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sábado, 6 de outubro de 2012

O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA (1979)


O nome "Tony Vieira" não significa nada para as novas gerações de cinéfilos, muito menos para aqueles espectadores metidos a besta que acham que agora é que o cinema brasileiro está bom. Entretanto, num período de pouco mais de 10 anos, Tony (o "nome artístico" do mineiro Maury de Oliveira Queiróz) foi um dos mais bem-sucedidos produtores de filmes de ação baratos da Boca do Lixo, daquele tipo bem popularesco, econômico e que dava dinheiro nas bilheterias, com a cor, a cara, o cheiro e o linguajar do povão.

Entre o início da década de 70 e a metade dos anos 80, o homem produziu, dirigiu e estrelou cerca de 15 filmes, policiais ou faroestes que geralmente reaproveitavam os mesmos elencos, locações e figurinos. Investia pouco e lucrava bastante, numa época em que as salas de cinema ficavam na rua e estavam sempre lotadas, muito antes do surgimento do "cinéfilo de shopping" e dos ingressos custando mais de 20 reais.


Eu sempre digo que para fazer esses filmes de hoje, sobre miséria no Nordeste ou violência urbana nas favelas cariocas, é muito fácil: você liga a câmera e a coisa toda já está mais ou menos pronta. Difícil era fazer os filmes que Tony Vieira fazia, transformando cidades do interior de São Paulo/Minas Gerais em cenários de bangue-bangue. Queria ver se essa molecada que faz cinema hoje conseguiria produzir algo como O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA, uma das mais escalafobéticas produções do Chuck Norris brasileiro: trata-se de um filme de ação sobre mercenários brasileiros que enfrentam nazistas (???) no interior do Paraguai!

A trama absurda foi escrita por Rajá de Aragão (que também era diretor na Boca, além de um dos principais colaboradores de Tony). O cinema de ação norte-americano, claro, foi a grande inspiração para a dupla, mas incrivelmente os inúmeros tiroteios, explosões e acrobacias dos heróis foram filmados ANTES de grandes produções gringas como "Braddock - O Super Comando" (1984) e "Rambo 2 - A Missão" (1985). Acredite ou não, O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA é de 1979, e já traz elementos que depois apareceriam nos filmes de Chuck Norris e Stallone, produzidos com dez, vinte vezes mais dinheiro!


O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA se passa "em época e país imprecisos", como explica a sinopse oficial, mas foi filmado na fronteira com o Paraguai. A história não tem muita lógica e é tocada na base do "Foda-se; se colar, colou". Se alguém dublasse isso em inglês, podia muito bem passar por aventura classe B norte-americana; ou, pelo menos, por aquelas imitações das aventuras B norte-americanas produzidas pelos italianos ou filipinos!

Eis que, nessa "época e país imprecisos", existe um oficial nazista chamado General Zog (interpretado por Francisco Assis Soares). Será que o nome foi inspirado no maléfico General Zod, aquele inimigo do Superman nos quadrinhos? Nesse caso, o roteirista Rajá devia ser um ávido leitor das HQs do herói, pois o filme em que aparecia o General Zod (interpretado por Terence Stamp), "Superman 2", saiu apenas um ano depois, em 1980.


O "nosso" General Zog conseguiu reunir um pelotão sob seu comando e montou um campo de concentração onde aprisiona não judeus, mas sim as filhas gostosas dos fazendeiros da região - lembre-se que essa é uma produção da Boca do Lixo, e como tal precisa entregar a cota de nudez que o espectador da época esperava. Os nazistas sequestram as moças para fazer experimentos de fertilização tentando criar uma raça superior. Na prática, as moças seminuas são abusadas e torturadas durante a maior parte do filme, o que lembra tanto aquelas produções sensacionalistas com vilões nazistas (os "nazisploitations") quanto os filmes WIP ("Women in Prison", ou Mulheres na Prisão), ambos bastante populares no período.

