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terça-feira, 18 de setembro de 2012

NINJA THUNDERBOLT (1985)


Como é que um blog pode se chamar FILMES PARA DOIDOS se nenhuma das suas 284 postagens fala sobre Godfrey Ho? Mea culpa. Portanto, a postagem de hoje pretende corrigir esta injustiça e finalmente analisar uma obra de Ho, este célebre mestre oriental da picaretagem que alguns pesquisadores chamam de "Ed Wood de Hong-Kong", e cujo conjunto da obra já seria motivo suficiente para que ele fosse eleito santo padroeiro do blog, e não apenas um simples homenageado.

O IMDB informa que Godfrey Ho dirigiu 121 filmes. Mas não se engane: é bem provável que ele tenha feito o dobro disso, já que muitos dos seus trabalhos mais antigos simplesmente desapareceram, ou então foram assinados com pseudônimos e ninguém consegue provar a "autoria" de Ho. Ainda segundo o IMDB, o diretor usou nada menos de 50 nomes falsos ao longo de sua carreira, assinando tralhas como Bruce Lambert, Kurt Spielberg, Raymond Woo e até o muito apropriado "Ed Woo" (!!!), entre outros.


Uma rápida biografia: depois de ter estudado cinema em Hong-Kong e no Canadá, Ho foi assistente do respeitado cineasta Cheh Chang em diversas das suas obras, incluindo a co-produção Ocidente (Hammer) e Oriente (Shaw Brothers) "The Legend of the 7 Golden Vampires", que foi co-dirigida por Chang.

A partir do final dos anos 70, ele uniu-se aos produtores Tomas Tang e Joseph Lai para dirigir uma cacetada de filmes de artes marciais na Coréia do Sul (onde os custos eram menores).


O ponto de virada na carreira do "Ed Wood oriental" foi na década de 80. Tudo graças a uma aventura produzida pela Cannon Films, "Ninja, A Máquina Assassina", com o italiano Franco Nero no papel de um ninja ocidental. O filme era ruim de doer, mas estava faturando bem até nos cinemas orientais!

O produtor Joseph Lai, velho amigo de Ho, tinha fundado sua própria empresa (IFD Films & Arts), ficou admirado com o sucesso do filme com o ninja italiano e sugeriu a Godfrey que aproveitassem a febre rodando várias aventuras barateiras a preço de banana, e igualmente estreladas por um ninja ocidental. Até segunda ordem (ou seja, até que a filmografia de Godfrey Ho seja devidamente investigada e atualizada), o filme que abriu a bem-sucedida "série ninja" de Ho e Lai foi NINJA THUNDERBOLT, atual objeto de nossa análise.


Para o papel que foi de Franco Nero em "Ninja, A Máquina Assassina", a dupla decidiu chamar outro ator que, apesar de ter nascido nos Estados Unidos, fazia muito mais sucesso em westerns e policiais italianos: Richard Harrison. O motivo da escolha do ator não foi pelos dotes interpretativos (bastante limitados) e muito menos por ele saber lutar ou mover-se como um ninja (não sabia nenhum dos dois), mas apenas porque Harrison era fisicamente parecido com Franco Nero!!!

Harrison e Ho haviam se conhecido anos antes no set de "Marco Polo" (1975), um épico dirigido por Cheh Chang (de quem Godfrey era assistente, lembra?). Consta que o ator ficou impressionado com a animação daquele jovem que sonhava em ser cineasta, e por isso não pensou duas vezes em participar do seu filme de ninja por um cachê bem menor que o usual. Harrison não fazia ideia de como iria se arrepender por isso depois...


Ho e Lai agora tinham um "astro" parecido com Franco Nero e a ideia de uma aventura com ninjas. Só faltava um, digamos, pequeno detalhe: Joseph Lai não tinha dinheiro para produzir UM FILME INTEIRO. Resolveram, então, usar uma estratégia que já era comum nas suas velhas produções de artes marciais: comprar os negativos de filmes incompletos, ou de filmes antigos que não fizeram muito sucesso por lá, e reeditar essas obras, inserindo na narrativa as novas cenas com ninjas filmadas por Godfrey Ho!

