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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

NENHUM PASSO EM FALSO (1986)

(Queridos leitores, já faz meses que não resenho um filmaço apenas pelo seu fator trash/diversão - mais precisamente desde "Sonatine", em março. Portanto, resgato este texto antigo do meu aposentado Multiply para a série FILMES PARA DOIDOS POR CINEMA. Se já leu, não se preocupe: a resenha é praticamente toda nova, pois desde que a escrevi originalmente, em 2005, eu li o livro que inspirou o filme, e aqui faço as devidas comparações.)

Harry Mitchell (Roy Scheider) é um rico e bem-sucedido homem de negócios, ligado à indústria da siderurgia, dono de capital considerável graças a uma patente com a Nasa, que lhe garante uma caprichada conta bancária. Tem um carrão conversível que ele mesmo reformou em sua rica garagem e uma bonita mulher, Barbara (Ann Margret), que o ama e pretende investir no futuro político, lançando sua candidatura a vereadora. Pode-se dizer que Harry Mitchell tem tudo. Mas, como nós sabemos, quem tem tudo geralmente está querendo um algo mais.


E é assim que nosso executivo de meia-idade se envolve com Cini, uma jovem "modelo" de apenas 22 anos de idade (interpretada pela atual esposa de John Travolta, Kelly Preston). O caso extraconjugal poderia melhorar ainda mais a vida de Mitchell. Porém, como estamos em um filme de John Frankenheimer, e com roteiro do mestre da literatura policial pop Elmore Leonard, é claro que a coisa vai dar mal.

Estou falando de "52 Pick-Up", filmão baseado em livro de mesmo nome que foi publicado no Brasil na década de 1970 como "Os Chantagistas". Pior sorte teve o filme, que foi inexplicavelmente lançado por aqui com dois títulos diferentes: NENHUM PASSO EM FALSO e A HORA DA BRUTALIDADE (para aproveitar a febre de filmes com "Hora" no título, tipo "A Hora do Espanto", "A Hora do Pesadelo"...).


Depois, quando a América Vídeo lançou-o em VHS, resolveu unir ambos e ficou NENHUM PASSO EM FALSO - A HORA DA BRUTALIDADE!!!

(E caso você esteja se perguntando, o original "52 Pick-Up" refere-se a um jogo de cartas infantil bem popular nos Estados Unidos: um jogador atira um maço de 52 cartas para o alto, de maneira que elas caiam desordenadamente no chão, e o outro jogador precisa "remontá-lo" através de combinações crescente e descrescente, como no jogo tradicional de Paciência.)

Mas voltemos à vida do pobre Harry Mitchell. Logo no início do filme, quando ele se prepara para mais um encontro com Cini, tem a desagradável surpresa de encontrar no quarto de hotel não a sua gatinha loira, mas sim três homens mascarados. Um deles com um revólver na mão.


"Sente e aproveite o show"
, diz um dos desconhecidos, e então o trio mostra a Mitchell um vídeo amador que registra cenas do dia-a-dia do ricaço. Aqueles bandidos o seguiram por um bom tempo, filmando momentos em que ele sai de casa, entra na empresa, sua mulher fazendo cooper e, finalmente, detalhes que comprovam a traição conjugal: Mitchell encontrando-se com Cini, levando-a para uma viagem de férias quando deveria estar numa convenção de empresários e fazendo sexo com a garota.

Os bandidos sabem que aquelas imagens podem destruir o casamento e a vida pacata de Harry Mitchell, além de arruinar as pretensões políticas da sua esposa graças ao escândalo. Por isso, pedem 105 mil dólares pelo silêncio.


O milionário convence o trio de que não pode simplesmente chegar no banco e retirar 105 mil dólares. Fica acertado que ele pagará em "prestações mensais", começando com uma primeira de 10 mil dólares. E, assim, Mitchell fica à mercê dos perigosos chantagistas.

Ao invés de ir direto à polícia, nosso herói resolve contar tudo ao seu advogado, Mark Arveson (o falecido Doug McClure, de "Humanoids from the Deep"). Este sugere que o executivo não ceda às pressões dos chantagistas.

Naquela noite, Mitchell volta para casa e abre o jogo com a esposa, dizendo que a traiu, que aquela foi a primeira vez, que ele estava desconfortável com o casamento, etc etc. Barbara, é claro, fica furiosa. Mas Harry sente-se aliviado, pois teoricamente arruinou o plano dos chantagistas, certo?


Errado!

