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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O ENXAME (1978)


(Este artigo foi escrito em outubro de 2009 para publicação no site Boca do Inferno, onde eu era colaborador frequente. Mas acabou nunca sendo publicado porque o perfil do leitor do site mudou, e hoje o pessoal que frequenta prefere textos curtos. Portanto, resolvi trazer o artigo para cá, onde sei que será um deleite para os leitores já acostumados à minha megalomania textual.)

Para as novas gerações, o nome Irwin Allen provavelmente não quer dizer nada. Mas para quem teve sua infância entre os anos 70 e 80, Allen era o equivalente ao que Roland Emmerich ou Michael Bay são hoje: um diretor-produtor ótimo no comando da parte técnica de superproduções cheias de efeitos especiais, mas medíocre na direção dos atores e na condução dos roteiros. Aliás, quem acha que a destruição do mundo em blockbusters é uma novidade surgida com "Armageddon", do Bay, ou "Independence Day" do Emmerich, certamente nunca viu os famosos filmes-catástrofe dos anos 70, uma verdadeira febre que colocava astros e estrelas de Hollywood sofrendo as conseqüências de terríveis desastres naturais (erupções vulcânicas, terremotos, ataques de animais) ou acidentes diversos (naufrágios de transatlânticos, aviões desgovernados, incêndios em arranha-céus).


Na década de 70, Irwin Allen era um mestre no ramo. Ele começou sua bem-sucedida carreira no comando de seriados de TV muito populares, como "Perdidos no Espaço" (1965-1968), "Túnel do Tempo" (1966-67) e "Terra de Gigantes" (1968-1970). Estas séries foram uma credencial para sua estreia no mundo do cinema, naquilo em que se tornou um especialista: os filmes-catástrofe. Não por acaso, Allen foi apelidado de "Mestre dos Desastres".

Ele começou produzindo e co-dirigindo (com Ronald Neame) "O Destino do Poseidon", de 1972 (refilmado em 2006). Era um filme de suspense sobre o naufrágio de um transatlântico, com um elenco de grandes astros - entre eles, Gene Hackman, Ernest Borgnine, Shelley Winters e Roddy McDowall. Depois Allen realizou um clássico do SBT, "Inferno na Torre", de 1974, que mostrava Steve McQueen, Paul Newman, William Holden, Faye Dunaway, Fred Astaire, Richard Chamberlain e até O.J. Simpson enfrentando as chamas do incêndio em um prédio de luxo (este ele co-dirigiu com John Guillermin). Ambos foram um estrondoso sucesso de bilheteria: "Inferno na Torre", por exemplo, foi feito com US$ 14 milhões e rendeu US$ 116 milhões só nos cinemas dos Estados Unidos!


Isso, mais o título de "Mestre dos Desastres", deu um baita cacife para Irwin Allen, que conseguiu convencer a Warner Brothers a produzir um filme "só seu", ou seja, que ele dirigiria sozinho. Bem, o resultado enterrou a bem-sucedida carreira do coitado: foi O ENXAME, de 1978, uma ridícula superprodução sobre abelhas assassinas.

O filme é tão ruim, mas tão ruim, que ficou apenas duas semanas em cartaz nos cinemas norte-americanos - ninguém queria vê-lo! Nestas duas semanas, a crítica arrasou a obra, os próprios astros saíram falando mal dela, e esta ambiciosa superprodução de 21 milhões de dólares fechou a conta no vermelho, arrecadando apenas 10 milhões nas bilheterias, quando muito... Em suma, uma catástrofe de filme-catástrofe!


Rever O ENXAME hoje é constatar como tudo pode dar errado num blockbuster, mesmo quando milhões de dólares e um elenco de estrelas estão envolvidos na sua realização. Vá lá que os efeitos especiais e as "cenas de desastre", duas especialidades de Allen, ainda funcionem razoavelmente bem, mesmo para os "padrões CGI" atuais.