Zog tem dois asseclas: o violento Tenente Sparago (Itagiba Carneiro) e a cientista Nicole (Renée Casemart), a única que parece ser realmente alemã, e fala sempre com sotaque carregado, embora vez por outra solte alguma expressão francesa, tipo mon cherry. Nas "horas vagas", quando não está colocando em prática as experiências para criar a raça superior, Zog obriga a cientista a torturar as prisioneiras, em testes dignos do Dr. Mengele para descobrir, por exemplo, quanto tempo uma paciente suporta uma cirurgia sem anestesia antes de morrer.


Só que o reinado de terror dos nazistas paraguaios está para terminar: os fazendeiros das cercanias, pais das moças sequestradas, resolvem contratar uma dupla de mercenários para acertar o placar com os vilões e resgatar as garotas. Porque diabos eles não procuram a polícia ou o Exército Brasileiro é algo que o roteiro não se preocupa em explicar decentemente. De qualquer maneira, entram em cena os mercenários mais improváveis do cinema de ação universal: Jô (Tony Vieira) e Gato (Heitor Gaiotti).

Pensa comigo: quem foi o sem-noção que inventou um herói durão, bom de tiro e pegador chamado... Jô? Isso parece mais apelido carinhoso do que um nome que provoque temor nos bandidos. Imagina o vilão dizendo: "Oh não, o Jô está vindo me pegar". Porra, não funciona! Sem contar que remete ao mala do Jô Soares, então toda hora você fica pensando que o barrigudo vai invadir o filme e não deixar mais ninguém falar!


A entrada em cena de... hã... Jô... é hilária: um helicóptero pousa numa clareira e dele sai Tony Vieira vestindo uniforme camuflado, com uma metralhadora a tiracolo, um capacete antigão que parece ter sido roubado de um museu da Segunda Guerra Mundial e óculos escuros espelhados daquele tipo usado por motorista de ônibus. Não é nenhum Braddock ou Rambo, mas certamente é muito engraçado!

Jô (hehehe) aceita a missão de acabar com os nazistas, mas não para salvar os pobres fazendeiros, nem para resgatar as pobres meninas aprisionadas, e muito menos pelo dinheiro: o que o nosso herói quer é acertar as contas com o Tenente Sparago, com quem "trabalhou" no passado e não recebeu o pagamento justo. Pois ao invés de resolver a questão num Tribunal de Pequenas Causas, Jô (hehehe) resolve pegar sua metralhadora e, no processo, dar uma mão aos fazendeiros e acabar com a nazistada paraguaia.


Forma-se, então, um improvável grupo de resgate com Gato (o alívio cômico, sempre falando bobagem), Jô (o herói sério e quietão, sempre mandando Gato calar a boca) e Beto (Elden Ribeiro), um dos homens do vilarejo, convocado para guiar os mercenários até o campo de concentração.

Enquanto isso, no tal campo de concentração, os vilões estão tendo seus próprios problemas: a Dra. Nicole está arrependida de torturar e matar pobres garotas seminuas, e pretende abandonar o grupo. Mas sua própria filha Zeida (Cristina Kristner), devidamente convertida à "causa", cagueta a mãe, que é fuzilada na sua frente por traição. Só que aí a pequena delatora percebe que seus "companheiros" não são flor que se cheire e foge do campo de concentração, aliando-se ao grupo de mercenários para dar um fim na ameaça nazista.


Se não deu para perceber só pelo resumo da trama, O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA é um daqueles filmes inacreditáveis, hilários, que se tornam obrigatórios pela sua ingenuidade e criatividade.

Como escrevi lá em cima, fazer filme de favela e Nordeste é fácil, pois cenários e personagens já existem; quero ver é ter coragem de fazer uma aventura de guerra com mercenários lutando contra nazistas, e no Brasil! Por si só, já é um motivo mais do que suficiente para recomendar a obra: este é o melhor filme brasileiro sobre mercenários contra nazistas paraguaios de todos os tempos!


