WebsiteVoice

Mostrando postagens com marcador poliziotteschi. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador poliziotteschi. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

THE BIG RACKET (1976)


Se tivesse Clint Eastwood no papel principal, THE BIG RACKET (inédito no Brasil; traduzido literalmente, o título ficaria "O Grande Golpe" ou "O Grande Crime") poderia muito bem passar por "prequel" do clássico "Perseguidor Implacável", dirigido por Don Siegel em 1971, e que trazia Eastwood no papel do violento policial Dirty Harry. Enquanto o filme de Siegel já começava com Harry mostrando métodos pouco ortodoxos de combate ao crime e uma total falta de confiança na justiça convencional, THE BIG RACKET explica como um policial correto, determinado e honesto acaba se transformando numa versão macarrônica de Dirty Harry ao encontrar bandidos que usam as brechas da justiça para escaparem do merecido castigo.

Dirigido por Enzo G. Castellari em 1976, na esteira do sucesso de policiais violentos como "Operação França", o próprio "Perseguidor Implacável" e "Desejo de Matar", este ainda obscuro filme de ação italiano mostra porque não é nenhum pecado dizer que Castellari, um dos meus diretores preferidos, é a versão italiana do norte-americano Sam Peckinpah: com apurada técnica e muito estilo, Enzo dirige as (muitas) cenas de ação da obra como se estivesse coreografando um número de ballet clássico, usando e abusando de violentos e estilizados tiroteios, toneladas de slow-motion (a popular câmera lenta) e criativos movimentos e trucagens de câmera (como aquela que acompanha o personagem principal dentro de um carro capotando).

O policial correto, determinado e honesto da vez é o inspetor Nico Palmieri (interpretado pelo sempre simpático Fabio Testi). Junto com o parceiro e amigão Salvatore (Sal Borgese), Palmieri está caçando obsessivamente uma gangue de arruaceiros que usa violência e vandalismo para convencer comerciantes de Roma a pagarem por "proteção", como faziam os mafiosos dos anos 20-30. A seqüência de créditos iniciais inclusive mostra diferentes ações dos bandidos, destruindo mercadorias e arrebentando vitrines, sempre em câmera lenta.

Crimes em slow motion



Certo dia, enquanto segue a quadrilha de carro, o inspetor descobre que o problema é maior do que aparenta: os arruaceiros na verdade integram um grande esquema de pilantragem (o "racket" do título original), que pretende ampliar seus "serviços" para o país inteiro, unindo todas as famílias mafiosas italianas sob o comando de um misterioso gângster inglês (Joshua Sinclair). O bandidão pretende centralizar todas as atividades ilegais de Roma sob seu comando, mais ou menos como o Rei do Crime dos quadrinhos da Marvel.

Quando Palmieri é pego no flagra bisbilhotando, os implacáveis integrantes da quadrilha nem se importam com o fato de ele ser policial: simplesmente rolam seu carro até que despenque de uma colina (o próprio Testi protagoniza a arriscada cena, filmada com a câmera dentro do carro enquanto o veículo rola ladeira abaixo, fazendo com que o ator receba uma chuva de vidro moído!).

Nosso herói passa uns dias se recuperando no hospital, e quando sai intensifica sua ação sobre a quadrilha. Mas suas tentativas de botar os bandidos atrás das grades sempre esbarram na Justiça, já que os marginais são espertos o suficiente para usar as brechas das leis ao seu favor - chega a ser revoltante o fato de um batalhão de advogados sempre conseguir tirar os sujeitos da cadeia, mais ou menos como acontece até hoje no Brasil. Pior: quando Luigi (Renzo Palmer), um dos comerciantes agredidos por membros do "racket", finalmente aceita testemunhar contra a quadrilha, os bandidos seqüestram e estupram sua filha de 15 anos, que morre após a agressão.

