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sábado, 7 de dezembro de 2013

AEROPORTO 80 - O CONCORDE (1979)


Uma ameaça de bomba num avião ("Aeroporto", 1970), um voo que perde a tripulação e precisa ser pilotado pela aeromoça ("Aeroporto 75") e uma aeronave que cai no Triângulo das Bermudas e afunda ("Aeroporto 77"). Parecia não haver assunto para um novo filme da série "Aeroporto", ainda mais depois que o terceiro conseguiu a façanha de transformar uma franquia que explorava o medo de voar em um subproduto dos filmes de naufrágio estilo "O Destino do Poseidon".

Mas aí algo novo surgiu no horizonte: o Concorde. E, com ele, uma nova "catástrofe aérea"; neste caso, AEROPORTO 80 - O CONCORDE (o título original é "Airport 79", mas como o filme foi lançado no Brasil só em 1980...).


Grande novidade e o máximo de tecnologia da época, o Concorde foi um avião supersônico para transporte de passageiros, produzido em conjunto por empresas do Reino Unido e da França, e operado apenas por companhias desses países (British Airways e Air France, respectivamente).

O avião era caríssimo, mas podia atingir a espantosa velocidade Mach 2.04 (cerca de 2.500 km/h!), enquanto o Boeing 747 chegava no máximo a Mach 0.84 (893 km/h). Perfeito para quem tinha pressa, não?


Os voos comerciais com o Concorde começaram em 21 de janeiro de 1976, mas claro que eram coisa para gente rica, devido ao alto custo da passagem. Mesmo assim, havia quem não se importasse em pagar a mais por um voo mais curto: o Concorde fazia o trajeto Nova York-Londres em cerca de três horas e meia, enquanto o voo convencional durava mais de 10 horas!

Entretanto, por ser um avião supersônico, ele ultrapassava a velocidade do som, emitindo muito ruído e poluição, o que deu origem a protestos em muitos países. Isso, somado aos altos custos de manutenção, decretou a aposentadoria do Concorde dez anos atrás, em 2003. Apenas 20 aeronaves foram produzidas, e hoje estão em museus.


AEROPORTO 80 - O CONCORDE explora essa novidade tecnológica, mas, acredite ou não, àquela altura este foi o TERCEIRO filme sobre aviões supersônicos em perigo a ser produzido! Quem saiu na frente, tão rápido quanto o próprio Concorde, foi "Ameaça no Supersônico", filme para a TV produzido e exibido pela rede ABC em 1977. Depois, ao saber que a Universal faria seu "Aeroporto" oficial com um Concorde no lugar do Boeing tradicional, produtores italianos correram para realizar a sua própria versão, "Concorde Affaire '79" (no Brasil, apenas "Concorde"), que foi dirigida por Ruggero Deodato e lançada nos cinemas europeus ANTES do Concorde da Universal! (Sobre este falaremos na próxima atualização)

Quem se deu bem nessa história toda foi o diretor David Lowell Rich: ele havia feito o pioneiro "Ameaça no Supersônico", e este telefilme lhe serviu como credencial para assumir o comando de AEROPORTO 80, uma produção muito mais cara para o cinema, uma das poucas de uma filmografia recheada de obras para a TV - incluindo outro filme-catástrofe, "Runaway!" (1973), sobre um trem desgovernado.


Dos outros "Aeroporto", voltam apenas o produtor Jennings Lang (aqui tentando espremer os últimos centavos da franquia) e, claro, o ator George Kennedy, pela quarta e última vez no papel de Joe Patroni, personagem ligado a cada uma das tragédias aéreas dos filmes anteriores, e aqui envolvido em mais uma - pense num cara azarado para se contratar para trabalhar na sua companhia aérea!

O ator estava tão marcado pela franquia na época que rodou o mundo divulgando o filme, e, vejam só, deu até uma passadinha no Rio de Janeiro em novembro de 1979. A reportagem abaixo, publicada pela Folha de São Paulo em 26 de novembro daquele ano, registra a ilustre visita (mas aposto que muita gente lamentou que não tenha vindo Alain Delon ou Sylvia Kristel no lugar do rechonchudo Jorginho...).

Joe Patroni passou pelo Brasil!

O ator provavelmente pediu um papel de maior destaque no filme, já que em "Aeroporto 77" foi deixado de molho e participou muito pouco da trama principal. Assim, o mesmo Joe Patroni que foi mecânico da Trans-World Airlines (em "Aeroporto", 1970), vice-diretor da Columbia Airlines (em "Aeroporto 75") e supervisor contratado pela empresa particular Stevens Enterprises (em "Aeroporto 77"), agora foi promovido a PILOTO DE CONCORDE (!!!), e para uma nova empresa, a Federation World Airlines! Que currículo invejável, o desse Joe Patroni!

E isso que, na época de AEROPORTO 80, o ator George Kennedy já estava com 54 anos - imagine o que Joe Patroni faria aos 60 anos, caso a franquia não tivesse morrido! Mas essa promoção miraculosa do personagem de George Kennedy a piloto não é nem de longe o único problema do filme. Tudo bem que todos os "Aeroporto" são bem ruinzinhos, mas esse aqui exagera na dose!


AEROPORTO 80 é tão ruim, mas TÃO RUIM, que em suas primeiras exibições de teste as pessoas se mijavam de rir, e isso num filme que deveria ser sério! Quando o "fenômeno" repetiu-se nas salas de cinema durante a premiére, a Universal viu-se forçada a mudar o marketing do filme e divulgá-lo como comédia assumida. As frases no novo cartaz diziam: "Apertem os cintos que os arrepios são muitos... e as risadas também!".

