciando que gostaria de ter Arnold Schwarzenegger como Doutor Octopus (o que nunca aconteceu, mas restou ao gigante austríaco o “consolo” de interpretar um vilão da DC, o Senhor Frio, no abominável “Batman & Robin” de 1997).


Aí foi a vez de a Carolco falir, e com ela o Homem-Aranha acabou perdido nas teias da burocracia, passando de um estúdio a outro, numa trajetória longa e complicada demais para resumir aqui. Parecia até um projeto amaldiçoado, e, como tal, ninguém mais quis gastar dinheiro com ele.

Até a Columbia/Sony finalmente produzir o “Homem-Aranha” de Sam Raimi em 2002, quase 20 anos depois da primeira concepção de uma aventura cinematográfica do herói.

Coincidentemente, Raimi também era um diretor associado ao cinema de horror, como Tobe Hooper, que foi a primeira escolha para dirigir o filme do Aranha lá atrás, em 1984...


O resto é história: se a Cannon suava para juntar uns 20 milhõezinhos para poder fazer o seu “Spider-Man - The Movie”, a Columbia transformou a primeira aventura do herói num blockbuster de US$ 139 milhões, que arrecadou, no mundo inteiro, assombrosos 821 milhões de dólares!

Apesar disso, eu confesso que fico imaginando como seria aquele Espetacular Homem-Aranha pobretão da Cannon Films, e o que diretores tão díspares quanto Tobe Hooper, Joseph Zito, Albert Pyun e James Cameron poderiam ter feito com o personagem...

PS: A tragicômica história do Homem-Aranha da Cannon Films estava praticamente esquecida, mas foi resgatada há alguns anos através do livro “Spider-Man Confidential: From Comic Icon to Hollywood Hero”, de Edward Gross, e pelos relatos publicados nos sites The Cannon Films Archive e Video Junkie, principais fontes de pesquisa para esse dossiê em português. Curtiu? Então divulgue e torne pública a espetacular jornada do herói aracnídeo pelo mundo do baixo orçamento!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

PIRANHA 2 - ASSASSINAS VOADORAS (1981)


Um peixe que voa? E respira fora da água? E ataca direto na jugular das suas pobres vítimas, que são devoradas num estalar de dedos? Acredite se quiser, mas a resposta para estas três perguntas é "sim" no inacreditável PIRANHA 2 - ASSASSINAS VOADORAS, uma produção ítalo-americana lançada em 1981, e que não funciona nem como suposta continuação do ótimo filme B "Piranha" (1978), de Joe Dante, nem como filme independente.

O maior atrativo desta tralha é constatar que quem assina como diretor é ninguém menos que o hoje "todo poderoso" James Cameron. Sim, aquele mesmo da série "O Exterminador do Futuro" e do blockbuster "Titanic", que atualmente se diverte torrando centenas de milhões de dólares para levar seus projetos aos cinemas. Belo jeito de começar a carreira, não???

PIRANHA 2 é o primeiro filme de Cameron. Antes, ele trabalhou na equipe de miniaturas e efeitos visuais de Roger Corman, tendo participado do time de filmes como "Mercenários das Galáxias" (1980) e "Galáxia do Terror" (1981). Ainda em 81, atuou na equipe técnica do clássico "Fuga de Nova York" (1981), e foi contratado pelo produtor italiano Ovidio G. Assonitis para comandar PIRANHA 2, finalmente ocupando a cadeira de diretor.

Natural do Egito, Assonitis já tinha dirigido, ele próprio, alguns filmes. É o caso de "Tentáculos" ("Tentaculi"), sobre um polvo assassino, lançado em 1977 e com nomes como John Huston, Shelley Winters e Henry Fonda no elenco. Ele também dirigiu uma cópia bagaço de "O Exorcista" chamada "Espírito Maligno" ("Beyond the Door"), em 1974, e que até hoje é o filme mais lucrativo de todos os tempos na relação custo-benefício.

Então surgiu este roteirista chamado H. A. Milton (este é seu único crédito cinematográfico, o que é até compreensível; mas não estranhe se o nome for pseudônimo de alguém), trazendo debaixo do braço um roteiro inacreditável sobre piranhas voadoras!!! Vê se tem cabimento! Porém, sem pensar duas vezes, o produtor Assonitis contratou este pobre jovem norte-americano chamado James Cameron e mandou-o até a Jamaica para torrar uma fortuna (hahahaha, até parece!) em PIRANHA 2...

