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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

As últimas críticas rápidas para pessoas nervosas de 2009


GUERRA AO TERROR (The Hurt Locker, 2008, EUA. Dir: Kathryn Bigelow)
James Cameron, que é ex-marido da diretora Kathryn, teria dito que "Guerra ao Terror" seria o "Platoon" da Guerra do Iraque. O comentário não poderia ser mais injusto, considerando que este filmaço é muito superior àquela fábula bélica do Oliver Stone. E por isso mesmo é um verdadeiro mistério a recepção ridícula que a obra teve no Brasil, saindo direto em DVD com uma capinha medíocre e sem qualquer alarde (mas com um futuro relançamento nos cinemas agendado para 2010, graças às boas críticas que o filme vem recebendo). Tendo o conflito no Iraque como pano de fundo (fazendo com que o título brasileiro soe ridículo), a história se concentra num grupo de operações especiais cuja missão é desarmar as bombas deixadas pelos rebeldes iraquianos por toda parte: em pleno centro da cidade, em carros estacionados ou nos coletes usados por homens-bomba. Quando o maior especialista em exposivos é morto durante uma ação que dá errado, é substituído por um jovem e arrogante sargento viciado em adrenalina (em ótima interpretação de Jeremy Renner), que passa o restante do filme colocando sua unidade à beira da morte. Repleto de cenas tensas e com um suspense crescente (principalmente aquelas envolvendo os explosivos), e filmado com estilo e visual de documentário, "Guerra ao Terror" ainda se dá ao luxo de trazer atores famosos (Guy Pearce, David Morse, Ralph Fiennes) em papéis minúsculos, deixando jovens quase desconhecidos para comandar o espetáculo. O resultado fica vários pontos acima da média, num dos filmes obrigatórios em qualquer lista dos melhores de 2009 - e que não pode ficar de fora do Oscar do próximo ano.




VERTIGEM (Vertige, 2009, França. Dir: Abel Ferry)
Slasher francês que milagrosamente saiu em DVD no Brasil (enquanto obras muito melhores, como "Martyrs", seguem inéditas no país). A capinha é melhor que o filme inteiro, mas é possível encontrar algumas boas qualidades na obra, que conta a história de um grupo de amigos alpinistas enfrentando um misterioso assassino no topo de uma montanha de difícil acesso. O diretor Ferry consegue criar um clima de tensão e claustrofobia, já que os personagens têm poucas chances de fugir do local onde estão, e parece fazer uma versão francesa de "Wolf Creek". Só que o filme logo fica repetitivo, principalmente quando nossos heróis chegam à cabana habitada pelo assassino. E eu confesso que gostei mais do início (com cenas de suspense e perigo muito bem realizadas durante a escalada da montanha) do que do restante - talvez até o filme ficasse melhor SEM um assassino na história! Mas quem cansou dos slashers fuleiros produzidos nos EUA nos últimos tempos, como o medonho "Pacto Secreto", pode conferir sem medo. Até porque a obra de Ferry traz alguns bons "contra-clichês" que a gente não vê nas produções norte-americanas, como o personagem irritante que se redime com heroísmo, ou aquele que parecia o valente protagonista matando covardemente um desafeto. Diverte, mas podia ser bem melhor.




JCVD (idem, 2008, Bélgica/Luxemburgo/França. Dir: Mabrouk El Mechri)
Surpreendente trabalho "alternativo" e "sério" do belga Van Damme, que depois de virar astro em Hollywood teve problemas com drogas e vinha numa trajetória decadente, estrelando produções classe B direto para o mercado de vídeo. É uma obra difícil de definir, que traz Van Damme interpretando ele mesmo - um astro decadente -, mas mergulhado numa trama realista e muito parecida com a do clássico "Um Dia de Cão" (com citações diretas a este filme). Nem é bom falar muito sobre a história para não estragar as diversas surpresas que aguardam o espectador. Mas o melhor da coisa é a interpretação de Van Damme. Você não leu errado: o baixinho realmente está interpretando, e em alguns momentos consegue até emocionar, como num monólogo de seis minutos, sem cortes, em que ele olha direto para a câmera (e para o espectador), e passa sua carreira a limpo, falando inclusive sobre seu problema com as drogas. É Van Damme se reinventando, enquanto outros atores da sua geração (Steven Seagal, Dolph Lundgren...) vão ficando cada vez piores. Méritos ainda para os vários momentos que ironizam a carreira do ator, como a cena inicial (um longo plano-seqüência durante as filmagens de uma aventura fictícia do astro), ou o fato de Van Damme perder um papel para Steven Seagal porque ele prometeu cortar o rabo-de-cavalo! Genial, ainda, a discussão sobre John Woo, diretor que Van Damme ajudou a levar para Hollywood (com "O Alvo"). Interessantíssimo e diferente de tudo que o ator já fez na vida, "JCVD" parece indicar um novo caminho para o belga.




DOGHOUSE (idem, 2009, Inglaterra. Dir: Jake West)
Enquanto a maioria prefere pagar pau para "Arraste-me Para o Inferno" e "Zombieland" como os dois grandes "terrir" de 2009, eu fico com "Doghouse", que achei muito mais divertido e original. Este é o novo filme do Jake West, diretor do igualmente engraçado e escatológico "Evil Aliens", e que para mim é um novo Peter Jackson - com o mesmo senso de humor doentio que o neozelandês tinha antes de ir para Hollywood. Conta a história de um grupo de amigos machistas (entre eles os engraçados Danny Dyer, de "Severance/Mutilados", e Stephen Graham, de "Snatch") que, para ajudar um deles a superar seu recente divórcio, resolve fazer uma excursão até uma pequena cidade onde a quantidade de mulheres é muito superior à de homens. O problema é que eles chegam ao local justamente no auge da contaminação por um vírus que transforma mulheres (e apenas elas) em zumbis devoradoras de carne humana! Mero pretexto para um festival de piadas sexistas que farão as meninas bufarem de raiva, e um festival de sangue com todas as mutilações e nojeiras que faltaram em "Arraste-me..." e "Zombieland". A caracterização das sensuais "zumbias" é muito boa (destaque para a noivinha, que desperta instintos necrófilos em qualquer um), e o único porém é a conclusão repentina e jogada na cara do espectador, como se o diretor não soubesse acabar o filme.




