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quarta-feira, 26 de março de 2014

NA TRILHA DA MORTE (1976)


Sempre que sai um novo "Os Mercenários", ou o último filme de ação estrelado por Stallone e Schwarzenegger (que estão chegando na casa dos 70 anos!), é comum que a molecada leite-com-pêra comece a reclamar e/ou fazer piadinhas envolvendo a idade dos veteranos. Talvez eles não saibam, mas dos anos 1970 até começo dos 1980 os astros de ação mais legais não eram jovenzinhos raquíticos, mas sim coroas cinquentões ou sessentões, de cabelo branco ou sem cabelo algum, e que nem por isso faziam feio!

Lee Marvin, por exemplo, foi um dos grande durões dos anos 1970, quando já era cinquentão, e tinha 62 anos ao fazer "Comando Delta" (1986) - isso porque, à época, era o único sujeito casca-grossa o suficiente para convencer como superior do astro Chuck Norris. Charles Bronson tinha 52 anos ao estrelar o primeiro "Desejo de Matar" e 63 quando fez "Desejo de Matar 3". E Clint Eastwood, antes de ser um diretor respeitado, era criticado (pelos mesmos críticos que hoje lhe rasgam seda) por estrelar descerebrados filmes de ação tipo "Firefox - A Raposa de Fogo" e "Impacto Fulminante" quando já tinha passado dos 50 anos!


E não dá para esquecer de Yul Brynner, dono de uma das carecas mais famosas do cinema. Nos anos 70, já cinquentão mas ainda em forma, o russo naturalizado norte-americano estrelou dois ótimos filmes em que dá um show na maioria dos moleques que você vê na telona do cinema hoje. Um é a aventura pós-apocalíptica "O Último Guerreiro" (1975), já resenhada aqui; o outro é NA TRILHA DA MORTE, que seria o seu último filme (Brynner estava com 56 anos na época das filmagens).

Mesmo com o rosto sulcado por rugas e pelas marcas do tempo, os 56 anos do astro não transparecem neste policial bem decente, dirigido por um dos grandes artesãos do cinema italiano, "Anthony M. Dawson", ou Antonio Margheritti. Ele era bastante popular pelos filmes de horror gótico e de ficção científica que dirigiu nos anos 60-70; mas àquela altura, como muitos outros cineastas da Terra da Bota, já se aventurava pelos mais diversos gêneros (no caso, o que quer que estivesse dando lucro no momento).


Yul Brynner era um daqueles atores tão fodões que, mesmo se ficasse parado o filme inteiro, só olhando para a câmera, sem socar ou atirar em ninguém, já bastaria para o espectador se convencer do quanto ele é fodão. E isso só por causa do seu semblante sério e de um característico olhar gélido e ameaçador que poucos atores depois dele conseguiram imitar - um daqueles olhares que deixaria muito brutamontes sem dormir de noite.

Esse "olhar 43" é uma das grandes armas de Brynner também em NA TRILHA DA MORTE, onde ele interpreta um assassino da Máfia aposentado chamado Peter Marciani, que está trabalhando como freelancer em Nova York e passa as horas de folga pescando na margem da famosa Ponte do Brooklyn!


Marciani resolveu abandonar o trabalho com os mafiosos depois que seu irmão mais novo foi executado na sua frente alguns anos antes, e ele próprio quase morreu no mesmo atentado. O ocorrido lhe deixou com um problema de visão (que pode ser puramente psicológico) permanente: sofre "bloqueios" diante de luzes muito fortes, porque isso lhe lembra o momento da morte do irmão.

Enquanto isso, em Nápoles, o mafioso Sal Leonardi é assassinado pelos homens de uma quadrilha rival, chefiada por Gennaro Gallo. O grupo de Leonardi resolve partir para a "vendetta" (vingança), mas decide que o melhor a fazer é mandar seu melhor homem para a guerra. E este é o ex-assassino Marciani, convencido a voltar para a Itália ao descobrir que Gallo, seu novo alvo, teria sido o mandante do assassinato do seu irmão anos antes.


Sem demora, o veterano matador viaja para Nápoles, onde acaba juntando forças com um jovem vigarista chamado Angelo (interpretado pelo cantor pop, e ídolo das adolescentes da época, Massimo Ranieri). A principal ocupação do rapaz é manipular os resultados das apostas no hipódromo local: ele convence clientes a fazerem grandes apostas em determinado animal e depois atinge o cavalo com um tiro de arma de pressão, forçando-o a acelerar e vencer a corrida!