Prato do dia: galinha ensopada



O filme já começa extraordinário (no mau sentido). Um casal de mergulhadores visita os destroços de um navio do Exército americano afundado perto de um grande hotel de turistas, quando, sem mais nem menos, a garota tira o biquíni e salta em cima do homem, cortando seu calção com uma faca (vê se pode). A dupla então começa a transar debaixo d'água, inclusive tirando as máscaras e o tubo de oxigênio que permitia que respirassem, para não "atrapalhar" o lance!!! Quem sabe, era um casal de suicidas que queria morrer dando uma última transadinha.

Porém, neste caso, nem precisaram esperar a morte por afogamento: mais rápido que você possa dizer "assassinas voadoras", um cardume de piranhas, que só aparece de relance, surge do nada e ataca o casal fornicador, devorando-o impiedosamente. hahahahaha

Entram os créditos sobre um fundo azul com manchas vermelhas. E o que surpreende, além da trilha sonora até bem feita (de Stelvio Cipriani, usando o pseudônimo "Steve Powder"), é a quantidade de nomes talentosos envolvidos numa barca furada dessas, como Lance Henriksen (que a partir de então passaria a trabalhar em praticamente todos os filmes de James Cameron, menos os mais recentes) e o maquiador italiano Giannetto de Rossi, parceria do cineasta Lucio Fulci. Ele é um dos culpados pelas horríveis piranhas com asas que veremos no momento mais hilariante do filme!!!

A história se passa no Caribe (hahahaha), na praia de Saint Anns, onde o hotel Clube Elysium está repleto de turistas louquinhos para participar da tradicional "Noite do Peixe Frito". Trata-se de um fenômeno que acontece uma vez por ano, na desova dos peixes-rei: eles nadam até a margem do mar para desovar e podem ser rapidamente agarrados pelos hóspedes, que então fritam os peixes na madrugada para comer. É por causa disso que o subtítulo original do filme, que aparece nos créditos iniciais, é THE SPAWNING ("A Desova"). Porém, misteriosamente, nos créditos finais o subtítulo é outro: FLYING KILLERS ("Assassinas Voadoras"), mostrando que a equipe era tão incompetente que não conseguiu chegar nem a uma conclusão sobre o nome do filme!!!

Mas voltemos à trama. O hotel está repleto de gente louca para transar, inclusive umas velhas assanhadas que tentam agarrar os salva-vidas garotões. Neste momento, somos brindados com diálogos brilhantes, como: "Sabe do que meu marido morreu? De tesão!", e outras maravilhas que nos fazem compreender o porquê do roteirista Milton nunca mais ter conseguido emprego.

Em meio aos hóspedes com hormônios em ebulição, também existe uma professora americana de mergulho que é um tanto casta e pura, Anne Kimbrough (Tricia O'Neil, que Cameron depois colocou numa ponta em "Titanic"). Ela vive com seu filho adolescente, Chris (Ricky Paul Goldin, que acabou no remake de "A Bolha Assassina" e em... oh meu Deus, "Lambada - O Filme"!!!), é divorciada e seu ex-marido é o policial que controla a região, Steve (Lance Henriksen, pagando mico, ainda de cabelo comprido).

Assassinas voadoras



Entre coroas que procuram médicos para flertar, gatinhas que passeiam de barco completamente nuas e um negro que usa dinamite para pescar (hahahaha), o hotel também tem a ilustre presença do misterioso Tyler Sherman (Steve Marachuk, que sumiu do mapa cinematográfico em 1985). Ele tenta seduzir a professora de mergulho.

Durante um passeio no fundo do mar, coincidentemente nas proximidades do tal navio afundado onde o casal foi devorado no início, um dos alunos de Anne também é atacado pelas piranhas, sendo encontrado pela professora parcialmente devorado. O corpo é então levado ao necrotério. E, numa daquelas coisas que só acontecem em filmes, Anne e Tyler invadem o necrotério à noite para examinar o cadáver, tentando descobrir que tipo de animal fez aquilo. Na mesma noite, uma funcionária do local é atacada por uma piranha voadora que sai da barriga do corpo carcomido (é ver pra crer)!!!

Desconfiando que algo de estranho está acontecendo, ainda mais ao descobrir que um documento de Anne foi esquecido no necrotério, o policial Steve coloca a ex-esposa contra a parede. Mas, a estas alturas, ela já está fazendo "contatos imediatos de terceiro grau" com Tyler - que, logo descobrimos, é um bioquímico responsável pelo projeto secreto do Exército que criou as piranhas voadoras. Tyler explica a Anne que ovos da piranha voadora afundaram junto com o navio e se desenvolveram no mar da região. Só não explica quem é que teve a idéia de jerico de usar piranhas com asas como arma de guerra.