O que Mitchell não sabe é que não se brinca com três homens perigosos como aqueles com que se envolveu. O trio de chantagistas é formado pela nata da maldade humana, todos ligados ao submundo da pornografia.

O cabeça da quadrilha é o falante e cruel Alan Raimy (o excelente John Glover, um ator que nunca recebeu a merecida atenção e aqui simplesmente rouba o filme). Raimy é diretor de filmes pornô amadores e proprietário de um cinema X-Rated.

Seus comparsas são Leo Franks (Robert Trebor), o cagão do grupo, dono da boate de strip-tease onde Cini trabalha; e Bobby Shy (Clarence Williams III), que é a verdadeira encarnação da violência e da malvadeza, um assassino frio que matou o padrasto com 13 anos e não hesita em puxar o gatilho para resolver situações simples.


Estes três monstros acreditam que terão seus 105 mil dólares e estão até promovendo festas para comemorar o negócio bem-sucedido. O legal é que, na cena da festa, podemos ver muitos astros pornôs dos anos 80, como Tom Byron, Ron Jeremy, Amber Lynn e Sharon Mitchell, divertindo-se com os vilões.

A felicidade dos dois lados logo vai acabar. Na noite combinada para o pagamento da primeira parcela da chantagem, Mitchell passa às mãos de um dos bandidos um envelope que parece estar forrado de grana, mas na verdade só tem jornal cortado e um singelo recado.

Raimy fica puto: "Eu juro que não sei onde o mundo vai parar... Você explica honestamente como as coisas vão ser, e mesmo assim tentam te passar para trás!".


 Logo, Bobby faz uma nova visita a Mitchell e o leva para um passeio. Dessa vez, o trio mostra um novo vídeo - um snuff movie.

As cenas mostram Cini sendo agarrada pelos bandidos e amarrada a uma cadeira. Em seguida, ela tem suas roupas arrancadas e uma tábua de madeira é posicionada na sua frente, sobre o peito. Para finalizar, os bandidos disparam cinco tiros na placa de madeira, direto no peito da moça, que cai morta enquanto os assassinos fazem piada: "A melhor coisa sobre Cini é que ela não apenas vive o seu papel, ela morre também!".

Em seguida, mostram a placa de madeira toda perfurada (para comprovar que não houve "efeitos especiais") e o corpo sem reação nem respiração da moça. Uma cena tétrica, ainda mais pela maneira como os bandidos tratam aquilo como se fosse a coisa mais normal do mundo...


Eles propõem uma nova chantagem: como a arma usada no assassinato era um revólver roubado da casa de Mitchell, com suas impressões digitais e tudo mais, o homem de negócios deverá pagar 105 mil dólares todo ano, até o fim da sua vida, pelo silêncio do grupo.

Caso contrário, eles farão com que o cadáver da moça apareça, bem como o revólver e bem como um casaco também roubado de Mitchell, propositalmente manchado de sangue pelos bandidos.

Sem saída, o executivo só vê uma chance de escapar dessa: não pagar o que os bandidos pedem, mas sim investigar e descobrir quem são aqueles bastardos, aprender mais sobre eles e suas fraquezas. Então, numa estratégia inteligente e bem pensada, Mitchell começa a jogar um contra o outro, com complicações imprevisíveis para todos os envolvidos no caso.


Concordo com o crítico de um site norte-americano, que diz que NENHUM PASSO EM FALSO nunca fez o merecido sucesso.

Claro que, comparado com outros filmaços de Frankenheimer, este não passa de um thriller comum, simplório até.

Entretanto, analisando independentemente da filmografia do cineasta, eu não hesitaria em colocá-lo entre os grandes filmes policiais dos anos 1980. Até porque ele foge do exagero e do absurdo que tornou-se marca registrada da década, principalmente quando lembramos que, no mesmo ano e pela mesma produtora, saiu "Stallone Cobra"!


NENHUM PASSO EM FALSO
tem aquele clima sério e realista do cinema policial dos anos 70, com narrativa lenta que esmiuça as características dos personagens e suas relações/motivações, uma bela trilha sonora, excelentes atores representando excelentes personagens e uma trama que prende a atenção do espectador do início ao fim, complicando cada vez mais a vida do herói – de forma que o espectador fica intrigado para saber como é que ele vai se salvar daquela enrascada.

Vale destacar que a adaptação do livro "Os Chantagistas" foi feita pelo próprio autor Elmore Leonard, em parceria com John Steppling. Seu roteiro é enxuto e sem grandes malabarismos ou absurdos, embora peque na parte final por certos exageros que devem ter sido uma imposição da produtora, a célebre Cannon Films (já chego nesse detalhe).