E Palmieri vai agüentando tudo no osso, tentando fazer a coisa da forma certa, dentro da lei. Ele até coloca um informante no mundo do crime, um velho batedor de carteiras chamado Pepe (o norte-americano Vincent Gardenia), para tentar prever os passos do "racket". Mas fica sempre de mãos amarradas para agir. Até que Salvatore é friamente executado pelos bandidos com tiros de metralhadora.

Afastado da delegacia pelos seus superiores, já que estava "fechando um olho" para os roubos do seu informante Pepe, Palmieri resolve que vai acabar com a quadrilha à sua maneira. E, como se trata de um filme de Castellari, já sabemos qual é esta "maneira": sangrentos tiroteios em câmera lenta. Não é por nada que a frase do cartaz de cinema é: "Alguém vai ter que pagar!"...

O diferencial de THE BIG RACKET em comparação a outros filmes com policiais durões da época de ouro dos poliziotteschi é que Nico Palmieri não aparece como o exército de um homem só, tão bem representado em outras produções por atores como Franco Nero e Maurizio Merli. Assim, para eliminar o "racket", que é formado por dezenas de marginais, o herói resolve recrutar vítimas da quadrilha que também perderam algo valioso por causa dos bandidos, como sua ex-testemunha Luigi, o bandido Pepe e Giovanni (Orso Maria Gerrini), um atirador olímpico que teve a esposa estuprada e queimada viva pelos criminosos, entre outros, numa espécie de mistura de "Os Doze Condenados" com "Desejo de Matar". Juntos e com armamento pesado, eles partem para um último confronto com o "racket".

Mas o Homem de Ferro não era o Robert Downey Jr.?



Em filmes de vingança, como este, a hora de dar o troco sempre é doce, para os personagens e para o espectador. Mas poucas vezes eu torci tanto pela morte dos antagonistas quanto neste filme. Os marginais do roteiro de Castellari, Massimo De Rita e Arduino Maiuri são um rascunho dos demônios do inferno. Além do cinismo com que cobram a proteção ("É como se você estivesse pagando taxas", minimiza um deles, ao ameaçar um comerciante), os bandidos são tão frios e sádicos que chega a dar nojo, como na cena em que um dos capangas mija sobre o corpo nu de uma mulher que acabou de estuprar, diante do olhar do marido atacado. Mais adiante, o chefão do "racket" orienta seus comandados que, se alguém não quiser pagar a proteção, basta matar um filho ou uma filha e ninguém mais irá se rebelar, isso com a maior frieza e naturalidade do mundo!

E como o roteiro deixa seus pobres heróis (incluindo Palmieri) com as mãos amarradas o tempo todo, chega a ser um alívio quando eles finalmente resolvem partir para o contra-ataque, com direito a quase pornográficas cenas em slow-motion dos bandidos sendo alvejados com tiros de grosso calibre (Peckinpah ficaria orgulhoso de ver o estilo que ele ajudou a popularizar atingindo a perfeição). E cada bandido que cai crivado de chumbo é um sorriso de satisfação a mais para o espectador!

Além do mérito de criar uma narrativa mais realista e pé no chão do que outros poliziotteschi do período, sem apelar para heroísmos exagerados dos protagonistas, THE BIG RACKET também tem o mérito de não negar fogo no quesito ação, com inúmeros tiroteios e pancadarias na narrativa. O único ponto fraco, pelo menos na minha opinião, é a desajeitada tentativa de incluir algumas cenas de artes marciais na narrativa (Nico e Salvatore ensaiam uns golpes contra os bandidos em duas cenas), talvez visando o público que curtia as produções de ação made in Hong-Kong. Mas a coreografia não convence (os atores ficam "duros" dando os golpes nitidamente ensaiados), e Fabio Testi parece um peixe fora d’água lutando kung-fu.

Outro ponto fraco é uma desnecessária revelação final sobre um segundo chefão do "racket", e que estaria envolvido diretamente com a polícia, mas que não faz muita diferença àquela altura do campeonato.