Enfim, AEROPORTO 80 é a verdadeira definição da palavra "trash" (geralmente utilizada de forma incorreta): aquele filme feito a sério, mas que no final acaba se revelando tão ruim que só tem valor como comédia! É dar play e preparar-se para as gargalhadas!


A história começa com a chegada do Concorde ao Washington Dulles International Airport, enfrentando uma rápida situação de risco graças ao protesto de ecologistas contrários ao uso da aeronave (algo comum na época, quando se discutia muito os danos à natureza provocados pelo supersônico).

Seu comandante é o piloto francês Paul Metrand (Alain Delon), que aproveita o pernoite nos Estados Unidos para dar uns pegas na sensual aeromoça francesa Isabelle, com quem já tem um longo caso. Caso o nome da personagem e minha ênfase no "sensual" já não tenha entregado, a personagem é interpretada pela musa do cinema erótico Sylvia Kristel, recentemente falecida, e é claro que o nome "Isabelle" tenta criar um paralelo com sua personagem mais famosa, Emmanuelle!


Naquela mesma noite, a repórter e âncora de telejornal Maggie Whelan (Susan Blakely) é procurada por um homem que afirma ter provas de que uma grande empresa norte-americana fabricante de armas está fazendo contratos ilegais com países em guerra civil e organizações terroristas.

O homem é executado na frente da jornalista por um assassino profissional, contratado pela tal empresa para "queima de arquivo", e Maggie consegue fugir da morte por muito pouco.


No dia seguinte, ela se encontra com o presidente da tal empresa, Kevin Harrison (Robert Wagner), com quem tem um caso, e conta a ele sobre o atentado e sobre a acusação de venda ilegal de armas. Harrison convence a moça de que estão armando uma contra ele, mas na verdade sabe muito bem dos negócios escusos da sua empresa. Ora, mas e o que você esperava? Ele é o Nº 2 da quadrilha do Dr. Evil, pombas! (E não acredito que fiz uma citação à série "Austin Powers" aqui...)

Quando a jornalista embarca no Concorde com destino a Moscou, para cobrir a cerimônia de lançamento dos Jogos Olímpicos por lá, o vilão descobre que ela está levando documentos que comprovam seu envolvimento no escândalo. Resta-lhe uma única alternativa para silenciar Maggie e destruir as provas, tudo de uma única vez: derrubar o Concorde!


Além da jornalista e alvo ambulante, o voo do Concorde com escala em Paris tem uma miríade de passageiros excêntricos, o grupo mais absurdo de toda a série (alguns deles devem ter sido contratados para aparecer na comédia "Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu!", lançada em 1980, mas erraram de filme). Há um grupo de atletas russos e seus treinadores, um deles levando junto a filha surdo-muda, que garante a dose habitual de dramalhão (se criança em perigo já é um clichê baixo, imagine então uma criança com deficiência física!). Há um saxofonista negro (Jimmie Walker) que passa o tempo inteiro fumando maconha e tocando sax no banheiro do avião. Há uma mãe desesperada (Cicely Tyson) que está levando um coração congelado (?!?) para o transplante do filho moribundo. Há o ricaço dono da companhia (Eddie Albert) e sua esposa-troféu, uma gostosa muito mais jovem do que ele, interpretada pela musa peituda do cinema B Sybil Danning. Há uma envelhecida cantora de jazz que lamenta estar perdendo a fama (interpretada pela cantora da vida real Monica Lewis, que era casada com o produtor Jennings Lang e já tinha aparecido em "Aeroporto 77" como outra personagem!). Há uma ginasta russa de 24 anos (a americana Andrea Marcovicci, que na época já estava com 31!), que vive um amor platônico por um repórter norte-americano que viaja no mesmo voo (lembre-se que eram tempos de Guerra Fria). E há uma dondoca latina (a cantora Charo, muito popular na época) que provoca um escândalo por querer levar seu chihuahua de estimação no voo, escondido dentro do casaco de peles!!!


Enquanto isso, em terra, Harrison prepara-se para dar um fim na jornalista abelhuda - e, de brinde, em todos os outros passageiros que não têm culpa de nada, só de estar na mesma aeronave. Como sua empresa vai testar um novo míssil experimental guiado por computador, ele aproveita para sabotar o equipamento e fazê-lo perseguir o Concorde.

Só que o vilão não contava com a perícia do piloto americano Joe Patroni (George Kennedy, claro!): ele controla o avião como se estivesse pilotando alguma nave espacial de filme barato de ficção científica, fazendo acrobacias absurdas, piruetas, voando de cabeça para baixo, e por aí vai. Pobres passageiros... Eu até acredito que se o tal míssil atingisse a aeronave, faria muito menos estrago!


Quando o plano A falha, Harrison resolve pôr em prática o plano B: entra em contato com um cúmplice em Paris e consegue convencê-lo a mandar um caça carregado com mísseis para explodir o Concorde. É quando acontece a cena mais sem-noção de AEROPORTO 80, digna de figurar em qualquer coletânea dos momentos mais ridículos do cinema mundial.