E não importava se o filme em questão era um drama, um horror, uma comédia ou um policial: eles sempre davam um jeito de encaixar cenas com ninjas, geralmente no começo e no final, só para justificar os novos títulos estapafúrdios com que rebatizavam as produções - coisas como "Ninja Terminator", "Diamond Ninja Force", "Golden Ninja Warrior" e este NINJA THUNDERBOLT.


A essa altura, o leitor do FILMES PARA DOIDOS deve estar se perguntando como é que os sujeitos faziam tamanha picaretagem sem sofrer nenhum processo judicial. A resposta é simples: antes de tudo, vamos lembrar que os tempos eram outros e esse tipo de "liberdade poética" era bem comum.

Tomemos como exemplo o lendário produtor norte-americano Roger Corman. Nos anos 60, ele adquiriu os direitos de um filme russo de ficção científica chamado "Planeta Bur" (1962), de Pavel Klushantsev. Como não pegava bem lançar um filme russo nos cinemas americanos em plena Guerra Fria, Corman simplesmente dublou os atores em inglês, batizou-os com pseudônimos norte-americanos e chamou dois jovens diretores para filmar cenas adicionais. Assim, a partir de um único filme ("Planeta Bur") ele lançou dois, "O Planeta Pré-Histórico" (1965) e "Viagem ao Planeta das Mulheres Selvagens" (1968). Como curiosidade, os "jovens diretores" que filmaram cenas adicionais para ambos foram, respectivamente, Curtis Harrington e Peter Bogdanovich, que passariam a ser cineastas respeitados anos depois!


Além disso, é preciso lembrar que tanto essa malandragem de Corman quanto as picaretagens de Ho (e outros tantos caras-de-pau) eram feitas a partir de pequenas produções praticamente desconhecidas mesmo no seu país de origem, então imagine no mercado ocidental.

E as aventuras com ninjas da IFD Films & Arts eram feitas exclusivamente para os cinemas e videolocadoras dos Estados Unidos, e não para exibição no Oriente, onde algum espertinho poderia reconhecer o filme "remontado" pela dupla.


Claro que ninguém podia imaginar que, no futuro, existiria internet, DVD e gente com muito tempo nas mãos para ficar pesquisando essas coisas. Se antes os filmes de ninja de Ho eram assistidos apenas por frequentadores de cinemas baratos, que não costumavam perceber a diferença entre uma aventura oriental e outra, hoje existem fãs que pesquisam as obras e as assistem várias vezes para perceber os enxertos e montagens - como este que vos escreve!

NINJA THUNDERBOLT, a aventura que teve a "honra" de abrir o pacote ninja da IFD Films & Arts, foi montado a partir de uma pequena co-produção Hong Kong/Taiwan/Japão chamada "Zhi Zun Shen Tou", também conhecida como "The Ninja and the Thief" e "To Catch a Thief", e dirigida por Tommy Lee Gam Ming em 1984.


Embora Ho tenha produzido muitos filmes a partir de obras inacabadas, "The Ninja and the Thief" estava pronto e tinha começo, meio e fim. Contava a história de Shima (Yasuaki Kurata), um mestre ninja contratado para roubar uma valiosa estátua de jade com forma de cavalo. Um detetive da polícia (Don Wong) e uma investigadora da agência de seguros (Yin Su-li) unem-se para descobrir o paradeiro da relíquia e descobrem que o roubo foi planejado pelo seu próprio dono da estátua, que estava tentando embolsar a grana do seguro.

"The Ninja and the Thief" era uma aventura barata, mas bem divertida e repleta de cenas de ação malucas, incluindo a formidável perseguição do herói por ninjas brandindo espadas e equilibrando-se sobre... patins?!? Sim, patins. Pare tudo que estiver fazendo agora e assista esse momento mágico da sétima arte (um dia você ainda vai me agradecer por isso):

Rollerskating Ninjas!!!