O problema é todo o resto: atores sem direção, fazendo concurso para ver quem aparece mais; cenas e acontecimentos sem qualquer razão de existir; excesso de pieguice e dramalhão, lembrando até uma novela mexicana; repetição exagerada dos ataques das abelhas (todos iguais e em câmera lenta); cenas de ação exageradas, e, principalmente, diálogos risíveis saindo da boca de atores consagrados (que hoje provavelmente adorariam queimar toda e qualquer cópia desse filme). Esse tipo de problema, meu amigo, não há grande orçamento que salve. Eu até arriscaria dizer que O ENXAME é o tipo de produção que Bruno Mattei ou Ed Wood fariam se tivessem muito dinheiro à disposição.


O roteiro de Stirling Silliphant (o mesmo que escreveu os filmes-catástrofe anteriores de Allen) é baseado num livro de mesmo nome, assinado por Arthur Herzog Jr. Aliás, pode parecer besteira nos tempos atuais, mas nos anos 70 os norte-americanos realmente tinham medo de que o seu país fosse invadido por enxames de "selvagens" abelhas assassinas vindas da América do Sul (!!!) ou da África.

O DVD do filme, lançado pela Warner, inclusive traz um documentário dos bastidores, realizado na mesma época das filmagens, em que diversos atores aparecem falando da sua preocupação real com um futuro ataque de abelhas assassinas (como se já não tivessem problemas suficientes lá nos EUA na década de 70...). O próprio trailer de cinema anunciava: "É mais do que especulação... É uma previsão!". Sensacionalismo pouco é bobagem.


O ENXAME começa com uma interminável seqüência de cenas mostrando um grupo de soldados, protegidos dos pés à cabeça, entrando numa base de mísseis no Texas. Depois de longos minutos zanzando pelos corredores da base, eles finalmente encontram os responsáveis pelo local - todos mortos. A única pessoa viva parece ser o entomologista Bradford Crane (Michael Caine), que é imediatamente preso pelo major Baker (Bradford Dillman) e pelo general Slater (Richard Windmark).

Sem jamais explicar satisfatoriamente como entrou ou o que está fazendo numa base militar de segurança máxima (um dos milhões de furos do roteiro), Crane recebe a ajuda da bela médica do local, Helena (Katharine Ross), para contar aos militares o que aconteceu: um enxame de abelhas africanas atacou a base, matando praticamente todos os soldados.


O general Slater, fazendo bem o seu papel de militar cético dos filmes de horror, duvida da história, até que os radares captam um "objeto não-identificado" voando à velocidade de 12 km/h. Slater manda dois helicópteros para investigar, e eles são os primeiros a visualizar o gigantesco enxame de abelhas africanas, que acabam provocando a queda das aeronaves. Identificada a ameaça, resta aos militares colocar o cientista Crane no comando da operação, para tentar destruir as pequenas assassinas antes que elas cheguem a centros habitados. Mas a tarefa será bem mais difícil do que inicialmente parece.

Segue-se uma sucessão de mortes e tragédias provocadas pelo enorme enxame. Primeiro, um casal que fazia um inocente piquenique com seu filho é morto - em câmera lenta, lógico - por milhares de abelhas. O garoto se salva, mas apenas para dirigir (!!!) até a cidade mais próxima e avisar do perigo que se aproxima.


A tal cidade é Marysville, que ironicamente está realizando a sua "Festa das Flores". Vários dramas pessoais dos habitantes da cidadezinha são construídos por Allen nessa primeira parte do filme, como a velha e indecisa professora de uma escola (a veterana Olivia de Havilland, que fez "E o Vento Levou...") sendo cortejada por dois pretendentes (Ben Johnson, que já havia enfrentado abelhas em "Abelhas Selvagens", de Fred MacMurray); um jovem médico (Alejandro Rey) apaixonado por uma paciente que está grávida e ficou viúva (Patty Duke); e até um velho pai revoltado (Slim Pickens) que, chorando, leva nos braços o cadáver do filho, um dos soldados mortos na base de mísseis, em uma das muitas cenas piegas do filme. Esses personagens nunca se cruzam: é como se Allen fosse convidando todas as celebridades à disposição e gravasse pequenas cenas separadas com elas, apenas para deixar o filme mais "luxuoso".

