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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

10.000 DÓLARES PARA DJANGO (1967)


Depois de alguns títulos bem fuleiros, finalmente chega a hora de dar uma animada na nossa MARATONA VIVA DJANGO! com a análise de uma pequena obra-prima, provavelmente o melhor dos "Sotto-Djangos": 10.000 DÓLARES PARA DJANGO, de Romolo Guerrieri (exibido em nossos cinemas com o título "Django Mata por Dinheiro"). É até uma pena que este filmaço tenha ganhado uma relação bem superficial com a obra de Sergio Corbucci, pois muita gente deve ter deixado de ver pensando algo como "Mais uma porcaria com 'Django' no título", quando não poderia estar mais longe disso.

Os próprios realizadores perceberam que tinham algo muito melhor que um mero "Sub-Django" nas mãos, já que o projeto nasceu com um título enganoso que escancarava a relação (inexistente) com o personagem de Corbucci, "7 Dollari su Django" (em tradução literal, "7 Dólares em Django"), mas no momento do lançamento os distribuidores optaram por mudá-lo para "10.000 Dollari per un Massacro" (ou "10.000 Dólares para um Massacre"). Ou seja: seguiram o caminho inverso dos ambiciosos realizadores da época, que rebatizavam seus faroestes justamente para atrair a atenção dos fãs de "Django". Claro que, no Brasil e em outros países, o nome do personagem voltou para o título...


10.000 DÓLARES PARA DJANGO também marca a estreia do croata Gianni Garko como protagonista de westerns spaghetti. Ele já fazia cinema desde 1958, tendo aparecido em épicos e aventuras "peplum" do período. Também tinha roubado a cena como o excepcional vilão do faroeste "Johnny Texas" (1966), de Alberto Cardone, em que interpretava um psicopata chamado Sartana (!!!), irmão malvado do herói encarnado por Anthony Steffen.

A interpretação de Garko em "Johnny Texas" chamou a atenção dos produtores Mino Loy e Luciano Martino, que resolveram promovê-lo a astro em dois westerns que seriam filmados ao mesmo tempo e com o mesmo elenco: "Pistoleiros em Conflito" ("Per 100,000 Dollari ti Ammazzo"), de Giovanni Fago, e este 10.000 DÓLARES PARA DJANGO, que ficou pronto e foi lançado antes.


Escrito por Ernesto Gastaldi, Sauro Scavolini, Franco Fogagnolo e pelo produtor Martino, 10.000 DÓLARES PARA DJANGO já começa brilhante: ao invés de apresentar seu personagem principal galopando pelo deserto, ou arrastando um caixão por uma estrada lamacenta, a bela cena inicial mostra o caçador de recompensas Django (Garko) deitado à beira da praia (!!!). Agora, de memória, não consigo lembrar de outro western spaghetti que comece mostrando o mar ao invés da tradicional cidadezinha caindo aos pedaços com ruas de areia...

Por alguns breves minutos, enquanto admira o vaivém das ondas, Djando comenta com o amigo deitado ao seu lado sobre as maravilhas da natureza. É quando a câmera se afasta e descobrimos que o "amigo" na verdade é um cadáver, pertencente ao último fugitivo que o caçador de recompensas matou! "Mas acho que agora seu único interesse é o Paraíso, não é?", pergunta Django ao finado, antes de colocá-lo na sela do cavalo e galopar de volta para a cidade para trocá-lo pelo dinheiro da recompensa, enquanto aparecem os créditos iniciais do filme!


Logo descobrimos que o Django de Garko é um "bounty hunter" com um estrito código de conduta: só pega serviços que valham no mínimo 10.000 dólares. Ele vive num quartinho nos fundos do estúdio do amigo fotógrafo Fidelio (Fidel Gonzáles), e nutre uma paixão platônica por Mijanou, a dona do saloon, interpretada por ninguém menos que Loredana Nusciak (que já havia "pegado" outro Django, o original).

Apresentado o herói, vamos conhecer o vilão: ele é Manuel Vasquez (Claudio Camaso, irmão mais novo e menos famoso de Gian Maria Volonté!), um bandido mexicano fugido da cadeia e que está com a cabeça a prêmio, mas custa "apenas" 2.000 dólares, então não interessa ao ambicioso Django.


Porém as coisas tendem a mudar: Manuel passou alguns anos na cadeia por culpa de um rico fazendeiro da região, Don Mendoza (Herman Reynoso). Para vingar-se, ele invade o rancho e mata todo mundo MENOS o próprio Mendoza, a quem reserva um outro tipo castigo: o bandido foge levando consigo a filha do fazendeiro, a jovem e pura Dolores (Adriana Ambesi). O pai desesperado resolve procurar pelo melhor pistoleiro da região (Django, é claro), e, após acirrada negociação, concorda em lhe oferecer a recompensa de 10.000 dólares pela cabeça de Manuel e resgate da filha.

Como Django acabou de explodir com dinamite o seu último alvo, e por isso não recebeu o dinheiro da recompensa, ele decide aceitar o trabalho para equilibrar as finanças. Deixando para trás a enfurecida Mijanou, para quem tinha prometido aposentar-se, o herói sai na pista do mexicano. Mas quando o encontra, ao invés de matá-lo, é convencido a associar-se a ele num golpe rápido e mais lucrativo: roubar uma carruagem que transporta uma fortuna em ouro. Só que as coisas acabam mal, os bandidos traem Django e, no assalto à carruagem, matam a amada do herói. Começa a tradicional busca de vingança.


10.000 DÓLARES PARA DJANGO difere-se de outros "Sotto-Djangos" bem burocráticos ou ruins (como "Django Atira Primeiro" e "Django Não Espera... Mata") principalmente pela preocupação em criar uma história melhor construída e com personagens que tenham motivações, cheios de camadas, contrastando com aquelas figuras de cartolinas que aparecem em outras imitações do clássico de Corbucci.