O caça inimigo dispara mísseis guiados por temperatura, que obviamente são atraídos pelo calor das turbinas do Concorde. Sabendo que não há escapatória, Metrand bota o avião para voar de cabeça pra baixo enquanto o heróico Patroni pega uma pistola sinalizadora, abre uma das janelinhas do cockpit e dispara "flares" (sinalizadores) para fora do supersônico, atraindo os mísseis no sentido contrário!


"O quê? Como é que é?", pode perguntar o nobre leitor do FILMES PARA DOIDOS, e eu fiquei com a mesma cara de panaca ao ver tal façanha sendo realizada num filme originalmente produzido para ser sério.

Mas sim, George Kennedy ABRE UMA JANELA DO AVIÃO, voando a 100 mil km/h e a 60 mil pés, coloca A MÃO PARA FORA segurando uma pistola sinalizadora (quando a velocidade de deslocamento deveria arrancar não só a pistola da sua mão, mas A PRÓPRIA MÃO!), dispara alguns flares, e os mísseis GUIADOS POR CALOR ignoram completamente o calor dos QUATRO JATOS MUITO MAIORES DO CONCORDE para perseguir um simples sinalizador cuja temperatura deve ser ridícula, ainda mais àquela altitude!


Bem, o caso é que esta é a grande cena de AEROPORTO 80, e me faz rolar de rir toda vez que revejo, mas o filme ainda está na metade! Eis que, num anti-climáx pavoroso, o Concorde consegue pousar em segurança em Paris, proporcionando uma noite de amor para os pilotos Metrand e Patroni (com direito ao velho clichê da lareira crepitando ao fundo e tudo mais).

E no dia seguinte, apesar da viagem infernal que tiveram, de todos os perigos e de por muito pouco não terem morrido pelo menos umas quatro vezes, TODOS OS PASSAGEIROS VOLTAM A EMBARCAR NO CONCORDE para a segunda parte da viagem, rumo a Moscou! Caramba, isso que é gente corajosa: se por uma simples turbulência eu já deixei de voar, imagina como esses caras deveriam estar traumatizados depois da experiência de virar alvo para mísseis!


Pior: a própria jornalista e alvo em potencial Maggie, que àquela altura já deveria ter entendido que tudo aquilo é muito suspeito, também embarca outra vez no Concorde sem nenhum receio, e sem sequer dar o devido encaminhamento aos documentos comprometedores que leva com ela, e que são a única prova de uma mega-conspiração. Bela jornalista...

Claro que o malvado Harrison vai apelar para o plano C e tentar derrubar o supersônico mais uma vez. E isso que ele teve a oportunidade de matar APENAS A JORNALISTA quando ela estava em terra, mas imbecilmente deixou passar só para poder novamente ameaçar a aeronave inteira, seus tripulantes e passageiros, e proporcionar à audiência mais uma dose de tensão e adrenalina. Ah, essas conveniências de roteiro...


AEROPORTO 80 volta para os céus para o último ato dessa hilária bobagem: um mecânico subornado pelo vilão sabotou uma escotilha do compartimento de carga do Concorde, que se abre durante o voo e ameaça romper a aeronave no meio graças à despressurização. Isso obriga nossos heróis Patroni e Metrand a tentarem um arriscado pouso de emergência... nos Alpes Suíços!

Conseguirão os bravos pilotos pousarem o Concorde em segurança? Conseguirá Harrison eliminar as provas de suas vendas ilegais de armas? Conseguirá o rombo na fuselagem da aeronave sugar para a morte algum dos pobres passageiros? Conseguirá o jornalista americano casar-se com sua amada atleta russa? E por último, mas não menos importante: conseguirá a gostosa peituda da Sybil Danning dar uma com seu maridão geriátrico décadas antes da invenção do Viagra?


A resposta para todas essas perguntas (bem, menos para a última) está reservada para o ato final de AEROPORTO 80, se é que alguém ainda está levando a história a sério para se importar com o destino daqueles personagens que parecem saídos das sátiras de filmes da revista Mad - e se envolvem em situações tão ridículas e cômicas quanto.

Tenho um carinho nostálgico por este último "Aeroporto" porque foi o único que vi na TV, entre final da década de 80 e início dos anos 90. A Globo exibiu a versão televisiva da obra, remontada para exibição nos EUA em 1982, com aquelas tradicionais cenas extras esmiuçando alguns dos dramas pessoais dos passageiros. Pelo menos são apenas uns 20 minutos adicionais, ao contrário da loucura que foi transformar "Aeroporto 77" num "épico" com mais de três horas de duração!


As tais cenas adicionais não trazem nada de tão interessante assim: entre as coisas que me lembro, estão a ação da polícia derrubando com um tiro o balão dos manifestantes anti-Concorde no início, um desfecho alternativo (e bem mais legal) para o personagem vilanesco de Robert Wagner, e alguns flashbacks dando um pouco mais de "tragédia" ao personagem de Patroni.

Nesta cena, que tem cerca de 10 minutos, descobrimos que a esposa do "ex-mecânico agora piloto" morreu um ano antes num acidente automobilístico, e ele se recorda do último encontro com a amada num quarto de hospital (você pode conferir este cândido momento clicando aqui).


Tal cena adicional também ajuda a aumentar a quantidade de erros de continuidade da franquia: em "Aeroporto" a esposa de Patroni chamava-se Marie e ele dizia ter cinco filhos; em "Aeroporto 75", o nome da esposa passou a ser Helen e o número de filhos diminuiu para um, Joe Jr. (citado também nas cenas adicionais da versão televisiva de "Aeroporto 77"); aqui, Patroni diz, durante um encontro com um francesinha, que sua esposa quis ter um único filho.