O título já entrega a inspiração de Rajá e Tony: "Selvagens Cães de Guerra" (The Wild Geese), uma bem-sucedida aventura lançada no ano anterior (1978), dirigida por Andrew V. McLaglen e estrelada por Richard Burton, Roger Moore e Richard Harris. Os realizadores provavelmente tentaram forçar uma relação inexistente com o filme gringo, para que o espectador desavisado pensasse estar vendo uma continuação ou nova aventura dos "Cães de Guerra" importados.

(O engraçado é que esta picaretagem brasileira saiu seis anos ANTES da continuação oficial de "The Wild Geese", lançada apenas em 1985, e batizada por aqui como "Caçado pelos Cães de Guerra".)


Óbvio que qualquer comparação entre O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA e os "Cães de Guerra" estrangeiros é injusta. Afinal, Tony Vieira e sua turma fizeram o filme nacional com uma merreca de orçamento, o que transparece nos efeitos simplórios dos tiros e explosões, nos cenários e na reutilização de figurantes para dar a impressão de que o pelotão nazista é muito maior do que na verdade era - tem figurante que morre umas seis vezes até o final do filme.

O roteiro de Rajá dispensa os diálogos rebuscados e floreados dos "Cães de Guerra" importados em prol de expressões chulas, palavrões e conversas simplesmente inacreditáveis entre nossos "herói" Jô (hehehe) e seu parceiro Gato. Isso responde por 60% da diversão no filme de Tony, já que é impossível não pegar-se rindo sozinho do festival de bobajada.


Os diálogos fuleiros também fazem de O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA um filme único em comparação aos enlatados estrangeiros que ele homenageia/emula/copia. Por exemplo, em várias aventuras de ontem e de hoje, você certamente já viu o herói ou seu companheiro cair em alguma armadilha daquelas que deixam o sujeito pendurado de cabeça para baixo.

Isso também acontece aqui, com o personagem de Gaiotti. É a reação do sujeito que faz a diferença, já que você jamais esperaria ver Braddock ou Rambo gritando algo como: "Será que tem algum rio aqui por perto? Acho que me caguei todo!". E não, não é no sentido figurado: na cena seguinte, Gaiotti realmente aparece lavando a bunda dentro de um rio! Braddock e Rambo nunca cagaram nas calças, por isso O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA é muito mais divertido.


Você também não espera que uma aventura gringa traga um diálogo como este, em que um dos fazendeiros explica a Gato sobre as experiências genéticas dos nazistas:
- Teve um cara com essa mesma ideia, e por causa disso ele quase botou fogo no mundo.
- Hitler. Adolph Hitler.
- É esse mesmo o filho da puta!

O mesmo Gaiotti tem uma reação inacreditável a uma cena de sexo entre Jô (hehehe) e a nazista convertida a mercenária Zeida: "Muito bonito... Eu me fodendo com os pernilongos, e você deitando e rolando nesse contra-filé!". (Nesse momento, visualize uma projeção mental de Sandra Anneberg e seu famoso "Que deselegante".)


A tal cena de sexo é fantástica e responde por um daqueles momentos absurdos e gratuitos que só estão no filme para cumprir a cota de sexo e mulher pelada esperada numa produção da Boca. Pois eis que Jô (hehehe) e Zeida começam a transar sem que haja qualquer preliminar, qualquer menção de atração física, uma piscadinha ou olhadela sensual, um diálogo maroto... Nada!

Os personagens se conhecem, mal falam seus nomes um para o outro, e na cena seguinte já estão rolando pelados dentro de um rio! Caramba, por que nunca acontece um troço desses comigo? O Jô (hehehe) é tão fodão que nem precisou lançar uma cantada elaborada, fingir que concordava com os gostos de Zeida ou sequer pagar flores ou um jantarzinho antes. O cara é mestre!