O MISSIONÁRIO (Missionary Man, 2007, EUA. Dir: Dolph Lundgren)
Enquanto alguns velhos astros do cinema de ação tentam dar novos rumos às suas carreiras (como Stallone e Van Damme), outros fingem que não envelheceram e continuam empesteando as locadoras com "mais do mesmo". É o caso de Dolph Lundgren e esse seu "O Missionário". Eu até estava curioso pelo fato de o filme ser escrito, dirigido e estrelado pelo ator sueco, e vendido como um western contemporâneo. O resultado, entretanto, fica abaixo de qualquer expectativa: é uma aventura classe C que segue a cartilha de clichês do gênero da primeira à última página. Lundgren interpreta um personagem misterioso que chega de moto a uma cidadezinha dominada por bandidos. Logo compra encrenca com os malvadões, ao mesmo tempo em que lê a bíblia e fica entoando salmos e parábolas (!!!). Não há absolutamente nada de novo, e mesmo as cenas de ação são mal-filmadas e burocráticas. Mas o prego na tampa do caixão é o fato de o personagem de Lundgren logo demonstrar um lado meio sobrenatural, estilo Clint Eastwood em "O Estranho Sem Nome". Enfim, uma bobagem que não vale o preço da locação e nem a energia elétrica gasta num download, e que nem mesmo os fanáticos por estas aventuras de quinta categoria deverão curtir. Lundgren precisa urgentemente repensar sua "carreira", ainda mais agora, que faz parte do estelar elenco de "Os Mercenários", dirigido e estrelado por Stallone, o que pode representar uma nova chance para ele.




PRESOS NO GELO 1 e 2 (Fritt Vilt 1 e 2, 2006/2008, Noruega. Dir: Roar Uthaug e Mats Stenberg)
Se os americanos realmente pretendem continuar refilmando seus slashers clássicos (ou nem tão clássicos assim), bem que podiam parar de entregar a direção dos remakes a cabeças-de-bagre e contratar gente que entende do riscado, como os noruegueses por trás da série "Fritt Vilt", que no Brasil foi batizada "Presos no Gelo" (o primeiro filme, pois o segundo ainda não saiu por aqui). Sem exagerar no sangue e nas situações absurdas, muito menos nos "sustos TCHAM!" tradicionais nos slashers americanos contemporâneos, os filmes noruegueses preferem investir no clima de tensão e suspense, aproximando-se dos clássicos dos anos 70, como "Black Christmas" e "Halloween". O primeiro, dirigido por Roar Uthaug, mostra um grupo de jovens praticando snowboard nas montanhas. Quando um deles se machuca gravemente, o grupo busca abrigo num hotel abandonado há anos, onde vive um misterioso assassino. Neste, o diretor investe no clima, sem abusar do sangue, e o resultado é acima da média. Já o segundo filme, que traz Mats Stenberg na cadeira de diretor, é melhor que o original, e tem mais sangue e violência: desta vez o assassino ataca num hospital, para onde foi levada a sobrevivente do anterior. É praticamente um "Halloween 2" (o de 1981, claro) norueguês. Aliás, é interessante constatar como os dois "Presos no Gelo" estão mais para a série "Halloween" do que aqueles pavorosos remakes oficiais dirigidos pelo Rob Zombie. E um "Fritt Vilt 3" já é anunciado para 2010, desta vez com Mikkel Brænne Sandemose na direção. Tem tudo para virar uma franquia de respeito, ao contrário das medonhas "contribuições" recentes dos Estados Unidos ao subgênero slasher.




ZOMBIELAND (idem, 2009, EUA. Dir: Ruben Fleischer)
Esta divertida aventura engraçadinha com zumbis é mais um caso de como uma produção pode ser prejudicada pelo "hype": falaram e escreveram tantas maravilhas sobre o filme que, quando eu vi, fiquei pensando: "Mas é só isso?". Foi a mesma sensação que tive ao final de "Arraste-me Para o Inferno": não que os filmes sejam ruins, mas o excesso de deslumbramento e de comentários maravilhados realmente deixa qualquer um esperando muito mais de ambos. "Zombieland", por exemplo, começa melhor do que termina, com um rapaz (Jesse Eisenberg) conversando com o espectador sobre seus hábitos e "regras de sobrevivência" num mundo dominado por zumbis. Ele logo se alia a um fanático matador de mortos-vivos (Woody Harrelson, muito divertido) e a duas meninas que passam o resto do filme enganando/roubando/trapaceando os dois amigos. Logo os zumbis se tornam coadjuvantes mal-aproveitados numa comédia juvenil, que perde feio para outras histórias engraçadinhas com zumbis, como "Shaun of the Dead", "Fido" ou mesmo os recentes "Dead Snow", "The Revenant" e "Doghouse". Mesmo a tão comentada participação especial de Bill Murray, interpretando ele mesmo, é bem sem graça - e com um desfecho tão previsível que dá até raiva. Sobra uma comédia divertida e talvez superestimada, que some da memória em poucas horas, e mesmo assim já tem uma continuação anunciada para 2011.