Aqui, cada personagem tem características bem definidas, que os tornam mais complexos que os clichês ambulantes das aventuras do gênero: Django usa sempre uma echarpe branca no pescoço, Manuel leva o coldre no ombro e saca o revólver por cima, enquanto o velho Vasquez usa na camisa as estrelas de prata pertencentes aos vários xerifes que matou ao longo de sua carreira criminosa.


Heróis e vilões também têm personalidades bem complexas. Por exemplo, o Django de Garko mais uma vez anda no fio da navalha entre o herói e o anti-herói, como Franco Nero lá em 1966. Por não caçar procurados que valham menos de 10.000 dólares de recompensa, o protagonista não apenas deixa Manuel livre na primeira vez em que lhe pedem para pegá-lo (porque vale muito pouco), como ainda comemora que, com os novos crimes praticados pelo mexicano, a recompensa pela sua cabeça começa a subir ("Acho que você tem potencial", comenta sarcasticamente o "herói" ao corrigir o valor ofertado pelo fugitivo num cartaz de "Procura-se").

Também é genial o fato do Django de Garko dormir num quarto rodeado dos cartazes com as fotos dos Procurados que constituem seu ganha-pão (e que são impressos pelo seu amigo Fidelio), como se esta fosse a única coisa que importasse na sua vida. Sinceramente, não consigo imaginar lar melhor para um caçador de recompensas!


Já o vilão Manuel é um criminoso diferente da média clichezenta dos westerns spaghetti, e especialmente dos "Sotto-Djangos". Embora a princípio sequestre a filha de Mendoza por vingança, só para sacanear o fazendeiro, mais adiante fica claro que o bandido acaba se apaixonando pela garota, e vice-versa, tornando um pouco mais complicada aquela clássica trama do "resgate da mocinha indefesa em perigo".

Os personagens secundários também agregam uma riqueza singular à história: além de Fidelio, o atrapalhado amigo fotógrafo de Django (que é um alívio cômico menos escancarado que outros do gênero), e da apaixonada Mijanou, tem um velhinho engraçadíssimo na quadrilha de Manuel, interpretado por Pinuccio Ardia. O coroa é um grande agourento, pois vive fazendo apostas CONTRA o seu "empregador" Manuel - tipo "Aposto sete dólares que Django vai aparecer e pegar todos nós", justificando assim o título inicial do filme lá na Itália, "7 Dólares em Django".


Outro personagem riquíssimo é o pai de Manuel, Vasquez, um velho bandidão aposentado interpretado (claro) por Fernando Sancho, figurinha carimbada nos faroestes italianos e justamente neste papel (mas que apareceu como um raro personagem bonzinho em "Django Não Espera... Mata"). Vasquez vive com alguns ex-colegas de crime numa cidade-fantasma no meio do deserto, constantemente assolada por ventanias e tempestades de areia, que dão um ar surreal ao cenário.

A exemplo do que o diretor norte-americano Sam Peckinpah faria em vários dos seus filmes (incluindo o clássico "Meu Ódio Será Sua Herança"), o personagem de Sancho representa os "velhos tempos", um Oeste que não existe mais, em que havia "honra" e os papéis de mocinho e bandido eram bem definidos, mas que vê no próprio filho o retrato de uma nova geração rebelde que não respeita mais nada.


Numa cena bem diferente, o aposentado criminoso apresenta a Django sua companheira (Ermelinda De Felice), uma envelhecida dançarina, inchada pelo álcool, com quem ele vive há décadas. Quando Vasquez pede que a mulher dance, e ela atende de maneira desengonçada (o que poderá parecer engraçado para certos públicos), o bandidão faz um comovente discurso sobre a implacável ação do tempo: "Há 20 anos, esta garota virou a cabeça de todos os políticos e ricos fazendeiros. Rosita, 'A Boneca', era como lhe chamavam. Você deveria tê-la visto naquela época. E o jeito que ela dançava, amigo... Vamos! Mostre ao nosso amigo como você dançava!".

Enquanto a dançarina velha e gorducha faz o possível para parecer tão sensual como era na juventude, diante de um ainda maravilhado Sanchez, os outros homens no recinto apreciam o espetáculo com um olhar triste, sem jeito até. E quando Fidelio se atreve a rir da insólita apresentação, Django lhe lança um gélido olhar de reprovação. É uma cena melancólica, do tipo que você não espera ver numa aventura de faroeste.


E toques dramáticos são constantes em 10.000 DÓLARES PARA DJANGO. No momento mais triste do filme, o herói encontra o cadáver da sua amada na carruagem atacada por Manuel e seu bando. Em vários outros "Sotto-Djangos", e mesmo lá na aventura oficial de 1966, Django também teve a esposa morta por diferentes antagonistas. Porém em todos estes filmes, e mesmo no de Corbucci, a perda da amada não passa de um simples recurso narrativo para fazer andar a trama, uma justificativa para motivar a vingança do protagonista.

Não é o caso aqui, onde vemos um Django mais humano e mais sensível, que realmente fica emocionado com a morte da amada, chegando a sofrer e chorar - algo impensável em outras encarnações do herói, como Franco Nero em "Django" ou Anthony Steffen em "Um Homem Chamado Django", que também perdem suas esposas. Assim fica mais fácil entender a guinada no roteiro, em que aquele personagem que só pensava em dinheiro subitamente parte para o "tudo ou nada" em busca da velha e boa vingança.


Toda a cena em que Django encontra o cadáver de Mijanou é exageradamente dramática, mas belíssima em sua decupagem: a amada morta encara o herói com seus olhos inexpressivos, como que acusando-o pelo seu triste destino (ela só pegou a fatídica carruagem porque brigou com Django dias antes, quando este resolveu fazer um "último serviço" caçando Manuel).

A montagem alterna planos de detalhe dos olhos acusadores da falecida (como se estivesse dizendo "Eu estou morta por sua culpa!") e dos olhos com lágrimas do herói, num momento sem igual em toda a filmografia do personagem. Aí fica impossível não entender a dor e a angústia do Django de Garko, já que Mijanou não teria morrido caso ele tivesse prendido (ou matado) Manuel ao invés de "associar-se" a ele para o roubo do ouro. E embora o filme se resolva no tradicional duelo de quem saca mais rápido, não importa quem vai ficar vivo no final, pois a vitória é amarga e todos saem perdendo.


