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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

ZOMBIETHON - A HORA DOS ZUMBIS (1986)


Naqueles hoje longínquos anos 80, quando você tinha que depender da boa vontade das distribuidoras para que os filmes chegassem aos cinemas e videolocadoras brasileiras, a vida de cinéfilo não era nada fácil. Para fãs de horror, então, era um verdadeiro pesadelo: clássicos essenciais, como "O Massacre da Serra Elétrica" e "Zombie - O Despertar dos Mortos", só saíram em vídeo por aqui quase 20 anos depois de seu lançamento original!

Claro, eram outros tempos, e ninguém imaginava que um dia fosse existir algo como a internet, e com ela a capacidade de poder baixar em poucas horas qualquer filme - inclusive um que acabou de estrear nos cinemas, às vezes meia hora após sua primeira exibição!!! E como na década de 80 isso era ficção científica, muitos cinéfilos (inclusive eu) tiveram seu primeiro contato com obras de Jess Franco, Lucio Fulci, Riccardo Freda e Jean Rollin graças a uma bizarra produção chamada ZOMBIETHON - A HORA DOS ZUMBIS, lançada em nossas locadoras pela extinta Top Tape.


ZOMBIETHON é uma daquelas doideiras que o mercado de VHS de vinte-e-poucos anos atrás permitia: não é exatamente um filme, mas sim uma colagem de imagens de sete produções obscuras, quase todas europeias (italianas e francesas), sobre mortos-vivos. Verdade seja dita, alguns desses filmes sequer têm mortos-vivos, mas foram incluídos na coletânea de qualquer jeito!

O desavisado que fosse seduzido pela (linda) arte da capa nem imaginava o que estava por assistir. O título mais ou menos entrega que se trata de uma maratona de filmes de zumbis (Zombie + Marathon = Zombiethon... Dã!!!), mas a maneira como é apresentada esta "maratona" é simplesmente hilária: as "melhores cenas" dos sete filmes são exibidas no esquema "corte seco", com saltos na trilha sonora e tudo mais, e o editor deixou algumas partes que não são exatamente "melhores cenas" e tampouco têm zumbis, mas mostram bastante mulher pelada (como Olga Karlatos banhando-se em "Zombie", abaixo).


No filme, não há nenhuma informação relevante que identifique para o espectador quem fez, quem produziu ou quem aparece nessas sete produções selecionadas, além da cartela de título de cada uma delas - e, nesse caso, com o título em inglês, o que certamente deve ter dado um nó na cabeça de muito cinéfilo naqueles tempos pré-IMDB, quando as fontes de pesquisa sobre cinema eram escassas e incompletas.

Para tornar tudo ainda mais excêntrico, pequenas vinhetas envolvendo zumbis e garotas gostosas foram filmadas em Super-VHS por Ken Dixon, e esses trechos foram inseridos para separar uma colagem de cenas alheias da outra. Se é difícil de entender lendo, ver a bagaça é uma experiência muito mais surreal!


As produções "homenageadas" com a reutilização de suas melhores cenas são, em ordem de exibição: "Zombie" (Itália, 1979), de Lucio Fulci; "Zombie Lake" (França, 1981), de Jean Rollin; "Oasis of the Zombies" (França, 1982), de Jess Franco; "Murder Obsession / Follia Omicida" (Itália/França, 1981), de Riccardo Freda; "La Vie Amoureuse de L'Homme Invisible" (França/Espanha, 1970), de Pierre Chevalier; "A Virgin Among the Living Dead" (França/Itália, 1973), de Jess Franco, e "The Astro-Zombies" (EUA, 1968), de Ted V. Mikels.

O IMDB informa que também aparecem cenas do clássico "White Zombie", de 1932, mas não vi nada nem remotamente parecido com "White Zombie" nessa colagem, então deve ter sido delírio do site.


Analisando a seleção, o digníssimo leitor do FILMES PARA DOIDOS pode até questionar os critérios para a escolha. Seriam essas as obras mais representativas da cinematografia morta-vivente? Cadê os filmes de George A. Romero? Ou, para ficar só nos europeus, cadê os mortos cegos do espanhol Amando de Ossorio? E os outros filmes de zumbis dirigidos pelo Fulci ("Pavor na Cidade dos Zumbis", "A Casa do Cemitério" e "The Beyond")? E "Let The Sleeping Corpses Lie", de Jorge Grau? E as trasheiras tipo "Hell of the Living Dead", do Bruno Mattei, e "Nightmare City", do Umberto Lenzi? E por que pegaram o pior filme de zumbis do Rollin ao invés do seu muito superior "The Grapes of Death"?