Fora isso, THE BIG RACKET é recomendadíssimo e um dos grandes filmes dos gêneros "vingança" e "men on a mission" já produzidos, de deixar envergonhados os responsáveis por recentes aventuras absurdas na mesma linha, como o exagerado e inverossímil "Sentença de Morte", com Kevin Bacon, que meio-mundo babou ovo. E como uma imagem vale mais que mil palavras, vou ficando por aqui, pois estes vídeos do YouTube que postei já são uma referência bem melhor que qualquer resenha minha.

Para quem não conhece o cinema de Castellari e quer um referencial, aqui está um dos seus filmes mais perfeitos e bem produzidos, antes que ele se entregasse à loucura das aventuras absurdas de baixo orçamento, tipo "Fuga do Bronx" e "Guerreiros do Futuro". Praticamente um western moderno, que Sam Peckinpah aplaudiria de pé.

Trailer de THE BIG RACKET



****************************************************************
Il Grande Racket (1976, Itália)
Direção: Enzo G. Castellari
Elenco: Fabio Testi, Vincent Gardenia, Renzo
Palmer, Orso Maria Guerrini, Romano Puppo,
Joshua Sinclair e Sal Borgese.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A CRUZ DOS EXECUTORES (1976)


O inglês Roger Moore ficou eternamente marcado como o terceiro intérprete do espião James Bond no cinema (quinto, se contarmos as interpretações "não-oficiais" de David Niven e Barry Nelson nas versões anteriores de "Cassino Royale"). Seu Bond foi o mais cínico e engraçadinho, e acabou se transformando no preferido de toda uma geração que cresceu acostumada com o clima mais humorado e menos realista dos anos 80. Mas interpretar o famoso agente 007 ofuscou a carreira de Moore, e a maior parte do público hoje só lembra dele como "aquele cara que interpretava o James Bond engraçadinho". É uma pena, pois, numa carreira repleta de (poucos) altos e (muitos) baixos, o ator inglês envolveu-se neste divertido policial italiano chamado A CRUZ DOS EXECUTORES.

Rodado na Itália e em San Francisco em 1976, enquanto Moore descansava de interpretar Bond em "007 Contra o Homem da Pistola de Ouro" (1974) e se preparava para entrar no set de "O Espião que me Amava" (1977), A CRUZ DOS EXECUTORES não é exatamente um clássico entre os "poliziotteschi" da era de ouro, por uma série de problemas que acabam estragando aquele filmaço que o trailer desenhava.


O principal destes problemas é o fato de SEIS roteiristas terem colocado a mão no roteiro, e o que parece é que cada um tentou fazer a coisa à sua maneira: uns tentaram escrever um "poliziotteschi" típico, outros preferiram fazer um filme de Máfia, outros pensavam que era para ser um filme de ação com a tradicional dupla de parceiros engraçadinhos, e outros ainda provavelmente acreditaram estar fazendo uma versão macarrônica do clássico "Operação França", de William Friedkin.

A comparação não é exagero: além da trama aqui também envolver um carregamento de heroína enviado da Europa para os Estados Unidos, como no filme de Friedkin, um dos seis roteiristas (o responsável pelos diálogos) é Ernest Tidyman, que escreveu o roteiro de "Operação França"!


É até espantoso que, entre os muitos títulos alternativos que A CRUZ DOS EXECUTORES recebeu ao redor do mundo, um deles não tenha sido "The Sicilian Connection", para deixar ainda mais evidente que se trata de um rip-off do policial assinado por Friedkin. Já o título brasileiro não tem nexo: a Poletel, que lançou o filme em VHS no Brasil, simplesmente juntou, sem qualquer critério, dois dos títulos alternativos da película, "Gli Esecutori" (Os Executores) e "La Croce Siciliana" (A Cruz Siciliana). Parece que outras opções dos manés eram "A Execução da Cruz Siciliana" e "A Cruz dos Executores Sicilianos"...