Sabendo do segredo das piranhas voadoras, Anne tenta convencer o gerente do hotel, Raul (Ted Richert), a suspender a famosa "Noite do Peixe Frito". Mas como todo homem de negócios ambicioso de filmes do gênero (ora, todos já vimos "Piranha" e "Tubarão", certo???), Raul se recusa a cancelar o evento e ainda demite Anne.

A professorinha terá outras preocupações em breve: seu filho está em alto-mar com uma gatinha que conheceu na noite anterior (Leslie Graves, que morreu de Aids em 1989), e pode vir a se tornar a nova vítima das "piranhas-passarinho".

O clímax desta tralha é na tal "Noite do Peixe Frito", quando, num momento irônico do roteiro, a cadeia alimentar se inverte e os turistas tarados, ávidos por comer peixe, se transformam eles próprios na refeição, sendo devorados pelas horríveis piranhas com asas, que fazem o espectador se mijar de rir toda vez que aparecem em cena - ainda mais pelo barulho que emitem, lembrando mais morcegos que piranhas voadoras!

A Noite do Peixe Frito acaba mal!



PIRANHA 2 - ASSASSINAS VOADORAS foi lançado em vídeo no final dos anos 90, com a distribuidora assumindo a ruindade da obra, sem vergonha na cara. A capinha dizia, em letras garrafais: "TRASH MOVIE: UM DOS PIORES FILMES JÁ FEITOS". Ironicamente, quando esta produção era exibida na TV (pela Globo e depois pelo SBT), os comerciais anunciavam como filme sério!!! E recentemente ele foi relançado em DVD novamente como se fosse uma produção séria. Até foi realizada com este intuito lá atrás em 1981, mas é simplesmente impossível de levar a sério - na linha "tão ruim que fica bom". O pior é que o "Piranha" original era um excelente filme de suspense (cuja história é citada de leve nesta seqüência).

São 84 minutos de extrema pobreza e falta de criatividade cinematográfica. Vendo "isso", ninguém jamais imaginaria que James Cameron depois se sairia com filmes extremamente criativos como "O Exterminador do Futuro" e "Aliens, O Resgate". Porém, ele nem é o maior culpado pelo desastre.

O próprio Cameron disse várias vezes que foi afastado das filmagens pelo produtor Assonitis depois de duas semanas de filmagens. Isso porque o produtor não estaria gostando da forma como Cameron estava realizando o trabalho - talvez com um "toque pessoal". Resultado: Assonitis assumiu ele mesmo as filmagens, certamente sendo o responsável por bobagens como as gostosas de topless e a impagável cena do "sexo aquático". Cameron até teria tentado fazer sua própria edição do filme, mas foi impedido pelos produtores. Que, porém, mantiveram seu nome nos créditos - talvez cientes da bomba que tinham nas mãos.

Com tantos erros e problemas, além da infeliz idéia de colocar piranhas voadoras na trama, PIRANHA 2 bem que poderia ser um engraçadíssimo trash movie. Infelizmente, em apenas 84 minutos de duração, são muitos os tempos mortos, com longas cenas onde nada acontece além de diálogos ridículos e gente feia desfilando de biquíni.

E a história ainda termina da forma mais moralista possível, com as piranhas devorando Tyler (afinal, foi ele quem as criou, e teria que levar o merecido castigo, não é mesmo?), resolvendo assim o impasse conjugal entre Anne e Steve, que voltam a ficar juntos como dois pombinhos apaixonados. Ou seja: piranhas resolvendo problemas de casal, devorando uma das pontas do triângulo amoroso. Que tal? Não parece um filme que PRECISA ser visto???

Se você gosta de ver tralhas do gênero fechando um olho para a ruindade, PIRANHA 2 é, definitivamente, o seu filme. Mas prepare-se para acionar a tecla fast-foward para poupar seu cérebro de uma boa dose de abobrinhas. Ou então procure, no YouTube, a montagem que uns desocupados fizeram com apenas 10 minutos de "melhores momentos" da película.

E na próxima vez que assistir um blockbuster multimilionário de James Cameron, tente visualizar a imagem do diretor filmando PIRANHA 2 com uma equipe italiana, usando uma merreca de orçamento. Aliás: será que foi esta porcaria que despertou em Cameron a paixão de filmar no mar, como ele fez depois em "O Segredo do Abismo" e "Titanic", já com orçamentos beeeeeem maiores??? Desta vez, porém, sem piranhas voadoras. E, por isso mesmo, bem menos divertidos.

Trailer de PIRANHA 2



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Piranha 2 - The Spawning/Flying Killers (1981, EUA)
Direção: James Cameron e Ovidio G. Assonitis
Elenco: Tricia O'Neil, Steve Marachuk, Lance
Henriksen, Ricky Paull Goldin, Ted Richert,
Leslie Graves, Carole Davis e Arnie Ross.