A verdade é que não houve seleção alguma, muito menos um mínimo de bom senso. ZOMBIETHON foi produzido para lançamento em VHS pela Wizard Video, uma pequena distribuidora norte-americana que pertencia, veja você, ao mítico produtor classe B Charles Band! A Wizard começou suas atividades em 1981, e foi a responsável por colocar no mercado dos Estados Unidos as fitas seladas de "O Massacre da Serra Elétrica", "A Vingança de Jennifer", "Zombie" e muitos outros clássicos do horror.


Assim, esta "coletânea" simplesmente traz cenas de filmes cujos direitos de distribuição pertenciam a Band e sua pequena companhia, e não exatamente as obras mais famosas ou representativas envolvendo mortos-vivos, como o espectador desavisado pode ser levado a crer pela proposta. E não, eu não sei se os direitos de distribuição autorizavam a empresa a remontar filmes alheios.

O que sei é que a Wizard Video foi responsável por diversas outras picaretagens do mesmo nível. Em 1985, por exemplo, a empresa lançou um "filme" chamado "Prisioneiras da Ilha Selvagem", que nada mais é do que uma remontagem de duas produções ítalo-espanholas obscuras do começo da década ("Escape From Hell" e "Orinoco: Prigioniere del Sesso", ambas dirigidas por Edoardo Mulargia), com mais cinco minutos de cenas originais no começo e no final, filmadas nos Estados Unidos e sem relação alguma com o resto, onde aparecem atores conhecidos como Linda Blair e o mágico-humorista Penn Jillette!


Enfim, Band e a Wizard Video logo perceberam que era rápido e lucrativo investir em "coletâneas temáticas" contendo as supostas melhores cenas dos filmes que distribuía (no juízo deles mesmos, é claro). Desse jeito, era muito fácil ter um novo longa-metragem completinho para vender às locadoras, geralmente filmando uns cinco minutinhos de cenas novas para costurar as outras já prontas.

E isso também acabava funcionando como marketing: quem assistia uma dessas coletâneas e gostava das cenas de algum dos filmes apresentados, depois voltava à locadora em busca da fita deste filme, e Band e cia. lucravam ainda mais! Simples e eficiente, não? Ah, se essas pessoas soubessem que um dia teríamos YouTube para conferir as melhores cenas dos filmes...


Além de ZOMBIETHON, a Wizard Video produziu outras três coletâneas: "The Best of Sex and Violence", de 1981, com cenas de "Armadilha Para Turistas", "A Vingança de Jennifer" e filmes eróticos softcore; "Famous T & A", de 1982, um suposto "documentário" mostrando cenas com atrizes famosas nuas (como Ursula Andress em "A Montanha dos Canibais", Claudia Cardinale, Nastassja Kinski e outras musas), e finalmente "Filmgore", de 1983, dessa vez compilando mortes sangrentas tiradas de "Banquete de Sangue", "O Massacre da Serra Elétrica", "O Assassino da Furadeira" e outras produções alheias.

ZOMBIETHON foi a última aposta da Wizard nesse estilo, já em 1986, quando a companhia ia mal das pernas (ela encerrou suas atividades no final daquela década). Não é nenhuma surpresa o fato de as quatro coletâneas serem creditadas ao mesmo responsável: Ken Dixon.


Em sua filmografia como diretor, Dixon tem apenas duas produções bem obscuras feitas nos anos 70, antes de jogar-se de cabeça na realização dessas antologias de melhores cenas para a Wizard Video. Talvez como uma espécie de compensação, Charles Band depois foi produtor executivo do último longa dirigido por Dixon, o inacreditável "Rebelião nas Galáxias", de 1987 - esse totalmente filmado por ele, sem cenas alheias costuradas no meio. Desde então, Ken Dixon mergulhou de volta na obscuridade.