E, caso você não tenha ligado o nome à pessoa, o protagonista Don Wong é o mesmo que, dez anos antes, teve a honra incomensurável de dar um cacete em ninguém menos que CHUCK NORRIS quando eles interpretaram herói e vilão, respectivamente, em "Massacre em São Francisco"!!!

(Sempre lembrando que Don Wong e um tal de Bruce Lee foram os únicos heróis cinematográficos a dar um cacete no mito Chuck Norris, o que desde já coloca o menos célebre Wong no mesmo patamar de lenda do falecido Lee.)


Tudo muito bom, tudo muito bem, mas Godfrey Ho ainda precisava transformar "The Ninja and the Thief" num veículo para o ninja ocidental interpretado por Richard Harrison. E a maneira encontrada por ele foi hilária, e bem típica de Ed Wood: simplesmente filmou uns 10 minutos de cenas adicionais em que Richard Harrison interpreta um sujeito chamado... hã... "Richard". No caso, Richard Lohman, um super-mestre ninja que também é o "superintendente da Divisão de Crimes Graves" da polícia.

É claro que Joseph Lai não ia gastar dinheiro contratando Don Wong ou algum dos outros atores de "The Ninja and the Thief" para filmar cenas adicionais com Harrison. Portanto, o galã só "interage" com os outros atores graças ao milagre da montagem. Por exemplo, nós nunca vemos Don Wong e Richard Harrison dividindo o mesmo quadro, apenas um frame de um "falando" com o outro, e então o frame do outro "respondendo" ao primeiro. Dê uma olhada nas imagens abaixo para entender melhor como funciona:

Cena original de "The Ninja and the Thief"



Cena remontada de NINJA THUNDERBOLT


Simples, não? É picaretagem? Sim, e da grossa. Por outro lado, esse tipo de montagem exige um sujeito bastante criativo (e cara-de-pau, claro), para fazer com que as cenas adicionais casem com o material pré-gravado e já finalizado. E a redublagem dos diálogos também precisa fazer sentido, óbvio.

O interessante é que NINJA THUNDERBOLT traz um dos melhores trabalhos de edição da dupla Ho/Lai (a montagem foi assinada por Wong Ming-Lam). O espectador desavisado nem percebe à primeira vista que, na verdade, está assistindo a dois filmes diferentes cujos atores nunca interagem no mesmo quadro, algo que outras produções posteriores de Ho e Lai já deixam bem mais evidente.


Se "The Ninja and the Thief" já iniciava com Shima realizando o roubo, em NINJA THUNDERBOLT temos uma nova introdução filmada por Ho, uma cerimônia do "Império Ninja" (não tente entender) em que é repassada a filosofia e o rígido código de honra dos guerreiros mascarados.

Richard Harrison está ali no meio, em traje de ninja e com rímel debaixo do olho para deixá-lo "puxadinho" (assim as pessoas não vão estranhar quando mais tarde ele for substituído por um dublê oriental que SABE LUTAR, mas tem olho puxado natural, nas cenas de ação). Na mesma cerimônia está o personagem de Yasuaki Kurata em "The Ninja and the Thief". Como? Ora, Ho simplesmente pegou uns takes dele em primeiro plano no outro filme e inseriu na montagem como se ele estivesse participando da reunião!


Segue-se a trama usual de "The Ninja and the Thief", com participações pontuais de Harrison aqui e ali, só para justificar seu nome enorme no pôster do filme e o fato de os créditos iniciais trazerem um "Estrelando Richard Harrison". Os nomes dos personagens também foram mudados: o herói Wang Lee virou apenas Wong, e o vilão, que se chamava Chen, foi rebatizado "Jackal Chan"!!!

Descontando o momento em que, como superior de Don Wong, ele encarrega o herói de investigar o roubo da estátua, e alguns telefonemas dele para Wong, Harrison nunca participa diretamente da trama de "The Ninja and the Thief", mas volta na conclusão enfrentando um outro ninja, uma mulher, que não tem nada a ver com o resto da história!


Ainda entre as cenas adicionais filmadas por Ho e enxertadas em "The Ninja and the Thief", existe um momento completamente aleatório em que um dos amigos de Harrison (com o qual ele tinha enchido a cara momentos antes) é morto pela ninja-mulher com, acredite se quiser, uma fita cassete arremessada no seu peito como se fosse shuriken!!!