Para piorar, o nome da personagem volta a ser Marie, como no original! Pelo menos nas cenas adicionais, Jessica Walter tornou-se a terceira atriz a interpretar a esposa de Patroni, depois de Jodean Lawrence no original e de Susan Clark em "Aeroporto 75". Entretanto, ela não aparece em nenhum momento da edição para cinema/DVD do filme.


Se todas as bobagens já elencadas não fossem razão mais do que suficiente para recomendar AEROPORTO 80 como a belíssima comédia que é, ainda tem mais um detalhezinho: o roteiro de Eric Roth (baseado em argumento do produtor Lang) está repleto daquelas tiradas que você não sabe se ri ou se chora, além de toda sorte de moralismos baratos, tipo o mecânico que sabotou o Concorde morrer "atropelado" PELO PRÓPRIO CONCORDE, com direito a take do dinheiro que ganhou pela sabotagem espalhando-se ao vento...

Em matéria de diálogos, um dos mais clássicos acontece quando a aeromoça interpreta por Sylvia Kristel vai servir café para os pilotos e sensualiza: "Vocês, pilotos, são tão HOMENS!", apenas para George Kennedy retrucar, num trocadilho intraduzível: "They don't call it the cockpit for nothing, honey".

Digamos apenas que "Cock" é um dos apelidos em inglês para o órgão sexual masculino, e Kristel obviamente foi escolhida para o papel de aeromoça "saidinha" porque no clássico "Emmanuelle", de 1974, ela protagonizava uma cena de sexo a bordo de um avião!


Outro momento simplesmente genial ocorre na escala em Paris, quando Metrand apresenta uma "amiga" para que Patroni pare de choramingar a perda da esposa. A noitada evolui para uma bizarra cena romântica dos dois em frente à lareira, com direito a George Kennedy sem camisa (argh!). Na manhã seguinte, quando os amigos comentam o lance, desenrola-se a seguinte conversa:
- Patroni: Nem sei como te agradecer! Nunca acreditei em amor à primeira vista, mas aquela Francine... Uau! Que noite! Ela foi mesmo especial!
- Metrand: Por 2.000 francos, é bom mesmo que ela tenha sido especial.
- Patroni: O quê? Espere aí... Você está tentando me dizer que ela era... uma prostituta?!?
- Metrand: Como vocês americanos dizem, uma verdadeira profissional!
- Patroni (gritando alegremente): Seu filho da puta! Ela foi demais!
- Metrand: E para que servem os amigos?

(Existe uma cena muito parecida com esta em "O Pentelho", quando Jim Carrey revela ao personagem de Matthew Broderick que a garota com quem ele transou na noite anterior era uma prostituta. A diferença é que em "O Pentelho", uma comédia assumida, tal cena não é TÃO ENGRAÇADA quanto em AEROPORTO 80, que, por ironia, foi produzido como um filme "sério"!)


Ah, caso não tenha caído a ficha, o roteirista Eric Roth ficaria mais famoso alguns anos depois, ao escrever um tal de "Forrest Gump", que rendeu-lhe o Oscar de Melhor Roteiro. Estes seus dois roteiros, completamente diferentes, comprovam que Roth de certa forma é um especialista em escrever sobre personagens idiotas e suas idiotices.

O roteirista também seria indicado a outros três Oscars de Melhor Roteiro (por "O Informante", "Munique" e "O Curioso Caso de Benjamin Button"), e certamente faria qualquer coisa ao seu alcance para apagar seu nome dessa bomba chamada AEROPORTO 80. Eu, por outro lado, faria o possível e o impossível para perguntar-lhe sobre a experiência numa entrevista!


Mantendo a tradição dos filmes da franquia, este quarto episódio também traz um veterano dos primórdios do cinema sendo "homenageado" com ingrata participação especial. Depois de Helen Hayes, Gloria Swanson, Mirna Loy e Olivia de Havilland, o dinossauro da vez é Eddie Albert (acima), que estreou no cinema em 1938, mas é mais famoso pelos seus trabalhos na televisão. Aliás, o cara é tão veterano que começou a trabalhar com TV desde os primeiros experimentos com transmissão de imagens, antes mesmo de o aparelho ser vendido ao público!

Dois outros nomes famosos do elenco que merecem menção são a atriz Mercedes McCambridge, mais conhecida como a voz do demônio Pazuzu em "O Exorcista", e David Warner (abaixo) como navegador do Concorde, ele que interpretou uma extensa galeria de vilões e foi um desafortunado fotógrafo em "A Profecia". A propósito: com dois atores que apareceram em filmes sobre o Coisa Ruim no elenco de AEROPORTO 80, era mais do que certo que ia dar merda!


Destaque, ainda, para uma rápida participação de Robert Kerman (abaixo) como controlador de voo do aeroporto de Washington. Até então, ele ainda era conhecido apenas por sua atuação como ator pornô (usando o pseudônimo "Robert Bolla"), mas de 1979 em diante acabaria eternamente vinculado ao papel de protagonista do clássico "Cannibal Holocaust", de Ruggero Deodato.

Curiosamente, o ator também apareceu rapidamente como controlador de voo no "outro filme com Concorde", a cópia italiana "Concorde", de Ruggero Deodato, lançada nos cinemas naquele mesmo ano.