O mesmo livro havia sido adaptado dois anos antes, em 1984, no filme "O Embaixador", também produzido pela Cannon e com direção de J. Lee Thompson. Esse não teve a participação direta de Leonard, e os roteiristas tomaram amplas "liberdades poéticas" na trama, aproveitando apenas a idéia da chantagem e transformando-a num thriller político.

Leonard, vale lembrar, é um dos mais populares autores de livros policiais dos Estados Unidos, e entre os filmaços baseados em suas obras estão "Jackie Brown", de Quentin Tarantino (baseado no livro "Ponche de Rum") e "O Nome do Jogo", de Barry Sonnenfeld (baseado no livro "Um Golpe de Sorte").


Especialista em criar universos violentos e personagens cafajestes, Leonard escreveu, em "Os Chantagistas" e NENHUM PASSO EM FALSO, uma de suas histórias mais contidas e realistas.

É perfeitamente possível acreditar na reação de todos os personagens do filme, que agem como seres humanos reais – especialmente o protagonista Harry Mitchell. Ao contrário de um Charles Bronson, por exemplo, Mitchell não sai distribuindo tiros nos bandidos assim que descobre a identidade dos três chantagistas; pelo contrário, ele prefere deixar as mãos limpas e jogar um contra o outro.

Os erros cometidos pelos personagens também são perfeitamente verossímeis, ainda mais quando seus planos iniciais não dão certo e as consequências tornam-se cada vez mais tenebrosas. Eles não parecem os típicos herói e vilão do cinema policial tradicional.


As diferenças entre filme e livro são relativamente pequenas.

Em "Os Chantagistas", a esposa demora muito mais tempo a perdoar a traição do marido e aceitá-lo de volta, e também sofre mais nas mãos dos vilões do que na adaptação para o cinema (melhor não dar muitos detalhes para não estragar a surpresa).

No livro, também, Mitchell sofre ainda mais pressão porque há um líder sindical no seu pé, fator determinante para deixar nosso "herói" ainda mais estressado e em ponto de bala.

Mas a mudança mais marcante entre "Os Chantagistas" e NENHUM PASSO EM FALSO é a conclusão: enquanto no livro Mitchell livra-se de Raimy usando a esperteza e um artifício relativamente simples (envolvendo troca de maletas), no filme ele subitamente se transforma numa espécie de McGyver e cria todo um aparato sofisticado para controlar um veículo - uma reviravolta desnecessária que, como eu falei, deve ter sido sugestão dos produtores Golan e Globus para o filme ficar mais "explosivo". Porque, como todos sabemos, os filmes deles "explodem como dinamite"!


Talvez tentando relembrar seus bons tempos, já que andava em fase ruim (no auge do alcoolismo e sem um sucesso comercial há anos), Frankenheimer também filmou uma momento ultra-gratuito que mostra Mitchell dirigindo seu carrão em alta velocidade, mas nada tem a ver com a história (e é uma cena anos-luz aquém daquela maravilhosa perseguição automobilística em alta velocidade vista num de seus últimos filmes, "Ronin", de 1998).

Pelo menos ele demonstra que não está pra brincadeira, e não alivia o tom pesado do livro. O filme tem poucas cenas de violência, mas, quando elas aparecem, são cruéis e marcantes.


E não tem como não se impressionar com o desempenho dos atores que interpretam os malvados, principalmente John Glover, que não precisa apelar para expressões exageradas ou explosões de fúria para mostrar como é perigoso.

Outro destaque é a interpretação nervosa de Clarence Williams III: Bobby, o matador que ele encarna, é um sujeito tão frio que só seu olhar dá medo.

O terceiro bandidão, interpretado por Trebor, é o elo fraco da corrente, um covardão de quem o espectador quase sente pena, em outra atuação monstruosa. Esses caras são VILÕES de verdade, daqueles com quem você espera nunca topar numa rua escura - nem mesmo numa bem iluminada!

Já a modelo e cantora Vanity, uma das musas daquela década, aparece como uma prostituta amante do personagem de Williams III. Vanity talvez seja a única coisa bonita num filme feio, sujo e malvado – como se uma flor das mais coloridas brotasse no meio de um beco imundo e escuro, entre camisinhas usadas e cachimbos de crack descartados.