Embora seja um mero vigarista, Angelo tem planos de subir para a "primeira divisão" do crime, e por isso acredita que associar-se a uma lenda do ramo, como Marciani, será muito bom para o seu currículo. A ligação entre eles fica tão forte que o rapaz chega a entregar a amada, uma stripper chamada Anny (Barbara Bouchet), para ser amante do veterano!


Numa reviravolta que lembra bastante "Assassino a Preço Fixo" (1972), de Michael Winner, o personagem de Brynner também começa a treinar o rapaz para ser um matador frio e implacável como ele, a exemplo do que Charles Bronson fez com outro jovem pupilo naquele filme.

Assim, entre um tiroteio e outro, o espectador acompanha o "embrutecimento" de Angelo e sua transformação de simples vigarista a assassino sem sentimentos. Quando Marciani executa um capanga que havia lhe dado informações importantes, o rapaz questiona: "Mas ele contou o que você queria, por que o matou?". O mentor rapidamente justifica sua frieza: "Para que não dissesse aos outros que sabemos". Mais adiante, Marciani explica as três etapas importantes do "negócio": preparação, tiro e fuga. "Se cometer um erro em alguma delas, você está morto", resume.


Ao mesmo tempo em que capangas de Gallo pipocam por toda parte, para tentar impedir o velho assassino de cumprir sua missão, a dupla Marciani/Angelo também enfrenta a própria polícia, representada por um comissário veterano interpretado pelo norte-americano Martin Balsam, que, encarnando o típico xerifão de western, quer evitar uma guerra sangrenta nas ruas da "sua" cidade.

Produzido pelo cineasta Umberto Lenzi (que dirigiu ele mesmo alguns policiais ultraviolentos na mesma época), NA TRILHA DA MORTE provavelmente não se diferenciaria muito de outros exemplares do cinema policial italiano se não fosse pela hipnótica presença de Brynner. Sempre vestido de preto, e raramente esboçando algo sequer parecido com um sorriso (a não ser quando vê Barbara Bouchet pelada, mas quem pode culpá-lo?), seu Peter Marciani é um daqueles personagens incríveis que o espectador até lamenta por não ter aparecido em mais filmes.


O roteiro de Guy Castaldo (este é o seu único crédito) é bastante eficiente em apresentar Marciani como uma figura cuja fama o faz ser ao mesmo tempo temido e respeitado, tanto pela polícia quanto pelos seus rivais. E isso acontece sem que seja preciso mostrar Brynner matando 30 ou 40 pessoas no começo do filme; pelo contrário, o ator convence o espectador da sua periculosidade apenas com a (falta de) expressão e atitude.

Numa cena fantástica, que resume o quanto Marciani é "o cara", ele é rendido por um dos capangas de Gallo, que aponta uma arma para a sua cabeça. "Se eu fosse você, atiraria agora mesmo", diz Brynner, com aquela sua cara de poucos amigos. Quando o capanga explica que Marciani vale muito mais caso seja entregue vivo, o temido matador retruca: "Se eu fosse você, atiraria mesmo assim!".


E o que acontece depois é relevante; a força da cena é a mítica do personagem e do ator que o interpreta - já que qualquer espectador que tenha visto "Sete Homens e um Destino", "Adios Sabata" ou mesmo "Westworld - Onde Ninguém Tem Alma", sabe que Yul Brynner é um sujeito com quem não se deve mexer...

Nesses tempos em que vigora o politicamente correto, e heróis são exemplos de conduta chatos como coroinhas, sempre é bom ver um filme cujo protagonista é um anti-herói que não faz prisioneiros e nem fica com a consciência pesada depois de executar rivais desarmados.

Para arrancar informações de um capanga ferido, por exemplo, Marciani cutuca o buraco de bala do sujeito com sua arma, sem fazer cerimônia. O que só evidencia aquilo que eu escrevi acima: que não se deve mexer com Yul Brynner!


Embora NA TRILHA DA MORTE não esteja entre os melhores trabalhos de Margheritti, e muito menos entre os mais memoráveis, tem muita coisa boa que ajuda a valorizar a trama de vingança mafiosa já batida. Um dos diferenciais é o trauma/problema de visão do protagonista, que se manifesta sempre que uma luz forte incide sobre os seus olhos, seja o sol ou a passagem de um trem no metrô.