Bem, quando nossos heróis cientistas e militares percebem que o enxame vai direto a Marysville, e não há como detê-lo, eles ordenam a evacuação da cidade. Não sem antes as abelhas fazerem um "pré-massacre", com direito a criancinhas mortas na saída da escola (numa provável citação a "Os Pássaros", de Hitchcock, mas sem poupar os infantes de um fim trágico). Nesse momento, Crane surge gritando pelas ruas frases como "Saiam da rua, entrem em suas casas, elas estão chegando!", algo que me lembrou muito o eterno "Saiam da água!" gritado por Roy Scheider em "Tubarão", feito três anos antes.


Ah, e a evacuação da cidade acaba não dando em nada: as abelhas logo atacam o trem que levava a maioria dos habitantes de Marysville para um "local seguro", fazendo com que ele descarrilhe e mate todo mundo, incluindo quase todos aqueles personagens cujos dramas você acompanhou até então. Por isso, pode esquecer deles. Sádico, não é mesmo? Bem, mas vamos combinar que é uma maneira rápida e fácil de resolver DEFINITIVAMENTE todos os dramas pessoais apresentados...

E calma lá que, apesar de tanta morte e destruição, ainda tem muito filme pela frente. Acontece que todas as tentativas dos cientistas e dos militares para matar as abelhas falham, das pastilhas de veneno lançadas sobre o enxame até nuvens de pesticidas disparadas por aviões a jato. Acredite ou não, as abelhinhas parecem ter desenvolvido inteligência (!!!) e imunidade a venenos e pesticidas.


Indestrutíveis, elas então seguem seu rastro de mortes rumo a Houston, explodindo, no caminho, uma usina nuclear, e provocando a morte de mais de 36 mil pessoas (!!!) numa tacada só. É, amiguinhos, O ENXAME pode disputar qualquer competição de filme mais violento de todos os tempos!

Percebendo que o inimigo é mais poderoso do que imaginavam (tente segurar o riso), os militares resolvem parar de escutar os cientistas e, numa manobra desesperada, mandam evacuar Houston, planejando incendiar a cidade para tentar deter de vez as abelhas.


O resultado deste plano estapafúrdio é o longo ato final, que parece evocar o clima da produção anterior de Irwin Allen, "Inferno na Torre", já que, além das abelhas, os protagonistas precisam enfrentar mil-e-um perigos em meio a prédios e pessoas em chamas. Essa novela toda acaba na mais implausível e absurda das conclusões, que brinda o espectador paciente com um "brilhante" discurso moralista de Crane para Helena:

- Será que nós conseguimos vencê-las... Ou é só uma vitória temporária?
- Eu não sei, mas pelo menos nós ganhamos tempo. E se usarmos esse tempo com sabedoria, o mundo talvez sobreviva.



Se você for corajoso o suficiente para tentar encarar O ENXAME, fica a dica: não se engane com os astros, com a produção caprichada e com o orçamento milionário (para a época, claro). Este é um verdadeiro trash movie que custou caro, uma daquelas atrocidades produzidas com pinta de filme sério, pretensioso até, mas que logo se mostra involuntariamente engraçada.

Além de todos os nomes já citados, o elenco de O ENXAME conta ainda com o sex symbol da época Richard Chamberlain, interpretando o dr. Hubbard, um cientista que estudou abelhas africanas... no Brasil!!!; Lee Grant como uma repórter bisbilhoteira; Henry Fonda, já em fim de carreira e de vida, sentado o tempo todo numa cadeira-de-rodas, "interpretando" o maior imunologista dos EUA; Cameron Mitchell como um general durão; e José Ferrer numa aparição-relâmpago como o diretor da usina nuclear. E mais uns milhares de figurantes para morrer, tomar picadas de abelhas, pegar fogo, explodir, etc etc.


O grande problema do filme é a escolha das "vilãs": por mais que a abelha seja um bichinho bem filho-da-puta (e eu falo com conhecimento de causa, já que sou alérgico a essas merdas!), ela não passa de um pequeno inseto voador com uma picada dolorida, e só. Bem diferente, por exemplo, de cobras ou aranhas, que são animais REALMENTE assustadores. E como o diretor opta por não mostrar os cadáveres pós-ataque das abelhas, com seus rostos inchados e cobertos de picadas, sobra um monte de cenas nada assustadoras em que atores e figurantes se debatem cobertos pelos insetos.