Talvez você tenha visto NENHUM PASSO EM FALSO nas prateleiras da sua locadora nos velhos tempos do VHS, mas nunca se interessou por causa da capinha feia da América Vídeo (que mostra apenas Scheider com uma arma com Ann Margret fazendo cara de múmia logo embaixo).

Afinal, a julgar pela capinha, era até de se esperar mais um filminho de ação bobo e barato feito pela Cannon.

Só que todos sabemos que não se deve julgar um livro pela capa: dê uma chance a Frankenheimer e Elmore Leonard, e prepare-se para a surpresa de ver um policial de primeira linha, digno de figurar entre outras obras-primas da década de 80, como "O Ano do Dragão", de Cimino, e "Viver e Morrer em Los Angeles", de Friedkin.

Pode até ser um filme "menor" de Frankenheimer, mas esse é o bom de ser um diretor foda: até os seus trabalhos de menor brilho são uns filmaços. Ainda mais quando comparados a muito besteirol de hoje que pretende ser "filme policial".


Trailer de NENHUM PASSO EM FALSO

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52 Pick-Up (1986, EUA)
Direção: John Frankenheimer
Elenco: Roy Scheider, Ann-Margret, Vanity,
 John Glover, Robert Trebor, Kelly Preston,
Doug McClure e Clarence Williams III.

domingo, 16 de novembro de 2008

MR. MAJESTYK (1974)


(Depois de vários posts em seqüência sobre tralhas italianas, achei que era hora de publicar algo sobre um filme mais "normalzinho", só para variar um pouco. E também estava na hora de escrever sobre Charles Bronson neste blog. Então, divirtam-se!)

"Você fala como se fosse um grande machão, mas não me convenceu! Continue falando assim comigo e eu arranco sua cabeça fora!", diz Charles Bronson, com sua tradicional voz calma e rosto sem expressão, para um oponente mal-encarado em certo momento de MR. MAJESTYK, um dos melhores filmes do astro, lançado no Brasil com o ridículo título "Desafiando o Assassino" (tão ridículo que eu não vou mais utilizá-lo a partir de agora, por isso pode esquecer que ele existe). MR. MAJESTYK foi rodado em 1974, mesmo ano em que Bronson estrelaria um de seus maiores sucessos de público e crítica: o primeiro "Desejo de Matar", que acabou ofuscando a existência deste pequeno clássico.

Charles Bronson, ou Charles Buchinksy (seu nome de batismo), faleceu em 2003, deixando um legado de quase 100 filmes, além de muitos, mas muitos personagens marcantes e inesquecíveis. Entre eles, o mais óbvio talvez seja Paul Kersey, de "Desejo de Matar", que deixou uma franquia de 5 filmes. Mas ele também encarnou o Pistoleiro da Harmônica ("Era uma Vez no Oeste"), um dos "dirty dozen", Wladislaw (em "Os Doze Condenados"), o cowboy Bernardo ("Sete Homens e um Destino"), o assassino Arthur Bishop ("Assassino a Preço Fixo") e uma longa galeria de policiais durões, com destaque para Leo Kessler ("Dez Minutos para Morrer").


Bronson era tão foda que encarnou até o lendário Wild Bill Hickox (em "O Grande Búfalo Branco). Mas se eu tivesse que escolher meu personagem preferido do velho bigodudo, muito provavelmente a decisão seria pelo "super-cool" Vincent Majestyk, que é o "herói" (assim mesmo, entre aspas) de MR. MAJESTYK.

Vince Majestyk é um cara durão que não arrega na hora do aperto, enfrentando a bandidada na cara e na coragem. A diferença para a maioria dos outros personagens de Bronson é que Majestyk não está procurando encrenca, quer apenas ficar quietinho no seu canto. Mas os problemas vão até ele. E aí, meu amigo, Majestyk se obriga a arregaçar as mangas e dar um jeito naqueles que não querem deixá-lo em paz. Tanto que a frase no cartaz de cinema era: "Ele não queria ser um herói... Até o dia em que ele foi pressionado demais!".

Vince Majestyk não é um pistoleiro, nem um vingador urbano, muito menos um assassino profissional: é apenas, acredite se quiser, um fazendeiro do tipo matuto, um plantador de melancias do interior dos Estados Unidos, que usa sempre uma inseparável boina na cabeça. Claro que também é um veterano de guerra, que lutou na Coréia e no Vietnã, além de ter sido preso por causa de uma briga de bar. Mas nos dias atuais (anos 70, no caso do filme), o que ele fez no passado não interessa: tudo que Majestyk quer é colher seus vários hectares de melancias madurinhas para vender e faturar uma boa grana, sem precisar matar nem arrebentar a fuça de ninguém.