A fita contém uma gravação, uma mensagem para Harrison que tenta dar algum sentido à trama, dizendo que ele traiu o "Império Ninja" (por estar caçando Shima, um dos seus "irmãos") e por isso irá morrer. Bravo!


NINJA THUNDERBOLT até pode ter certo interesse para quem gosta do cinema de ação oriental, principalmente pelas cenas originais de "The Ninja and the Thief", que incluem diversas lutas entre Don Wong e uma cacetada de figurantes (e uma luta final muito boa entre Wong, Yin Su-li e o vilão Kurata). As cenas com ninjas filmadas por Ho e incluídas na montagem não são tãooooo marcantes assim, mas, vá lá, quebram o galho.

Na verdade, o filme será muito mais apreciado por admiradores de cinema ruim e de trash movies, e não só pela montagem picareta de Ho e pelas cenas sem sentido com Richard Harrison, mas também porque "The Ninja and the Thief", originalmente, já era um trashão daqueles!


Além da hilária cena com os ninjas de patins perseguindo o herói, que virou hit no YouTube, "The Ninja and the Thief" provoca algumas boas gargalhadas graças à pobreza mais do que visível da produção. A "casa" do herói Wong, por exemplo, é um quarto de motel, e dos mais vagabundos, já que a porta da frente dá diretamente para o banheiro e para o quarto, e ninguém fez muita questão de esconder o painel cheio de botões (para ligar o som, para ligar o ar condicionado) na cabeceira da cama!

Também há umas cenas completamente sem-noção QUE JÁ ESTAVAM LÁ antes de Ho meter a mão no filme. Minha preferida é aquela em que o herói assusta sua esposa usando uma máscara de monstro; posteriormente, quando um vilão igualmente mascarado invade a "casa", a moça acredita ser seu marido zoando e se dá mal - num hilário reaproveitamento da velha fábula do menino que gritava "Lobo! Lobo!".


Tommy Lee Gam Ming, o diretor original dessa bagaça, também não era o mais inteligente dos cineastas. Pois eis que o sujeito filma uma perseguição de carros em que heróis e vilões dirigem carros brancos praticamente iguais (!!!), e você nunca sabe quem é quem no meio do corre-corre! Aliás, "corre-corre" em partes, porque todas as cenas de perseguição são filmadas em velocidade normal e depois "aceleradas" na montagem, o que fica absurdamente falso.

E o que dizer do momento em que a mocinha da companhia de seguros está numa cabine telefônica que é atravessada por um carro em alta velocidade dirigido pelos caras maus? Quando você pensa que a garota morreu, eis que na cena seguinte ela aparece pendurada no capô do veículo em alta velocidade, ainda segurando o telefone na mão e sem um único arranhão (tá, para não ser injusto, uma das meias-calças dela está furada, assim não fica tão absurdo).


Se Godfrey Ho era o "Ed Wood de Hong-Kong", então Tommy Lee era o Bruno Mattei de lá, pois seu filme original está repleto de bobagens e erros de continuidade. Embora Shima roube a estátua de jade à noite, por exemplo, no momento em que ele sai do prédio já é dia com sol a pino (e não, ele não levou mais de 10 minutos para abrir o cofre).

O diretor também parece meio na dúvida entre o tipo de filme que quer fazer, pois há uma quantidade considerável de nudez (feminina e também masculina, com direito a pinto mole balançando), e umas loooooongas cenas de sexo simulado completamente deslocadas da narrativa (incluindo uma ameaça de 69!), como se alguém tivesse gravado putaria da extinta Sexta Sexy numa fita onde já havia um filme de ninja gravado três dias antes na Sessão Kickboxer.

(Que fique registrado: o original "The Ninja and the Thief" tinha ainda mais cenas de sacanagem, que foram cortadas para acomodar as novas cenas de ninjas com Richard Harrison. Tanto a obra de Tommy Lee quanto a remontagem de Godfrey Ho duram 88 minutos.)