Além de não assustar, abelhas nem eram mais novidade em 1978, quando já haviam sido lançados vários filmes com as mesmas "vilãs", como "Abelhas Assassinas" (1974), de Curtis Harrington, "Abelhas Selvagens" (1976), de Bruce Geller, e sua continuação "Terror Out of the Sky" (1978), de Lee H. Katzin. No mesmo ano de 78, também saiu o inacreditável "The Bees", de Alfredo Zacarias, estrelado por John Saxon.


O que Allen aparentemente não percebeu é que transformar um inseto inofensivo, trabalhador e até simpático, como a abelha, numa ameaça assustadora é algo muito difícil de fazer sem soar ridículo. Uma das cenas-chave de O ENXAME, que dá uma idéia da idiotice dessa "ameaça", é aquela em que uma abelha (sim, uma única abelha!) invade um trem em movimento e pousa na mão de um dos condutores, que está comendo uma maçã.

Ele e seu companheiro arregalam os olhos e ficam paralisados de medo, como se estivessem diante do próprio Satanás! Poxa, dois marmanjões com medinho de UMA abelha, que era só estapear e pronto? E se você acompanhar os diálogos da cena, abaixo, perceberá que os caras parecem estar falando de uma serpente venenosa, e não de uma simples e mísera abelhinha:


É óbvio que o diretor demonstra seu habitual brilhantismo técnico nas cenas de ação e suspense, como aquela em que soldados com roupas protetoras saem pelas ruas de Houston tentando incendiar as abelhas com lança-chamas - é incrível que ninguém tenha se ferido nessas cenas, já que atores, figurantes e dublês ficam cercados por chamas que NÃO são feitas por computação gráfica, como hoje. Por outro lado, descontando os cuidados técnicos, Allen demonstra total incapacidade de controlar seu elenco, dirigir os atores ou acertar o ritmo do filme, que parece não terminar nunca.

Pois O ENXAME tem um excesso de cenas que, além de se alongarem mais do que o necessário, poderiam ser cortadas sem qualquer prejuízo para a trama, como aquela em que o dr. Krim (Henry Fonda) injeta em si mesmo um antídoto para veneno de abelhas ainda em fase experimental. Digamos apenas que a cena é simplesmente interminável: sozinho no laboratório, Fonda fica conversando com o gravador anunciando o que está acontecendo ("Batimentos cardíacos acelerados... Respiração ficando irregular... Não consigo pegar a seringa..."), durante uns bons 10 minutos!!! Da mesma forma, quase todos os dramas pessoais de personagens desinteressantes, como o médico apaixonado, poderiam muito bem parar no chão da sala de edição - até porque quase todo mundo morre sem resolver seus conflitos!


Haja saco, também, para agüentar os interlúdios românticos entre os protagonistas (Michael Caine e Katharine Ross). Na segunda metade do filme, a mocinha toma umas picadas (sem maliciar, por favor) e acaba de cama, entre a vida e a morte. Achei que isso iria criar uma situação tensa estilo "Epidemia", de Wolfgang Petersen, em que o herói teria que correr contra o relógio para descobrir um antídoto e salvar a vida da mocinha. Mas não: logo logo a moribunda fica boa, sem explicação, apenas por conveniências do roteiro - enquanto todas as outras vítimas de picaduras (opa!) morreram sem nenhuma chance.

Vale ressaltar que nem Katharine convence como médica militar (ela chega a administrar oxigênio a um recém-falecido, ao invés de tentar fazer massagem cardíaca!), e nem Caine como entomologista. Seu Bradford Crane deve ser o herói mais fajuto e atrapalhado da história do cinema-catástrofe, já que suas ações nunca dão certo e, por isso, umas 50.000 pessoas perdem a vida, mas ele parece nunca se importar com tal responsabilidade! As cenas em que o ator discute com o general interpretado por Windmark estão entre as mais cômicas, pois percebe-se claramente que não há direção de atores: cada um parece querer gritar e aparecer mais do que o outro!!!


Finalmente, é impossível levar a sério um roteiro em que o "herói" passa o filme inteiro tentando impedir que os militares combatam as abelhas com venenos e pesticidas, pensando na preservação do meio ambiente, mas no final sugere, ele mesmo, despejar dezenas de litros de óleo no Golfo do México (!!!) e provocar uma explosão para aniquilar o enxame. Quer dizer que a vida aquática não entra na "preservação do meio ambiente" pregada pelo herói?