Entretanto, embora o pobre homem do campo não esteja procurando encrenca, os problemas logo chegam até ele, no momento em que recruta um grupo de trabalhadores para ajudar na colheita - inclusive uma família de imigrantes mexicanos ilegais encabeçada pela bela Nancy (interpretada pela argentina Linda Cristal).

Quando o ônibus com os trabalhadores chega na fazenda, Majestyk descobre, surpreso, que já há um bando de homens colhendo suas melancias. Eles são contratados por um mau caráter chamado Bobby Kopas (Paul Koslo), que tenta convencer o herói a contratar seus serviços por um preço menor que o do mercado.

O fazendeiro até tenta argumentar que não precisa disso, que já contratou uma equipe, e pede com toda educação que Kopas e seus homens deixem imediatamente a propriedade. Claro que o vilão não quer nem saber e tenta pressionar nosso herói na violência, obrigando-o a contratar sua equipe de qualquer jeito. Resultado: quando Kopas puxa uma espingarda para ameaçar Majestyk, este se apossa da arma e expulsa o bandido da sua propriedade sem dificuldade.


Só que o vagabundo não deixa o incidente passar em branco: Kopas vai dar queixa na polícia (!!!) dizendo que Majestyk o agrediu covardemente. E como a justiça nos filmes normalmente é um reflexo da vida real, horas depois a polícia está batendo na fazenda e algemando o fazendeiro como se fosse ele o bandido!

Majestyk é fichado e nem tem chance de se defender. Isso apesar de seus apelos desesperados: "Por favor, tenente. Preciso colher aquelas melancias em quatro dias, ou perco toda a colheita. Quatro dias e depois eu venho até aqui por conta própria". A resposta do homem da lei é cínica: "Você devia ter pensado nisso antes!". E assim nosso "herói" vai parar atrás das grades com um bando de marginais, mas não perde a pose.

Na hora do almoço, Majestyk percebe que um dos prisioneiros come isolado dos outros e tenta contato. Mas o homem é Frank Renda (Al Lettieri, de "O Poderoso Chefão", que morreu no ano seguinte). Renda é um dos mais implacáveis e perigosos pistoleiros da Máfia, preso após dezenas de crimes, e não precisa muito para que ele marque alguém de morte. No dia seguinte, os prisioneiros são transferidos de ônibus para a penitenciária. Mas homens da quadrilha de Renda atacam, num massacre onde quase todos os policiais são baleados.


Esperto, Majestyk vê aí uma oportunidade de limpar sua ficha com a polícia: ele foge levando junto o ainda algemado Renda, e depois liga para a delegacia de polícia para trocar o perigoso prisioneiro pela sua liberdade. Só que o bandidão não fica nem um pouco contente em se tornar peça de troca e consegue fugir, com a ajuda de uma parceira, Wiley (a gatinha Lee Purcell).

Tudo parece voltar ao normal e a quadrilha de Renda agiliza sua fuga para o México. Mas o assassino não quer saber de ir embora sem antes se vingar de Majestyk. "Muitos eu matei por dinheiro, mas este eu quero matar de graça, para mim", justifica.

Renda se junta ao trapaceiro Kopas e, no momento em que o agricultor é libertado da prisão, os dois bandidos tratam de transformar sua vida num verdadeiro inferno: ameaçam seus trabalhadores para que abandonem a colheita, quebram as pernas do seu melhor amigo, Larry (Alejandro Rey), e, no auge da maldade, destróem a tiros de metralhadora e revólver as tão amadas melancias colhidas por Majestyk.


Ao ver suas hortaliças em pedaços, o amigo no hospital e sua vida de cabeça para o ar, o herói finalmente resolve deixar de ser um cara legal para revidar. E esta mudança é demonstrada de maneira sutil, quando a câmera desce do olhar entristecido e ao mesmo tempo revoltado de Bronson para seu punho cerrado em sinal de fúria.

Agora os bandidos vão experimentar uma dose do seu próprio remédio! Neste momento, numa incrível reviravolta do roteiro (muito antes de isso se tornar um clichê do cinema de ação), Majestyk se transforma de presa em caçador, encurralando seus inimigos de uma maneira que eles jamais poderiam esperar.