Mesmo que seja uma aventura independente, e não uma continuação, percebe-se certo cuidado dos realizadores para linkar 10.000 DÓLARES PARA DJANGO com o filme original de Corbucci, como, por exemplo, a presença da atriz Loredana Nusciak, ou a associação do herói com bandidos mexicanos para o roubo de uma fortuna em ouro, como acontecia também em "Django". Há quem veja também uma forte influência da "Trilogia do Dólar" de Sergio Leone: a busca de vingança pela morte de Mijanou por um bandido mexicano lembraria "Por uns Dólares a Mais" (1965), em que o personagem de Lee Van Cleef queria vingar-se do vilão de Gian Maria Volonté por ter matado sua irmã; a semelhança do bandido interpretado por Claudio Camaso com o vilão de seu irmão Volonté no western de Leone ajudam a justificar esta relação entre as duas obras.

E se o Django de Garko e Guerrieri escapa da terrível punição de ter suas mãos esmagadas pelos bandidos mexicanos, inflingida ao Django de Franco Nero no original de Sergio Corbucci, por outro lado o herói enfrenta uma outra tortura bastante angustiante, quando é enterrado no deserto pelos mexicanos e fica apenas com a cabeça para fora, sofrendo com o sol forte e a sede!


Gianni Garko está perfeito como um herói mais humano e frágil (ele alegou que ainda não tinha visto o "Django" de Corbucci quando fez este filme), e é uma pena que só tenha interpretado o personagem uma vez. Se comparássemos as aventuras de Django com as de James Bond, 10.000 DÓLARES PARA DJANGO seria "007 A Serviço Secreto de Sua Majestade", e Garko o George Lazenby da série, já que o Bond de Lazenby era menos "super-herói" e coincidentemente também perdeu a mulher que amava.

Eu sempre fui um grande fã de Garko, principalmente por causa da série "Sartana". O ator tem um jeitão de quem não leva a coisa muito a sério, sempre com um olhar de fanfarrão e um sorriso cínico, mesmo quando mata 20 inimigos a tiros (só falta piscar para o espectador, lembrando que é tudo uma grande brincadeira). Ainda comparando com James Bond, Garko me lembra um pouco Roger Moore, que sempre teve uma pegada parecida em suas aventuras como 007. Em 10.000 DÓLARES PARA DJANGO, o astro consegue equilibrar muito bem sua habitual fanfarronice com a melancolia que o personagem exige. É, disparado, o terceiro melhor Django depois de Franco Nero, perdendo apenas para Terence Hill em "Viva Django!".


Na época de 10.000 DÓLARES PARA DJANGO, por ainda estar sendo "lançado" como protagonista, Garko foi obrigado pelos produtores a adotar um pseudônimo americanizado, como era comum nos westerns italianos daquele período. Assim, ele aparece nos créditos iniciais como "Gary Hudson", uma homenagem aos astros norte-americanos Gary Cooper e Rock Hudson. A partir da série "Sartana" (cujo primeiro filme é de 1968), o ator passou a assinar como "John Garko", e assim ficou internacionalmente conhecido.

Em sua longa carreira como herói no western spaghetti, Garko às vezes foi chamado para tentar dar mais personalidade a outros heróis, criados para rivalizar com os populares Django, Sartana e Trinity. Ele foi, por exemplo, Camposanto ("Cemitério", em italiano) no filme "Ainda me Chamam de Camposanto" (1971), que não vingou e não virou série, e Espírito Santo em "Espírito Santo, O Justiceiro" (1972), personagem que rendeu outras três aventuras, mas com Vassili Karis no lugar de Garko.


Já o diretor Guerrieri nunca foi tão popular quanto seu astro, apesar deste trabalho acima da média. 10.000 DÓLARES PARA DJANGO foi o quarto filme dirigido por Romolo, que é respectivamente irmão e tio dos também cineastas Marino Girolami ("Zombie Holocaust") e Enzo G. Castellari ("Vou, Mato e Volto"), e quem sabe por isso acabou ficando em segundo plano.

Ele dirigiu mais alguns poucos filmes, como o giallo "O Doce Corpo de Deborah" (1968) e a aventura pós-apocalíptica "O Executor Final" (1984), mas sempre com resultados bem distantes deste seu único "Sotto-Django". Atualmente, Guerrieri trabalha como roteirista da TV italiana.


Vale destacar que pelo menos quatro futuros diretores trabalharam nos bastidores de 10.000 DÓLARES PARA DJANGO. Um é Sergio Martino, irmão do produtor Luciano Martino, aqui creditado como diretor de produção. Ele estreou atrás das câmeras dois anos depois, em 1969, e tem uma filmografia bem eclética, com gialli ("Torso", "A Cauda do Escorpião"), aventuras baratas de ficção científica ("2019 - After the Fall of New York" e "Keruak - O Exterminador de Aço") e cultuados filmes de horror ("A Ilha dos Homens-Peixe" e "A Montanha dos Canibais").

O segundo é Tonino Ricci, que trabalhou como assistente do diretor e pelo jeito não aprendeu muita coisa, a julgar pela quantidade de divertidíssimas tralhas que o sujeito passaria a dirigir por conta própria, também a partir de 1969. Sua obra mais popular, inclusive para os brasileiros, é o terror trash "Pânico" (1976), mas Ricci dirigiu ainda uma hilária cópia de "Conan" ("Thor, o Conquistador") e paupérrimos fimes de horror sobre o Triângulo das Bermudas (o inacreditável "Bermude: La Fossa Maledetta" e "Encuentro en el Abismo").

Os outros dois são o assistente de câmera Pasquale Fanetti - que, com o pseudônimo "Frank DeNiro", virou diretor de filmes pornográficos nas décadas de 80 e 90 -, e o secretário de produção Michele Massimo Tarantini, aqui em um dos seus primeiros trabalhos com cinema, antes de dirigir "clássicos" como "Poliziotti Violenti" e "Perdidos no Vale dos Dinossauros"! Em resumo, é muito talento para um filme só, o que talvez explique o resultado muito acima da média!