Por fim, AEROPORTO 80 ainda tem a distinção de trazer os piores efeitos especiais de toda a série. Perde até para o "Aeroporto" original, com seu avião em miniatura "voando" em meio a nuvens de gelo seco. Afinal, o que vemos aqui são imagens tosquíssimas em chroma-key, com modelos totalmente fora de perspectiva, o que mais uma vez ajuda a transformar o que era para ser sério numa comédia escrachada.

Talvez os produtores estivessem tentando dar uma cara mais "moderninha" à franquia, para atrair a molecada que, nos anos anteriores, lotou os cinemas para ver filmes como "Guerra nas Estrelas" e "Superman" (o do Richard Donner). Assim, AEROPORTO 80 é praticamente uma montanha-russa em que as cenas de ação e situações de perigo vão se acumulando - o completo oposto daquele "Aeroporto" lento e ultra-realista que começou a franquia, lá em 1970.


Mas a ruindade colossal desse quarto filme decretou a morte definitiva da série. "Será que eles continuariam fazendo outros filmes? Para que direção iriam?", pode me perguntar o leitor do FILMES PARA DOIDOS. Bem, de fato o tema "avião em perigo" já não era exatamente original, por causa das continuações e das diversas cópias para a TV ("Ameaça no Supersônico", "A Queda do Voo 401", "O Fantasma do Voo 401", e por aí vai).

Até os russos resolveram imitar o cinemão americano (em plena Guerra Fria!!!) e fizeram uma imitação da série "Aeroporto", chamada "Tripulação" (Ezipazh, 1980), só que obviamente mais puxada para o dramalhão, com pouquíssimas cenas envolvendo o "suspense aéreo".

Mas o próprio cinema-desastre estava em decadência (com o fracasso da superprodução "O Dia em que o Mundo Acabou", em 1980), e a onda era tirar sarro de histórias do gênero depois da estreia da comédia "Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu!" (também em 1980).


Não fosse por isso, talvez um provável "Aeroporto 87" pudesse ter se inspirado na onda dos voos de ônibus espaciais, agora promovendo Joe Patroni a astronauta! Ainda mais considerando a tragédia verdadeira envolvendo a nave Challenger em 1986 - que pode até não ter virado episódio da franquia "Aeroporto", mas inspirou o telefilme "Challenger - Um Voo Sem Retorno", em 1990.

Ainda que no cinema o tema tenha saído da ordem do dia, histórias sobre tragédias aéreas continuaram sendo produzidas para a telinha. Jerry Jameson, de "Aeroporto 77", dirigiu o telefilme "Rota do Perigo" em 1983, sobre a história do fictício primeiro voo "hipersônico" (que, claro, apresenta problemas), estrelando Lee Majors, Ray Milland e um jovem Robert Englund.

Até mesmo o veterano das desgraças aéreas George Kennedy voltou a lidar com problemas do gênero em "International Airport" (1985), telefilme dirigido por Don Chaffey e Charles S. Dubin, que também tem os veteranos Vera Miles e Robert Vaughn no elenco.


Para finalizar, AEROPORTO 80 também ficou marcado como um daqueles tristes casos de "a vida imita a arte", já que a aeronave usada nas filmagens se envolveu num desastre real muito tempo depois do filme - a exemplo do que já havia acontecido com o "Aeroporto" original.

Dessa vez foi o Concorde usado nas filmagens - o sétimo dos 20 únicos construídos -, que transportava passageiros para a Air France e explodiu durante decolagem do Aeroporto Charles De Gaulle, em Paris, em 25 de julho de 2000. O desastre foi provocado por vazamento de combutível, matando os 109 passageiros, os tripulantes e mais quatro pessoas em solo.

E como eu já havia comentado na resenha de "Aeroporto", nessas horas nem Alain Delon no comando, ou mesmo George Kennedy disparando flares pela janelinha do cockpit, poderiam salvar a pátria, pois na vida real o buraco é mais embaixo...


Trailer de AEROPORTO 80 - O CONCORDE



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The Concorde... Airport '79 (1979, EUA)
Direção: David Lowell Rich
Elenco: Alain Delon, Sylvia Kristel, George Kennedy, Susan
Blakely, Robert Wagner, Eddie Albert, Andrea Marcovicci,
David Warner, Sybil Danning e Mercedes McCambridge.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

THE EVIL CLERGYMAN (1987)


(Esta postagem é dedicada ao Leo Dias, um dos maiores fãs de H.P. Lovecraft que eu conheço - se não o maior!)

Qual adaptação para o cinema de um conto de H.P. Lovecraft reúne os atores Jeffrey Combs, Barbara Crampton e David Gale, num roteiro de Dennis Paoli produzido pela Empire Pictures, de Charles Band? Bem, até 2012 só havia uma resposta possível: o clássico “Reanimator” (1985), de Stuart Gordon. Mas de 2012 em diante, a pergunta também pode ser respondida citando-se THE EVIL CLERGYMAN, um curta-metragem que reúne a mesma equipe talentosa de “Reanimator” já citada, apenas substituindo Stuart Gordon pelo produtor Charles Band na cadeira de diretor.

THE EVIL CLERGYMAN foi filmado entre 1987 e 88, mas só foi oficialmente finalizado e lançado 25 anos depois (!!!). Mais precisamente em 11 de agosto de 2012, quando o curta teve uma concorridíssima premiére na mostra Chicago Flashback Weekend, sendo depois lançado em DVD, em outubro do mesmo ano.