HARRY BROWN (idem, 2009, Inglaterra. Dir: Daniel Barber)
Se o roteiro de "Desejo de Matar 3" (aquele com Charles Bronson enfrentando gangues num bairro pobre) fosse refilmado por alguém que o levasse a sério, o resultado ficaria bem perto desta pérola inglesa - que também tem muito de "Gran Torino", de Clint Eastwood. Harry Brown é um pacato aposentado inglês, interpretado por Michael Caine, que numa mesma semana perde a esposa e o melhor amigo - este último, brutalmente assassinado por uma gangue de delinqüentes que está aterrorizando o bairro. Sozinho no mundo e amargurado, e sem poder contar com a polícia, o bom velhinho encarna o espírito justiceiro de Paul Kersey (o vigilante da série "Desejo de Matar"), consegue uma arma e sai distribuindo pipocos na bandidagem. Como também acontecia no "Desejo de Matar" original, acaba atraindo a atenção da polícia, que parece mais interessada em punir quem faz justiça com as próprias mãos do que os criminosos. Bem filmado e bastante violento, "Harry Brown" também tem um excelente roteiro, que não tenta exagerar as "façanhas" do seu herói da terceira idade, tornando-o mais realista do que Bronson nos três últimos "Desejo de Matar". E Michael Caine é "o" cara, um excelente ator que ultimamente estava relegado ao papel de coadjuvante invisível (como na série "Batman"). Seria até engraçado imaginar um encontro entre Harry Brown, Paul Kersey e Walt Kowalski, personagem de Eastwood em "Gran Torino": provavelmente não iria sobrar bandido vivo neste mundo! Até porque os velhotes durões andam fazendo o trabalho sujo bem melhor que alguns novatos que a gente vê em certos filmes por aí...




HELLRAISER - O RETORNO DOS MORTOS (Hellraiser: Deader,
2005, EUA/Romênia. Dir: Rick Bota)

É um verdadeiro exercício de sadomasoquismo agüentar esse sétimo filme da série "Hellraiser" até o final. Sem pé nem cabeça, com um excesso de cenas de alucinação que logo se tornam repetitivas e redundantes (o espectador nunca sabe quando a protagonista está "acordada" ou "viajando"), "Hellraiser - O Retorno dos Mortos" só não é o fundo do poço da franquia (que já vinha do fraco "Caçador do Inferno") porque depois o mesmo diretor Rick Bota conseguiu se superar (negativamente) com o ainda pior "Hellworld". A trama envolve uma jornalista que vai à Romênia para investigar uma misteriosa seita, cujos integrantes chamam-se "deaders" (ou "zumbis", na péssima tradução brasileira), e aparentemente são trazidos de volta da morte pelo seu fanático líder. A forma como o roteiro tenta conectar essa história com a caixinha da Configuração dos Lamentos e os cenobitas da série "Hellraiser" é porca e confusa. E nem podia ser diferente, já que os produtores simplesmente pegaram um roteiro qualquer para um filme independente e o transformaram em um "Hellraiser". O resultado é uma história sem pé nem cabeça, que começa interessante, mas logo fica entrecortada e absurda, e ainda termina de maneira totalmente inexplicável. Nem as poucas cenas de violência, nem a delícia chamada Kari Wuhrer (a protagonista), salvam o filme do desastre.




HELLWORLD - O MUNDO DO INFERNO (Hellraiser: Hellworld,
2005, EUA/Romênia. Dir: Rick Bota)

O oitavo (e por enquanto último) filme da franquia "Hellraiser" é tão ruim que devia ser considerado crime. Aliás, a história tem tão pouco a ver com a série que, no Brasil, a distribuidora preferiu traduzir apenas o subtítulo, sem fazer ligação alguma com "Hellraiser", o que se revelou uma atitude bastante sensata. Como já havia acontecido com o filme anterior ("O Retorno dos Mortos"), este também pega um roteiro qualquer, sem conexão com Pinhead e os cenobitas, e o transforma em episódio de "Hellraiser", com resultados lamentáveis. E o pior é que a história até começa bem, com toques de metalinguagem, apresentando um grupo de jovens, fãs apaixonados da série "Hellraiser" (!!!), que se divertem com um jogo virtual chamado Hellworld, estrelado pelos cenobitas criados por Clive Barker. Um ano depois da morte de um deles, os amigos são convidados para uma festa dos jogadores de Hellworld, numa mansão afastada, onde as mortes se sucedem em meio a um festival de alucinações e cenas de nudez. Ponto mais baixo da série, "Hellworld" esquece todo o charme do universo dos cenobitas e se transforma num slasher banal. Pior: no risível final, revela-se que tudo não passou de um absurdo plano de vingança de um vilão perfeitamente "humano" (à lá série "Pânico"). Dá até pena de ver um ator como Lance Henriksen perdido numa produção tão medíocre, mas considerando que o sujeito já fez até novela da Record... Enfim, uma bobagem indefensável, que nem os fãs mais fervorosos da série "Hellraiser" (se é que eles ainda existem) devem ter curtido.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

FORÇA CRUEL (1982)


Visualize a cena: estamos no final dos anos 80, e você entra numa videolocadora em busca de um filme para ver numa noite de sábado, com seus pais, sua namorada ou sua esposa. As videolocadoras da época eram templos repletos de preciosidades, onde você podia encontrar lado a lado produções do Spielberg e do Bruno Mattei. Uma das capinhas chama a sua atenção. Curiosamente, nada no título ou na arte da capa dá qualquer pista sobre o que é aquele filme. Mas você arrisca e leva de qualquer forma. Chegando em casa, você coloca a fita de FORÇA CRUEL no seu velho videocassete de quatro cabeças, e se acomoda no sofá com quem quer que seja a sua companhia. E, pelos próximos 86 minutos, você vê um pouco das seguintes coisas:

- Uma ilha misteriosa onde são sepultados os maiores mestres de artes marciais do planeta.
- Uma quadrilha de traficantes de escravas brancas liderada por um alemão nazista, que tem bigodinho de Hitler.
- Uma seita de monges canibais.
- Um cruzeiro repleto de campeões de kung-fu e mulheres nuas.
- Uma briga num puteiro, bem no meio de um montão de figurantes peladas.
- Zumbis que levantam dos túmulos para lutar artes marciais.