10.000 DÓLARES PARA DJANGO foi uma das mais nobres e interessantes variações produzidas em cima da obra de Sergio Corbucci, e percebe-se o trabalho de todos os envolvidos para fazer algo além de uma aventura de rotina só para faturar com o nome do personagem. O mérito é principalmente do ótimo roteiro, que foge do lugar comum do gênero, e onde se percebe a valiosa contribuição de Ernesto Gastaldi, um dos grandes roteiristas italianos de todos os tempos.

É até uma pena que o filme tenha ficado associado às demais cópias de "Django", porque muitas delas são tão ruins que esta bela obra deve ter sido mal-interpretada como picaretagem de má qualidade, quando na verdade é um dos raros "Sotto-Djangos" a buscar uma abordagem original, ao invés de só tentar lucrar com um título enganoso.


Por isso, talvez seja melhor referir-se a ele pelo título italiano, "10.000 Dollari per un Massacro". Porque perto de outras bobagens produzidas com o nome "Django" no título, incluindo a única continuação oficial do clássico de Corbucci (o péssimo "Django, A Volta do Vingador"), o filme de Guerrieri é praticamente um "Cidadão Kane" - e uma pérola a ser (re)descoberta.

PS: Para fechar o conjunto com chave de ouro, a trilha sonora da cantora, compositora e pianista italiana Nora Orlandi é fantástica, e não deixa a menor saudade de Ennio Morricone, Bruno Nicolai, Riz Ortolani e outros mestres que musicavam os westerns spaghetti do período. Infelizmente, a trilha completa não está disponível no YouTube para ser apreciada, mas dê uma conferida na linda música-tema "Basta Così", cantada por Pier Giorgio Farina, clicando neste link (logo logo o Tarantino usa esta canção num próximo filme dele!).


Trailer de 10.000 DÓLARES PARA DJANGO



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10.000 Dollari Per Un Massacro (1967, Itália)
Direção: Romolo Guerrieri
Elenco: Gianni Garko, Claudio Camaso, Loredana Nusciak,
Fernando Sancho, Fidel Gonzáles, Adriana Ambesi, Franco
Lantieri, Pinuccio Ardia e Franco Bettella.

sábado, 19 de janeiro de 2013

DJANGO (1966)


Era uma vez dois Sergios, ambos nascidos na Itália e ambos ligados ao mundo do cinema. Um chamava-se Sergio Leone, era filho de pioneiros do cinema italiano (seu pai foi um cineasta e sua mãe, uma famosa atriz da época do cinema mudo), e com apenas 19 anos já trabalhava como assistente do diretor Vittorio De Sica no clássico do Neorrealismo "Ladrões de Bicicleta". O outro chamava-se Sergio Corbucci, não tinha pais tão famosos, mas acabou envolvendo-se com o mundo do cinema primeiro como crítico, depois como assistente de direção de outro grande nome do Neorrealismo Italiano, Roberto Rossellini (ou assim diz a lenda, já que Corbucci nunca foi creditado em nenhuma das obras de Rossellini). A carreira dos dois Sergios continuou seguindo em paralelo: nos anos 50, ambos estrearam na direção de seus próprios filmes, fazendo aquelas aventuras baratas com gladiadores e monstros (conhecidas pelo termo "peplum"). Em 1959, até se encontraram num mesmo set: enquanto Leone co-dirigia "Os Último Dias de Pompéia", Corbucci era o assistente de direção.

Finalmente, em 1963, os dois Sergios foram ao cinema - na mesma semana, segundo algumas versões da história, mas em dias diferentes. O filme era "Yojimbo", de Akira Kurosawa, sobre um samurai que chega a uma pequena cidade dominada por duas quadrilhas rivais e semeia a discórdia para que uma acabe com a outra. "Yojimbo" marcou tanto os dois Sergios que ambos resolveram transformar aquela aventura oriental em um filme de faroeste. Subitamente, os companheiros de longa data eram rivais; não inimigos, apenas diretores numa espécie de competição para ver quem faria a melhor variação sobre a mesma história, cada um com a sua própria visão. E foi assim (mas provavelmente sem tantos floreios) que nasceram dois clássicos do cinema: "Por um Punhado de Dólares" (1964), dirigido por Sergio Leone, e DJANGO (1966), dirigido pelo "outro Sergio", o Corbucci (que realmente ficaria conhecido por este apelido, "O Outro Sergio").


Embora "Por um Punhado de Dólares" e o restante da chamada Trilogia do Dólar de Leone (completada com "Por uns Dólares a Mais" e "Três Homens em Conflito") sejam unanimemente citados pelos pesquisadores como a pedra fundamental do western spaghetti, em torno da qual foram forjadas praticamente todas as produções posteriores, há quem considere DJANGO como a obra mais influente do ciclo, e a que mais teria moldado os futuros "heróis" (ou anti-heróis), vilões, situações e clichês dos faroestes italianos produzidos entre as décadas de 1960-70.

Leone pode até ter apontado o caminho e as bases, mas "o outro Sergio", Corbucci, optou por um estilo mais violento, cínico e exagerado. Há até uma divertida comparação que diz que Leone era os Beatles do western spaghetti, enquanto Corbucci era os Rolling Stones - mais sujo, agressivo e pesado. E se Leone bebeu tanto da fonte de "Yojimbo" que chegou a ser processado pelos roteiristas do filme japonês, Corbucci pegou apenas a ideia básica do forasteiro que chega a uma cidadezinha dominada por duas quadrilhas, mas mudou todo o resto.


Desde a primeira cena, DJANGO já demonstra ser algo original, diferente de quase tudo feito até então: o personagem-título (Franco Nero), um veterano da Guerra Civil, entra na cidade com a sela sobre os ombros, e arrastando um velho caixão de madeira pela estrada enlameada, enquanto desenrolam-se os créditos iniciais ao som da belíssima música-tema composta por Luis Bacalov (e cantada por Roberto Fia em italiano e Rocky Roberts em inglês).