Os outros cinco roteiristas são gente tão diferente quanto o norte-americano Randal Kleiser (diretor de "Grease" e "A Lagoa Azul"!!!), e os italianos Roberto Leoni (que ajudou a escrever "Santa Sangre", do Jodorowsky), Franco Bucceri, Nicola Badalucco e Maurizio Lucidi. Não é de se espantar que cabeças pensantes tão diversas tenham se atrapalhado na hora de decidir o encaminhamento que dariam à trama.


De todo jeito, o filme gira em torno de Ulysses (Moore), um advogado siciliano que passou a juventude estudando na Inglaterra (a forma encontrada pelos roteiristas para explicar seu carregado sotaque inglês). Ele trabalha para um chefão da Máfia em San Francisco, Salvatore Francesco (Ivo Garrani), que também é seu tio. A confusão começa quando uma antiga cruz siciliana é transportada para San Francisco como presente de um "doador anônimo" para a igreja local. No seu interior, traficantes espertinhos aproveitaram para camuflar uma fortuna em heroína.

A história chega ao conhecimento das famílias mafiosas da cidade, provocando grande comoção, já que todos são católicos fervorosos e condenam o uso de um artefato religioso para o transporte da droga. Para piorar, o padre responsável pela paróquia que recebeu a cruz como doação (interpretado por Franco Fantasia) descobre que o doador anônimo foi Salvatore, que era seu amigo de infância na Sicília.


O chefão confessa que foi mesmo o responsável por trazer a cruz aos Estados Unidos, mas garante não ter nada a ver com a heroína contrabandeada. Por isso, pede a ajuda dos chefes das outras famílias para que busquem e liquidem o responsável por aquele desrespeito, de forma a "limpar seu nome" com a igreja - ele foi até excomungado pela suspeita de ser o responsável pelo tráfico de drogas no interior da cruz!

É aí que Ulysses entra na história. Sabendo que a "caça às bruxas" tem tudo para virar um banho de sangue entre as famílias mafiosas, e negociando uma recompensa com um dos bandidões "por baixo dos panos", ele resolve investigar o caso por conta própria, auxiliado por um amigo americano, o piloto de grand prix Charlie Hanson (interpretado por Stacy Keach!!!). A investigação leva a dupla para a Sicília, para o submundo de San Francisco e para bem perto da morte, já que os responsáveis pelo pérfido esquema estão eliminando todo mundo que sabe demais sobre o caso. E o resultado da investigação irá resgatar do passado um velho trauma de infância de Ulysses.


A CRUZ DOS EXECUTORES foi dirigido por Maurizio Lucidi (não me perguntem porque, mas eu sempre pensei que o diretor fosse o Umberto Lenzi!), em parceria com William Garroni (nome de batismo: Guglielmo Garroni), sendo que este foi o coreógrafo das cenas de ação e filmou algumas delas, por isso recebeu também crédito de diretor.

Se há uma qualidade no filme, é a tentativa de buscar um clima mais realista do que outras produções do gênero, principalmente no que diz respeito às delicadas relações entre os mafiosos. Infelizmente, como escrevi lá no começo, os seis roteiristas não se entenderam direito sobre o tipo de história que queriam contar. E logo o clima mais sério e realista da história é quebrado por intervenções engraçadinhas e mirabolantes de Ulysses e Charlie, sempre agindo como aquelas duplas de policiais do cinema norte-americano (sempre se cutucando, estilo "Máquina Mortífera").


O fato de tanto Roger Moore quanto Stacy Keach estarem mais canastrões do que de costume só torna as cenas de ambos mais engraçadas. Mas é Keach quem rouba o filme, como o piloto maluco que adora se meter numa confusão e que sonha botar as mãos na fortuna em heroína (a cena final é particularmente engraçada).