E quando você acha que o filme não poderá ficar mais estúpido, eis que todas as vítimas que foram picadas pelas abelhas assassinas e sobreviveram acabam tendo alucinações, estilo "bad trip", em que enxergam gigantescos abelhões prestes a atacar, numas trucagens de sobreposição de cenas que são simplesmente de lascar!


Por mais que você tente encarar O ENXAME como filme de terror sério, os diálogos bisonhos e solenes escritos por Silliphant acabam com qualquer intenção de seriedade. Sinceramente, eu não sei se teria mais vergonha de escrever estas falas ou de "interpretá-las", como fazem os pobres atores do filme.

Vamos a alguns exemplos? Primeiro, veja só o comentário que o herói Crane faz sobre as abelhas africanas:


Mais adiante, Hubbard faz uma declaração inacreditável sobre a inteligência do inimigo, e Crane, para piorar, concorda (lembrem-se que estamos falando em ABELHAS, caramba!):


Também é de Hubbard o diálogo que coloca a culpa de toda a tragédia do filme no Brasil, como vocês podem ver aí embaixo:


E é Hubbard, ele de novo, quem solta essa pérola aí embaixo quando o diretor da usina nuclear diz que o local possui todos os dispositivos de segurança possíveis e imagináveis:


Chega a ser incrível o fato de atores famosos, como Caine e Chambarlein, conseguirem falar diálogos tão toscos sem nem ao menos cair na gargalhada. Porém o mais engraçado é quando uma atriz limitada, como Katharine Ross, tenta fazer um monólogo dramático! E é o que acontece quando sua personagem, que é médica, não consegue salvar a vida de um menino. Aí a moça faz a carinha mais triste e revoltada que consegue, e depois solta essa pérola aí embaixo:


Agora, num filme em que nada funciona como deveria, é preciso dar a mão à palmatória: as miniaturas (nas cenas de acidentes de trem, helicóptero e explosão da usina nuclear) e os ataques das abelhas são perfeitos.

Em tempos pré-CGI, abelhas reais foram utilizadas durante a maior parte do tempo (mais de 2 milhões de abelhas, alega o documentário sobre as filmagens), e todo mundo nos bastidores era obrigado a usar roupas protetores, daquelas de apicultor. Fico imaginando quantas ferroadas os pobres figurantes tomaram, nas cenas em que aparecem cobertos de abelhas!


Já as cenas do grande enxame sobrevoando as cidades foram feitas usando uma técnica bastante criativa: a imagem de grãos de café boiando na água foi sobreposta às cenas filmadas, dando a idéia de um enxame colossal - uma ideia que Luigi Cozzi pegou emprestada ao ajudar Dario Argento nos efeitos especiais de seu filme "Phenomena"!!!

Quando confirmou-se o desastre de O ENXAME, seu ator principal, Michael Caine, foi o primeiro a sair bombardeando a obra. Disse, entre outras gentilezas, que foi o pior filme que ele fez na vida (embora depois tenha participado até de produções estreladas por Steven Seagal!). "A culpa não foi só minha, até o Henry Fonda estava no filme, mas eu que levei toda a culpa", queixou-se o revoltado ator, durante uma entrevista.


Ninguém gostou do filme, que faz parte da lista de "100 piores filmes de todos os tempos" elaborada pelos criadores do prêmio Framboesa de Ouro, aquele que anualmente escolhe os maiores desastres cinematográficos. Ironicamente, O ENXAME ganhou até uma indicação ao Oscar de 1979, mas numa categoria no mínimo estapafúrdia: Melhor Figurino!!!

Se não fosse tão longo, eu certamente recomendaria O ENXAME como a atração perfeita para uma sessão trash com os amigos. O problema é que a versão lançada em DVD é a mesma exibida na TV pelo SBT há muitos anos, com 156 minutos de duração, praticamente 40 a mais do que a versão original de cinema (que durava "apenas" 116 minutos).