Para entender porque esta adaptação esquecida de H.P. Lovecraft passou 25 anos no limbo, é preciso fazer uma pequena viagem no tempo, de volta à década de 1980. Naqueles tempos, a Empire Pictures, de Charles Band, era garantia de produções divertidas feitas com pouco dinheiro, como o já citado “Reanimator”, e também “Do Além” (1986, também de Stuart Gordon), “Puppet Master / Bonecos da Morte” (1989, de David Schmoeller) e "Duro de Prender" (1988, de Renny Harlin), entre outros.

Embora sempre tenha investido uma merreca em seus filmes, a Empire enfrentava sérias dificuldades financeiras lá por 1987, quando THE EVIL CLERGYMAN começou a ser filmado. Assim, o produtor Band surgiu com um projeto arriscado: diminuir futuros longas que produziria para segmentos de meia hora, que iriam compor uma coletânea em longa-metragem chamada “Pulse Pounders”!

Anúncio da época destaca fim das filmagens de "Pulse Pounders"

Eu desconheço se realmente era mais barato filmar três curtas de meia hora, cada um com sua história e elenco independentes, do que três longas inteiros. Seja como for, o próprio Charles Band dirigiu os três segmentos sem relação entre si, sendo que apenas um deles era original (a adaptação de Lovecraft sobre a qual estamos falando), e os outros dois eram continuações de filmes populares da Empire, “Trancers” (que Band dirigiu em 1985) e “The Dungeonmaster” (1984, de vários diretores).

Dessa forma, “Pulse Pounders” era composto por THE EVIL CLERGYMAN, “Trancers 2 – The Return of Jack Deth” (com Tim Thomerson, Helen Hunt e Grace Zabriskie) e “The Dungeonmaster 2 - A Sorcerer's Nightmare” (com Jeffrey Byron e Richard Moll). A ideia em si é bem curiosa, e você pode pensar nesta coletânea como uma espécie de “Grindhouse”, aquele projeto fracassado de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, só que 20 anos antes (chupa, Tarantino! chupa, Rodriguez!).

Assim seria o pôster da coletânea "Pulse Pounders"

Enfim, os três filminhos de meia hora foram completados e Band já começava a divulgar sua antologia com o título “Pulse Pounders Volume 1”, comprovando que havia a intenção de produzir mais coletâneas no futuro, quem sabe até trazendo mini-sequências de meia hora para outros belos filmes da Empire Pictures, como “Metalstorm” ou “Patrulheiros do Espaço”, e quem sabe mais adaptações curtinhas de contos de Lovecraft.

Mas embora “Pulse Pounders” tenha sido anunciado e divulgado, inclusive com trailer em fitas da produtora (veja abaixo), a crise financeira da Empire Pictures decretou seu sepultamento: não demorou para a pequena empresa de Band ir à falência, e a prometida antologia acabou nunca sendo lançada. Pior: os negativos em 35mm foram extraviados no inferno que se desencadeia sempre que uma companhia fecha, e o projeto parecia perdido para sempre.


Trailer do nunca lançado "Pulse Pounders"



Pouco tempo depois, Charles Band abriu uma nova empresa, a Full Moon, e retomou diversos projetos antigos, com ainda menos grana e direto para o mercado de vídeo. Com “Pulse Pounders” perdido para sempre (ou ao menos assim se imaginava), o produtor resolveu dirigir até um novo “Trancers 2” em 1991, descartando completamente aquele curta filmado alguns anos antes.

Já “The Dungeonmaster 2” ficou perdido no limbo, enquanto outras adaptações baratas de contos de H.P. Lovecraft (como “Aprisionados pelo Medo”, de 1994, e “O Castelo Maldito”, de 1995) ajudaram a manter THE EVIL CLERGYMAN devidamente esquecido durante décadas.


Mas esta é uma história com final feliz, apesar de demorado: em 2011, Charles Band anunciou aos quatro ventos que encontrou uma velha fita VHS contendo a “workprint” (cópia de trabalho) de “Pulse Pounders”. Os negativos originais continuam perdidos, mas já era alguma coisa, considerando que muita gente aguardava para ver pelo menos um dos segmentos da coletânea há vinte e poucos anos!

Como bom espertalhão e comerciante que é, Band resolveu desmembrar “Pulse Pounders” e lançar os três curtas separadamente, um por ano, fazendo o possível e o impossível para dar-lhes um mínimo de restauração – já que, lembre-se, estamos falando de imagens capturadas de uma velha fita de vídeo, e sem música nem efeitos sonoros!


THE EVIL CLERGYMAN foi o primeiro episódio a ser lançado, considerando o grande culto que existe às velhas adaptações de Lovecraft produzidas pela Empire. E para este ano (2013) estava programada a estréia do “Trancers 2” bastardo, agora rebatizado “Trancers 1.5 – City of Lost Angels” por causa da existência da outra Parte 2! Já “The Dungeonmaster 2” deve ficar para 2014, a não ser que Band invente alguma das suas...

Bem, encerrada a aula de história, vamos ao que interessa: o que se pode dizer do mítico THE EVIL CLERGYMAN? Valeu a pena esperar 25 anos, ou seria melhor que o curta tivesse ficado perdido para sempre?