O interessante é que Godfrey Ho manteve esse estilo sem-noção, e os cerca de 10 minutos adicionais que filmou para fazer NINJA THUNDERBOLT estão imbuídos do mesmo espírito "Que se foda!" do original "The Ninja and the Thief". Há, por exemplo, uma cena em que Harrison prende um traficante num parque, e que não tem nada a ver com a trama principal - lembre-se, ele não podia participar diretamente da outra trama porque ela faz parte de um filme já pronto, mas precisava aparecer fazendo alguma coisa!

Pois eis que o traficante guarda uns 15 baseados dentro da boca (!!!), de onde só os retira quando aparece algum comprador. É um negócio tão inacreditável que só vendo para acreditar, além de um verdadeiro desrespeito ao consumidor: não é porque seu negócio é ilegal que você deve agir com tamanha falta de higiene, vendendo baseados molhados e babados!


Continuando nessa linha "tão ruim que fica bom", o mestre ninja Harrison tem uma espécie de armário mágico em sua casa, pois toda vez que abre a porta do dito-cujo uma luz branca super-forte sai de lá de dentro. A luz parece emanar da espada ninja mágica usada pelo personagem.

Por sinal, os ninjas de Godfrey Ho fazem aquele estilo "magos cheios de truques", pois além da super-habilidade na espada, eles também vestem seus trajes ninjas magicamente em um segundo, bastando para isso jogar uma bomba de fumaça no chão!


NINJA THUNDERBOLT pode não convencer muito como filme de ação, mas é hilário como comédia involuntária, e ainda melhor para você assistir agora, depois de ler essa resenha, pois irá prestar mais atenção nas cenas adicionais enxertadas e em como o "mestre ninja Richard Harrison" jamais interage com os personagens da trama principal.

Curioso é que a cópia lançada em DVD no Brasil, pela Califórnia Filmes, faz jus à ruindade da obra e torna tudo ainda mais trash: além da qualidade ruim da imagem (obviamente ripada de VHS) e da capinha com uma imagem feia super-ampliada até ficar quadriculada, a Califórnia lançou uma versão DUBLADA EM ITALIANO! E poucas coisas são mais esquisitas do que ver ninjas falando italiano num filme produzido em Hong-Kong e com legendas em português - parece até aquela música dos Titãs!


Quando NINJA THUNDERBOLT começou a dar certo retorno financeiro nos cinemas ocidentais, o produtor Joseph Lai percebeu que seu insólito "jeitinho" de fazer filmes podia render ainda mais. Sempre com Godfrey Ho na direção (embora Lai assumisse o cargo às vezes para desafogar o parceiro), a IFD Films & Arts lançou mais umas 20 aventuras com ninjas produzidas a partir de material de terceiros, muitas delas com Richard Harrison repetindo seu papel de mestre ninja ocidental.

Aí veio a malandragem-mor, sobre a qual pretendo me aprofundar em futuras postagens: Lai contratou Harrison para fazer apenas três filmes (já contando NINJA THUNDERBOLT), mas pediu que Ho gravasse o maior número possível de cenas aleatórias com o ator vestido de ninja e interagindo com personagens inexistentes.

Dessa maneira, os "três filmes" acabaram se transformando em nada mais nada menos que 25 FILMES, e sempre reaproveitando as mesmas "cenas aleatórias" com Harrison! Isso levou o ator norte-americano a abandonar o cinema, desiludido por ter seu nome associado a tamanha quantidade de podreiras (embora volta-e-meia ele reapareça em pequenas participações).


Já Godfrey Ho, quem diria, aposentou-se do ramo para virar professor de cinema (!!!) na Hong Kong Film Academy! Exato: o "Ed Wood de Hong-Kong" hoje ensina seus segredos e divide suas habilidades com a nova geração do cinema oriental. Talvez em breve tenhamos uma nova febre de filmes de ninja direto para locação.

E, se bobear, com aquelas mesmas velhas cenas filmadas com Richard Harrison...

