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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

FRITZ THE CAT (1972)


Foi a grande piada do mês (setembro/2012): o deputado federal Protógenes Queiroz (PC do B/SP), também delegado da Polícia Federal, levou o filho Juan para o cinema para ver a comédia de humor negro "Ted", dirigida por Seth McFarlane. O filme é recomendado para maiores de 16 anos, e o pequeno Juan tem apenas 11, mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é que Protógenes ficou chocado com o que viu na tela (um ursinho de pelúcia usando drogas e envolvendo-se com prostitutas), e, como todo "bastião da moral e dos bons costumes", julgou que os demais brasileiros não tinham inteligência e discernimento para entender a "mensagem" do filme. Tentou, portanto, proibir sua exibição no país. E só por causa de uma comédia sobre um ursinho tarado e maconheiro...

"Acionarei os meios legais, a fim de impedir q o lixo o filme infanto-juvenil TED seja exibido nacionalmente e apurar responsabilidades"; "Não poderia ser liberado nem para 16 nem para 18 anos. Esse filme não pode ser liberado para idade nenhuma. Não deve ser veiculado em cinemas"; "#foraFilmeTED das telas do cinema brasileiro. Não aceitamos mais esses enlatados culturais americanos no Brasil"; "Fiquei chocado e indignado com esse filme. Ele passa a mensagem de que quem consome drogas, não trabalha e não estuda é feliz". Essas foram apenas algumas das asneiras ditas pelo deputado, esquecendo-se, talvez, que proibir/censurar um filme não é papel do Estado, mas sim lutar para defender toda a liberdade de expressão, e que gosto pessoal não é justificativa para vetar a exibição, apresentação, exposição e publicação de nada. Se bem que isso, no Brasil, é cada vez mais comum, e o lamentável episódio Protógenes x "Ted" é apenas mais um no país que proibiu o lançamento comercial de "A Serbian Film" ano passado (2011), alegando que incitava a pedofilia, e que quer impedir a circulação dos livros clássicos de Monteiro Lobato nas escolas por julgar que são "racistas".


Portanto, nossa postagem de hoje é uma homenagem a todos os censores travestidos de políticos, e também uma sugestão de filme para o deputado Protógenes ver com seu filho numa próxima "Sessão Família". Trata-se de FRITZ THE CAT, escrito e dirigido por Ralph Bakshi em 1972. Afinal, se o nobre político pensou que "Ted" era um filme-família só por ter um ursinho de pelúcia no pôster (sem se informar sobre seu conteúdo ou classificação etária), que mal poderia haver num desenho animado estrelado por um simpático gatinho, não é mesmo?

Bem, a verdade é que FRITZ THE CAT entrou para a história do cinema como o primeiro desenho animado a receber certificação X (proibido para menores de 18 anos, a mesma dos pornôs) nos cinemas norte-americanos. Não exatamente por ser um filme pornográfico - há insinuações de sexo entre os personagens, mas sem mostrar putaria explícita ou penetração -, e sim pela trama repleta de violência explícita, consumo de drogas e uma moral bem duvidosa (para dizer o mínimo), coisas que certamente deixariam nosso famoso deputado censor de cabelos em pé...


FRITZ THE CAT é a versão "live action" de um famoso personagem dos quadrinhos, criado por Robert Crumb. Vale ressaltar que o Gato Fritz não era um personagem infantil, tampouco tinha revista com seu nome nas bancas: o felino malandro estrelava quadrinhos underground, produzidos de maneira independente, e por isso mesmo isentos das restrições impostas aos gibis "comerciais" (em relação ao uso de sexo, violência, palavrões e escatologia).

Em outras palavras, Fritz e seus colegas do underground podiam fazer o que bem entendessem (ou o que seus autores dementes quisessem), e azar do leitor "sensível", já que eram quadrinhos definitivamente para adultos - inclusive pelo seu texto mais rebuscado, que propunha crítica social e conflitos internos dos bichinhos humanizados.


O Gato Fritz foi criado por Crumb em 1959, mas suas primeiras histórias seriam publicadas apenas em 1965, nas páginas da revista norte-americana Help!, que pertencia ao mesmo editor da lendária Mad, Harvey Kurtzman. Fritz the Cat era algo original no cenário da HQ porque juntava o velho (bichinhos fofinhos falando, agindo e se vestindo como gente) com o "novo" (sexo, violência e contracultura nas tramas nada infantis).

Na maioria de suas histórias, Fritz aparece como um universitário e poeta fracassado perdido em meio à cena hippie e rodeado por outros personagens animais que não passam de estereótipos ou caricaturas dos seres humanos - os policiais são porcos, os negros são corvos, uma mulher superficial é representada como uma égua, e por aí vai.


FRITZ THE CAT, o filme, surgiu da associação do animador nova-iorquino Ralph Bakshi com o produtor Steve Krantz. Foi esse último que teve a ideia de fazer a adaptação: em 1969, ele comprou um livro com as histórias de Robert Crumb, ficou maravilhado e resolveu que transformaria o material num desenho animado para adultos.