Por mais que seja "divertido" ver atores famosos e veteranos pagando mico, e sendo aniquilados por meras abelhinhas, e por mais que haja imbecilidade suficiente para transformar o filme numa espécie de sátira não-intencional do próprio cinema-catástrofe e de seus exageros, não é qualquer um que tem paciência para agüentar uma bomba tão longa.

Mas quem agüentar acordado até a conclusão vai ser recompensado com um letreiro simplesmente inacreditável durante os créditos finais, que diz mais ou menos isso: "As abelhas assassinas africanas mostradas nesse filme não têm nenhuma semelhança com a trabalhadora e organizada abelha americana, a quem temos um grande débito por polinizar as colheitas que alimentam a nossa nação". Dá para acreditar?


Obviamente, um fiasco nessas proporções acabou com toda a moral que Irvin Allen tinha batalhado para conquistar. Ele só conseguiu dirigir mais um filme no ano posterior, e novamente se deu mal: "Dramático Reencontro no Poseidon" (1979) é uma inexplicável e desnecessária seqüência do sucesso "O Destino do Poseidon", mostrando astros como Michael Caine (se queimando de novo, coitado), Sally Field, Telly Savalas, Peter Boyle, Jack Warden e Mark Harmon zanzando pelas ruínas do navio destruído no filme anterior (!!!).

O canto-de-cisne do "Mestre dos Desastres" foi "O Dia em que o Mundo Acabou" (1980), outro filme-catástrofe que ele apenas produziu, mas que foi dirigido por James Goldstone. Novamente, um elenco de estrelas (Paul Newman, Jacqueline Bisset, William Holden, Barbara Carrera, Burgess Meredith, Ernest Borgnine, James Franciscus e até Pat Morita!) tenta sobreviver à erupção de um vulcão numa ilha do Pacífico. Alguns até se salvam na trama, mas, na vida real, todos acabaram queimados: o filme foi outro fracasso de público e de crítica, ainda pior que os anteriores. Uma verdadeira bomba, que custou 20 milhões de dólares e não faturou nem US$ 1.700.000, sendo renegado pela maioria dos seus astros.


Para Irvin Allen, era definitivamente o fundo do poço. Tanto que, depois desse fiasco, foi o seu próprio mundo que acabou, e ele ficou longe do mundo do cinema até morrer, em 1991.

Mas o mais inacreditável é que o fracasso de O ENXAME não serviu como exemplo para os realizadores contemporâneos, que continuam fazendo filmes (geralmente horríveis) sobre abelhas assassinas, como o absurdo trash "Abelhas - Ataque Mortal" (2001), dirigido por Jeff Hare, que teve cenas filmadas no Brasil (em São Paulo!!!) e é estrelado por várias caras conhecidas, como Rutger Hauer, Craig Sheffer, David Naughton e a gatinha Gabrielle Anwar. Recentemente, "elas" voltaram a atacar também em "Enxame Negro" (2007), onde até o próprio Freddy Krueger, Robert Englund, virou vítima.

Algum desses filmes presta? Não! Então acho que está mais do que na hora de deixarem as bichinhas fazerem mel, porque disso pelo menos elas entendem.

Trailer de O ENXAME



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The Swarm (1978, EUA)
Direção: Irwin Allen
Elenco: Michael Caine, Katharine Ross, Richard Widmark,
Richard Chamberlain, Olivia de Havilland, Lee Grant,
Henry Fonda e mais um montão de astros.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

SLAUGHTER (1972)



Sempre que algum cinéfilo deslumbrado vem me falar sobre a "originalidade" e o "politicamente incorreto" em filmes contemporâneos como o "Machete", do Robert Rodriguez, eu imediatamente retruco: "Cara, na boa, vai ver um blaxploitation e depois a gente conversa". Porque pouquíssimos filmes de hoje conseguem ser tão ofensivos, violentos, sem-noção, politicamente incorretos e DIVERTIDOS quanto as obras desse ciclo produzido para o público negro nos anos 1970.

Quem visita o FILMES PARA DOIDOS com frequência já deve até ter certa intimidade com esse subgênero; afinal, resenhei vários deles e outros tantos estão por vir. A atualização de hoje traz uma pérola esquecida e um dos títulos mais violentos e inusitados do ciclo: SLAUGHTER, dirigido por Jack Starrett no comecinho do ciclo, em 1972.