Pode parecer esquisitice demais para um único filme de 86 minutos... Mas, acredite, FORÇA CRUEL tem tudo isso e ainda muito mais - até ataques de piranhas em pleno mar, embora o peixe seja de água doce! E é claro que se você locou a fita para ver com os pais, com a namorada ou com a esposa, provavelmente vai ter apanhado deles muito antes de subirem os créditos finais. Mesmo assim, como era divertido o mercado de vídeo brasileiro dos anos 80...

FORÇA CRUEL é uma co-produção classe Z entre Estados Unidos e Filipinas. O cinema de ação bagaceiro filipino é uma das coisas mais exóticas (para não dizer sem pé nem cabeça) da face da Terra - que o diga quem já viu produções tipo "Lady Terminator" (em breve aqui no blog).

Este aqui obviamente não foge à regra, e ainda tenta bater o recorde filipino de cenas de pancadaria e quantidade de mulher pelada por minuto de projeção. Se você é daqueles que curte filmes mais, digamos, "normais", é melhor parar de ler por aqui. Afinal, estamos diante de mais um FILME PARA DOIDOS com louvor.


Escrito e dirigido por um débil mental chamado Edward D. Murphy (que me lembra um outro "Edward D.", cujo sobrenome era Wood...), FORÇA CRUEL conta a história da tal "Warriors Island", onde estão as sepulturas dos grandes guerreiros de artes marciais de todas as eras - e o motivo que leva essa gente a ser enterrada numa ilha remota é algo que foge à compreensão.

Além do montão de cadáveres, a ilha também tem habitantes humanos, ou quase: a tal seita de monges com hábitos alimentares bem diferentes, que costuma trocar pedras de jade por mulheres para a sua dieta alimentar (!!!). O "cardápio" é fornecido pela quadrilha do tal alemão nazista, o dr. Speer (Ralph Lombardi).

Enquanto os monges canibais fazem churrasquinho de mulheres nuas e os traficantes de escravas brancas pesam o jade que faturaram na última "entrega", um cruzeiro de luxo parte com destino às várias ilhas exóticas do sudeste da Ásia.


No navio estão garotas assanhadas que vivem tirando a roupa (entre elas Camille Keaton, a protagonista do clássico exploitation "A Vingança de Jennifer", numa participação rapidíssima - e pelada, claro!); uma gata (Jillian Kesner) que, acredite se quiser, é integrante da SWAT (!!!), e três campeões de kung-fu norte-americanos, Taylor, Schwartz e O'Malley (interpretados por Geoffrey Binney, John Dresden e John Locke).

Ah, e o capitão do navio é o Cameron Mitchell, completamente mamado em toda e qualquer cena que aparece (numa delas, chega a perder toscamente seu quepe de capitão, mas nem dá bola e continua "interpretando").

Quando o dr. Speer descobre que o cruzeiro está para visitar a "sua" Warriors Island, começa a temer que o pessoal descubra o que anda acontecendo por lá, e aí ele vai perder o grande negócio de trocar vagabas por jade.


A solução encontrada é enviar seus homens, um mais incompetente que o outro, para tentar aniquilar os passageiros, primeiro num puteiro, depois a bordo do próprio navio, quando rolam cenas toscamente coreografadas de artes marciais (assinadas pelo norte-americano Mike Stone, que trabalhou em filmes como "American Ninja" e "Ninja - A Máquina Assassina"). Em meio à pancadaria no convés, alguém acaba incendiando o barco, obrigando os sobreviventes a saltar para um bote salva-vidas e enfrentar as águas infestadas de tubarões.

E aí acontece justamente o que os bandidões tentavam evitar: nosso heróis chegam a Warriors Island. Eles são recepcionados novamente pelos homens de Speer, armados com bazucas e metralhadoras, mas estes voltam a perder a luta (pela terceira vez!), obrigando os monges canibais (ainda lembra deles?) a despertar os mestres das artes marciais das suas sepulturas para lidar com os intrusos.


Você não leu errado: no terceiro ato, os protagonistas enfrentam zumbis que lutam karatê!!! Pena que o rigor mortis comprometeu as habilidades dos tais "grandes mestres", e eles também apanham facilmente de todos os heróis - principalmente do cozinheiro do navio, o tradicional chinês bom de luta, interpretado por Rey King.

FORÇA CRUEL é o tipo de zorra total que só podia ser produzida nas Filipinas, onde o que vale é filmar porrada e nudez feminina, e o roteiro que se dane. A mistura de elementos tão diferentes quanto traficantes de escravas brancas, monges canibais, campeões de kung-fu e zumbis lutando artes marciais lembra outros "sambas do crioulo doido", como o clássico ítalo-brasileiro "Perdidos no Vale dos Dinossauros". Mas o filme de Murphy não é nem de longe tão divertido.


Momentos escandalosamente trash (como o vilão malvado que usa capacete com uma suástica, mas, ao tirar as calças para estuprar uma moça, revela ter uma cueca cheia de coraçõezinhos) e diálogos de rolar de rir (como o "Holy smokes! Who the heck is he?", dito por um sujeito ao ver um zumbi) ficam perdidos em meio a uma narrativa frouxa, com cenas de lutas mal-feitas ou muito escuras, que sempre descambam para atos de violência representados através de efeitos muito pobres (a exceção é a decapitação de um dos zumbis, com direito a sangue jorrando de mangueirinha e tudo mais).