A negociação com o autor não foi exatamente tranquila, conforme explicarei mais adiante, mas Crumb acabou dando sinal verde e Bakshi ficou responsável pela adaptação. Ao invés de criar uma história original, ele preferiu juntar três velhas HQs de Fritz, formando uma única aventura longa, porém tomando algumas liberdades poéticas aqui e acolá que enfureceram tanto Crumb quanto seus fãs mais radicais.


O filme começa com uma legenda ("The 1960's"), e assume sua localização geográfica como sendo Nova York (algo que não acontecia nos quadrinhos). Fritz e dois amigos vão ao parque com violões na tentativa de faturar umas gatinhas através da música, mas descobrem que outros desocupados estão usando a mesma ideia. O "herói" precisa improvisar e fingir-se de poeta maldito para levar três universitárias desmioladas para a cama - ou melhor, para dentro de uma banheira, já que vai até o apartamento de um amigo e lá está rolando uma festinha cheia de hippies fumando maconha por todos os cantos.

Após uma rápida sessão de sexo grupal com as moças na banheira, Fritz é obrigado a fugir com a chegada de dois policiais atrapalhados (um deles dublado pelo próprio diretor-roteirista Bakshi). Ele então resolve abandonar os estudos, queimando seus livros (e, consequentemente, toda a fraternidade onde morava), e a partir disso pula de uma aventura maluca para a outra, provocando uma revolta popular no Harlem (famoso bairro negro de Nova York), caindo na estrada com a namorada Winston e, finalmente, sendo recrutado por um grupo revolucionário que pretende praticar atos terroristas para derrubar o governo!


O roteiro dividido em esquetes é talvez a maior qualidade e o maior problema de FRITZ THE CAT. Qualidade porque o personagem não teria fôlego para uma única aventura longa, visto que mesmo em sua encarnação dos quadrinhos sempre participou de histórias curtas - seria tipo o que aconteceu com Garfield no cinema décadas depois, quando o gato astro de tiras curtinhas nos quadrinhos demonstrou não ter fôlego para protagonizar uma única história longa.

Por outro lado, a adaptação das histórias de Crumb foi feita por Bakshi de maneira meio caótica (ou "de qualquer jeito", como se diz), deixando de fora alguns elementos e explicações importantes e adicionando certas bobagens que não têm muito a ver com o universo do Gato Fritz - quase todas as contribuições originais de Bakshi à trama são de lascar, o que talvez tenha enfurecido tanto Crumb quanto seus fãs.


Essa meia dúzia de momentos soltos improvisados pelo diretor-roteirista incluem funcionários de uma obra reclamando sobre os jovens daquela época, antes de dar uma mijada do alto do prédio em construção diretamente na cabeça de um hippie, e Fritz fugindo da polícia para dentro de uma sinagoga, onde ao mesmo tempo acontecem as piadas mais fracas do filme e uma das inserções mais engraçadas feitas por Bakshi (ao ver os judeus ortodoxos na sinagoga, um dos policiais burros diz: "Cabelos compridos? Usando batas? É uma festa hippie!").

Bakshi também quintuplicou a violência, que não era exatamente uma característica das historinhas do Gato Fritz. A cena da revolta popular no Harlem inclui um momento em que um amigo de Fritz, o corvo Duke, é morto com um sangrento tiro em câmera lenta. A metáfora para representar a vida do pássaro se esvaindo - bolas de sinuca entrando lentamente na caçapa, já que o personagem gostava de jogar bilhar - rende um dos momentos mais marcantes do filme.


Bakshi também colocou mais violência onde não havia. Na subtrama em que Fritz entra para o grupo revolucionário, por exemplo, há um momento em que Harriet, a égua namorada de um coelho usuário de heroína, é agredida e estuprada pelos terroristas. Na HQ, era um momento até engraçado, que evoluía para um "estupro" coletivo (pense em humor negro). No filme, vira uma cena cruel em que a pobre quadrúpede é espancada com golpes de corrente que lhe tiram um montão de sangue!

Outra liberdade poética do diretor-roteirista foi a absurda cena envolvendo um caipira dirigindo um caminhão de galinhas. Furioso com o cacarejar incessante das penosas, o sujeito simplesmente pega um pedaço de pau e espanca todas as aves até a morte, num daqueles momentos de humor negro em que o espectador acaba rindo de nervoso, mas na verdade se pega questionando o que o criador daquela piada teria na cabeça.


O importante é que, descontando essas poucas inserções de Bakshi, o estilo de desenho e os roteiros de Crumb estão todos em FRITZ THE CAT. A primeira parte do filme, em que o gato tenta seduzir garotinhas com música e depois finge-se de poeta sofredor para levá-las até o banheiro (e à banheira), foi tirada quase na íntegra da história "Fritz the Cat". O momento em que o universitário Fritz queima seus livros, vai para o Harlem, provoca uma revolta popular dos negros contra a polícia e depois cai na estrada com a Winston saíram diretamente de "Fritz Bugs Out" (no Brasil, "Fritz Cai Fora"). Finalmente, o ato final do filme, em que o gato se envolve com os terroristas, vem de "Fritz the No-Good" (no Brasil, "Fritz, O Inútil").