Quando isso acontece, Marciani é bombardeado por imagens que até lembram uma viagem de LSD, enxergando, em cores vivas, as últimas imagens do momento da execução do irmão. Mais tarde o espectador descobre que este trauma surgiu do reflexo do sol no pára-brisa de um carro, que atingiu os olhos de Marciani durante aquele evento traumático.


Outra coisa boa (ou, neste caso, maravilhosa) de NA TRILHA DA MORTE é a alemã Barbara Bouchet, interpretando a stripper por quem Marciani e Angelo são igualmente apaixonados. A moça não regula no quesito nudez e aparece completamente pelada em frente e verso, embora as cenas mais "ousadas" tenham sido cortadas em algumas versões do filme que circulam por aí.

O irônico é que embora Anny e Marciani interpretem um casal apaixonado, nos bastidores não havia nenhuma química entre Brynner e Barbara: eles simplesmente se odiavam! Segundo entrevistas da atriz, o quebra-pau teria começado por causa da maneira tirânica com que Yul tratava a equipe. Ao testemunhar o envelhecido astro jogando as meias sujas no rosto da figurinista e mandando que as lavasse, Barbara ficou revoltada e passou a tratar seu colega de cena com a mesma grosseria.

O auge da provocação foi quando ela descobriu que Yul era supersticioso e não gostava de cravos, por temer uma reação alérgica às flores. Sem pensar duas vezes, Barbara mandou um enorme buquê de cravos para o camarim do ator!


Curiosamente, o resto da equipe sempre manteve uma relação de cortesia com o careca. Massimo Ranieri, que interpretou seu pupilo no filme, e teve que passar mais tempo com ele, falou sobre isso em entrevista publicada no livro "Yul Brynner: A Biography", de Michelangelo Capua. O rapaz teve um contato anterior com Yul durante as filmagens de "O Farol do Fim do Mundo" (1971), e na ocasião havia achado o ator muito arrogante e pretensioso.

Nesse segundo trabalho juntos, entretanto, Yul teria mudado praticamente da água para o vinho: "Eu descobri um ser humano fantástico, com uma sensibilidade extraordinária", disse Ranieri no livro, lembrando das suas conversas com o astro sobre os trabalhos humanitários que ele fazia, voltados a crianças refugiadas da guerra (Brynner inclusive teria realizado diversas viagens ao Vietnã por aqueles anos, colaborando com as Nações Unidas para ajudar órfãos do conflito).


O diretor Margheritti também gostou muito de trabalhar com Yul e realizou um grande sonho ao dirigi-lo, já que era fã declarado do astro. A experiência foi tão boa que Margheritti prometeu fazer um segundo filme estrelado por ele, em que o careca interpretaria um caçador na África. Só que o projeto nunca sairia do papel porque a carreira de Brynner ganhou uma sobrevida na Broadway: a partir do seu retorno aos EUA, naquele mesmo ano, o ator passou a fazer mais sucesso nos palcos do que seus últimos filmes no cinema!

Em 1977, ele resolveu repetir um dos seus papéis mais famosos, o Rei Mongkut de "O Rei e Eu", que já havia feito nos palcos e no filme homônimo de 1956, numa nova montagem da obra para a Broadway. O espetáculo foi um sucesso estrondoso e teve diversas turnês pelos Estados Unidos e pela Europa durante os oito anos seguintes, até 1985. Neste ano, em 30 de junho, Yul comemorou 4.625 performances em "O Rei e Eu" (!!!), e morreria quatro meses depois (em 10 de outubro de 1985), por complicações decorrentes do câncer de pulmão diagnosticado algum tempo antes.


Embora não tenha concretizado a anunciada parceria seguinte com o astro, pelo menos Margheritti deu a última oportunidade para Yul Brynner no cinema. E parece ter se divertido bastante na direção, já que NA TRILHA DA MORTE não se leva tão a sério como parece: tem até um momento em que os vilões tentam eliminar Marciani usando um... colírio assassino?!?

Mas a cena mais divertida é aquela em que Marciani executa uma vítima durante o show de uma banda de rock tipicamente setentista; atingida pelo tiro fatal, a vítima se contorce em câmera lenta, com os braços abertos, e a imagem se confunde com a do vocalista da banda na mesma posição!


As cenas de ação também são eficientes, com a quantidade certa de tiroteios e perseguições de automóvel, ao som da bela trilha sonora dos irmãos De Angelis, Guido e Maurizio (o mausoléu da família De Angelis aparece em certa cena num cemitério, talvez numa homenagem/citação à dupla).