Talvez o grande problema seja o diretor jamais decidir se faz um filme sério e involuntariamente trash ou uma bobagem de mau gosto assumido. Enquanto alguns dos heróis estão realmente levando a coisa a sério (menos Cameron Mitchell, que estava bêbado demais para sequer saber o que estava filmando), os intérpretes dos monges canibais e o sujeito que faz o dr. Speer obviamente representam como se estivessem numa comédia ou numa produção da Troma, e isso tira boa parte da graça da coisa - afinal, o "involuntariamente ruim" sempre é mais divertido que a coisa mal-feita de propósito!

Mas se há uma qualidade em FORÇA CRUEL, é o fato de que o espectador sempre acaba surpreendido de algum jeito. Quando você acha que o pior já aconteceu, eis que uma nova bobagem ainda pior aparece na tela, como os mortos-vivos interpretados por atores com o rosto pintado de tinta verde ou cinza (e que nem ao menos tentam "interpretar" zumbis), ou o tal ataque de piranhas em alto mar, encenado com a ajuda de takes obviamente retirados de algum documentário.


E nada pode preparar o espectador para cenas como a dos monges preparando uma garota para virar churrasquinho, sem esquecer nem mesmo de espalhar tempero pelo corpo da moça!!! (Sim, eles são monges, são canibais e vivem numa ilha deserta, mas isso não os impede de ter um paladar refinado, ora!)

Se tudo isso não basta para dar uma idéia do nível trash da coisa, vale destacar que o filme talvez tenha a maior coleção de mulheres feias (e nuas) da história do cinema, concorrendo de igual para igual com aqueles horrorosos pornôs dirigidos pelo José Mojica Marins, tipo "24 Horas de Sexo Explícito". E tudo é desculpa para tirar a roupa da mulherada: inclusive aquelas que são despidas "à força" pelos malfeitores nem parecem se importar muito com o fato de ficarem peladinhas.


Para completar, os heróis enfrentam todas as adversidades sem jamais se espantar, sejam os traficantes de escravas, sejam os monjes canibais (!!!), sejam os apodrecidos mortos-vivos lutadores de artes marciais (!!!!!). Eles nem ao menos parecem surpresos ou assustados, sentando porrada em qualquer inimigo que apareça pela frente, como se topar com zumbis karatekas fosse fichinha ou algo do dia-a-dia! Por isso, o melhor é desligar o cérebro e "divertir-se", se é que isso é possível. A propósito, o filme inteirinho está disponível no YouTube, para os corajosos que quiserem conferir.

Agora imagine-se de volta ao sofá da sua sala lá atrás, nos anos 80. O filme está quase acabando e você já apanhou dos seus pais, da sua namorada ou da sua esposa, que jamais te deixarão encarregado de escolher o filme para o sábado à noite outra vez. E é então que FORÇA CRUEL dá o golpe de misericórdia: na última cena, antes que subam os créditos finais, um dos heróis dá uma piscadinha para a câmera (ou seja, diretamente para você, nobre espectador), e entra um letreiro enorme dizendo: "TO BE CONTINUED..."!!!


Dá para acreditar? Quem em sã consciência iria encarar mais uma sessão de monges canibais, zumbis lutadores de kung-fu e traficantes de escravas brancas? Menos mal que até hoje, 27 anos depois, ninguém se animou a voltar para a Warriors Island e continuar a "aventura". Por via das dúvidas, é melhor não provocar...

PS: Não é nenhuma surpresa saber que o diretor Edward D. Murphy só fez mais um filme depois desse, "Vietnam - Sangue e Vingança" (1985), que eu infelizmente não tive o "prazer" de ver. Ultimamente, ele anda muito ocupado com sua carreira de ator. Entre 1991 e 2000, por exemplo, Murphy emprestou sua fuça para nada menos de 12 personagens diferentes em episódios do seriado "Law & Order"!

Review de FORÇA CRUEL (em inglês)


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Raw Force/ Kung-Fu Cannibals
(1982, EUA/Filipinas)

Direção: Edward D. Murphy
Elenco: Cameron Mitchell, Geoffrey Binney,
Hope Holiday, Jillian Kesner, John Dresden,
John Locke e Camille Keaton.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

FAR CRY (2008)


O diretor alemão Uwe Boll entrou para a história do cinema ruim pelas suas péssimas adaptações de jogos de videogame para a telona, como "House of the Dead" e "Alone in the Dark". E não aprendeu a lição, já que continuou fazendo filmes baseados em games ("Bloodrayne", "Dungeon Siege/Em Nome do Rei", "Postal") cujos roteiros têm pouco ou nada a ver com os jogos em questão. Isso rendeu até uma "piada interna" em "Postal", que mostra Uwe Boll, como ele mesmo, declarando que odeia videogames, pouco depois de ser atacado pelo próprio criador do jogo "Postal", furioso com o cineasta pelo que foi feito com sua obra!

Mas justiça seja feita: tenho 30 anos na cara e não consigo lembrar de uma adaptação cinematográfica de jogo de videogame que possa ser considerada interessante ou pelo menos fiel ao material em que se inspira, de "Resident Evil" a "Super Mario", de "Max Payne" a... argh!, "Street Fighter - A Última Ameaça". Talvez só o "Terror em Silent Hill", de Christopher Gans, tenha ficado acima da média, mas tem pouquíssimo a ver com o jogo, e seus pontos positivos são mais méritos do cineasta do que do game.