Por falar em fodão, Rajá criou todo tipo de diálogo absurdo para justificar a "fodãozice" de Jô (hehehe) e para transformá-lo numa espécie de "super-mercenário". Todos os outros personagens, heróis e vilões, passam o tempo todo falando maravilhas sobre o herói, mesmo que na prática não vejamos nada de tão espetacular. Gato, por exemplo, lança um "Lembra daquele dia no Vietnã, Jô?", enquanto o vilão Sparago informa ao general que Jô (hehehe) "esteve na Angola, na Argélia e no Vietnã". Braddock e Rambo são meros principiantes perto do "nosso" cão de guerra...

E já que estamos falando em diálogos, lá pelas tantas o General Zog larga um discurso tão sem pé nem cabeça que estou até agora na dúvida se o roteirista Rajá fez de propósito, para deixar bem claro que o vilão era maluco, ou ele mesmo era maluco e escreveu o texto a sério. É algo assim: "A próxima etapa é a infiltração em toda a América Latina. A terceira etapa será a conquista da Austrália e de todo o Continenta Africano. A Europa não nos interessa, porque está em decomposição física e mental". Epa, peraí: os caras são nazistas e não querem conquistar a Alemanha, que fica na Europa, preferindo a África e a Austrália? Mas que espécie de prioridades são essas? Porra, Austrália??? Bem, mas o que esperar de supostos nazistas que tratam uns aos outros por "camaradas", como se fossem comunistas?


Como bom trashão que é, O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA também está repleto de momentos hilários. Ao toparem com um campo minado, por exemplo, os heróis simplesmente detonam as minas terrestres rolando um tronco de árvore sobre elas - como se uma única mina não tivesse poder de fogo suficiente para explodir o tronco em pedacinhos!

Sem contar que a missão de resgate é um autêntico fiasco, pois os vilões retaliam matando quase todos os fazendeiros que contrataram os mercenários (!!!), e praticamente todas as garotas aprisionadas perdem a vida na fuga. Ou seja, teria sido até melhor se continuassem presas no campo de concentração, e não sobrou nenhuma família viva para comemorar o fim do pesadelo!

Na última cena, Tony até é cruel o suficiente para mostrar os bebês ainda vivos no berçário da base nazista agora destruída; pois as pobres crianças, que eram resultado dos experimentos genéticos dos nazistas, certamente morrerão abandonadas à própria sorte, já que não tem mais ninguém vivo num raio de muitos quilômetros, e o campo de concentração estava em chamas quando os heróis saíram de lá...


As prisioneiras dos nazistas, vale o registro, são interpretadas por musas da Boca do Lixo, como a deusa loira Arlete Moreira (de "Os Trapalhões na Guerra dos Planetas") e a futura estrela pornô Débora Muniz (de "A Quinta Dimensão do Sexo"). Christina Kristner, que interpreta Zeida, também é uma gracinha, e ainda faz o gênero "girls with guns", enfrentando os vilões de igual para igual com uma metralhadora nas mãos.

Outros nomes conhecidos da Boca que integram a equipe técnica são José "Índio" Lopes, como responsável pelos efeitos especiais com uma pequena participação no filme (hilária, pois envolve assédio sexual gay), e Afonso Brazza como eletricista. Esse último tornaria-se herdeiro direto de Tony Vieira, pois, com a morte do cineasta mineiro, ficou com sua mulher Claudete Joubert e produziu, dirigiu e estrelou várias aventuras baratas em vídeo. Como aconteceu com Tony, Brazza morreu na miséria.


Infelizmente, O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA pertence àquela saudosa categoria de filmes que os cineastas brasileiros modernos não têm mais interesse em fazer, pois são muito "populares" e "comerciais" para o gosto deles. Infelizmente, também, tornou-se artigo raro, que só circula por aí numa cópia horrível (como você pode ver pela qualidade das imagens capturadas) tirada de um velho VHS castelhano, com legendas em espanhol e tudo mais. Se bobear, os negativos originais já se perderam para sempre, o que é uma lástima.