Mas o filme não abusa da violência explícita característica dos filmes policiais (ou de Máfia) produzidos na Itália na época, e pouquíssimo sangue é mostrado - o oposto do que promete o violento pôster italiano, reproduzido acima.


E por falar em pôster, vale destacar uma inacreditável picaretagem relacionada ao filme. NA TRILHA DA MORTE chama-se, originalmente, "Con La Rabia Aggli Occhi" ("Com a Raiva nos Olhos"), um título que diz muito sobre o personagem de Brynner, sua sede de vingança e mesmo o seu problema ocular/psicológico.

Mas quando ele foi lançado nos Estados Unidos, o distribuidor resolveu transformá-lo numa continuação de "Desejo de Matar" (!!!), mesmo que um filme não tenha absolutamente nada a ver com o outro.

Para isso, rebatizou o policial italiano como "Death Rage" (Fúria Mortal), e providenciou um pôster completamente enganoso (ao lado), onde se lê, em letras garrafais: "O segundo capítulo do Vigilante da Cidade Grande! Bronson começou, Brynner termina!".

Mais embaixo, para forçar a relação com o sucesso dirigido por Michael Winner em 1974, há um "Primeiro 'Death Wish'. Agora... 'Death Rage'!".

Não sei se a picaretagem do distribuidor surtiu algum efeito, mas com certeza o público que esperava ver uma nova aventura na linha de "Desejo de Matar" saiu frustrado ao encontrar uma história sobre guerra de mafiosos que sequer se passa em Nova York, mas sim na Itália!

(A continuação "oficial" de "Desejo de Matar" sairia apenas em 1982, e com Charles Bronson de volta ao papel de protagonista, e não Yul Brynner!)


NA TRILHA DA MORTE pode até não ser o mais memorável dos trabalhos do astro no cinema (embora bastante decente como um fim de filmografia, já que ele interpreta um personagem de classe e ainda dá uns pegas numa gatinha com a metade da sua idade). Mas sempre é bom ver o mitológico Brynner em ação e constatar como esses coroas mandavam bem no cinema de outrora.

Principalmente em comparação com o que se tem hoje, pois o posto de careca durão do cinema de ação deixado por ele espera desde 1985 para ser preenchido. Até existem dois bons concorrentes contemporâneos à vaga (Vin Diesel e Jason Statham), mas ambos ainda precisam comer muito feijão com arroz para ficar à altura do bom e velho Yul Brynner...


Trailer de NA TRILHA DA MORTE



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Con La Rabbia Aggli Occhi (1976, Itália)
Direção: Anthony M. Dawson (aka Antonio Margheritti)
Elenco: Yul Brynner, Massimo Ranieri, Martin Balsan,
Barbara Bouchet, Giacomo Furia, Salvatore Borghese,
Rosario Borelli e Giancarlo Sbragia.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

THE LAST HUNTER (1980)


Existem duas formas de ver THE LAST HUNTER, do italiano Antonio Margheritti.

A primeira forma é como filme de ação casca-grossa sobre o Vietnã, com o bônus de trazer tanto sangue e mutilações on-screen que até parece filme de horror - veja bem, isso décadas antes de Sylvester Stallone chutar o pau da barraca com o violentíssimo "Rambo 4"!

A segunda forma é como um incrível filme "anti-guerra" sobre a estupidez de confrontos como o do Vietnã, repleto de ação, sim, mas também momentos alegóricos que refletem a loucura bélica.


E eu sou tão cara-de-pau que não tenho vergonha de colocar THE LAST HUNTER como um dos melhores filmes sobre o Vietnã já feitos, numa mesma lista com os clássicos "O Franco-Atirador" e "Apocalypse Now", e várias posições acima de obras consagradas (e, na minha opinião, superestimadas) como "Platoon" e "Pecados de Guerra".

THE LAST HUNTER saiu no Brasil, nos primórdios do VHS, com um título no mínimo esquisito: "Apocalypse 2".

Era, claro, uma tentativa de linkar o filme com o clássico do Coppola, "Apocalypse Now", com o qual THE LAST HUNTER até tem algumas semelhanças.


Outra grande fonte de inspiração foi "O Franco Atirador", de Michael Cimino. Não por acaso, o título italiano original do filme de Margheritti era "Cacciatore 2" (O Franco-Atirador 2), posteriormente trocado para "L'Ultimo Cacciatore" (O Último Caçador) para escapar de problemas com direitos autorais.