A resposta é simples: é óbvio que o que temos aqui não chega nem aos pés das adaptações mais clássicas de Lovecraft produzidas por Charles Band, como “Reanimator” e “Do Além”. Até porque o velho Charles não é nenhum Stuart Gordon. Mesmo assim, o resultado é bem acima da média. Talvez pela nostalgia de rever quase todo o time de “Reanimator” junto num outro filme inspirado em Lovecraft. Ou talvez pelo fato de as produções assinadas por Band hoje serem tão ruins que até os trabalhos menos expressivos da antiga Empire parecem bem melhores em comparação.

O conto homônimo que inspirou THE EVIL CLERGYMAN foi publicado no Brasil como “O Clérigo Diabólico” numa velha antologia de contos do autor chamada “A Tumba e Outras Histórias", lançada pela Francisco Alves Editora em 1991 (e republicado em 2007 no formato pocket pela  L&PM). Trata-se de um conto bem curto (apenas cinco páginas) que Lovecraft escreveu em 1933, mas só foi publicado em 1939, depois da morte do autor (que foi em 1937), na revista “Weird Talers”. (Você pode ler o conto completo, em inglês, clicando aqui)


A história original é até bem inexpressiva, narrada por um homem que visita uma velha casa e é atraído até o sótão. Ali, encontra um clérigo queimando velhos livros de magia negra na lareira. Outros religiosos, incluindo um bispo, aparecem para confrontar o “clérigo diabólico”, mas ele os confronta usando um objeto mágico que estava sobre a mesa.

Quando o próprio narrador é ameaçado pela diabólica figura, ele resolve utilizar o mesmo objeto para se livrar do clérigo. Mas, ao tentar fugir da casa, se olha num espelho e percebe que está diferente: o reflexo não é dele, mas sim do “clérigo diabólico”. E o conto termina assim: “Pelo resto da minha vida, exteriormente, eu seria aquele homem!”.


Nada muito inspirador, certo? Assim, não é de se espantar que o roteirista Dennis Paoli, o mesmo que escreveu diversas adaptações de Lovecraft para Stuart Gordon dirigir (de “Reanimator” a “Dagon”), tenha aproveitado bem pouco do conto ao escrever THE EVIL CLERGYMAN. E, mais uma vez, sexo e perversão são a mola-mestra da trama, a exemplo do que já havia acontecido em “Reanimator” e “Do Além”.

O narrador anônimo (e homem) do conto aqui foi transformado numa bela mulher, Said Brady, que obviamente é interpretada pela delícia da época Barbara Crampton (aquela mesma que quase foi estuprada por uma cabeça decepada em “Reanimator”). Ela vai visitar um velho castelo onde viveu e morreu um clérigo chamado Jonathan (Jeffrey Combs, o Dr. Herbert West de "Reanimator"), que não era exatamente um exemplo de pureza - lembre-se: ele é o “clérigo diabólico” do título!


Ocorre que Said e Jonathan foram amantes no passado. Ao saber da morte misteriosa do religioso, ocorrida há alguns dias, a garota resolve visitar o quarto onde ele vivia e onde ambos dividiram momentos de intimidade. Porém, no momento em que a moça fica sozinha no local, Jonathan reaparece. E não se trata de uma assombração, conforme ela irá confirmar por conta própria. No momento seguinte, os dois estão na cama “tirando o atraso”.

Pelos próximos vinte e poucos minutos, aparecem ainda um misterioso bispo (interpretado pelo excelente David Warner), que acusa Jonathan de assassinato, e uma bizarra criatura meio homem, meio rato (“interpretada” por David Gale, o Dr. Hill de “Reanimator”, aqui debaixo de carregada maquiagem). É quando Said começa a desconfiar das boas intenções do clérigo por quem se apaixonou...


Como se trata de um curta-metragem de 27 minutos, não dá para falar muito mais sobre THE EVIL CLERGYMAN para não estragar a surpresa. Mas, para quem já leu o conto original de Lovecraft, é bom salientar que quase tudo que se vê na tela saiu da mente do roteirista Paoli, e a única coisa que realmente lembra a história em que o filme se inspira é a conclusão - mesmo que (infelizmente) sem usar o recurso do reflexo no espelho.

A exemplo do que já havia feito em seus roteiros de “Reanimator” e “Do Além”, Dennis Paoli escapa da armadilha de tentar adaptar Lovecraft com muita fidelidade, descartando a narrativa em primeira pessoa e buscando uma abordagem que mistura horror e erotismo – aqui, como acontecia em “Reanimator”, a pobre Barbara também leva umas lambidas em lugar estratégico do vilão interpretado por David Gale!


Aliás, é impossível não lembrar de “Reanimator” quando THE EVIL CLERGYMAN parece uma reunião da equipe técnica daquele filme. Se não existisse um intervalo de tempo de pelo menos dois anos entre as duas produções, eu poderia até jurar que o curta tinha sido filmado nos intervalos das gravações de “Reanimator”. Além de dividir o mesmo elenco e o mesmo roteirista, o curta traz ainda o diretor de fotografia Mac Ahlberg e o técnico de efeitos especiais John Carl Buechler, que também trabalharam naquele filme.

É uma pena que Stuart Gordon também não tenha voltado para assinar a direção e deixar o clima ainda próximo do universo dos seus “Reanimator” e “Do Além”. Band até que se sai bem ao tentar emular esse clima, mas é impossível não ficar imaginando como o curta ficaria caso Gordon estivesse no comando, ainda mais conhecendo sua paixão pelos contos e pelo universo de Lovecraft.