Infelizmente, também, o trailer dá a impressão de que se trata de um filme de ação em alta velocidade, quando na verdade todas as cenas de ação são aquelas mostradas no trailer. E, num filme de 100 minutos, elas aparecem entrecortadas por loooooooongos momentos de investigação. Em muitos deles, nada de muito interessante acontece. Por isso, nos primeiros 40 minutos, A CRUZ DOS EXECUTORES é um convite ao sono


É só na metade final a coisa melhora, atingindo um clima eletrizante que inclui uma fantástica perseguição de automóveis, onde o carro de Ulysses e Charlie é esmagado contra dois caminhões numa rodovia. Só esta cena, que dura uns 6 minutos, já vale uma espiada na película, e foi filmada e editada de maneira magistral, à moda antiga (perceba como os dublês da era pré-CGI mais de uma vez arriscam a própria vida, ficando a centímetros de bater de frente, e em alta velocidade, nos carros que vêm em sentido contrário!).

Seguindo a tendência dos filmes do período, a violência é bastante acentuada, com balaços certeiros que provocam o maior estrago nas vítimas. Numa das melhores cenas, o carro de Ulysses é alvejado por um atirador com uma espingarda, e a explosão do pára-brisa com o tiro é mostrada em câmera lenta, num efeito destruidor. Em seguida, o implacável herói se defende enchendo o agressor de tiros na barriga (putz!), fazendo jus à "licença para matar" que Moore tinha nos filmes de James Bond.


Mas outra coisa que não me agradou no roteiro é a repetição de um artifício surrado das produções policiais, aqui usado à exaustão: sempre que os heróis estão perto de descobrir alguma coisa sobre os cabeças do crime, um pistoleiro misterioso aparece a vários metros de distância (para conseguir escapar) e "apaga" a testemunha que estava pronta para abrir o bico.

Sem brincadeira: isso acontece umas quatro ou cinco vezes no filme, e em uma delas o assassino anônimo chega a atirar um contêiner sobre a testemunha para impedi-la de contar a verdade! O artifício é tão repetitivo que é só algum personagem coadjuvante começar a abrir a boca que você já espera pela chegada do implacável pistoleiro misterioso. Convenhamos: não seria mais rápido e prático para o cara matar logo Ulysses e Charlie, ao invés de ficar sistematicamente apagando testemunhas pelas costas de ambos?


Mesmo com estes vários defeitos, A CRUZ DOS EXECUTORES é um filme divertido em seus excessos, que vale principalmente pela química brincalhona entre Moore e Keach (este último um ótimo ator em papéis como este), pelas perseguições e batidas de carro e pelos sangrentos tiroteios, sem esquecer da boa (não ótima) trilha do expert Luis Bacalov (nas cenas de flashback, inexplicavelmente foi usado um tema composto por Ennio Morricone para QUANDO EXPLODE A VINGANÇA, de Sergio Leone!).

Longe de ser um clássico, é um filme com muitos defeitos, especialmente na forma como a história é desenvolvida (passar uma borracha em algumas coisas não faria mal algum ao filme).

É uma pena que a velha fita da Poletel (que não tem os créditos iniciais, uma daquelas mutilações feitas pelos distribuidores norte-americanos!) tenha se transformado em peça de colecionador por aqui, e o filme ainda não tenha recebido um lançamento decente em DVD lá fora.

Perseguição de carros em A CRUZ DOS EXECUTORES



***************************************************************
Gli Esecutori/La Croce Siciliana/Street People/
The Sicilian Cross (1976, Itália)

Direção: Maurizio Lucidi e William Garroini
(Gugliemo Garroni)
Elenco: Roger Moore, Stacy Keach, Ivo Garrani,
Fausto Tozzi, Ennio Balbo, Pietro Martellanza,
Luigi Casellato e Romano Pupo.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

POLIZIOTTI VIOLENTI (1976)


Os filmes policiais italianos da década de 70 deram origem a um subgênero específico, conhecido como "Poliziotteschi" (ou "Poliziottesco") e também como "Eurocrime". De modo geral, todos são marcados por uma postura séria de crítica social ou "filme-denúncia", e seus personagens principais são quase sempre anti-heróis, policiais durões e implacáveis (imortalizados com os rostos de Luc Merenda, Franco Nero e Fabio Testi, entre outros), daquele tipo que prefere encher os bandidos de tiros do que levá-los a julgamento. Cineastas como Fernando Di Leo, Enzo G. Castellari, Umberto Lenzi e Stelvio Massi deram preciosas contribuições a este ciclo, que inclui alguns filmes tão violentos e amorais que fariam o norte-americano Dirty Harry parecer um coroinha.