Filme de ação à moda antiga, MR. MAJESTYK desenvolve-se lentamente, porém sempre mantendo presa a atenção do espectador. Demora mais de 1h10min para começarem as cenas de perseguição automobilística e tiroteios, mas a espera compensa: no clímax, os bandidos perseguem Majestyk e Nancy, que dirigem feito loucos uma caminhonete Ford pra lá de velha, pelas estradinhas empoeiradas da fazenda. Os malabarismos que aquele veículo faz, meu amigo, são de tirar o chapéu, e isso tudo sem computação gráfica ou grandes truques de câmera: é tudo real! Acredite, aquela caminhonete praticamente voa!


Comparando com outros filmes de Bronson, principalmente aqueles feitos nos anos 80, MR. MAJESTYK tem uma contagem de cadáveres relativamente baixa, pois são poucos os seus antagonistas. Mas estes poucos pobres diabos sofrem o pão que o diabo amassou, e o filme não poupa na violência, com sangrentos tirambaços de espingarda - a arma adotada pelo fazendeiro contra os homens que estão abusando da sua paciência - e momentos de crueldade explícita, como aquele em que Renda quebra o pescoço de um policial indefeso com duas pauladas, comprovando que é um filha da puta implacável.

Mas o que faz de Vince Majestyk meu personagem preferido de Bronson é que ele sabe ser valentão e se impor, saindo por cima de todas as adversidades, sempre com uma frase de efeito ou um sorrisinho no seu rosto de pedra. São tantos momentos antológicos no filme que eu ficaria a noite inteira comentando, mas um dos clássicos é aquele em que, numa cena sem qualquer clima romântico, a bela Nancy intima o fazendeiro: "Se você quer transar comigo, por que não fala?". E Majestyk, sem perder tempo, puxa a moça pelo braço e dispara: "Não vou falar nada, eu vou é fazer!".

Outra cena de gargalhar e aplaudir ao mesmo tempo é aquela em que Majestyk é publicamente ameaçado por Renda num bar lotado. Ao perceber que há policiais no recinto, e que o pistoleiro não poderá matá-lo ali mesmo, nosso herói diz: "Acho que não adianta tentar ser seu amigo", seguido de um violento soco na cara do vilão, que, pego de surpresa, cai estatelado no chão. Enquanto levanta da mesa e sai do bar sorrindo, Majestyk ainda faz uma piadinha: "Ei, por que não chama a polícia?". O cara é o máximo! (Veja o vídeo abaixo, é impagável!)

Como responder a uma ameaça de morte



O "culpado" por estes e outros momentos antológicos é o escritor "cult" Elmore Leonard, que aqui é o autor do roteiro. Mas o filme ainda se beneficia da belíssima fotografia, que aproveita muito bem o colorido das roupas e cenários (além das belíssimas paisagens rurais do interior dos Estados Unidos), da música estridente de Charles Bernstein, que sublinha as cenas de ação, e da competente direção do falecido Richard Fleischer, um dos mais subestimados cineastas da sua geração.

Quem conhece seu trabalho sabe que quando o homem acerta, o resultado é um fimaço; e quando erra, o resultado é abaixo de zero (são dele os ótimos "Viagem Fantástica" e "A Morte do Chefão", e os medíocres "Amityville 3-D" e "Aventureiros do Fogo", por exemplo). Mas em MR. MAJESTYK Fleischer estava em seus melhores dias, e o resultado é um filme fantástico, daquele tipo que parece que o pessoal de hoje desaprendeu a fazer.


Não por acaso, este é um dos filmes preferidos de cineasta superstar Quentin Tarantino, que, quando pode, presta honrosas homenagens a ele em suas próprias produções.

Repare, por exemplo, que Budd (Michael Madsen) tem um pôster de MR. MAJESTYK numa das paredes de seu trailer em "Kill Bill - Volume 2"; já em "Amor à Queima-Roupa", que é um roteiro de Tarantino filmado por Tony Scott, o personagem de Gary Oldman diz a Christian Slater: "Você pensa que é Charles Bronson em MR. MAJESTYK?".

Quem diria que um dos personagens mais legais de Charles Bronson não seria um cowboy, um pistoleiro ou um justiceiro urbano, mas sim um simples plantador de melancias do interior dos Estados Unidos...

Trailer de MR. MAJESTYK



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Mr. Majestyk (1974, EUA)
Direção: Richard Fleischer
Elenco: Charles Bronson, Al Lettieri, Linda Cristal,
Lee Purcell, Paul Koslo, Taylor Lacher, Frank
Maxwell, Alejandro Rey e Jordan Rhodes.