Primeiro, Corbucci negou ao seu herói o cavalo, "companheiro" tão típico dos grandes heróis dos faroestes norte-americanos (nos filmes dos anos 30-40, o animal costumava ser tão famoso quanto seu dono; que o diga Trigger, o cavalo de Roy Rogers!). Depois, o diretor colocou-o para chafurdar na lama em pleno inverno, contrastando com a maioria dos westerns filmados em cidades cenográficas no meio do deserto e com o sol a pino.


Django e seu caixão chegam a uma pequena cidade na fronteira entre os Estados Unidos e o México, que, seguindo os moldes de "Yojimbo" e de "Por um Punhado de Dólares", encontra-se quase desabitada por causa do sangrento conflito entre os dois grupos armados que lá vivem ou por lá passam para fazer seus negócios.

De um lado estão os homens do Major Jackson (Eduardo Fajardo), um racista sádico que declarou guerra aos mexicanos e se diverte fazendo tiro ao alvo com eles; do outro, uma quadrilha de mexicanos liderada pelo General Hugo Rodriguez (José Bódalo), que precisa de ouro para comprar armas e "vencer a Revolução". E no meio do fogo cruzado estão os poucos habitantes que ainda permaneceram na cidade, incluindo o dono do saloon, Nathaniel (Ángel Álvarez), e suas prostitutas de quinta categoria.


Se o samurai de "Yojimbo" e o caçador de recompensas de "Por um Punhado de Dólares" não demoravam a colocar um grupo contra o outro por dinheiro, em DJANGO a coisa é diferente. O herói bate de frente com o Major Jackson desde o primeiro encontro, já que eles representam lados diferentes de um mesmo confronto, a Guerra Civil Americana (Django diz que lutou pela União, enquanto Jackson é um Confederado, o lado que perdeu a guerra).

Além disso, o fanático major também teria sido o responsável pelo assassinato da esposa de Django enquanto ele estava na guerra. Logo, ao contrário dos protagonistas de "Yojimbo" e "Por um Punhado de Dólares", nosso herói aqui é movido pela vingança - além, é claro, do desejo de limpar aquela região de um louco racista ("Às vezes os fanáticos precisam ser exterminados para o bem dos outros", justifica em determinado momento). E ele não faz jogo duplo, preferindo encarar de frente os dois grupos rivais.


Isso conduz à cena mais icônica do filme, quando Django finalmente revela o conteúdo do caixão que arrasta para lá e para cá, ao provocar Jackson e exigir que ele volte para enfrentá-lo com todos os seus homens (40 na versão original em italiano, 48 na dublagem em inglês).

Em visível desvantagem numérica contra o exército do Major - cujos integrantes usam capuzes estilo Ku Klux Klan, mas na cor vermelha -, o herói abre seu caixão e retira de lá a última maravilha tecnológica da época, uma metralhadora, com a qual chacina quase todos os seus inimigos, numa cena emblemática: é a "modernidade" da metralhadora sepultando o "Velho Oeste" dos colts e winchesters que precisavam ser recarregados com frequência! Para um público que ainda estava acostumado àqueles duelos "de homem para homem" para ver quem sacava primeiro, deve ter sido uma grande surpresa.


Já no caso do outro lado do conflito, a motivação do herói é, aí sim, a cobiça: Django já conhecia o General Hugo de outros carnavais, e convence-o a roubar o ouro de um forte próximo para comprar dezenas de metralhadoras, com as quais Hugo tornaria-se invencível na Revolução Mexicana. O plano posto em prática funciona como um relógio, mas Django, filho da puta que só ele, trai os "companheiros", rouba o ouro, coloca tudo no seu caixão e foge para a fronteira. E sim, este é o "herói" do filme...

Portanto, DJANGO pode ser dividido em três grandes atos: o primeiro mostra o herói em sua missão de vingança/extermínio contra o Major Jackson, e o segundo acompanha seu ambicioso plano de engambelar os mexicanos, forçando-os a roubar uma fortuna em ouro que depois ele próprio rouba para si. O terceiro e último ato acompanha o cruzamento entre estes três personagens, quando o destino mostra sua face mais sórdida (principalmente em relação ao fim do ouro roubado).


Num universo de personagens violentos e condenados, onde sequer o protagonista tem "princípios" (por isso acho que ele é mais anti-herói do que herói nos moldes do western norte-americano), existe ainda uma personagem trágica, Maria (Loredana Nusciak), dividida entre os dois grupos rivais: ela fugiu dos homens do Major Jackson para unir-se aos mexicanos, e depois tentou abandonar o grupo de Hugo, tornando-se alvo em potencial para ambos os lados. É quando Django se coloca no caminho, defendendo a pobre mulher dos seus perseguidores.

A primeira cena do filme sintetiza tudo isso em poucos minutos: Maria aparece sendo aprisionada e chicoteada pelos mexicanos por ter tentado fugir do seu acampamento; logo aparecem homens do Major Jackson e matam os mexicanos, mas, ao invés de salvar a moça, ameaçam queimá-la na fogueira! É quando aparece Django e despacha também este segundo grupo, passando a proteger Maria enquanto elabora seu intrincado plano de vingança (e roubo).


Nunca me esqueço que a primeira vez que vi DJANGO, ainda na Era de Ouro do VHS, foi junto com um primo que odiava faroestes; na metade do filme, o coitado já estava convertido, vibrando animado enquanto Django massacrava os homens do Major Jackson com sua metralhadora.

Desde então, revi esse clássico de Sergio Corbucci inúmeras vezes, e uma ocasião especial foi durante uma mostra de western spaghetti realizada pelo CCBB em São Paulo, quando DJANGO foi projetado em cópia de 35mm. A cena em que se revela o "segredo do caixão" novamente foi uma catarse: o público, formado tanto por jovens quanto por velhos fãs de western que já conheciam o filme cena a cena, gritava e aplaudia sem nenhum constrangimento!