Nesses tempos em que os diretores brazucas estão muito preocupados fazendo tratados de sociologia para pensar na diversão do povão, é triste constatar que nunca mais veremos um herói popular, como o mercenário Jô (hehehe), enfrentando nazistas paraguaios, muito menos comunistas argentinos, e muito menos ainda fascistas uruguaios.

E, assim, o título do filme se revela tristemente poético: Tony foi, realmente, o "último cão de guerra", e hoje temos que nos contentar com uns poodles de madame tipo Thiago Lacerda em "Segurança Nacional" ou Aílton Carmo em "Besouro"...

Bons tempos: estreia do filme num cinema de rua de São Paulo

Por último, mas não menos importante, descobri um fã ilustre de O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA quando estive em Palmitos, interior de Santa Catarina, filmando um documentário ano passado: trata-se do cineasta independente Petter Baiestorf (foto abaixo), que gentilmente atendeu meu pedido de escrever suas memórias sobre o filme de Tony Vieira, que ele viu na infância. Eu sempre acho o máximo essas recordações de uma época ingênua em que as produções brasileiras rodavam o país e chegavam às menores cidades em condições bem improvisadas, algo que remete ao maravilhoso "Cinema Paradiso". Isso criou uma legião de adoradores de cinema do tipo mais puro, não aqueles mequetrefes que leem a Ilustrada ou a Cahiers du Cinéma e saem papagaiando frases prontas por aí. Com vocês, as memórias de Petter Baiestorf:

"Não lembro o ano exato, nem que idade eu tinha, mas foi entre 8 e 10 anos. Como eu fazia todos os anos em minhas férias escolares, me mandei prá casa de minha vó que ficava numa estância hidromineral chamada Ilha Redonda. Tinha piscinas, sorvete, diversões, árvores com frutas para colher e comer, primos para brincar e até um pequeno cinema improvisado (as cadeiras eram de palha e a tela era um enorme lençol branco). Naquele ano cheguei na casa da minha vó e o dono do cinema improvisado estava anunciando um filme de guerra chamado 'O Último Cão de Guerra', somente para maiores de 18 anos. Fui até minha vó e comecei a encher o saco em tempo integral para ir ao cinema. Como sempre conseguia o que queria através da insistência, foi fácil dobrar a velha e logo estava na fila com minha vó me 'cuidando'. Na hora de entrar o dono do cinema me achou jovem demais, mas minha vó (possivelmente já irritada comigo e meu objetivo de ver o filme de qualquer modo) resmungou com o cara e entramos.


Começa o filme e me deparo com um filme de guerra diferente, algo que até então eu nunca tinha visto. Prisão de mulheres, milhares de mulheres nuas, pelos reluzentes nas bucetas (que visão maravilhosa), torturas sangrentas, cenas com blasfêmias, diálogos hilários que não tinha em filmes de Hollywood, cenários sujos, sangue, tudo que um filme precisa ter! Porra, fiquei fascinado com aquele universo fantástico do Tony Vieira (que só vim a saber anos depois quem era) sorvendo tudo extasiado. Revi o filme duas décadas depois, já adulto, e continua uma tranqueira adorável. As cenas com torturas são bem ingênuas e mal filmadas, mas para um moleque de 8 anos eram perfeitas. 

Depois desta sessão de cinema com 'O Último Cão de Guerra' comecei a descobrir o cinema vagabundo mundial, comecei a descobrir o que era a Boca do Lixo paulista com suas produções maravilhosas de filmes sujos e sexuais, onde as pessoas falavam palavrões, trepavam e suavam, bem distante daquele cinema limpinho e sem graça dos americanos. O que mais um moleque poderia querer nos anos 80 além de sexo e violência sem noção? Naquele dia senti que as portas do paraíso haviam se aberto para mim."