O curioso é que o sujeito demonstra certo talento nas vinhetas que filmou para ZOMBIETHON. Percebe-se, inclusive, que Dixon se inspirou na obra de alguns dos diretores "homenageados", como Franco e Rollin, já que suas cenas se resumem a belas garotas em trajes sumários ou fetichistas (tipo roupinha de colegial) sendo perseguidas por zumbis e correndo para buscar abrigo num cinema, igualmente povoado por mortos-vivos, e onde está sendo exibida a tal maratona de filmes de gênero.


Não há nenhum desenvolvimento de personagens ou de suas ações nessas vinhetas e elas só servem mesmo como uma maneira criativa de dividir as cenas dos outros filmes para não virar bagunça, já que estas são a grande atração de ZOMBIETHON. Logo, as garotas perseguidas sequer têm nomes (nos créditos, são identificadas simplesmente como "Zombie Magnets"), e os mortos-vivos também pipocam do nada, sem muita justificativa.

Mesmo assim, alguns momentos são bem divertidos, principalmente os que se passam no cinema - como aquele em que o projecionista zumbi corta o próprio dedo ao invés do pedaço do rolo de filme; ou o morto-vivo que arranca a cabeça do cadáver muito mais alto sentado na sua frente, que está atrapalhando a sua visão!


As maquiagens de Joe Reader e David Lady se resumem a umas máscaras imóveis e inexpressivas, que parecem ter sido compradas numa loja de fantasias de Halloween. Lá pelas tantas, aparece até um absurdo e injustificável "zumbi futurista" (!!!), mais para robô do que para morto-vivo, e cujo traje deve ser sobra de algum filme bagaceiro de ficção científica, reaproveitado aqui para cortar despesas.

Posso estar sendo generoso demais, mas Dixon às vezes até mostra um pouco de potencial para fazer seu próprio filme de zumbis, como no momento em que um morto-vivo emerge da areia da praia (cena provavelmente inspirada em "Oasis of the Zombies", de Jess Franco). Os efeitos bagaceiros não ajudam, mas mesmo assim o diretor tentou criar algum clima. Será que ele tinha pretensões de fazer o seu próprio zombie movie? Ficou só no sonho mesmo.


O bizarro da coisa toda é que como ZOMBIETHON não traz nenhuma informação sobre as pessoas responsáveis pelas cenas dos filmes exibidos, e foi lançado numa época em que fontes de pesquisa eram bem limitadas, muita gente pode ter pensado que o próprio Ken Dixon foi o responsável por tudo. Até porque o único crédito que aparece é "Produced and directed by Ken Dixon", tirando o mérito de Fulci, Franco, Rollin e dos outros!

Outro detalhe que prejudicava a pesquisa posterior: foram usadas as cenas dubladas em inglês (escondendo a língua original e a procedência dos filmes), e as cartelas com títulos norte-americanos, alguns bem alternativos. Muita gente deve ter suado para encontrar "Murder Obsession / Follia Omicida", pois aqui o filme de Freda foi rebatizado apenas como "Fear"; já "La Vie Amoureuse de L'Homme Invisible" aparece como "The Invisible Dead"!


Como já escrevi lá em cima, o maior problema da bagaça é que, num filme chamado ZOMBIETHON, pouquíssimas das obras "homenageadas" realmente são sobre zumbis e mortos-vivos. Inclusive algumas só aparecem porque eram distribuídas pela Wizard Video e a empresa queria divulgá-las, mesmo penando para forçar uma ligação mínima com o tema da coletânea.

Mortos-vivos MESMO, só em "Zombie", "Zombie Lake" e "Oasis of the Zombies". Nas cenas de "Murder Obsession" vemos um único zumbi perseguindo uma moça seminua no que parece ser uma cena de pesadelo, mas a falta de cadáveres ambulantes é compensada por violentos assassinatos com machado e motosserra. "La Vie Amoureuse de L'Homme Invisible" é sobre um homem-gorila invisível (fotos abaixo), e o mais perto de um morto-vivo aparece quando um casal vai roubar uma sepultura. Já "The Astro-Zombies" é sobre um alienígena assassino e um cientista louco interpretado por John Carradine, e totalmente "zumbi free".


Porém o caso mais curioso é o de "A Virgin Among the Living Dead": o filme original, dirigido por Franco, chamava-se "Christina, Princesse de L'Érotisme" e não tinha zumbis, puxando mais para o terror gótico e para o erotismo softcore. Alguns anos depois, o produtor Marius Lesoeur, da Eurociné (que detinha os direitos sobre a obra), pagou uma graninha para que Jean Rollin filmasse, num único dia, 20 minutos de cenas com mortos-vivos, que foram incluídas na montagem original para que o filme pudesse ser relançado nos cinemas com o nome "A Virgin Among the Living Dead"!!!