Bakshi faz, sim, algumas alterações aqui e ali, e inclusive os terroristas no último ato do filme foram transformados em vilões assustadores, enquanto na HQ Crumb tinha optado por uma visão mais ingênua e engraçada, com aqueles típicos revolucionários de botequim usando frases-feitas como "A máquina do establishment será arruinada" (esta inclusive é uma das grandes reclamações de Crumb sobre o filme). Mas, em linhas gerais, FRITZ THE CAT é uma adaptação bem decente da HQ, inclusive com o espírito dos quadrinhos de Crumb.


Se como adaptação é relativamente fiel, como filme o buraco é mais embaixo. Afinal, conforme eu escrevi ali em cima, ao unir as três histórias diferentes e escritas em períodos diferentes, Bakshi não conseguiu criar a linearidade que seu filme pretende mostrar. As três histórias adaptadas aconteciam num espaço de muitos anos, em que o próprio Fritz mudou junto com seu autor (durante os acontecimentos de "Fritz the No-Good", por exemplo, o gato já estava casado e com um filho pequeno!), enquanto no filme todas as suas aventuras acontecem no intervalo de alguns dias.

Só que Bakshi cortou coisas necessárias para que os não-iniciados na obra de Crumb entendessem o que se passa. Quando a gata idealista Winston entra em cena procurando pelo "herói", quem leu a HQ sabe que ela é um velho caso romântico de Fritz, mas para quem está vendo o filme esta informação não é passada em momento algum. Ao mesmo tempo, Winston diz que Fritz devia parar de perder tempo com "garotas como Charlene", um outro caso romântico do gato que apareceu no começo da HQ "Fritz Bugs Out". Como Charlene não aparece no filme, nem seu nome sequer é citado anteriormente, o diálogo torna-se completamente desnecessário!


Mas, no geral, confesso que gosto MUITO de FRITZ THE CAT, não tanto pelo conjunto da obra, mas por seus momentos isolados. É preciso levar em consideração que, hoje, é muito fácil rir de coisas como o Movimento Hippie, mas tanto os quadrinhos de Crumb quanto o filme de Bakshi tiraram sarro disso na época em que a coisa estava no auge.

E é curioso ver como muitas piadas do filme (e dos quadrinhos) continuam atualíssimas até hoje. Como quando três patricinhas branquelas ficam se desmanchando em elogios a um corvo (o negro, no universo de Fritz), usando frases como "Black is so much groovier". Na HQ original, havia até um diálogo em que um dos amigos de Fritz dizia: "É sempre assim, é só aparecer um negão!".


Outro momento divertido são as frases revolucionárias-clichê com que Fritz, um gato branco, universitário e de classe média alta, acende uma revolta popular no Harlem, gritando chavões como "São eles que mantêm os poderosos no poder", referindo-se à polícia.

Contribuindo com o lado politicamente incorreto de FRITZ THE CAT, há também o fato do simpático gatinho não ser flor que se cheire. Pelo contrário, Fritz é um universitário vagabundo que não frequenta as aulas porque sonha em viver como poeta, que adora fumar maconha e que quer comer todas as mulheres (fêmeas) que cruzam seu caminho. Em resumo, o Gato Fritz vai de encontro ao que o deputado Protógenes reclamou sobre "Ted" (que passa a mensagem de que quem consome drogas, não trabalha e não estuda é feliz), só que 40 anos antes!!!


FRITZ THE CAT foi um projeto difícil de tirar do papel. Quando Krantz e Bakshi resolveram que iriam adaptar a HQ, foram procurar Crumb em San Francisco, mas o autor não queria ressuscitar um personagem que, para ele, já tinha sido deixado de lado há anos. Crumb alegava que o Gato Fritz era seu personagem mais antigo e fora de moda, e que ele estava fazendo coisas mais atuais naquele momento.

A negociação entre a dupla e Crump foi nebulosa, e cada uma das partes envolvidas tem sua própria versão dos acontecimentos. Segundo o autor, ele nunca aprovou a adaptação para o cinema nem nunca assinou um contrato; por isso, o artista chegou a ameaçar os realizadores com processo judicial para que tirassem seu nome dos créditos do filme, depois que viu e não gostou.


O produtor Krantz, por outro lado, disse que recebeu um contrato assinado por Crumb pelo correio, e que pagou 12.500 dólares pelos direitos do personagem. Claro que, passados 40 anos, é difícil saber quem está certo e quem está errado, mas acho difícil acreditar que Krantz produziria um filme sem ter pelo menos um documento do autor permitindo o uso de sua obra.

(Para quem quiser saber mais sobre o complicado processo de transformar o Gato Fritz em filme, e as brigas entre realizadores e Robert Crumb, recomendo esse gigantesco artigo de Michael Barrier chamado "The Filming of Fritz the Cat", que foi originalmente publicado na revista Funnyworld em 1972 e está disponível na íntegra aqui.)