De Coppola, o roteiro de Dardano Sacchetti "emprestou" a narrativa episódica, em que o personagem principal, tal qual um Martin Sheen macarrônico, recebe uma missão secreta, mas passa o filme inteiro às voltas com outros problemas e experiências traumáticas, até finalmente chegar ao seu objetivo, no final, transformado num bagaço, meio vivo, meio morto.


"Apocalypse Now" também influenciou o personagem do Major Cash (John Steiner), um militar maluco e filosófico muito parecido com o Major Kurtz de Marlon Brando.

Já de Cimino, THE LAST HUNTER tirou todo o foco "War is hell" e, principalmente, as cenas cruéis de violência e de tortura perpetradas pelos vietcongues contra os inimigos ianques.

(Sem contar que um figurante com faixa amarrada na testa parece um clone do personagem de Christopher Walken em "O Franco-Atirador"!)


Margheritti, um ótimo diretor que infelizmente só começou a ser reconhecido depois de morrer, filmou sua sangrenta aventura de guerra nas Filipinas. Reconhecendo suas inspirações, usou o mesmo local em que Coppola filmara "Apocalypse Now" anos antes.

O início é num bordel de Saigon, e lembra muito o clima de "O Franco-Atirador". Ali, encontramos nosso protagonista, o capitão Henry Morris (o saudoso David Warbeck, brilhante), ao lado de um amigo transtornado que balbucia doideiras, visivelmente afetado pela guerra.

Após uma discussão estúpida, o amigo louco dá um tiro na fuça de outro soldado e explode os próprios miolos - uma cena realista, com direito ao clarão do disparo dentro da boca do sujeito, anos antes de cena parecida em "Clube da Luta".


Morris nem tem muito tempo para assimilar a tragédia, pois os vietcongues atacam, explodindo um campo de pouso ao lado do bordel (ataque mostrado através das cenas com miniaturas que Margheritti adorava filmar). O próprio puteiro vai para os ares, e o herói é o único sobrevivente.

Afetado pelo incidente, o capitão resolve voluntariar-se para uma missão suicida, cujo alvo só ficamos sabendo na cena final - explodir uma estação pirata de rádio que vem transmitindo mensagens pacifistas aos soldados norte-americanos, convencendo-os a parar de lutar uma guerra "já perdida".

Para realizar sua missão, ele recebe a escolta de um grupo formado pelo sargento George Washington (Tony King, que interpretou um personagem de mesmo nome no clássico "Os Caçadores de Atlântida"), pelo cubano Carlos (Bobby Rhodes, de "Demons"), pelo soldado Stinker Smith (Edoardo Margheriti, filho do diretor) e por uma correspondente de guerra, Jane Foster (Tisa Farrow, de "Zombie").


Durante o restante do filme, o grupo percorrerá a selva enfrentando todo tipo de perigos e adversidades, de bebês-bomba a soldados americanos convencidos a enfrentar seus próprios colegas pela tal rádio pirata; de armadilhas mortais espalhadas pela selva a cobras venenosas; de ataques-surpresa do inimigo ao insano Major Cash.

Apesar de soar drasticamente "anti-guerra", THE LAST HUNTER não foi feito como tal. Segundo o filho de Antonio, Edoardo, que além de ator foi assistente do diretor, o objetivo do pai não era fazer uma história política ou contrária à Guerra do Vietnã, mas apenas um filme divertido.


E divertido o filme é, sem sombra de dúvidas. Principalmente a seqüência toda que se passa na base-caverna do insano Major Cash, onde foi montado até um bar com danceteria e fliperama para os soldados - tão enlouquecidos, pela guerra, pelo isolamento e pelo consumo de drogas, que consideram a coisa mais normal do mundo estuprar a pobre correspondente de guerra!

Cash, que é uma mistura do Major Kurtz com o personagem de Robert Duvall em "Apocalypse Now", passa os momentos de folga ouvindo uma trilha sonora de tiroteios e explosões que sai de alto-falantes em seus aposentos. No auge da loucura, ele manda um de seus soldados enfrentar todo um batalhão inimigo somente para pegar um coco no meio da selva - "brincadeira" que aparentemente já havia sido feita outras vezes, pois o tempo do sujeito é cronometrado para ver se ele conseguirá "bater seu recorde". Ver o pobre soldado desviando de tiros e explosões para pegar o coco lembra bastante a cena do surfe entre bombas no filme de Coppola.