PS: Os créditos iniciais informam que Jackie Chan foi coadjuvante no filme. Não vi ninguém sequer parecido com o astro mesmo entre os figurantes, mas a Califórnia Filmes comprou a ideia e tascou o nome "Jackie Chan" em letras garrafais na capinha do DVD nacional. O máximo que NINJA THUNDERBOLT traz é o personagem chamado "Jackal Chan", então deve ser mais uma picaretagem da dupla Ho/Lai, já que outras obras deles, como "Ninja - O Protetor", também anunciam enganosamente a presença de Jackie Chan.

Trailer de NINJA THUNDERBOLT



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Ninja Thunderbolt (1985, Hong-Kong / Taiwan)
Direção: Godfrey Ho (e Tommy Lee Gam Ming)
Elenco: Richard Harrison, Don Wong, Yasuaki Kurata,
Yin Su-li, Cheng Fu-Hung, Lee Fat-Yuen, Wong Chi-Wai
e mais um monte de desconhecidos.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

MASSACRE EM SAN FRANCISCO (1974)


O Internet Movie DataBase, maior fonte de informações para fãs de cinema na internet, afirmava categoricamente que "O Vôo do Dragão", filme escrito e dirigido pelo astro Bruce Lee em 1972, era o único em que o ator Chuck Norris interpretava um vilão. E foi aí que eu percebi como MASSACRE EM SAN FRANCISCO era realmente uma produção das mais obscuras, pois neste esquecido filme de ação made in Hong-Kong o lendário Norris, ainda bem longe da fama, também interpreta um malvadão. (A informação incorreta foi recentemente corrigida pelo IMDB, que agora informa que Norris interpretou dois vilões em sua carreira.)

"Oficialmente", MASSACRE EM SÃO FRANCISCO é de 1974, tornando-se assim o terceiro papel creditado de Chuck Norris no cinema. Mas esta produção barata da Golden Harvest foi muito mal-lançada, e depois ficou mofando nas prateleiras da produtora. Como alguns anos depois Norris estouraria como astro, ganhando seu primeiro papel de protagonista em "Comboio de Carga Pesada" (1977), a Golden Harvest sacou o filme do depósito onde estava mofando, mudou o título original de "Karate Cop" para "Slaughter in San Francisco" (apesar de não haver nenhum massacre no filme, seja em San Francisco ou em qualquer outro lugar), e rodou novos créditos iniciais com o nome de Chuck Norris em destaque para relançá-lo nos cinemas ocidentais!


Picaretagem total, não é? E isso que nem falei do novo trailer, que tentava vender Chuck como protagonista, ou do cômico novo pôster de cinema, que anunciava "Chuck Norris explode na tela", e trazia um desenho do ator em posição de combate cercado por policiais (cena que não existe no filme!), mas sem nenhuma menção ao verdadeiro protagonista do filme - o coreano Don Wong!!!

A picaretagem estendeu-se ao Brasil: quando a FJ Lucas lançou essa porqueira em vídeo, teve bastante criatividade para criar uma capinha completamente enganosa que levava o espectador a acreditar que Chuck Norris era o verdadeiro protagonista do filme, como você pode ver abaixo (fonte: Museu do VHS, de Bruno Martino):


Não é por nada que, em diversas entrevistas depois de famoso, Norris declarou que o único filme que se arrependeu de fazer foi MASSACRE EM SÃO FRANCISCO. Mais um motivo para conhecê-lo, não é mesmo? Até porque, ao contrário da hipócrita da Xuxa, ele nunca tentou tirar o filme de circulação.

Don Wong, cujo verdadeiro nome é Wang Tao, interpreta um policial oriental que patrulha San Francisco (o filme realmente foi rodado nos States) ao lado do parceiro John Summer (Robert Jones), um policial negro com uma vasta cabeleira black power, só para lembrar que estamos vendo uma produção dos anos 70 - aposto que uma instituição conservadora, como a polícia de San Francisco, iria adorar ter policiais com cabelo black power na corporação...


O filme foi escrito e dirigido por Lo Wei, o responsável pelos dois primeiros (e CLÁSSICOS, em maiúsculas mesmo) filmes de Bruce Lee, "O Dragão Chinês" e "A Fúria do Dragão". Aqui, infelizmente, ele não estava tão inspirado, inclusive assina com o pseudônimo "William Lowe".