Voltemos a Boll: embora ele tenha se saído bem melhor com suas obras não-baseadas em games, como "Tunnel Rats" e "Heart of America", continua desovando filmes ligeiramente inspirados em jogos todo ano, até porque considera economicamente viável para um produtor independente explorar títulos conhecidos, como estes dos games, conforme ele explicou no ótimo documentário "Visiting Uwe".

E isso nos leva a FAR CRY, que por enquanto é a mais recente obra baseada em videogames dirigida por Boll. Como todos os outros "filmes de videogame" do cineasta alemão, este também toma muitas liberdades poéticas em relação à fonte, mas mesmo assim é o mais parecido com o jogo que o diretor já conseguiu fazer.

"Far Cry", o jogo, saiu em 2004 e fez relativo sucesso. É um daqueles games de tiro em primeira pessoa, cujo herói é um ex-militar chamado Jack Carver. Depois de levar uma jornalista investigativa até uma ilha tropical na Micronesia, Carver é atacado, tem seu barco explodido e precisa investigar por conta própria o que está acontecendo no lugar. À medida que o jogo avança, descobre que um cientista maluco, o dr. Krieger, criou um raça de mutantes para agirem como super-soldados.


No filme, alguns elementos se mantêm, embora bastante modificados: a ilha não é mais tropical, os super-soldados não são monstros mutantes, e sim "super-homens" com força amplificada e resistentes a tiros, e a jornalista vai à ilha não atrás de um furo de reportagem, mas para investigar o paradeiro do seu irmão, uma das cobaias utilizadas pelo cientista.

Além disso, se no jogo em primeira pessoa era você, como jogador, comandando o personagem principal, sozinhos contra todo o resto, no filme o herói já conta com a ajuda da tal jornalista, Valerie Cardinal (Emmanuelle Vaugier, de "House of the Dead 2"), e do tradicional alívio cômico, um gordo sem graça chamado Emilio (Chris Coppola, de "Shadow"), que consegue ser um parceiro pior e mais chato que Joe Pesci nos "Máquina Mortífera" ou do que o abominável Rob Schneider em "O Juiz" e "Golpe Fulminante".


Já Jack Carver é interpretado pelo ator alemão Til Schweiger, que está na ativa desde 2001 (apareceu até no segundo "Tomb Raider", outra bomba baseada em videogame), mas só conseguiu destaque este ano ao interpretar o sargento Hugo Stiglitz de maneira brilhante em "Bastardos Inglórios". E como faz diferença um bom diretor: em FAR CRY, dirigido sem muita noção por Boll, Schweiger está tão mau como herói de ação (e com um sotaque atroz) que eu jamais imaginaria ver o sujeito quase roubando a cena apenas um ano depois no filme de guerra do Tarantino.

Outro ponto positivo de FAR CRY, o filme, é o intérprete do cientista louco: ninguém menos que o alemão Udo Kier, que parece estar se divertindo muito ao adicionar mais um vilão para a sua carreira de cinema B. E já que estamos falando em "cinema B", o elenco traz ainda pequenas participações de Michael Paré e Ralf Moeller, atores-fetiche de Boll.


O grande problema é que FAR CRY é um produto deslocado de sua época, uma aventura classe B com todos (e digo todos MESMO) clichês do gênero, do herói ex-Forças Especiais transformado em alcoólatra ranzinza à mocinha que é jornalista abelhuda, passando pelo cientista louco (alemão, lógico) estilo dr. Moreau, e sem faltar nem mesmo o parceiro engraçadinho do herói para servir como alívio cômico.

"Deslocado de sua época" porque, embora seja produção de 2008, tem cara daqueles filmecos produzidos pela Cannon nos anos 80 e pela Nu Image nos anos 90, direto para o mercado das videolocadoras, e trazendo como astros aqueles galãs nem de segunda, mas de terceira linha. Se FAR CRY fosse feito 20 anos atrás, por exemplo, certamente teria Frank Zagarino ou Joe Lara no papel principal, e Martin Kove ou Richard Lynch no lugar do vilão.


No geral, este novo trabalho do alemão psicopata não foge do convencional; até já consigo visualizá-lo sendo exibido no Domingo Maior daqui uns anos. Boll segue fielmente a cartilha dos filmes de ação com pouca grana, sem inventar muito, e entrega tudo aquilo que o espectador espera ver: lutas, tiros, explosões, herói e vilão sem nenhuma profundidade, trama descomplicada e até uma pitadinha (bem inofensiva) de sexo.

E mulher bonita, claro: além de Emmanuelle, temos a gracinha polonesa Natalia Avelon interpretando uma malvada mercenária russa a serviço do vilão. As duas moças são um colírio para os olhos e compensam os muitos tempos-mortos do filme.


E embora seja rotineiro, FAR CRY pelo menos diverte, trazendo inclusive aquelas bobagens típicas do cinema do alemão maluco, como o fato de a mocinha não saber o que é uma granada (e nem para o quê serve ou como funciona).

Por outro lado, também tem algumas boas cenas que comprovam que Boll está melhorando como diretor (ou pelo menos parece longe das suas cagadas tipo "House of the Dead").

O início, em que uma equipe de soldados é atacada pelos super-soldados de Krieger, é muito bem filmado, com direito a uma cena de gore estilo "Cubo", em que a cabeça de uma vítima é praticamente atravessada numa cerca; o "miolo" do filme é meia-boca, mas o final compensa com farta quantidade de lutas, tiros e explosões, quando os super-soldados escapam de suas celas e começam um massacre na ilha, com direito a mais gore, incluindo um sujeito sendo partido ao meio por uma enorme serra circular.