Um segundo problema foi com o financiamento do filme. Até porque, no começo dos anos 70, quando se falava em desenho animado no cinema todo mundo pensava nas produções inofensivas dos Estúdios Disney. Animações politicamente incorretas e com teor adulto não eram comuns como, hoje, "The Simpsons" e "Uma Família da Pesada".

Portanto, quando Bakshi e Krantz tentaram conseguir grana com a Warner Bros., e exibiram um pequeno trecho concluído de FRITZ THE CAT (justamente a cena do Harlem), os executivos ficaram pasmos. Em uma entrevista recente, o diretor Bakshi disse que vai lembrar para sempre da cara dos sujeitos ao final da exibição. Eles queriam cortar todo o erotismo do filme, fazer mudanças na história e chamar famosos para dublar os personagens. Com a recusa da dupla de realizadores, a Warner pulou fora e FRITZ THE CAT acabou sendo distribuído pela Cinemation Industries, uma pequena distribuidora de filmes exploitation.


Na estreia, mais problemas: a Motion Picture Association of America (MPAA), órgão que regula a classificação etária dos filmes nos Estados Unidos, encasquetou com o conteúdo adulto de FRITZ THE CAT e tascou-lhe um "X-Rated", ou seja, "proibido para menores de 18 anos".

Claro que já existiam desenhos animados pornográficos explícitos na época, coisa que FRITZ THE CAT não era. Um dos meus preferidos, "Eveready Harton in Buried Treasure", é de 1929! A diferença é que esses filmes não eram submetidos à MPAA para receber classificação (já eram produzidos exclusivamente para os cinemas adultos ou para exibições clandestinas). Por isso, oficialmente, o desenho do Gato Fritz foi a primeira animação a ter essa "honra".


O produtor Krantz até brigou com a MPAA para tentar baixar a classificação, pois sabia que a tarja X-Rated significava a morte comercial do seu filme. Ele alegava que sexo entre animais não podia ser considerado pornografia (!!!), mas esse nem era o ponto: as várias cenas de sexo em FRITZ THE CAT não são explícitas, não mostram penetração, portanto não podem ser consideradas "X-Rated".

Demorou algum tempo para que as pessoas percebessem que FRITZ THE CAT não era um filme pornográfico (o que certamente decepcionou parte do público), e até o Festival de Cannes de 1972 se rendeu e exibiu o filme na sua programação. Em entrevista recente, Bakshi declarou: "Hoje eles fazem em 'The Simpsons' tudo aquilo pelo que ganhamos um 'X' com FRITZ THE CAT".


No fim, a controvérsia acabou rendendo frutos: o distribuidor, especialista em exploitation e em publicidade, colocou uma frase gigante no pôster do filme, "We're not rated X for nothin', baby!", tentando atrair a curiosidade dos pervertidos interessados em ver bichinhos fofinhos transando.

Funcionou, e até hoje FRITZ THE CAT é o desenho animado independente mais lucrativo da história: mesmo tendo custado apenas 850 mil dólares, e mesmo com um lançamento bastante limitado por causa da certificação X-Rated, o filme rendeu mais de 100 milhões de dólares nas bilheterias mundiais!


Pode ter sido um sucesso comercial, mas Robert Crumb odiou. Ele assistiu o filme em fevereiro de 1972, quando estava em Los Angeles, acompanhado de outros desenhistas do underground. Seu relato sobre a adaptação (tirado do artigo supracitado de Michael Barrier): "Ele [Bakshi] me perguntou o que eu tinha achado, e eu apenas dei de ombros. Eu não sabia o que dizer. Então disse que não gostei do que ele tinha feito com a cena dos revolucionários, que aquilo me deixou puto, como ele mudou e transformou em algo que não era o que eu queria dizer. É um filme estranho, um reflexo da confusão de Ralph Bakshi. Existe algo de muito reprimido nele, algo muito mais esquisito que o meu material. É apenas esquisito, mas não engraçado".

Enfim, Crumb ficou tão puto com FRITZ THE CAT que, ainda em 1972, resolveu publicar uma nova história em quadrinhos do Gato Fritz, algo que não fazia há anos. E seria a última: o autor preferiu matar o seu personagem, com um picador de gelo cravado na cabeça por uma ex-namorada possessiva, a deixá-lo vivo para aparecer em novos filmes. A história de 15 páginas chama-se "Fritz The Cat Superstar", e tira sarro do mundo do cinema - tem até um momento em que Fritz encontra-se com produtores de cinema inescrupulosos chamados... Steve e Ralph! Qualquer semelhança com a realidade NÃO é mera coincidência...


Depois de FRITZ THE CAT, Ralph Bakshi partiu para outros projetos, mas raramente saiu da área de animação. Escreveu e dirigiu vários longas de animação, sendo que o mais famoso deles é uma ambiciosa adaptação de "O Senhor dos Anéis" produzida em 1978, com 132 minutos de duração e cobrindo a história do primeiro livro e parte do segundo. O filme contava até com vozes famosas (John Hurt dublou Aragorn e Anthony Daniels, o C3PO de "Star Wars", emprestou sua voz a Legolas), e era para ser a primeira parte de uma trilogia, mas não convenceu e ficou só no primeiro filme mesmo, deixando a aventura incompleta até Peter Jackson fazer sua versão "live action" da obra mais de duas décadas depois.