PS: A atriz Christina Kristner, que descambou daqui direto para a obscuridade, foi brutalmente assassinada no México, país em que vivia há dez anos, em 2011. O caso praticamente não repercutiu aqui no Brasil, mas foi bastante polêmico por lá graças à extrema crueldade do assassino, que esquartejou o cadáver da brasileira e espalhou os pedaços pela cidade! O nome verdadeiro de Christina era Matilde Christina Arré Verri, e ela passa a engrossar a triste galeria de ex-musas do cinema brasileiro que tiveram um fim trágico e/ou violento. Para quem se interessar em saber mais, uma das poucas notícias do crime em português pode ser lida aqui.


Lobby cards de O ÚLTIMO CÃO DE GUERRA


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O Último Cão de Guerra (1979, Brasil)
Direção: Tony Vieira
Elenco: Tony, Heitor Gaiotti, Christina Kristner, Itagiba
Carneiro, Arlete Moreira, Francisco Assis Soares, Elden
Ribeiro, Renée Casemart e Débora Muniz.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS (1978)


Alguns filmes são "hors concours" nas listas de piores de todos os tempos, como "Plan 9 From Outer Space", de Ed Wood, ou "Robot Monster". Injustamente, ninguém nunca lembra do cinema brasileiro ao fazer essas listas. E digo injustamente porque OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS deveria estar no topo de qualquer lista das maiores bombas da história fílmica.

Para quem achou que "As Aventuras de Sergio Mallandro" era o grande clássico do trash nacional, conferir essa produção dos Trapalhões, produzida em 1978, será uma verdadeira prova de fogo. Inassistível por qualquer ser humano com idade mental acima dos 6 anos, talvez seja o grande "trash dos trashes" do cinema brasileiro, e uma lenda no exterior por causa do seu título alternativo: "Brazilian Star Wars"!


O título em português (Guerra dos Planetas) já entrega a fonte de inspiração do roteirista Renato Aragão: "Guerra nas Estrelas" (ou, atualmente, "Star Wars Episódio 4 - Uma Nova Esperança", como é chamado pelos nerds), o primeiro filme da saga interplanetária de George Lucas, lançado no ano anterior (1977) e um sucesso de bilheteria também no Brasil.

A farta bilheteria das aventuras de Luke Skywalker animou produtores inescrupulosos ao redor do globo. Os italianos, reis da picaretagem cinematográfica, não demoraram a realizar as mais diversas cópias de "Star Wars" (diversas também em criatividade e qualidade), de "Star Crash", de Luigi Cozzi, ao hilário "O Humanóide", de Aldo Lado. Mas o auge da loucura plagiadora certamente é o clássico "Dünyayı Kurtaran Adam", ou "Star Wars Turco", realizado em 1982.


Pois OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS rivaliza em ruindade com o "Star Wars Turco".

O cinema brasileiro várias vezes utilizou a paródia para brincar com superproduções hollywoodianas, especialmente nos tempos da chanchada - quando saíram filmes tipo "Matar ou Correr" e "Nem Sansão Nem Dalila".

Para os Trapalhões, paródia não era novidade. Afinal, quase todos os seus filmes até então eram versões cômicas de clássicos da literatura ("A Ilha do Tesouro", "As Minas do Rei Salomão", "Robin Hood"...), e eles já haviam se aventurado com a sátira cinematográfica no anterior (e superior) "O Trapalhão no Planalto dos Macacos" (1976).


O próprio diretor de OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS, Adriano Stuart, egresso da Boca do Lixo, era um notório parodiador, tendo realizado dois outros clássicos do trash brasileiro: "Bacalhau" (1976), uma sátira a "Tubarão", e "Kung Fu Contra as Bonecas" (1975), brincadeira com os filmes de Bruce Lee e com o seriado "Kung Fu".