Mas por mais que eu considere DJANGO um filmaço, sempre acho que a narrativa episódica quebra um pouco o clima do filme. É como se fossem duas histórias completamente diferentes, só que o primeiro ato, que mostra Django enfrentando os fanáticos do Major Jackson até a cena da metralhadora (correspondendo aos primeiros 40 minutos do filme), é MUITO superior ao segundo (que mostra o roubo e traição dos mexicanos).

Ainda que os 15 minutos finais coloquem a narrativa de volta nos eixos, com um belíssimo duelo num cemitério que também transformou-se em cena antológica do gênero, a segundo metade do filme (ou "segundo episódio") não chega aos pés da primeira, e a coisa esfria um pouco depois que o conteúdo do caixão é revelado.


Esta narrativa episódica tem uma justificativa: em dezembro de 1965, quando Corbucci começou a filmar DJANGO na Espanha, ele sequer tinha um roteiro completo! Tudo que o diretor sabia àquela altura era como queria terminar o filme: depois de fazer um western com um pistoleiro que estava ficando cego ("Minnesota Clay", 1964), ele agora queria que o herói fosse obrigado a duelar contra seus rivais com as duas mãos quebradas.

A partir disso, ele e os demais roteiristas foram escrevendo a história ao contrário, criando as situações que levassem à conclusão e justificassem o esmagamento das mãos do protagonista! Em entrevistas recentes, Franco Nero explicou que cenas como a clássica sequência inicial, com Django arrastando seu caixão pela lama, foram inventadas na hora: Corbucci simplesmente gostou da paisagem e mandou o ator caminhar até ele mandar parar, pois a esta altura ainda não havia um roteiro pronto!


Muita gente colaborou escrevendo a trama, tanto que hoje é até difícil saber quem é o verdadeiro pai da criança. Corbucci sabia como queria começar e terminar o filme, mas para desenvolver o meio contou com a ajuda de Piero Vivarelli e Franco Rossetti. Consta que até mesmo Fernando Di Leo teria dado uma lida - e alguns pitacos não-creditados - no dia anterior ao início das filmagens. Depois, Sergio e seu irmão Bruno Corbucci ainda reescreveriam boa parte no próprio set. No fim, apenas os dois Corbuccis foram creditados como roteiristas principais, com Vivarelli, Rossetti e José Gutiérrez Maesso citados como "collaborating writers".

Já o icônico nome Django foi confessadamente inspirado no guitarrista de jazz Django Reinhardt (1910-1953), por motivos óbvios: como Corbucci estava fazendo um filme sobre um pistoleiro que teria que atirar mesmo com as mãos quebradas, ele achou justo homenagear Reinhardt, um músico que conseguia fazer complicados solos de guitarra usando apenas dois dedos (o terceiro e o quarto dedos da sua mão esquerda ficaram imobilizados depois que ele sofreu queimaduras de terceiro grau num incêndio). Por isso, há quem considere a "homenagem" uma piada de mau gosto e até um desrespeito.


Uma coisa que chama a atenção em DJANGO até hoje é a quantidade de sadismo e violência, mesmo para os padrões atuais. Tanto que o filme estreou com classificação etária de 18 anos na Itália, e ficou proibido no Reino Unido durante décadas. Há uma cena fortíssima em que os mexicanos aprisionam um padre, que atua como espião do Major Jackson, e Hugo corta a orelha dele à faca, colocando-a depois na boca do sujeito para que ele engula (numa espécie de sádica brincadeira anti-clerical com a ideia da hóstia/Corpo de Cristo)! Muitos cinéfilos alegam que esse belo momento teria inspirado Quentin Tarantino a fazer cena semelhante em "Cães de Aluguel", aquela em que Michael Madsen corta a orelha de um policial usando uma navalha.

O próprio trecho em que os mexicanos esmagam as mãos de Django com um rifle, para puni-lo pelo roubo do ouro, continua eficiente e até provoca arrepios. "Eu fiz o filme do meu jeito, com muita crueldade, lama, sujeira e mortes - o oposto de Leone. [O filme] ...era realmente truculento. Estávamos em 1966, e para aquela época era muito forte", disse o finado Corbucci numa velha entrevista, confessando que tinha muito orgulho da violência de seu filme, que acabou antecipando notórios massacres como aquele da cena final de "Meu Ódio Será Sua Herança" (1969), de Sam Peckinpah.


Pessoas morrem como moscas em momentos como o extermínio dos homens de Jackson pela metralhadora de Django. Por isso, os sites especializados em contar o número de mortes em filmes (sim, acredite: existem sites especializados em contar o número de mortes em filmes!) divergem com relação à soma total de cadáveres: há quem diga que são 138 mortos, mas outros juram que a chacina é bem maior e fica entre 152 e 163!

Para tentar esclarecer esta dúvida, que com certeza deixou muita gente sem dormir (sim, isso é ironia), alguém com muito tempo nas mãos fez um vídeo contabilizando apenas as vítimas mortas por Django, e a soma chega a estratosféricos 95 cadáveres, sendo 55 só na cena da metralhadora (e isso que o Major Jackson só tinha 40/48 homens, né?). Você pode ver o resultado da contabilidade do sujeito no divertido vídeo abaixo:

Django kill!



Mas Django não seria um personagem tão legal se fosse interpretado por um ator qualquer e de qualquer jeito. Por isso, pesou muito a escolha de um jovem Franco Nero, com 23 anos na época das filmagens e recém-saído do set da superprodução "A Bíblia" (1966), de John Huston, onde interpretou Abel. Nero era tão "moleque" que precisou ser dublado até na versão original em italiano, por um ator com voz mais grossa.

Nero É Django: embora oito outros atores tenham interpretado o personagem posteriormente, é impossível dissociar a persona de Franco do mal-encarado e sujo pistoleiro que o imortalizou na história do cinema. Ostentando um olhar que é um misto de cinismo e fúria, o ator transformou-se imediatamente num dos maiores astros italianos do western spaghetti, e isso quando a moda ainda era importar atores norte-americanos para estrelar estas produções.