Como são essas cenas (tosquíssimas) filmadas por Rollin que aparecem em ZOMBIETHON, cabe ao diretor francês, e não a Jess Franco, a "honra" de estar representado por duas obras diferentes na coletânea da Wizard Video (suas cenas bastardas para "A Virgin Among the Living Dead" e suas cenas oficiais para "Zombie Lake").


Se nos Estados Unidos estas antologias da Wizard funcionavam para atiçar a curiosidade do espectador e levá-lo às videolocadoras em busca dos filmes completos, aqui no Brasil ZOMBIETHON teve um papel ainda mais importante e fundamental: durante uns 15 anos, pelo menos, essa seleção de melhores cenas era a única maneira de os fãs de horror conhecerem as produções apresentadas, pois nenhuma delas foi lançada em vídeo no país - e a maioria permanece inédita até hoje, em DVD.

Tenho um carinho especial por ZOMBIETHON justamente por causa disso: foi graças a ele que vi, pela primeira vez, as fantásticas imagens do "Zombie" de Fulci, especialmente a luta aquática do zumbi com o tubarão e a violenta imagem do olho de Olga Karlatos sendo perfurado num pedaço de madeira (fotos abaixo). Aí depois você saía atrás dos filmes completos e não os encontrava, o que era bastante frustrante. Por outro lado, quem poderia prever que logo teríamos internet e download de alta velocidade à nossa disposição?


Hoje, produções tipo ZOMBIETHON valem somente pela nostalgia. Se em 1986 era muito difícil você encontrar os filmes "homenageados", hoje você pode comprar ou baixar tranquilamente edições luxuosas em DVD e blu-ray, com imagem e som remasterizados e em widescreen. Alguns dos filmes inclusive foram lançados em DVD no Brasil ("Zombie" pela Works e "Oasis of the Zombies" e "Zombie Lake" pela Vinny Filmes, todos em edições bem pobrinhas e indignas).

Assim, não tem mais muito propósito você ver uma bagaça como essa, que além de não trazer os filmes na íntegra, ainda traz versões porcas, com imagem ruim, dublagem em inglês e formato em tela cheia que corta as laterais. Sem contar que os FINAIS de alguns dos filmes são mostrados, estragando a surpresa de quem não viu as obras completas. Se em 1986 você não tinha muita opção além disso, hoje já tem - e muitas. Portanto, ZOMBIETHON só serve mesmo para aliviar aqueles ataques de saudosismo, quando você quer se lembrar de como eram os tempos do VHS.


Por outro lado, se em teoria o que vemos aqui são as "grandes cenas" dos filmes escolhidos (algo em torno de 5 a 15 minutos por obra homenageada, dependendo da quantidade de zumbis em cada uma delas), ZOMBIETHON pode ser uma boa alternativa para você sacar as melhores partes de bombas como "Zombie Lake" e "The Astro-Zombies", poupando seus neurônios da triste experiência de encarar os filmes inteiros!

PS: Além dessas antologias de "melhores cenas" e das remontagens picaretas de filmes alheios, a Wizard Video também foi uma das primeiras companhias a se aventurar no desenvolvimento de jogos para Atari baseados em filmes - nesse caso, filmes de horror! Inclusive foi a Wizard que fez os clássicos jogos inspirados em "Halloween" e em "O Massacre da Serra Elétrica", e que na época eram proibidos para menores de 18 anos! Mas isso é assunto para outra postagem...


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Zombiethon (1986, EUA)
Direção: Ken Dixon (e, não-creditados, Lucio Fulci,
Jean Rollin, Jess Franco, Riccardo Freda, Pierre
Chevalier e Ted V. Mikels)
Elenco: Karrene Janyl Caudle, Tracy Burton, Paula
Singleton, Janelle Lewis, Randolph Roehbling e
Chuck Spero (além do elenco original dos sete filmes
apresentados).


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Essa postagem foi uma justa e tardia forma para divulgar a Mostra Spaghetti Zombies 2.0, que desde a semana passada está apresentando os mortos-vivos do cinema de horror italiano aqui em São Paulo (cartaz genial ao lado, criado por Leopoldo Tauffenbach).