Porém THE LAST HUNTER se caracteriza mesmo é pelo fator exploitation. A violência é forte e sempre presente. Margheritti faz questão de mostrar a fragilidade dos corpos dos soldados ao rasgá-los em pedaços, jogando na cara do espectador o resultado insano de uma guerra estúpida.

No cardápio de mutilações, há de tudo um pouco: tiro no olho, cadáver decomposto com as tripas pra fora, sujeito rasgado no meio por uma armadilha, pessoas em chamas, fraturas expostas e membros decepados, tudo representado com uma crueza impactante. O realismo das feridas e mutilações é garantido pela presença de Massimo Giustini na equipe de efeitos especiais - o mesmo responsável pela maquiagem realista de "Cannibal Holocaust".


Porém a cena mais incômoda do filme, que remete ao realismo brutal de "O Franco-Atirador", mostra Morris sendo aprisionado pelos vietcongues numa cela parcialmente submersa num rio imundo, onde os prisioneiros são atacados por ratos famintos. Seu colega de cela é um outro soldado com o rosto parcialmente devorado pelos roedores, e o próprio herói é ferido com golpe de baioneta para que o sangue possa atrair os animais.

É preciso dar um desconto para a conclusão absurda, em que revela-se que a responsável pelas mensagens "subversivas" é uma pessoa ligada ao passado do próprio Morris (muita coincidência para ser verdade). Mas é coisa típica da italianada, que não consegue falar sério o tempo todo e precisa jogar alguma bobagem nos filmes.


Além de todos os pontos positivos já elencados, eu não posso deixar de mencionar que THE LAST HUNTER traz um anti-herói imperfeito e com ações moralmente condenáveis. Embora numa primeira assistida o espectador simpatize com o Capitão Morris e seu heroísmo inabalável (principalmente por causa do ator gente-boa), é pensando no filme e na trama, depois, que você começa a perceber como o "herói" de David Warbeck é, na verdade, um canalha, daquele tipo que leva seus homens à morte por uma missão imbecil e que só pensa em seguir suas ordens, não importa quem tenha que matar (afinal, "missão dada é missão cumprida", como vimos em "Tropa de Elite").

Logo no começo, por exemplo, Morris aponta sua arma para um piloto do helicóptero, forçando-o a arriscar-se sobrevoando uma área de bombardeio. Durante um ataque-surpresa dos vietcongues a uma base norte-americana, ele só pensa em salvar o próprio pescoço, abandonando seus homens ao próprio destino. E a própria missão do "herói" não tem nada de heróica, pois representa a vitória do militarismo cego sobre o pacifismo!


Por essas e por outras é que sempre coloco THE LAST HUNTER na minha lista de obras-primas sobre a Guerra do Vietnã, e não tenho vergonha de compará-lo aos clássicos consagrados pela crítica, como Coppola e Cimino (certos críticos certamente teriam um treco ao ver Margheritti sendo citado na mesma frase que esses dois).

Sem contar que, como eu escrevi no começo, THE LAST HUNTER também funciona apenas como filme de ação casca-grossa sobre o Vietnã, com uma contagem de cadáveres tão alta que pode brigar de igual para igual com "Top Gang 2" pelo título de "filme mais violento de todos os tempos"!


PS 1: Este é o último trabalho do diretor de fotografia Riccardo Pallottini, que morreu num acidente de helicóptero durante as filmagens. Pallottini trabalhava com Margheritti desde os anos 60, e também fez filmes conhecidos de outros diretores, como "Matador Implacável", de Luigi Cozzi, e "Blindman", de Ferdinando Baldi.

PS 2: Cenas aéreas e de explosões foram reaproveitadas por Margheritti em seus dois filmes posteriores, "Tiger Joe - Escapando do Inferno" (1982) e "Tornado" (1983), que alguns consideram ser uma espécie de trilogia do diretor sobre a Guerra do Vietnã. O picareta Bruno Mattei também reaproveitou estas cenas (provavelmente sem pedir autorização) em seu clone de Rambo "Strike Commando - Comando de Ataque", de 1987.

Trailer de THE LAST HUNTER



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Apocalypse 2 (The Last Hunter / L'Ultimo
Cacciatore, 1980, Itália)

Direção: Antonio Margheritti (aka Anthony M. Dawson)
Elenco: David Warbeck, Tisa Farrow, Bobby Rhodes,
Tony King, Margit Evelyn Newton, John Steiner,
Massimo Vanni e Edoardo Margheritti.