Ironicamente, Nero não foi a primeira opção para o papel: Corbucci queria o norte-americano Mark Damon, com quem tinha acabado de filmar "Johnny Oro" (rebatizado "Ringo e Sua Pistola de Ouro" no Brasil). Fabio Testi, então um jovem e desconhecido ator em início de carreira, também foi cogitado para estrelar o filme. Mas o real intérprete de Django foi uma imposição do produtor Manolo Bolognini, que convenceu Sergio a dar-lhe uma chance.

Por outro lado, foi Corbucci quem sugeriu que o ator passasse a usar seu próprio nome a partir de então. Na época, o costume era esconder a equipe italiana por trás de pseudônimos em inglês, para que as produções feitas na Terra da Bota pudessem ser vendidas como filmes norte-americanos, que tinham mercado garantido. O ator vinha assinando como "Frank Nero", e o produtor Bolognini queria que ele mudasse o nome artístico para "Frank Black" (!!!). Mas Sergio preferiu deixar todo mundo com seus nomes de batismo nos créditos - ele próprio usou pouquíssimas vezes pseudônimos americanizados, como "Stanley Corbett" e "Gordon Wilson Jr".


Falando em dublagem, DJANGO é um filme que precisa ser visto OBRIGATORIAMENTE em italiano. A versão em inglês usou a voz do ator norte-americano Tony Russel para Franco Nero, mas a dublagem é inexpressiva e não faz jus ao personagem. Para piorar, esta dublagem suavizou vários diálogos da versão original; como eu conhecia o filme quase de cor com o áudio em inglês, foi uma verdadeira surpresa quando finalmente pude revê-lo na sua versão original e percebi que boa parte dos diálogos era diferente!

Acontece que Django é muito mais radical e encrenqueiro na versão original. Por exemplo, no momento em que ele aborda os capangas de Jackson que querem matar Maria, logo no começo do filme, o diálogo dublado em inglês antes de passar fogo em todos é uma gracinha como: "Eu não queria chateá-lo. Você aceita as minhas desculpas?". BANG! BANG! BANG! Na versão original, Django é mais direto: "Não importa. O que importa é que vou matar todos vocês".


Outro diálogo que fica muito melhor em italiano é aquele em que Django pede ao Major Jackson quantos homens ele ainda tem, e pede que traga todos para um novo duelo. Enquanto na versão em inglês não há grandes confrontos, no áudio original o herói fica provocando o rival, chamando-o repetidas vezes de "porco Sulista".

Por último, mas não menos importante, o diálogo da cena final no cemitério também é muito mais impactante com o áudio original. Na versão dublada em inglês, o Major Jackson fica disparando tiros a esmo perto de Django enquanto grita "Comece a rezar! Não estou te ouvindo!"; Django então responde enchendo o vilão e seus homens de balas enquanto grita de volta: "Consegue ouvir isso?". Na versão em italiano, Jackson fica "fazendo as orações" para Django, recitando uma parte do sinal-da-cruz para cada tiro disparado ("Em nome do pai..." BANG!, "Do filho..." BANG!, "Do Espírito Santo..." BANG!), e então Django atira nele e em seus homens enquanto finaliza com um sonoro "Amém!!!".


A parceria entre Corbucci e seu novo astro manteve-se nos anos seguintes, em dois outros westerns muito mais caros e melhor produzidos: o excelente "Os Violentos Vão para o Inferno" ("Il Mercenario", 1968), e "Vamos a Matar, Compañeros!" (1970), que também tratam da Revolução Mexicana, já enfocada bem por cima aqui em DJANGO. Em ambos os filmes, Nero também pôde matar a saudade do seu personagem mais famoso ao usar uma metralhadora para exterminar dúzias de inimigos!

O diretor chegou a declarar, em entrevista da época: "John Ford tem John Wayne, e eu tenho Franco Nero". Por isso, é uma pena que a dupla não tenha voltado a se reunir para rodar uma continuação "verdadeira" de DJANGO, já que no pós-1966 começaram a pipocar as cópias e aventuras não-oficiais do personagem - como acontecia com todo personagem de sucesso do western spaghetti, tipo Ringo, Sartana e Trinity.


Dois futuros cineastas também se envolveram na realização do filme: o diretor de fotografia Enzo Barboni faria seus próprios filmes na década de 70, sendo mais conhecido pelos westerns cômicos estrelados por Terence Hill, tipo "Trinity Ainda é o Meu Nome" (1971); já o assistente de direção é ninguém menos que Ruggero Deodato, que depois assinaria clássicos do horror como "Cannibal Holocaust" (1980).

E não dá para deixar de citar a trilha sonora do argentino Luis Bacalov. Se Ennio Morricone tornou imortais os acordes da "Trilogia do Dólar" de Leone, Bacalov fez o mesmo para Corbucci em DJANGO, pois é impossível não passar dias assobiando a canção-título depois de ver o filme. A trilha também tem outras composições lindíssimas, como esta aqui, que toca na cena em que os mexicanos quebram as mãos de Django (confira a partir dos 45 segundos).


No fim, embora tenham começado de maneira praticamente idêntica e até filmado suas próprias versões de "Yojimbo", as carreiras dos dois Sergios começaram a seguir rumos bem diferentes depois de "Por um Punhado de Dólares" e DJANGO. Enquanto Leone ganhou muito mais respeito da crítica e foi enfileirando obras-primas como "Três Homens em Conflito", "Era uma Vez no Oeste" e "Era uma Vez na América", o "outro Sergio" ficou em segundo plano.

E mesmo tendo feito pelo menos uma obra-prima ("O Vingador Silencioso" aka "O Grande Silêncio", em 1968), Corbucci não conseguiu fazer nada muito expressivo quando o western spaghetti saiu da moda, e terminou seus dias filmando comédias baratas com Terence Hill e Bud Spencer, como "Super Snooper - Um Tira Genial" (1980) e "Quem Encontra um Amigo, Encontra um Tesouro" (1981), ambos campeões de exibição na antiga Sessão da Tarde.