O problema do filme dos Trapalhões é que a paródia não funciona. Ao invés de brincar com os elementos de "Guerra nas Estrelas", o roteiro de Renato Aragão apenas empresta os seus principais elementos: a vila no deserto com iglus, que parece Tatooine; o herói que é cópia xerox de Luke Skywalker e que tem um ajudante com cara de cachorror à la Chewbacca; o vilão que é a cara (e a máscara) do Darth Vader; cenas como a da taverna de Mos Eisley...

SEPARADOS NO NASCIMENTO


Só que estes elementos são jogados na trama sem que se faça piada com eles. O Luke Skywalker brasileiro pode ser pobretão, mas é heróico, e não engraçado como deveria ser; o Darth Vader brasileiro pode vestir uma fantasia de baile de carnaval, mas é um vilão patético levado a sério, ao invés de ser tratado como piada - algo que Mel Brooks faria posteriormente com o "Darth Vader" de Rick Moranis em "Spaceballs", uma sátira de "Star Wars" feita quase 10 anos DEPOIS dos Trapalhões, e infinitamente mais engraçada.

Enfim, o riso vem da precariedade da produção, dos figurinos e dos efeitos especiais, mas sempre involuntariamente, e não porque era essa a proposta. As piadas "prontas", que deviam provocar risadas, nada causam além de tédio. O riso vem sempre nas horas erradas; por outro lado, a sensação de tempo perdido, e de "Porra, como esse filme é ruim", é constante.


OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS marca um momento importante dos Trapalhões. Primeiro, eles estavam mudando de trio para quarteto com a entrada de Mauro Gonçalves, o Zacarias (este é seu primeiro filme como Trapalhão; os outros traziam apenas Didi, Dedé e Mussum). Segundo, o grupo deixava a TV Tupi, onde fazia o maior sucesso com seu programa semanal, para ir à TV Globo, onde alcançaria uma projeção ainda maior.

O dedo da Globo na produção é perceptível, até porque o filme todo foi gravado não em película, como os anteriores, mas em videotape, um formato televisivo, que permitia maior rapidez e menos custos para filmar. A imagem em VT depois foi ampliada para 35mm, mas mesmo assim ficou muito estranha, mais com cara de "especial de televisão" do que de filme.

A aventura começa com uma interminável perseguição de automóveis sem diálogos, em que Didi e sua turma fogem de perseguidores anônimos (mais tarde, Dedé xinga Didi dizendo que ele deve aprender a não se meter com a mulher dos outros).


A seqüência já dá o tom do que vem pela frente: gigantesca, sem qualquer noção de ritmo, usa e abusa da inexpressiva trilha musical de Beto Strada, que praticamente martela os tímpanos do espectador.

Depois de despistar os perseguidores, os quatro amigos resolvem dormir ao relento no meio de um bosque, onde testemunham o pouso de uma tosquíssima nave espacial em esquema "chroma-key" (os discos voadores de "Plan 9..." parecem coisa do George Lucas depois disso).


Da nave sai o Luke Skywalker tupiniquim, rebatizado Príncipe Flick, e interpretado por Pedro Aguinaga - que à época era considerado um dos maiores gatões do Brasil, se é que essa informação serve para alguma coisa.

Flick pede a ajuda dos Trapalhões para combater o maligno Príncipe Zuco (que algumas fontes indicam ser interpretado por Carlos Kurt, vilão de quase todos os filmes do grupo na época). O vilão quer a outra metade de um poderoso computador para dominar a galáxia, mas pode esquecer, isso não faz diferença alguma na trama.

Diante da promessa do seu peso em ouro como prêmio, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias embarcam no disco com Flick e seu navegador, Bonzo (!!!), o Chewbacca brasileiro ("interpretado" por Emil Rached).


Chegando no planeta - um grande deserto imitando Tatooine -, o grupo entra numa gigantesca (literalmente) briga com os monstros de Zuco. Sem diálogos e repleta de efeitos digitais ridículos (como se alguém estivesse brincando com um velho teclado eletrônico Casio), esta cena de pancadaria é dose pra leão: dura uns 10 minutos, e parece ainda maior por causa dos efeitos de repetição (estilo replay) usados à exaustão.