O evento foi realizado pela primeira vez em Recife pelo meu amigo Osvaldo Neto, do blog Vá e Veja, e recebeu uma edição "revista e ampliada" aqui em São Paulo com a colaboração de Eduardo Santana, diretor do CineFantasy.

Boa parte do filé mignon já foi servida, mas ainda serão exibidas maravilhas como "A Terceira Porta do Inferno", de Claudio Fragasso (sexta, 26/10, 16 horas), "Nightmare City", de Umberto Lenzi (sexta, 26/10, 18 horas), "Hell of the Living Dead", de Bruno Mattei (sábado, 27/10, 16 horas), e o inacreditável e hilário "Le Notti del Terrore", de Andrea Bianchi, lançado em VHS no Brasil como "A Noite dos Mortos-Vivos" (sábado, 27/10, 18 horas). Tudo com entrada franca, na Biblioteca Viriato Corrêa (Rua Sena Madureira, 298 / Perto do Metrô Vila Mariana).

quinta-feira, 26 de março de 2009

LUCA, O CONTRABANDISTA (1980)


O diretor italiano Lucio Fulci é conhecido pela extrema violência de seus filmes de horror, entre eles os clássicos populares "Zombie" e "The Beyond". Ironicamente, uma das obras mais sangrentas e brutais do cineasta não tem nada a ver com zumbis ou entidades sobrenaturais, mas sim com ameaças bem reais, como tiros de revólver e contrabandistas de drogas. Estou falando de LUCA, O CONTRABANDISTA, o único filme policial da carreira de Fulci, e uma de suas obras mais violentas - mas que infelizmente acabou ofuscada por ter sido lançada justamente quando ele começava a fazer sucesso como diretor especializado em terror.

Erroneamente considerado um exemplar do gênero "polizieschi", quando na verdade é um filme de Máfia (a polícia praticamente não toma parte na ação, que enfoca apenas o sangrento confronto entre quadrilhas de bandidos, e os personagens principais são todos contraventores), LUCA, O CONTRABANDISTA foi filmado e lançado em 1980, entre o sucesso estrondoso de "Zombie" (1979) e outro horror violento do velho Lucio, "Pavor na Cidade dos Zumbis" (também de 1980). Marca a transição do Fulci que atirava para todos os lados (já havia feito anteriormente western, giallo e comédias) para o mestre do terror e do gore que se tornaria na década de 80. Justamente por isso, esta história sobre mafiosos acabou se transformando numa pérola praticamente desconhecida da filmografia do diretor.


O personagem-título é Luca D'Angelo (interpretado pelo sempre carismático Fabio Testi, que já havia feito "Os Quatro do Apocalipse" com Fulci), um contrabandista de cigarros de Nápoles que, mesmo sendo um criminoso, acredita não estar fazendo nada de errado; afinal, trabalha com uma mercadoria "legalizada", e não com drogas ou assassinatos como outros mafiosos que agem na região, e além disso gera emprego e renda - um verdadeiro empreendedor! Mas não aos olhos de sua esposa, Adele (Ivana Monti), que quer que ele "se aposente", temendo pela segurança dela e do filho pequeno do casal.

A Nápoles onde Luca vive e trabalha é dominada por várias quadrilhas de contrabandistas, mas a palavra de honra empenhada por eles há décadas garante uma relação de respeito: ninguém invade o território nem os negócios dos outros. Só que o acordo vai para o brejo quando Micky (Enrico Maisto), irmão mais velho de Luca, é pego numa emboscada e impiedosamente metralhado por gângsters vestidos como policiais.

Apesar dos apelos de Adele, pedindo para que eles saiam da cidade, Luca quer vingança. E o atentado dá início a uma guerra entre as famílias. Luca acredita que o culpado é Scherino (Ferdinando Murolo), que não se dava bem com Micky, e tenta matá-lo, mas leva uma surra que o deixa à beira da morte - e Scherino jura que não teve nada a ver com o crime.


Não demora para aparecer a verdade: o culpado é François Jacois, o "Marsigliese" (interpretado pelo francês Marcel Bozzuffi, do clássico "Operação França"), um poderoso traficante de drogas que está tentando convencer as quadrilhas de contrabandistas a trabalharem com ele, ajudando a distribuir cocaína e heroína em Nápoles.