Assim, posso recomendá-lo sem medo para os fãs de cinema de ação barato ou de filmes descerebrados movidos a tiros e explosões. Não é nenhuma maravilha e desaparece da memória em dois dias, mas em compensação não é uma atrocidade impossível de assistir, como outras adaptações de videogame, dirigidas por Uwe Boll ou não. Inclusive se tivesse sido dirigido na Itália nos anos 80, muita gente iria considerar um clássico nos dias de hoje.

Agora é esperar para ver "Bloodrayne 3" e "Zombie Massacre", novas adaptações cinematográficas de jogos de videogame que o famigerado cineasta alemão está prometendo para 2010 - no caso de "Zombie Massacre", ele já comentou que será uma mistura de Snake Plissken, personagem de Kurt Russell em "Fuga de Nova York", com zumbis.

Será que ele continuará "melhorando", ou vai voltar aos maus tempos de "House of the Dead" e "Alone in the Dark"? Bem, resta o consolo de que pior do que estes não tem como ficar. Ou será que tem?

Trailer de FAR CRY


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Far Cry (2008, Alemanha/Canadá)
Direção: Uwe Boll
Elenco: Til Schweiger, Emmanuelle Vaugier,
Udo Kier, Ralf Moeller, Michael Paré,
Chris Coppola e Natalia Avelon.

sábado, 12 de dezembro de 2009

VISITING UWE - THE UWE BOLL HOMESTORY (2008)


Preparem-se, amiguinhos! Este post de hoje traz uma produção que, como poucas, combina perfeitamente com o nome do blog: é um autêntico FILME PARA DOIDOS, não apenas "para", mas também "de" e "sobre" doidos. Afinal, como é possível levar a sério um documentário supostamente sério onde um sujeito conversa animadamente sobre cinema, durante uns bons 50 minutos em preto-e-branco, com aquele que é considerado um dos piores diretores de todos os tempos, o alemão Uwe Boll?

Caso você tenha vivido em Marte na última década, e nunca ouviu falar sobre o sr. Uwe Boll, saiba apenas que ele é um alemão metido a encrenqueiro e falastrão, que surgiu de lugar nenhum e, num piscar de olhos, já estava com toda a moral para torrar milhões de dólares em filmes horríveis com astros e estrelas de Hollywood - um fenômeno que ninguém soube explicar satisfatoriamente até hoje.


Depois de dirigir "House of the Dead" e "Alone in the Dark", duas abomináveis adaptações cinematográficas de videogames (que do game em questão só trazem o nome), Boll continuou prestando desserviços à sétima arte, escrevendo, produzindo e dirigindo filmes que ninguém quer ver, e fazendo atores de calibre pagarem o maior mico (entre eles, Ben Kingsley, Ray Liotta, Michael Madsen, Geraldine Chaplin e Burt Reynolds).

Claro que, após o choque inicial da ruindade de "House of the Dead" e "Alone in the Dark", todo mundo já sabe o que esperar do "cinema" de Boll, e suas obras posteriores passaram a ficar no mínimo divertidas ("Bloodrayne", por exemplo, é perfeitamente assistível, e seu recente "Tunnel Rats" é bem interessante). Mas ele parece longe de ter aprendido como se faz, e volta-e-meia solta uma nova bomba ("Seed - Assassino em Série") ou pérola do mau gosto (seu "Postal" é uma comédia que faz graça com morte de crianças e até com o 11 de Setembro!!!).


Apresentação feita, é hora de falar sobre o nosso filme em questão, VISITING UWE - THE UWE BOLL HOMESTORY, um inacreditável e excêntrico documentário em que o diretor-roteirista-apresentador de um programa alemão sobre cinema, Fabian Hübner, visita a casa-escritório do famigerado Uwe Boll, e passa o resto do tempo conversando com ele sobre a sétima arte.

E nada pode ser mais estranho, chocante até, do que ver um dos piores diretores da história comentando o trabalho de Orson Welles, Stanley Kubrick, William Wyler e John Ford - isso quando não está CRITICANDO Michealangelo Antonioni, Jean-Luc Godard e Andrei Tarkovsky!!! Parece algo tão esdrúxulo quanto ouvir a Banda Calypso comentando o trabalho de Mozart e Beethoven.

Se só por uma discussão inesperada como esta o filme já valeria a pena, eis que o documentário ainda se dedica a mostrar a casa e a intimidade do "célebre" cineasta alemão. Afinal, o título VISITING UWE não é acidental: a conversa sobre cinema é intercalada com cenas em que Boll mostra os aposentos do seu lar, fala sobre seu dia-a-dia ("A máquina de capuccino é a coisa mais importante da minha casa.") e brinca com seus cães, inclusive confessando que um deles fez "participações especiais" em quase todos os seus filmes!


E se só pela discussão inusitada sobre cinema, pela visita à casa de Boll e pelos detalhes do seu dia-a-dia o filme já valeria a pena, nem que seja como curiosidade mórbida, eis que temos ainda diversos momentos mágicos que apenas confirmam a personalidade bizarra (para não dizer completamente louca) do diretor alemão, e tornam este documentário não apenas inacreditável, mas também absolutamente imperdível.

Para começo de conversa, VISITING UWE já começa com um take do seu "homenageado" olhando diretamente para a câmera e se apresentando: "Olá. Eu sou Uwe Boll, o melhor cineasta do mundo". E, quando se trata de Boll, você nunca sabe se ele está ironizando (fazendo auto-sátira com a própria imagem de "pior diretor") ou falando sério. Até porque ele já comprovou, mais de uma vez, ter um parafuso a menos - quem em sã consciência desafiaria os críticos do seu trabalho para lutas de boxe?


Ao ser questionado se acha mais importante o Oscar ou a Palma de Ouro em Cannes, Boll responde com bom humor: "Não sei, nunca ganhei nenhum dos dois".