Seu roteiro é uma autêntica confusão. Primeiro, a dupla de policiais heróicos está dirigindo sua viatura pela rodovia quando, miraculosamente, escuta os gritos de socorro vindos de um bosque a mais de um quilômetro dali. É uma garota oriental (Sylvia Chang) que supostamente está sendo estuprada por dois valentões. Mas, depois que os policiais acabam com ambos a golpes de karatê, a moça aparece na delegacia dizendo que foi tudo um mal-entendido e pedindo para libertar os "amigos".

Depois, o policial John cai numa emboscada e é empurrado para dentro de um caminhão repleto de bandidos (nunca identificados). Levado até a praia, toma vários catiripapos até ser miraculosamente localizado pelo amigo faixa-preta Wong, que salta como um tigre sobre os agressores e, furioso, acaba matando um deles. O chefe de polícia não pensa duas vezes e expulsa o "Bruce Lee cover" da corporação, fazendo com que ele vá buscar emprego como garçom num restaurante chinês - e onde mais um oriental poderia trabalhar em San Francisco?


E eis que finalmente a história começa a entrar nos eixos: surge o malvadão Norris, chamado simplesmente "The Boss", e que vem a ser o rei do crime da cidade. Sua primeira cena no filme é queimando a mão do herói com um charuto aceso, só para dar uma amostra da sua maldade. "The Boss" acaba gostando do ex-policial, aparentemente apenas pela sua capacidade de resistir à dor da queimadura do charuto, e teima em trazê-lo para sua organização. Mas Wong é honesto e não quer saber de virar a casaca.

Então, dias depois, John tenta frustrar um assalto e é morto pelos bandidos, obviamente chefiados por "The Boss". Mesmo afastado da polícia, o herói decide investigar o caso por conta própria e vingar-se dos responsáveis. E o faz da maneira mais cômica e absurda possível: simplesmente passa os próximos 20 minutos do filme invadindo a casa de elementos suspeitos da cidade (!!!) e batendo pra caramba neles (!!!) até encontrar, por mero acaso (!!!), um dos envolvidos no crime, que entrega todos os responsáveis, inclusive um homem misterioso que vem a ser o próprio chefe de polícia de San Francisco (argh!!!).

Isso tudo apenas para levar à luta final entre Wong e Norris, que em nada lembra aquele duelo com Bruce Lee no Coliseu em "O Vôo do Dragão", mas ainda assim é muito divertido - e, claro, tem aquele velho clichê da camisa do herói rasgando para ele lutar de peito nu!!!



O filme tem também uma absurda trama paralela em que um velho comerciante chinês é preso (sem qualquer prova) pelo assassinato do policial John, e a polícia ainda tenta arrancar uma confissão do velhinho na base da porrada.

Apesar do cartaz de cinema, de alguns títulos alternativos enganosos (como "Chuck Norris Versus Karate Cop") e do fato do nome do ator norte-americano aparecer por primeiro nos créditos iniciais do filme, MASSACRE EM SAN FRANCISCO não é, de maneira nenhuma, um filme de Chuck Norris.

As cenas com o futuro astro não chegam a somar dez minutos, e ele praticamente entra mudo e sai calado, interpretando aquele tipo de vilão que passa a trama inteira dando ordens para seus subalternos, sujando as mãos apenas no final. Tirando a luta da conclusão, só existe uma ceninha mixuruca com "The Boss" treinando karatê, para quem realmente quiser ver Norris em ação.

E se como filme de pancadaria MASSACRE EM SAN FRANCISCO não é lá grandes coisas (embora algumas lutas, especialmente a final, sejam muito boas), a produção torna-se mais do que recomendada pelo inevitável fator trash. Afinal:

* Este é o segundo dos dois únicos filmes em que você poderá ver "o mito" Chuck Norris realmente apanhando. E perdendo uma luta!