Diante da recusa dos chefões, que não querem "se sujar" negociando entorpecentes, "Marsigliese" parte para o ataque, eliminando todos os gângsters até restarem apenas Luca, Scherino e Luigi Perlante (Saverio Marconi). Será que os três conseguirão deixar de lado as diferenças e se juntar para combater o perigoso traficante? E se um deles estiver de armação com o "Marsigliese" para acabar com a raça dos outros?

O maior problema de LUCA, O CONTRABANDISTA é o roteiro estúpido escrito a oito mãos por Fulci, Gianni De Chiara, Giorgio Mariuzzo e Ettore Sanzò. O argumento, na verdade, é bastante simples, e poderia ser resumido a uma linha: o "Marsigliese" começa e eliminar todos os chefes das quadrilhas de contrabandistas de Nápoles quando eles se recusam a distribuir drogas, e Luca é obrigado a enfrentar o assassino frente a frente.


Explicando assim, até parece simples; mas no filme não é: os roteiristas acharam que, por ser este um "filme de Máfia", precisavam enrolar com inúmeras reviravoltas, traições, mal-entendidos, acordos e desacordos entre os personagens, que só deixam o filme lento e excessivamente truncado. E, para piorar, as legendas do VHS nacional, lançado pela extinta DIF, são um horror, traduzindo frases pela metade (algumas acabam totalmente sem sentido) e errando a grafia dos nomes dos personagens.

Até por isso, a primeira meia hora do filme é chatíssima, e a única coisa de interessante que acontece é a brutal execução do irmão de Luca. A julgar pelo desenvolvimento lento do início, muita gente vai ter vontade de desistir, achando que o filme todo é arrastado assim. Mas não é. O excesso de personagens, que compromete o desenrolar da história no início, é resolvido no segundo ato, quando quase todos acabam mortos violentamente pela quadrilha do "Marsigliese".

E é quando restam apenas Luca, Scherino e Perlante contra o vilão que a coisa realmente começa a pegar fogo. Coitado de quem desistiu de continuar em frente baseado apenas no comecinho meia-boca...


Mesmo longe do terreno do horror, Fulci não poupa o espectador de doses cavalares de gore, ficando exageradamente acima de quase tudo que se mostrava em termos de violência naquele período - mesmo dos "polizieschi" italianos, conhecidos justamente pela sua brutalidade.

A violência aqui surge de maneira inesperada, mas sempre exagerada e em câmera lenta. Quando alguém leva um tiro no pescoço, por exemplo, a câmera faz questão de mostrar a garganta do sujeito explodindo em câmera lenta; quando alguém toma um tiro na boca que explode sua cabeça, a câmera novamente se aproxima e dá um close no rombo aberto pela bala na parte de trás da cabeça da vítima, e por aí vai... Ao estilo Sam Peckinpah, cada tiro disparado abre um rombo na vítima, principalmente uma rajada de metralhadora que desfigura o rosto de um mafioso e um tiro de espingarda que faz voarem as tripas de um pobre coitado! (Vale uma olhada no trailer do filme, abaixo, que contém algumas das mortes mais gráficas.)

LUCA, O CONTRABANDISTA traz também duas cenas brutais que foram censuradas em diversas cópias lançadas ao redor do mundo (mas felizmente não no VHS lançado no Brasil). A primeira mostra o cruel "Marsigliese" usando um maçarico para desfigurar o rosto de uma bela jovem que tentou lhe vender bicarbonato como se fosse heroína. E é claro que a câmera sádica e detalhista de Fulci (que adorava filmar mulheres sendo torturadas ou mortas violentamente) não desvia do alvo, mostrando em detalhes a chama do maçarico queimando o rosto da pobre moça até deixar a pele enegrecida, numa cena que parece interminável (e foi homenageada por Eli Roth em "Hostel - O Albergue").



A outra cena mais incômoda do filme também envolve violência contra mulheres, desta vez o lento estupro da esposa de Luca, e o protagonista ainda é obrigado a escutar os sons da agressão através do telefone!