Foi apenas vinte anos depois de DJANGO que surgiu o interesse pra lá de tardio de fazer uma continuação oficial do filme, reunindo mais uma vez Sergio Corbucci e Franco Nero. O projeto fazia parte de uma ambiciosa tentativa de ressuscitar o western spaghetti, que começaria com a adaptação de quadrinhos "Tex e os Senhores do Abismo" (1985), dirigida por Duccio Tessari. Corbucci chegou a envolver-se com "Django 2" no início do projeto. Mas aí "Tex..." revelou-se um fracasso comercial e Sergio pulou fora, deixando a continuação nas mãos do qualquer nota Nello Rossati ("O Tesouro do Ovni"), que acabou sendo o verdadeiro responsável pelo fraquíssimo "Django, A Volta do Vingador" (1987).

Apesar da volta atrasada de Franco Nero no papel do personagem, esta continuação é muito mais fraca que a maioria dos "Sotto-Djangos" feitos entre as décadas de 60-70, como "Viva Django!" e "10.000 Dólares para Django". Corbucci morreu em 1990, apenas um ano depois do "Sergio mais famoso" (Leone), e sua obra finalmente começou a ser redescoberta e analisada com outros olhos. Hoje, "o outro Sergio" já é celebrado como um dos principais realizadores do gênero.


A influência de DJANGO na cultura popular continua forte, atingindo até os blockbusters de Hollywood. Basta constatar que George Lucas homenageou o filme de Corbucci batizando como "Jango Fett" o caçador de recompensas interpretado por Temuera Morrison em "Star Wars Episódio 2 - O Ataque dos Clones". Mais recentemente, em 2011, Gore Verbinski dirigiu uma animação que satiriza o universo do western spaghetti e batizou seu protagonista (e o próprio filme) como "Rango", também numa citação declarada ao personagem imortalizado por Franco Nero.

Já o diretor doidão Takashi Miike aproveitou para fazer o caminho inverso ao de Corbucci: enquanto o italiano baseou-se num filme japonês, "Yojimbo", para fazer o seu, Miike inspirou-se em DJANGO para fazer o "western spaghetti made in Japan" chamado "Sukiyaki Western Django" em 2007, com várias referências à obra de Corbucci e até uma pequena participação de Quentin Tarantino. Apesar de o filme não passar de uma brincadeira maluca, muitos o consideram um remake do clássico de 1966.



Ainda que com problemas visíveis de narrativa, e toda a sequência com os mexicanos que enfraquece o segundo ato do filme (tem até uma loooooonga briga de bar que parece apenas uma desculpa para Corbucci filmar com a câmera na mão), eu não hesitaria em chamar DJANGO de clássico, até mesmo de obra-prima. Não apenas por ter revolucionado e influenciado bastante um sub-gênero que estava nascendo, mas principalmente por ser um FILMAÇO, que ainda funciona como um relógio!

Nesses tempos de filmes com três horas de duração, é sempre uma experiência reconfortante ver uma história enxuta e redondinha como esta, em que nem é preciso explicar as pontas soltas deixadas pelo roteiro (tipo como e porque Jackson matou a esposa de Django, ou onde foi que o herói arrumou uma metralhadora). Corbucci fez um filme mais de imagens do que de história ou de diálogos, com seu herói que carrega um caixão e combate inimigos de capuz vermelho, a cidadezinha semi-deserta que parece afundar na lama, a ponte sobra a areia-movediça que representa a salvação ou a danação para os personagens, e por aí afora... Por isso, eu não o considero apenas um dos meus filmes de faroeste preferidos, mas sim um dos meus FILMES PREFERIDOS, que continua funcionando mesmo com infinitas revisões, como um bom gibi de bangue-bangue. Aliás, DJANGO tem toda cara de história em quadrinhos, e isso é um elogio.


Revendo-o hoje, fico até imaginando o choque que deve ter sido na sua estreia, lá em 1966. Principalmente para aquele público almofadinha, acostumado com westerns norte-americanos cheios de atores bonitões com roupas limpinhas e dentes brancos, e onde bons e maus estavam muito bem definidos. Vestido de preto e nem sempre com boas intenções, Django é um anti-herói que em certos momentos age até como fora-da-lei, tipo quando ajuda os mexicanos no assalto ao forte, matando ele próprio um montão de soldados "inocentes".

DJANGO é assim: feio, sujo e malvado: não perdoa ninguém e joga seus personagens, bons ou maus, no meio da sujeira, da lama, da areia-movediça, do saloon repleto de putas horríveis (não as grandes estrelas de Hollywood, como acontecia na América), que em certo momento rolam e chafurdam no barro como porcos. Fez escola e gerou clones, Shangos, Cjamangos, Cangos, Sjangos, Djecas e D'Gajões, façanha que não é para poucos. E mesmo assim continua imbatível como um dos grandes ícones do western spaghetti.


E por mais que seja interessante encarar este novo trabalho do Tarantino como a rara oportunidade de ver um outro Django cavalgar na tela grande, trazendo de volta aos holofotes um dos meus grandes heróis de infância, acho que a melhor coisa de "Django Livre" é que toda uma nova geração deverá ter seu primeiro contato com o original quando for correr atrás das influências de seu ídolo Tarantino. Talvez alguns até espalhem baboseiras pela internet afora - inclusive já li "críticas" de moleques de 20 anos na cara reclamando que DJANGO era um festival de clichês, sem se colocar no lugar e na época em que o filme foi feito e exibido, quando tudo ainda era novidade.

Por outro lado, gostaria de acreditar que a maioria vai ver o filme de Corbucci pela primeira vez com os mesmo olhos com que eu o vi, lá no final dos anos 1980. E quem sabe Franco Nero volte a se tornar um herói para toda uma nova legião de cinéfilos. Afinal, se Django venceu batalhas muito mais inglórias, como ao combater inimigos com as mãos quebradas, vencer o preconceito desses jovens cinéfilos de shopping deve ser tarefa relativamente fácil...

Trailer de DJANGO


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Django (1966, Itália)
Direção: Sergio Corbucci
Elenco: Franco Nero, Loredana Nusciak, Eduardo Fajardo,
José Bódalo, Ángel Álvarez, Gino Pernice, Simón Arriaga,
Luciano Rossi e Remo De Angelis.