Bakshi também foi o responsável por "American Pop" (1981), desenho animado sobre uma família de músicos, que virou cult por causa da trilha sonora (com Bob Dylan, Jimi Hendrix, Lou Reed, Sex Pistols e outros), e por "Fire and Ice" (1983), animação de espada e magia lançada na esteira do sucesso de "Conan, O Bárbaro". Em 1992, ele tentou fazer uma sensual mistura de filme com desenho animado estilo "Uma Cilada para Roger Rabbit", e o resultado foi o bizarro "Mundo Proibido", com Kim Basinger como a personagem de quadrinhos que seduz seu criador (o ainda desconhecido Brad Pitt também aparece no filme). Bakshi não faz nada novo desde 1997.


De qualquer maneira, a morte de Fritz pelas mãos de Robert Crumb (e da ex-namorada possessiva com o picador de gelo) não poupou o personagem de aparecer em uma continuação. E das ruins! Em 1974, o mesmo produtor Steve Krantz fez "The Nine Lives of Fritz the Cat", em cujo material de divulgação até sacaneava o próprio Crumb: "Fritz may have lost one of his lives in the comics, but in his new movie, he has eight more lives left to go!".

Ralph Bakshi pulou fora do projeto, que desta vez foi dirigido por Robert Taylor, e o roteiro não tem nada a ver com os quadrinhos de Crumb, embora aproveite o início da HQ "Fritz the No-Good" (o gato sendo aporrinhado pela esposa). O resultado é um filme péssimo em que nada se salva, e sem a menor graça - que deve ter feito o próprio Robert Crumb parar de implicar com FRITZ THE CAT ao constatar algo realmente ruim estrelado pelo seu personagem...

PS: Destaque para a "participação especial" da silhueta de três famosos personagens Disney (Pato Donald, Mickey e Minnie), aplaudindo a intervenção do exército norte-americano no Harlem. Não bastassem todos os problemas enfrentados pelos realizadores, um processo de Walt Disney certamente fecharia com chave de ouro a lendária odisséia para realização desta animação. Mas isso milagrosamente não aconteceu.


Trailer de FRITZ THE CAT



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Fritz The Cat (1972, EUA)
Direção: Ralph Bakshi
Com as vozes de Skip Hinnant, Rosetta LeNoire,
John McCurry, Judy Engles, Phil Seuling, Mary Dean,
Charles Spidar e Ralph Bakshi.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

LIQUID SKY (1982)


São raros os filmes que você ama apaixonadamente ou odeia profundamente, e não consigo pensar em exemplo melhor do clichê "ame ou odeie" do que LIQUID SKY, uma bizarríssima produção independente do começo dos anos 1980. Já tive a oportunidade de conversar sobre ele com vários amigos, cinéfilos ou não, e a opinião é sempre para o céu ou para o inferno: ou o cara adora, ou diz que foi o pior filme que viu na vida.

Não há meio-termo nem mesmo nas resenhas encontradas internet afora: você não vê ninguém dizendo que achou o filme "mais ou menos", ou "bonzinho"; é ou paixão arrebatadora ou fúria virulenta!


O que posso dizer é que LIQUID SKY realmente merece esse rótulo do "ame ou odeie". E embora eu esteja do lado dos apaixonados, entendo perfeitamente sempre que alguém diz que odiou - e nunca, jamais, tento fazê-lo mudar de ideia. Ame ou odeie, entretanto, a experiência de ver LIQUID SKY é única e nunca vi nada sequer parecido com esse filme.

Para sintetizá-lo numa única frase, e assim você pode parar de ler a resenha e procurar pelo filme para ver se ama ou odeia, vou pegar emprestada a definição de uma crítica escrita lá em 1982, quando a obra chegou aos cinemas: "The funniest, craziest, dirtiest, most perversely beautiful science-fiction movie ever made". Ou, em bom português, "o mais divertido, maluco, sujo e perversamente bonito filme de ficção científica já realizado".


É por aí? É. Principalmente na parte do "craziest", considerando que o filme traz um pouco de tudo: OVNIs, cientistas loucos, drogas, sexo, estupro, lesbianismo, androginia, assassinatos e até uma rápida insinuação de necrofilia! Só que é muito fácil se desiludir com LIQUID SKY, especialmente se você não estiver preparado para o que vem pela frente. Embora a trama envolva discos voadores e alienígenas, o filme passa longe de ser uma ficção científica "padrão", e quem for assistir esperando por isso quebrará a cara.

Afinal, mais que uma história de ficção científica, LIQUID SKY é um retrato multi-colorido e psicodélico do universo junkie/pós-punk/new wave da Nova York do começo dos anos 80. A música, os clubes "alternativos", o jeito de agir, falar, se vestir e se comportar, tudo remete àquele período e local específico, de maneira que o filme pode ser visto praticamente como um documento histórico da época.