E o que Michele Massimo Tarantini tem a ver com a história? Michele (pronuncia-se "Miquele", que na Itália é nome masculino) é um débil mental (ou "foi", já que boatos não-confirmados dão conta de que teria morrido há alguns anos) que, desde o começo da sua carreira, sempre atirou para todos os lados: fez filmes policiais, comédias eróticas, cópias de "Conan - O Bárbaro" ("A Espada de Fogo", de 1982) e até uma série de co-produções Itália-Brasil rodadas aqui em nosso país, incluindo os divertidíssimos e absurdamente toscos "Perdidos no Vale dos Dinossauros", "Fêmeas em Fuga" e "Atração Selvagem" (thriller erótico que conseguiu a façanha de reunir o pseudo-galã tupiniquim Raul Gazolla e o astro pornô Rocco Sifredi!)


Na década de 70, Tarantini investiu no "poliziotteschi" e, entre os filmes que dirigiu, está POLIZIOTTI VIOLENTI ("Policiais Violentos", inédito no Brasil), uma aventura exagerada, politicamente incorreta, violenta, tosca até a medula e, por isso mesmo, muito divertida, na mesma linha dos "clássicos" do diretor como "Perdidos no Vale dos Dinossauros". Nesta pérola, Tarantini ainda conseguiu a façanha de colocar, como "heróis", dois atores cujas carrancas ficaram marcadas no papel de vilões: o norte-americano Henry Silva e o italiano Antonio Sabato. Por aí o espectador já sabe o que esperar.

Longe do estilo narrativo videoclipeiro atual, POLIZIOTTI VIOLENTI se desenrola como se fosse um filme sério, sem cortes rápidos ou grandes efeitos. Mas, quando a coisa ferve, é tiro pra todo lado e carros e motos acelerando pelas ruas de Roma. E sempre com uma alta contagem de cadáveres para os dois lados (bandidos e civis). Como muito bem ilustrou meu amigo Osvaldo Neto, do blog Vá e Veja, "o bom senso é zero".


O filme enfoca a relação de amizade e ódio entre dois heróis distintos: o major Paolo Altieri (Silva), um experiente e veterano oficial do exército italiano, e o inspetor Tosi (Sabato), policial durão que trabalha disfarçado, tentando se infiltrar numa poderosa quadrilha de traficantes de armas pesadas.

Altieri foi "promovido" a um trabalho burocrático no Ministério depois de xeretar em um delicado assunto militar que poderia provocar polêmica (a morte de soldados devido a defeitos nos seus pára-quedas). Mas ele não desiste de continuar investigando o caso por contra própria, ao mesmo tempo em que se envolve com uma jovem professora chamada Anna (a gracinha Silvia Dionisio).

O problema é que o major parece atrair violência. E, após frustrar o seqüestro de uma criança numa arriscada perseguição automobilística (onde ele faz o carro dos seqüestradores capotar e pegar fogo, aparentemente pouco ligando para a saúde do próprio refém!!!), Altieri se transforma no alvo número 1 da mesma perigosa quadrilha que Tosi está perseguindo.


Pego numa emboscada, o militar é violentamente espancado por um grupo de homens liderados por um marginal de bigodinho e viciado em chocolate (Thomas Rudy, de "Django, O Bastardo"). Apavorado, Altieri percebe que os homens portam novíssimas metralhadoras MK-118, uma poderosa arma experimental e secreta que seu pelotão estava testando, e que de maneira alguma poderia estar nas ruas.

Quando ele começa a seguir a trilha das metralhadoras, sua investigação solitária cruza-se com a do inspetor Tosi, que está de olho na mesma quadrilha. E embora não se biquem, Altieri e Tosi unem seus esforços para desbaratar (leia-se balear pelas costas, explodir em pedacinhos e metralhar) a quadrilha de traficantes de armas.