SLAUGHTER tem tudo aquilo que você espera ver num legítimo blaxploitation. Em outras palavras: um herói negro que passa o filme todo comendo mulheres (brancas) e arrebentando vilões (igualmente brancos), ao som de uma trilha sonora "funky" cuja letra canta os feitos do protagonista como os menestréis da Idade Média.


Nesse caso, o refrão da música-tema composta por Billy Preston anuncia: "Slaughter's big, bad, black and bold / The brother has a lot of soul / Don't you make him mean and cross / 'Cause he'll show you who's the boss".

(E, como todos devem saber, Quentin Tarantino, grande fã do cinema blaxploitation, reutilizou esta a música-tema em "Bastardos Inglórios".)

SLAUGHTER tem também todos aqueles ternos coloridos, calças bocas-de-sino, penteados black power e costeletas gigantescas que caracterizam a década em que foi feito, dando um charme todo especial à película.


O roteiro de Mark Hanna ("Attack of the 50 Foot Woman") e Don Williams (também produtor, ao lado de Samuel Z. Arkoff) não podia ser mais simples e esquemático: o veterano do Vietnã e ex-capitão dos boinas-verdes Slaughter (Jim Brown) começa a investigar por conta própria a morte dos pais num atentado a bomba.

Descobre que o velho estava metido com uma perigosa quadrilha e parte para a vingança. No processo, Slaughter é recrutado por agentes federais liderados por Price (Cameron Mitchell, em participação minúscula), que igualmente querem ver a quadrilha fora de circulação, e por isso se utilizam dos "talentos" do nosso herói.


Ele é enviado para a América do Sul (mas as cenas foram feitas no México) com a missão de desbaratar a gangue liderada pelo italiano Mario Felice (Norman Alfe) e pelo seu braço direito psicopata, Dominic Hoffo (Rip Torn, ainda jovem!).

Lá pelas tantas, Slaughter envolve-se com a amante de Hoffo, uma delícia de loirinha interpretada por Stella Stevens, que passa boa parte do filme sem roupa, transando ou apanhando!


O herói também conta com um parceiro que mais atrapalha do que ajuda, interpretado por Don Gordon. Ele é uma tentativa de alívio cômico, o que às vezes dá uma cara de "Máquina Mortífera" às avessas ao filme, como se Danny Glover fosse o mocinho e Mel Gibson seu sidekick!

É óbvio que ninguém pode esperar um roteiro complexo e profundo de uma produção blaxploitation. Agora, se o seu negócio é ação, tiradas preconceituosas, mulher pelada, sangue a rodo e aquele jeitão estiloso dos anos 70, SLAUGHTER é um filme simplesmente imperdível.

Exagerada do começo ao fim, a trama já começa com uma cena em que Slaughter persegue, de carro, um pequeno avião em decolagem (!!!). Certamente convencido de que tamanho não é documento, o herói atropela, literalmente, o avião, provocando uma explosão! A partir daí, é um festival de socos, tiroteios e frases de efeito.


Posso estar viajando, mas vi em SLAUGHTER uma tentativa de se criar um herói negro à la James Bond. Na época, como se sabe, a série estava em seu sétimo filme ("Os Diamantes São Eternos", de 1971) e era bastante popular.

Pois Jim Brown parece ser uma resposta black a Sean Connery e George Lazenby, e inclusive tem uma cena em que vai jogar num cassino infestado de vilões, com smoking e tudo mais, e aproveita para seduzir a mulherada! Além disso, a abertura do filme tem créditos animados ao estilo 007.

(Ironicamente, a oitava aventura de Bond - "Com 007 Viva e Deixe Morrer", de 1973 - parece prestar homenagem ao ciclo blaxploitation ao colocar uma quadrilha de negros como vilões.)


Por falar nele, é bom lembrar que Jim Brown não era tão desconhecido à época de SLAUGHTER, e vinha de clássicos como "Os Doze Condenados". Mas esse aqui é seu primeiro filme como protagonista (corrijam-me se estiver errado), e já serviu para inscrever o nome do mano num imortal panteão de heróis negros que inclui do Shaft de Richard Roundtree ao Blade de Wesley Snipes.