Trata-se da história de Margaret (Anne Carlisle), uma modelo new wave bissexual que vive numa cobertura em Manhattan com a namorada traficante, Adrian (Paula E. Sheppard, de "Comunhão", aqui em seu segundo e último trabalho). Certa noite, enquanto as duas participam de um desfile de moda, um disco voador de dimensões reduzidas - mais ou menos do tamanho das modernas antenas de TV por assinatura - pousa exatamente no teto do apartamento das moças.

Logo descobriremos que o alienígena no interior da nave (nunca mostrado ao espectador) está na Terra em busca de um alimento ou droga rara em seu planeta: a substância produzida pelo cérebro humano no momento do orgasmo, que, para o ET, tem o mesmo efeito da heroína para os humanos!


Mesmo tendo uma parceira fixa, Margaret leva uma vida sexual bastante intensa com homens e mulheres - embora, ironicamente, nunca consiga atingir o orgasmo. E é claro que o alienígena vai aproveitar a rotina devassa da modelo para conseguir seu alimento/droga, com um "pequeno" efeito colateral: o "doador" da substância morre na hora do gozo!

Pode parecer simples na essência, mas, acredite, LIQUID SKY é aquele tipo de filme sem-noção que parece gritar "cult movie!" em cada frame. Outros personagens começam a entrar e sair da trama, envolvendo-se com Margaret e seu alienígena junkie. O mais importante deles é Johann Hoffman (Otto Von Wernherr), um cientista alemão que vem seguindo o disco voador e chega a Nova York em busca de um contato imediato de qualquer grau.


No início, Johann vasculha a cidade do alto do Empire State com seu potente telescópio até descobrir onde está o pequeno OVNI. Quando seu único amigo nos Estados Unidos lhe deixa na mão, ele precisa pedir a ajuda de uma moradora do prédio em frente para usar seu apartamento e vigiar as ações do alienígena.

A tal moradora é Sylvia (Susan Doukas), uma produtora de TV que passa a noite inteira tentando seduzir o alemão enquanto ele se limita a vigiar o alien e os assassinatos cometidos por ele - uma situação que muitos críticos da época compararam com "Janela Indiscreta", de Hitchcock, talvez com certo exagero.


Perto dali, também vive o casal Katherine (Elaine C. Grove) e Paul (Stanley Knap). Ele é um escritor fracassado que afoga as mágoas em heroína, apesar dos protestos da esposa. Aos 10 minutos do filme, Paul é o responsável por justificar o título ao explicar que "liquid sky" (céu líquido) era uma gíria oitentista para a droga.

Por último, mas não menos importante, temos um modelo junkie chamado Jimmy, que vive uma relação de amor e ódio com Margaret - é seu rival nas passarelas, mas ao mesmo tempo nutre um amor platônico pela garota. O irônico de tudo é que Jimmy é interpretado pela mesma Anne Carlisle que faz a própria Margaret (veja as imagens abaixo), num toque de gênio do filme. E, graças à magia da montagem, Anne contracena e até transa com ela mesma em algumas cenas, algo que hoje seria feito facilmente com CGI.


Uma das coisas mais curiosas de LIQUID SKY é que esses personagens aparentemente tão diferentes estão ligados uns aos outros e em algum momento do filme irão se encontrar. Por exemplo, Jimmy é filho de Sylvia e Paul compra sua heroína de Adrian; já o único amigo norte-americano do cientista alemão é Owen (Bob Brady), professor de teatro que calha de ser ex-amante de Margaret!!!

Mas o que, afinal, torna LIQUID SKY um filme tão único e diferente? Ufa, isso vai ser cansativo...


Para começo de conversa, esta produção independente de apenas 500 mil dólares foi dirigida por um emigrante soviético, Slava Tsukerman. Em plena Guerra Fria entre URSS e EUA, Slava foi o primeiro russo a escrever, produzir e dirigir um longa-metragem nos Estados Unidos, com uma equipe formada por mais três soviéticos: sua esposa Nina V. Kerova, co-produtora e co-roteirista (também faz uma ponta como designer); o diretor de fotografia Yuri Neyman e o operador de câmera Oleg Chichilnitsky.

Após uma bem-sucedida carreira como diretor de programas de TV e comerciais na extinta União Soviética, Slava abandonou o país e o regime comunista em 1972 e foi viver em Israel; quatro anos depois, em 1976, mudou-se para Nova York, onde começou a preparar um roteiro de ficção científica, que eventualmente transformou-se em LIQUID SKY exatos dez anos depois de sua saída da URSS.


Fica difícil acreditar que atrás da câmera está um cara que passou 33 anos da sua vida em pleno Regime Comunista quando o espectador constata a maneira bastante particular com que o filme retrata um universo e um comportamento tipicamente norte-americanos - e também suas gírias e a cultura daquele momento.

Talvez a responsável por essa mágica seja a atriz Anne Carlisle, que também assina como terceira roteirista e teria ajudado na criação do universo new wave de LIQUID SKY - em entrevista da época, ela revela que Margaret é uma personagem auto-biográfica.