Curiosamente, apesar do reencontro da turma de “Reanimator”, para mim a melhor coisa do curta é a pequena participação do lendário David Warner, que deve ter gravado todas as suas cenas em algumas poucas horas. Seu personagem, o bispo misterioso, aparece para reforçar as verdadeiras intenções de Jonathan, e justificar o porquê de ele ser o “clérigo diabólico” do título original.

O restante da turma manda muito bem, e, além dos quatro já citados, completa o reduzido elenco a veterana Una Brandon-Jones, no papel da proprietária do castelo. Eu só lamento o pouco tempo em cena de David Gale e seu homem-rato, já que, depois de anos lendo sobre o curta em minhas pesquisas sobre a antologia “Pulse Pounders”, eu sempre imaginei que o monstrinho teria um papel muito maior na trama. (O curta é dedicado ao ator, que faleceu em 1991.)


Irmão de Charles, o compositor Richard Band (que, vejam só, também é o responsável pela antológica trilha de “Reanimator”, aquela chupada do tema de “Psicose”!) foi convidado para compor a música de THE EVIL CLERGYMAN mais de vinte anos depois do fim das filmagens. A trilha tem seu charme e lembra os melhores momentos do músico; se eu não soubesse que é coisa nova, juraria que ele tinha composto a música lá em 1987!

Claro que, como o curta foi resgatado de uma cópia em VHS de quase 30 anos atrás, a qualidade da imagem não é das melhores, um problema que é ainda mais perceptível nas cenas escuras. Infelizmente, não há muito o que fazer nesse departamento, a não ser que os negativos originais reapareçam e permitam fazer uma nova montagem – quem sabe até com cenas que não foram aproveitadas na “workprint” daquela época.


Considerando o nível das podreiras que Charles Band produz e dirige hoje, repletas de CGI de quinta categoria e roteiros tosquíssimos sobre bongs e biscoitos assassinos, THE EVIL CLERGYMAN promove um autêntico retorno ao passado, a uma época não tão distante em que mesmo os filmes de horror mais baratos tentavam buscar um mínimo de sofisticação, e dependiam bastante do talento e criatividade do técnico em efeitos especiais, e não do computador.

É interessante constatar que os efeitos da criatura “homem-rato” não foram produzidos em stop-motion, como era comum naquela época nas produções da Empire. Pelo contrário, o pobre David Gale vestiu uma roupa de rato em tamanho natural e foi obrigado a zanzar de quatro por um cenário repleto de estruturas aumentadas, para dar a ideia de que o monstrinho é bem menor do que realmente era.


Isso exigiu bastante criatividade do time dos efeitos especiais, principalmente para a cena em que o homem-rato aparece dando umas lambidas na bunda da mocinha. Mesmo com pouco dinheiro em caixa, Band dispensou truques fotográficos ou montagens porcas e mandou construir uma réplica da bunda de Barbara Crampton em dimensões gigantes (!!!) só para poder filmar essa cena.

No bate-papo realizado na premiére do filme, em agosto do ano passado, a atriz inclusive lembrou com surpresa da réplica gigante dessa bela parte da sua anatomia, e questionou Band sobre o destino do “bundão”; segundo o diretor-produtor, alguém da equipe deve ter guardado de recordação, sabe-se lá com que propósito!


No mesmo bate-papo, Band lembrou que a equipe dos efeitos tentou fazer uma complicada trucagem em que o rosto de Jeffrey Combs se transformava no de Barbara Crampton; porém, após alguns testes, eles abandonaram a ideia e preferiram deixar a “transição” para a imaginação do espectador. Confesso que fiquei curioso para ver como resolveram algo tão complicado tecnicamente com os efeitos práticos da época...

Por falar em DVD, THE EVIL CLERGYMAN está disponível no formato desde outubro de 2012, mas o material é a típica picaretagem do mercenário Charles Band: ao invés de esperar para finalmente lançar o tão sonhado “Pulse Pounders” num único DVD, o maquiavélico produtor optou por lançar discos separados com cada um dos curtas. Assim, você é obrigado a desembolsar o preço de um longa para ter o DVD com um curta e alguns extras mixurucas que foram gravados hoje. Bem, é justamente nesses casos que o download de filmes funciona como uma espécie de justiça poética, já que Band definitivamente não merece o dinheiro que está cobrando pelo material.


Picaretagens à parte, THE EVIL CLERGYMAN é muito divertido e vale principalmente pelo fator nostalgia, já que todo fã das produções da extinta Empire, e de suas clássicas adaptações de Lovecraft, passou os últimos anos sonhando com esse curta-metragem. Vê-lo hoje, nesses tristes tempos em que o gênero parece dominado por refilmagens e overdose de CGI, é como fazer uma viagem no tempo até uma época que transpirava simplicidade e criatividade.

E, confesso, dá a maior saudade daquelas adaptações classe B de Lovecraft que a turma da Empire/Full Moon adorava produzir. Porque se hoje boa parte dos cinéfilos sonha com a tão comentada adaptação de “Nas Montanhas da Loucura” por Guillermo Del Toro, a única coisa que realmente me deixaria animado seria um retorno do velho Stuart Gordon aos textos de Lovecraft.

Mas como isso parece um sonho cada vez mais distante, o que nos resta são esses 27 minutos de THE EVIL CLERGYMAN para quebrar o galho...


Cena de THE EVIL CLERGYMAN



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The Evil Clergyman (1987-88, EUA)
Direção: Charles Band
Elenco: Barbara Crampton, Jeffrey Combs,
David Gale, David Warner e Una Brandon-Jones.