O que mais me chamou a atenção em POLIZIOTTI VIOLENTI é a total amoralidade do roteiro escrito a oito mãos por Tarantini, Adriano Belli, Franco Ferrini e Saulo Scavolini: os vilões são tão cruéis que em cada uma de suas ações sempre sobra para inocentes transeuntes ou velhinhas que estão atravessando a rua; os pobres coitados, que não têm nada a ver com a história, são impiedosamente metralhados pelas costas, atropelados por bandidos em fuga, explodidos em atentados contra a vida dos heróis, e por aí vai.

Pior: a dupla de heróis parece nem se importar com a quantidade de baixas civis e continua caçando implacavelmente os bandidos, só demonstrando algum sinal de sentimentos quando as vítimas são pessoas próximas a eles, como a pobre Anna, que, claro, é estuprada pelos vilões - como manda a cartilha do cinema policial italiano da época.


POLIZIOTTI VIOLENTI também está repleto daquela tentativa de crítica social do período, já que por trás de todos os crimes está um poderoso político, o senador Vieri (Ettore Manni), que é intocável para os heróis - a não ser, claro, quando eles "jogam fora o distintivo" e partem para a guerrilha pessoal. Só a cena em que Altieri entrega dois marginais para serem linchados por uma multidão furiosa, e assiste ao espancamento com um cínico sorriso de satisfação, já vale o filme. "Direitos humanos" é o caralho!

Destaque ainda para a conclusão nada "feliz" e que leva às últimas conseqüências o choque entre o idealismo de Tosi e a postura de "foda-se todo mundo" de Altieri.


Lendo assim, pode até parecer um daqueles filmes policiais sérios na linha "Operação França". Mas não é: lembre-se que POLIZIOTTI VIOLENTI tem um débil mental na direção. E Tarantini não faz por menos: suas cenas de ação são tão absurdas que acabam engraçadas, como aquela em que Tosi e Altieri perseguem dois criminosos em motos por uns 5 minutos apenas para explodir ambos em pedacinhos no final da caçada.

A investigação do filme provavelmente seria muito mais rápida e fácil se os dois heróis tivessem um pouquinho mais de paciência e INTERROGASSEM os bandidos, mas eles preferem crivar os sujeitos de balas (várias, nunca apenas uma) ao invés de fazer perguntas! Assim, eles chegam aos cabeças da quadrilha praticamente por acaso, e alguns bandidões (como o tal viciado em chocolate que espanca Altieri) ainda escapam ilesos no final!


Mesclando a ação desenfreada e os tiroteios sangrentos com essas bobagens e o humor involuntário (graças à exagerada postura "macho man" dos dois heróis, sempre carrancudos e dispostos a dar tiros e socos), POLIZZIOTTI VIOLENTI é um belo filme para quem cansou das bobagens do cinema policial contemporâneo e procura algo com a cara "mais séria" dos anos 70.

Já quem não é do ramo vai estranhar - e muito - o pandemônio provocado pela dupla de heróis, que parece disputar com os bandidos quem mata mais, sempre ao som de uma esquisita trilha funk-jazz composta pelos irmãos Guido e Maurizio De Angelis.

PS: Tentei ver a versão original, dublada em italiano, mas não tem como entender direito. Por isso, deixo aqui um agradecimento público ao D.Evil e ao Zebu, da comunidade Boizeblog no orkut, que encararam o desafio de fazer uma legenda em português para esta preciosidade.

Trailer de POLIZIOTTI VIOLENTI



***************************************************************
Poliziotti Violenti/Crimebusters (1976, Itália)
Direção: Michele Massimo Tarantini
Elenco: Henry Silva, Antonio Sabato, Silvia Dionisio,
Ettore Manni, Rosario Borelli, Thomas Rudy, Claudio
Nicastro e Daniele Dublino.