Anne também era uma musa new wave no começo da década de 80, e usava seu visual andrógino para ter relações com homens e mulheres, como Margaret faz no filme. Personagem e atriz também vieram de uma cidade pequena e careta, e despirocaram ao mergulhar no universo cultural "alternativo" da cidade grande.


Tentando explicar como o filme ficou do jeito que é, o diretor Slava saiu-se com uma explicação mirabolante numa entrevista daquela época: "O filme foi construído como uma combinação de mitos contemporâneos - discos voadores, cientistas alemães, invasores do espaço, sexo, violência, drogas. Desde os tempos de Hoffmann, as fábulas são construídas com uma combinação de mitos contemporâneos. LIQUID SKY é uma anti-fábula, e Margaret uma anti-Cinderela. Seu príncipe encantado era um advogado com quem poderia viver feliz para sempre na sua cidade-natal, mas que não lhe interessa. No final, seu príncipe vem de outro planeta".

Não sei se a descrição do diretor faz muita justiça ao resultado final do filme. O próprio resumo da trama não dá a menor pista do que realmente é LIQUID SKY, para quem nunca assistiu.


Eu lembro de ter lido pela primeira vez sobre ele no velho Guia de Vídeos Nova Cultural, no final dos anos 80, quando ainda era moleque. Nunca encontrei a fita do filme (uma das tantas raridades do nosso mercado de VHS), e só fui vê-lo há alguns anos, já adulto. Foi um verdadeiro choque, porque nesses quase 25 anos entre "querendo ver" e "finalmente ver", eu imaginei umas 20 formas diferentes de como LIQUID SKY seria, quando na verdade ele é o oposto de todas elas!

Embora trate de alienígenas e discos voadores, o cult movie de Slava está mais para o climão de "Blade Runner", também de 1982, do que para dois outros filmes sobre alienígenas feitos no mesmo ano, "ET - O Extraterrestre" e "O Enigma do Outro Mundo".


Em comum com o clássico de Ridley Scott, LIQUID SKY também traz uma metrópole anos 80 com cara de futurista, noturna e repleta de neon; ao contrário de "Blade Runner", porém, LIQUID SKY não é "dark", mas sim exageradamente colorido em roupas, cenários, maquiagens e cabelos.

A verdade é que a obra vale menos pela trama do alienígena (que fica em segundo, até terceiro plano) e mais pelo recorte sócio-cultural. Ele é muito mais um "drug movie", com seus personagens consumindo heroína e cocaína tão normalmente quanto bebem um copo d'água; e é ainda mais um painel do cenário cultural e comportamental daquela década.


Eu até entendo quando alguém me diz que odiou LIQUID SKY, porque seu visual e formato narrativo são muito esquisitos mesmo nos dias de hoje, quando o espectador já está acostumado até com filmes narrados fora da ordem cronológica ou de trás para frente.

A montagem de Sharyn L. Ross e do diretor Slava é algo difícil de digerir na primeira vez em que se assiste, e eu confesso que me senti perdido em alguns momentos - uma reassistida posterior deixou a narrativa mais clara. Acontece que eles ficam intercalando pedaços de cenas diferentes antes que uma ou outra termine.


Vou dar um exemplo: temos dois grupos de personagens conversando em lugares diferentes; ao invés de terminar o diálogo entre um grupo para passar ao outro, Sharyn e Slava invadem um diálogo com pedaços do outro.

Assim, um grupo de personagens está conversando e o filme corta para o outro grupo conversando, depois volta para o primeiro na mesma conversa, depois volta para o segundo, e assim sucessivamente, de maneira que o espectador nunca sabe se uma cena realmente terminou ou se o diretor vai voltar a ela em alguns minutos. Até mesmo o estupro de uma das personagens foi editado em paralelo com takes do cientista alemão chegando nos Estados Unidos, algo sem nenhuma relação com o crime em si!


Uma bela maneira de testemunhar essa incômoda montagem paralela é assistir os cinco minutos iniciais no vídeo abaixo - até porque este é um belo teste para você saber se vai aguentar ver o filme inteiro ou não, pois o resto dele é todo nessa mesma pegada.

Repare como a cena dentro do apartamento de Adrian e Margaret corta de repente para um night club, mas depois volta para o apartamento, e a música num lugar e em outro é completamente diferente - a impressão de "corte seco" chega a gerar uma sensação de estranhamento e incômodo no espectador!

Cena inicial de LIQUID SKY



Um outro elemento "amar ou odiar" é a trilha sonora de Brenda I. Hutchinson, Clive Smith e, mais uma vez, Slava Tsukerman (que, pelo jeito, estava realmente determinado a fazer um "filme de autor", participando de todas as etapas do processo).

Ao invés de usar a música punk ou new wave que se ouvia naquele momento, o trio optou por uma estridente e repetitiva, porém impressionante, trilha eletrônica composta com sintetizador (incluindo até versões para composições barrocas de Carl Orff e Heinrich!). A coisa é tão doida que já ouvi e li comentários tanto idolatrando quanto abominando a música - que eu, em particular, acho estranhamente hipnotizante. Quer baixar a trilha para julgar por si mesmo? Então clique aqui!