A conclusão envolve aquele típico duelo de western entre herói e vilão, mas com uma criativa reviravolta: furiosos pelo banho de sangue que tingiu as ruas de Nápoles, os velhos e aposentados chefes da Máfia local resolvem sair do conforto de seus lares, pegar suas pistolas e metralhadoras e ensinar uma pequena lição aos "jovens" que não conseguem tocar os negócios sem ficar se matando uns aos outros. É um toque irônico, que mostra a Velha Guarda resolvendo a situação à moda antiga, por sinal lembrando vários filmes do mestre Peckinpah. E o próprio Fulci faz uma ponta neste duelo final, quando aproveita para também dar uns tiros de metralhadora!!!

Pena que o roteiro, em geral, seja medíocre, incluindo algumas cenas inconvincentes e até absurdas. Sabe no final de "O Poderoso Chefão", quando os mafiosos começam uma execução em seqüência de vários inimigos na mesma hora? Pois é, aqui copiaram isso, só que os assassinatos acontecem em locais como uma missa e um hipódromo, sempre com muita gente ao redor, e ninguém (nem o assassino, nem as pessoas e eventuais testemunhas por perto) parece se importar com o fato. A morte no hipódromo é de longe a mais engraçada: um sujeito que é a cara do Seu Madruga está gritando, comemorando o fato do cavalo em que apostou ter ganhado, e o atirador aproveita o fato para enfiar-lhe um revólver na boca e explodir seus miolos assim, sem qualquer cerimônia! hahahahaha.


Como curiosidade, vale destacar a presença de várias caras conhecidas dos "polizieschi" em LUCA, O CONTRABANDISTA, como Romano Puppo (ator de estimação de Enzo G. Castellari, visto em filmes como "The Big Racket" e "A Cruz dos Executores"), Luciano Rossi (de "Napoli Violenta" e "Django, O Bastardo") e Daniele Dublino (de "Poliziotti Violenti" e "Uomini Si Nasce, Poliziotti Si Muore"), ao lado de outros nomes populares, tipo Venantino Venantini, Guido Alberti e até Ajita Wilson, travesti que fez operação de mudança de sexo e apareceu em vários filmes "exploitation" da época, como "Sadomania", de Jess Franco.

Se você é fã de carteirinha de Fulci, LUCA, O CONTRABANDISTA não foge à regra da filmografia do diretor: o enredo não faz muita diferença, sendo rápida e facilmente suplantado pela quantidade de violência e sangue na tela. Se você não gosta, aqui está um belo argumento para continuar não gostando: 1h30min de bandidos se matando, sem muita emoção, surpresas ou reviravoltas.

Mesmo assim, um filme bem filmado e muito bem feito, que merece ser conhecido justamente pela sua injusta obscuridade.

Trailer de LUCA, O CONTRABANDISTA


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Luca il Contrabbandiere/ Contraband (1980, Itália)
Direção: Lucio Fulci
Elenco: Fabio Testi, Ivana Monti, Guido
Alberti, Enrico Maisto, Daniele Dublino,
Marcel Bozzuffi e Ajita Wilson.



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PRÊMIO DARDOS: Essa me pegou realmente de surpresa! O blog FILMES PARA DOIDOS ainda não tem nem um ano de atividade, mas mesmo assim foi indicado para o Prêmio Dardos, que "reconhece os valores que cada blogueiro mostra a cada dia, seu empenho por transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. Em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, suas palavras". É mole ou quer mais? E eu sempre pensando que ninguém lê minhas bobagens... O responsável pela indicação (sim, a culpa é toda dele) foi o Ronald Perrone, que publica o ótimo blog Dementia 13. Desde já, deixo um sincero abraço ao Perrone pela lembrança e, seguindo as regras do Prêmio Dardos, tenho que fazer o segunte:

1) Exibir a imagem do selinho em seu blog;
2) Linkar o blog pelo qual recebeu a indicação;
3) Escolher outros 5 blogs a quem entregar o Prêmio Dardos,
4) Avisar os escolhidos.

Alguns dos meus escolhidos até já receberam a distinção, mas acho que eles merecem e vou "reindicá-los" pelo belo trabalho que fazem e que eu acompanho fielmente a cada semana (ou cada atualização):

Asian Fury - Filmes de Porrada, do Takeo Maruyama
Tablóide do Inferno, da equipe do site Boca do Inferno
RD - B Side, do Renato Doho
B Movies Box Car Blues, do Cesar Almeida
Viver e Morrer no Cinema, do Leandro Caraça