Mais adiante, o cineasta começa a lavar roupa suja "on camera" ao falar das dificuldades de trabalhar com atores como Ray Liotta e Michael Madsen, que ele salienta terem problemas "alcoólicos e psicológicos". Para fazer o contraponto, o documentário apresenta uma faixa de áudio com o próprio Madsen falando que Boll (com quem "trabalhou" em "Bloodrayne") é completamente louco e não sabe o que faz!


E a coisa só melhora: no momento mais impagável de VISITING UWE, o alemão maluco abre as baterias contra Michael Bay (diretor de "Transformers"), dizendo que ele torra milhões de dólares para fazer filmes medíocres (o que não deixa de ser verdade), e mesmo assim os estúdios parecem entregar fortunas de bandeja para ele.

Boll passa da crítica à agressão em poucos minutos, dizendo que Bay é um "cockhead" (intraduzível) e viciado em prostitutas. Outros xingamentos foram posteriormente editados para evitar processos judiciais. Não que o alemão esteja preocupado com esta possibilidade, como demonstra o diálogo abaixo.


Porém o mais interessante deste trabalho inusitado é que logo aquela figura que todo mundo aprendeu a odiar depois de filmes como "House of the Dead" e "Seed" acaba se transformando em um sujeito no mínimo simpático. Boll fala com entusiasmo sobre sua paixão pelo cinema, e é inegável que ele realmente GOSTA do que faz - além de ter um mínimo de conhecimento sobre o trabalho de mestres como Welles e Ford, embora obviamente não tenha aprendido NADA com eles!

Confesso até que achei interessante ouvir a opinião de um dos piores diretores de todos os tempos sobre filmes como "Kill Bill", "Gladiador" e "Onde os Fracos Não Têm Vez". E Boll ainda confessa que "Apocalypse Now" é o seu filme preferido.

Mesmo quem morre de ódio do alemão, ou o considera uma piada, deverá concordar com a maior parte do que ele fala, principalmente quando critica a indústria de cinema de Hollywood. Pois Boll cita outros dois cineastas alemães (Wolfgang Petersen e Roland Emerich) que, segundo ele, não conseguem fazer filmes com menos de 100 milhões de dólares, e reclama da forma como os estúdios investem pesado em marketing para fazer com que porcarias pareçam bons filmes (o que é inegável).


Boll também argumenta que a maior parte do público atual nunca ouviu falar de Fellini ou Godard, e que estes nomes não fazem a menor diferença para quem vai ao cinema ver "Transformers" (o que também não deixa de ser verdade).

Enfim, quando VISITING UWE termina, o documentário cumpre sua função de transformar o mítico Uwe Boll em uma figura mais humana e fácil de simpatizar. Você pode até continuar odiando bombas como "House of the Dead", mas certamente vai reconhecer que por traz delas existe um sujeito que não é bobo nem nada.

Inclusive me peguei perguntando se Boll não estaria fazendo estes filmes ruins baseados em videogames de propósito, já que costuma se sair melhor ao assinar trabalhos mais pessoais, tipo "Tunnel Rats" (e o recente "Rampage", cujo trailer promete um filmaço).


A grande crítica que pode ser feita a VISITING UWE é que o documentário não responde justamente a esta pergunta: Boll é ruim mesmo ou faz de propósito? O diretor Hübner, que entrevista Uwe durante os 50 minutos do filme, faz várias perguntas interessantes, mas se esquiva da responsabilidade de questionar o cineasta sobre a ruindade de muitas das suas obras.

Embora em certo trecho Boll confesse que não gosta da fama de "rei do trash", e nem da perseguição levada a cabo por críticos e espectadores (com movimentos como "Stop Boll", um abaixo-assinado com milhares de assinaturas pedindo que Uwe pare de dirigir filmes), Hübner jamais questiona seu entrevistado sobre a ruindade real e evidente de alguns dos seus trabalhos, preferindo sair pela tangente - talvez com medo da fama de esquentadinho que Uwe Boll vem alimentando há anos.

E por falar em fama de esquentadinho, depois de 50 minutos que retratam nosso amado Uwe como uma figura humana e boa-praça, VISITING UWE encerra com uma última cena que, tudo leva a crer, é "de mentirinha": Boll repentinamente muda de comportamento, fica puto dos cornos e acusa Hübner de estar fazendo o documentário apenas para transformá-lo em piada.


Não satisfeito, o alemão maluco expulsa a equipe da sua casa violentamente, mas se apropria de parte do equipamento dos realizadores, dizendo: "Vou ficar com isso como garantia e só devolvo depois que me mandarem a cópia final do documentário. E podem chamar a polícia, se quiserem, eu não me importo", para em seguida bater a porta na cara do diretor e do cameraman.

Por mais que eu queira acreditar que o piti tenha sido encenado (transformando o documentário em "mockumentary"), novamente não dá para duvidar de nada quando o assunto é Uwe Boll.

Curioso? Pois você pode ver VISITING UWE de graça, falado em alemão e com legendas em inglês, no site dos realizadores. Basta clicar aqui. E prepare-se para finalmente começar a pensar em Uwe Boll como um sujeito legal. Não dizem que de médico e de louco todo mundo tem um pouco? Pois aqui está um cara que definitivamente tem não um pouco, mas "um muito" das duas coisas!

E acho que ainda vamos ouvir falar muito em Uwe Boll nos anos vindouros...

Trailer de VISITING UWE


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Visiting Uwe - The Uwe Boll
Homestory (2008, Alemanha)

Direção: Fabian Hübner
Elenco: Uwe Boll, Fabian Hübner
e a voz de Michael Madsen.