LIQUID SKY transformou-se em febre já na época do seu lançamento. Entre 1982 e 84, você não era um sujeito descolado se não tivesse visto pelo menos uma vez. Por isso, a pequena produção de 500 mil dólares ficou por até três anos passando direto em alguns cinemas dos Estados Unidos, além de ganhar prêmios em vários festivais de cinema fantástico.

Ironicamente, se LIQUID SKY tornou-se um filme cultuado até hoje, a carreira dos seus envolvidos não teve muito futuro. Saudado como grande promessa na época, o russo Slava não fez mais nada pelas próximas duas décadas. Ele alega que passou esse tempo todo tentando tirar do papel um ambicioso roteiro de ficção científica de sua própria autoria - David Cronenberg seria um dos interessados em dirigir -, mas nunca conseguiu encontrar um produtor para bancá-lo. Slava só voltou a dirigir em 2000, e desde então só fez dois filmes e um documentário. O último deles é "Perestroika", de 2009. Nenhum dos trabalhos posteriores teve a mesma repercussão do seu filme de estréia nos EUA.


O mesmo aconteceu com a estrela e "musa new wave" Anne Carlisle. Ela chegou a aparecer na Playboy em 1984 sob a manchete "Cult Queen", e, mesmo que ela mostre os peitos e a perereca nas fotos (coisa que não faz no filme), o ensaio apenas comprova aquela esquisita beleza andrógina que a moça já tinha exibido em LIQUID SKY.

Anne apareceu "mais normal" em "Inocência Fatal", de Larry Cohen, e fez pequenos papéis em "Procura-se Susan Desesperadamente" e "Crocodilo Dundee". Quando o new wave saiu da moda, a moça também sumiu do mapa. Seu último trabalho no cinema é de 1990, e em 1987 ela assinou uma novelização do roteiro de LIQUID SKY, hoje praticamente impossível de achar.


Os outros atores também despencaram direto para a obscuridade, mas um caso curioso é o de Paula E. Sheppard (a traficante Adrian), uma jovem e talentosa atriz que já havia roubado a cena seis anos antes interpretando a pequena irmã de Brooke Shields no horror "Comunhão". Pois a moça literalmente desapareceu depois desse seu segundo e último filme, e um fã chegou a criar uma home page sobre a curta carreira da atriz, porém sem conseguir descobrir maiores informações do seu paradeiro atual.

Ok, concordamos que LIQUID SKY é um filme esquisito. Mas podemos dizer também que está à frente do seu tempo? Considerando que os figurinos e maquiagens escalafobéticas usados pelos personagens aparecem, hoje, como elementos futurísticos nos clipes da Lady Gaga, talvez Slava e sua trupe estivessem mesmo uns 30 anos adiantados!


O filme também ficou tão marcado na cultura popular que podemos perceber sua influência em diversas outras produções, ainda que involuntariamente: em "O Milagre Veio do Espaço", produzido por Steven Spielberg, a nave dos visitantes alienígenas que pousa num velho edifício é tão pequena quanto a do extraterrestre de LIQUID SKY; já a aventura "O Grande Anjo Negro" mostra Dolph Lundgren caçando um alien que mata humanos injetando-lhes heroína para alimentar-se de uma substância produzida pela droga nos seus cérebros!

Bem, eu já perdi a conta de quantas vezes usei as expressões "estranho", "maluco" e "bizarro" nesta longa resenha, mas não consigo encontrar outra forma de descrever LIQUID SKY sem usar essas palavras. E talvez aí resida o grande charme desse cult movie por excelência: ele me lembra a clássica revista em quadrinhos Heavy Metal, cujas histórias chamavam a atenção mais pelo visual, pela arte e pela doideira do que propriamente pelas tramas narradas.


É por isso que, ame ou odeie no final, ver LIQUID SKY pela primeira vez, sem saber exatamente o que vem pela frente, é um verdadeiro choque para o espectador. Mas, ame ou odeie, também é impossível ficar indiferente.

Portanto, minha dica para quem ainda não viu é: experimente. Afinal, este é aquele tipo de filme doido e único que você encontra poucas vezes durante a sua vida de cinéfilo - e, a julgar pela pasteurização das produções atuais, vai encontrar cada vez menos. Quem não gostou vai continuar não gostando, mas aqui eu não estou tentando converter ninguém.

Uma coisa, porém, é inegável: nesses tempos de blockbusters bilionários desprovidos de alma, originalidade e talento, em que naves alienígenas cada vez maiores e mais destrutivas arrasam a Terra em cenas típicas de videogame, dá a maior saudade do disco voador em miniatura daquele ET junkie de LIQUID SKY...

Trailer de LIQUID SKY



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Liquid Sky (1982, EUA)
Direção: Slava Tsukerman
Elenco: Anne Carlisle, Paula E. Sheppard, Susan Doukas,
Otto von Wernherr, Bob Brady, Elaine C. Grove, Stanley
Knapp, Jack Adalist e Nina V. Kerova.