* A dublagem dos personagens segue o padrão "filme de Hong-Kong" de qualidade: até Norris é dublado exageradamente e ganha sotaque inglês! Mas o cúmulo é quando um cão policial também aparece dublado: o bicho está lá quietinho, com a língua de fora, e mesmo assim algum energúmeno adicionou uma trilha de ferozes "au-aus"!!!

* O som das pancadas e do deslocamento de ar durante os golpes é tão exagerado que mesmo quando o herói e seu amigo John trocam uns tapinhas por puro fingimento (sem se acertar com força), a gente escuta algo do tipo POW! SOC! TUM!, como se ambos estivessem realmente se moendo na pancada!


* Todo mundo na polícia de San Francisco sabe lutar karatê - do policial oriental ao negro black power, passando até pelo chefe de polícia!!! -, e todos eles preferem dar bolachas nos bandidos a usar revólveres.

* Em que outro filme você vai encontrar um herói que, sem pistas para seguir, simplesmente sai dando porrada em todo mundo até que alguém confesse o que ele queria saber?

* Mesmo quando o protagonista está cercado por 15 sujeitos armados, os bandidos continuam atacando um por vez, para que cada um possa apanhar na ordem.

* O chefe de polícia parece ser um oficial da Gestapo: não só acusa um pobre velho oriental pela morte de um policial (APENAS porque o cadáver foi deixado no quintal da casa do coitado), como ainda espanca o SUSPEITO o tempo inteiro e manda prendê-lo, sem direito a fiança, mesmo que não existam provas contra ele!


* "The Boss" passa o filme inteiro tentando convencer o herói a fazer parte da sua organização, ao invés de matá-lo de uma vez. No final, Wong consegue infiltrar-se facilmente no QG do vilão e descobrir todos os seus negócios sujos APENAS dizendo algo do tipo: "Tudo bem, eu finalmente resolvi me juntar à organização". E o vilão acredita! Belo rei do crime...

* Num momento da luta final, Wong e "The Boss" caem dentro de uma fonte e ficam completamente molhados. Mas no take seguinte, ambos já estão sequinhos. Vai ver a alta temperatura da luta fez toda a água evaporar instantaneamente!

Filho do também ator George Wang (que era habitué em produções baratas de western e espionagem feitas na Itália nos anos 60 e 70), Don Wong até luta bem e convence. E não dá para relevar o fato de que ele ganha uma luta contra o Chuck Norris, caramba!


Mas a verdade é que Wong nunca fez mais do que isso, e ironicamente quem transformou-se em astro aqui foi o inexpressivo vilão do filme! Seu azar foi ter estrelado uma produção tão sem sal, em que a pobreza de recursos e de orçamento está mais do que evidente, inclusive pelo fato de o herói passar o filme inteiro com a mesma roupa (comprovando que higiene pessoal não é o seu forte).

O marketing da época tentou vendê-lo como "o tigre" (um dos muitos títulos alternativos é "Yellow Faced Tiger"), já que Bruce Lee era o dragão, mas não funcionou. Pelo menos em Hong-Kong ele continuou uma prolífica carreira que somou 40 filmes (nenhum deles fez grande sucesso), e encerrou em 1989.

Quem gosta dessas curiosidades do cinema de ação de Hong-Kong, ou simplesmente procura um filme bem ruim para dar risada, terá em MASSACRE EM SAN FRANCISCO um prato cheio. Pena que a fita VHS da FJ Lucas seja uma daquelas raridades disputadas a tapa por colecionadores, e a obra nunca tenha sido relançada numa versão decente em DVD.

Será que Norris toparia fazer uma faixa de comentário discutindo a "profundidade psicológica" do seu personagem na cena em que o vilão come uma maçã enquanto seus capangas apanham do herói?

Trailer de MASSACRE EM SAN FRANCISCO


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Slaughter in San Francisco/ Karate Cop/
Huang Mian Lao Hu (1974, Hong-Kong, EUA)

Direção: William Lowe (Lo Wei)
Elenco: Don Wong, Chuck Norris, Robert
Jones, Chuck Boyd, Sylvia Chang, Dan
Ivan e Ching-Ying Lam.