Brown parece se divertir muito como herói "badass", que não hesita em sentar o ferro nos branquelos (aquele tipo de "atitude" que hoje o Samuel L. Jackson tenta sempre copiar, mas raramente consegue).


O ator passa o filme inteiro com um sorriso cínico e confiante no rosto, disparando diálogos antológicos como aquele em que seu parceiro alerta para a quantidade de capangas que terão que enfrentar, e Slaughter simplesmente mostra seu revólver e comenta: "You got your shit? Well, I got mine. So, c'mon!".

Tem até uma cena absurda em que o herói chega em casa e escuta um barulhinho vindo do banheiro. Sem hesitar, puxa o revólver, descarrega a munição na porta do banheiro e grita: "Se ainda estiver vivo, saia devagar"!!!! Sim, como se não houvesse outra forma mais simples de lidar com a situação... Deve ser muito perigoso tentar organizar uma festa de aniversário surpresa para Slaughter!


O personagem fez tanto sucesso que acabou dando origem a uma continuação no ano seguinte, "Slaughter's Big Rip-Off", desta vez dirigida por Gordon Douglas.

SLAUGHTER também é bastante violento, com sangrentos tiroteios onde os balaços provocam explosões tão exageradas no corpo das vítimas que até parece que elas tomaram tiros de bazuca.

Na conclusão, quando Slaughter e seu parceiro invadem a fortaleza dos vilões para um confronto final, armados com metralhadoras, espingardas e até granadas (!!!), temos uma chacina que faz jus ao título do filme e ao nome do personagem - de certa forma antecipando o cinema de ação barulhento e exagerado dos anos 80.


Pouca gente reconhece o diretor Starrett por nome, até porque ele é mais conhecido como ator do que como cineasta. Em "Rambo - Programado para Matar", por exemplo, ele aparece como aquele policial coroa que provoca o Stallone e depois cai do helicóptero, lembra?). Pois Starrett morreu em 1989, e hoje não recebe o devido reconhecimento por uma trinca de filmes muito legais que dirigiu: este aqui, o também blaxploitation "Cleopatra Jones" (1973) e o horror "Corrida com o Diabo" (1975).

Em SLAUGHTER, o diretor rende-se a exageros típicos do período (como as várias cenas de sexo e a nudez gratuita da estrelinha Stella, que inclusive aparece num longo banho de chuveiro), e tenta inventar moda usando lente "olho-de-peixe" em algumas cenas de ação, artifício que se revela bizarro e deslocado - embora estiloso.


Hoje, a chatíssima patrulha do politicamente correto certamente cairia de pau em cima de SLAUGHTER. Afinal, os vilões (brancos) vivem se referindo ao herói como "black ape" (macaco negro), entre outros termos depreciativos. O próprio Cameron Mitchell solta um "Who the hell you think you are, nigger?", antes de tomar uns catiripapos do herói. Ou seja, nem Cameron Mitchell pode com Slaughter!

Por tudo isso e pelas tiradas divertidíssimas disparadas pelos personagens (inclusive impagáveis rimas do tipo "Your ass is grass!", que Tarantino começaria a copiar em seus filmes três décadas depois), SLAUGHTER é diversão de primeira e, principalmente, cinema grindhouse "de verdade", não uma cópia de quinta categoria sem nenhuma ousadia, como essas tralhas atuais à la "Machete".

Como curiosidade, quando a Globo Vídeo lançou o filme em VHS no Brasil, resolveu traduzir o título literalmente, rebatizando-o "A Chacina", sem perceber que SLAUGHTER também é o nome do personagem principal! A mesma Globo Vídeo lançou a continuação com um nome genérico, "Jogando Sujo", ao invés de linkar os dois filmes - quem sabe com um estúpido "A Chacina 2".

Enfim, coisas do nosso mercado de VHS...

Trailer de SLAUGHTER



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Slaughter/A Chacina (Slaughter, 1972, EUA)
Direção: Jack Starrett
Elenco: Jim Brown, Stella Stevens, Rip Torn,
Cameron Mitchell, Don Gordon, Marlene Clark,
Norman Alfe e Eddie Lo Russo.