Sabe aquilo que o "Pânico na TV" faz hoje, de repetir alguma bobagem qualquer até três ou quatro vezes? Pois devem ter aprendido aqui nesse filme dos Trapalhões, onde cada macacada ganha replay e repete três vezes, para desespero do espectador! (Se tiver paciência, veja a cena no vídeo no final desse texto.)

No meio da briga, Zuco foge com a amada de Flick, a princesa Myrna (Maria Cristina Nunes). A partir de então, o príncipe, Bonzo e os Trapalhões ficam circulando pelo filme sem muito rumo, visitando lugares como uma danceteria alienígena (emulando a "cena da cantina" de "Guerra nas Estrelas"), florestas com seres invisíveis e cavernas com aranhas gigantes (que ganham vida através de efeitos à la "Chapolim"!).


OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS devia se chamar "Zorra Total", já que do roteiro às piadas, dos personagens aos cenários, dos figurinos aos efeitos especiais, da música aos efeitos sonoros, NADA funciona!

Quase todas as cenas com "efeitos especiais" usam o "chroma-key", um dos recursos mais simplórios e artificiais da televisão (o mesmo utilizado nos episódios do "Chapolim", para o leitor ter uma idéia). Na cena dos homens-invisíveis, o chroma-key é tão vagabundo que você percebe pedaços das pernas e das mãos dos homens invisíveis, que "vazam" para dentro da imagem.

Chroma-key ruim de doer



Aliás, toda a parte técnica do filme é um fiasco, com destaque para o disco voador de brinquedo (cujo "trem-de-pouso" foi feito com desentupidores de pia!) e para a cena em que, no meio da pancadaria em "Tatooine", várias das "criaturas alienígenas" caem no chão revelando pernas humanas, meias humanas, tênis humanos e até as CUECAS HUMANAS dos figurantes por baixo da roupa de ET! Morra de inveja, Ed Wood!!!


Ainda assim, é possível encontrar alguns momentos marcantes nessa agonia.

Um destes momentos, de tão "sem noção", salta aos olhos. A cena mostra Didi comprando armas de raios de um vendedor alienígena. "Testando" as pistolas, o trapalhão desintegra (isso mesmo, DESINTEGRA) dois grupos de alienígenas e uma nave espacial!

Depois, quando o vendedor não aceita seus "cruzeiros" pela compra das armas, Didi simplesmente usa uma das pistolas para desintegrar o sujeito! A patrulha do "politicamente correto" certamente crucificaria os realizadores do filme caso ele fosse feito hoje.


Mas nada pode preparar o espectador para a conclusão, de longe uma das mais tristes e depressivas da história dos Trapalhões.

Em vários dos filmes anteriores do grupo, o personagem de Renato Aragão se apaixonava pela mocinha e a perdia para o "galã" secundário da trama. Aqui isso também acontece, mas de uma maneira muito dramática.

Acontece que o vilão Zuco confessa a Flick que sua amada princesa morreu durante o processo de preparação de um clone da moça (exato, a mocinha do filme MORREU!). Aí, Flick precisa contentar-se com a irmã dela, que vem a ser Loya (Wilma Dias), a namorada do Didi.


A cena é de partir o coração, e me espanta estar num filme "infantil": num momento, Didi e Loya estão fazendo planos de casar e morar para sempre no planeta alienígena; no minuto seguinte, Flick levanta e tasca um abraço e um beijo na namorada do "amigo", diante dos olhos estupefatos do Didi! Jamais uma cena igual seria feita hoje!

Outra qualidade de OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS é a participação (pequena) de uma das deusas da Boca do Lixo da época, a loira Arlete Moreira (que fez "Perversão", do Mojica), como namorada do Mussum.

Ela é um dos poucos motivos para ficar de olho no filme, ao invés de fazer qualquer outra coisa enquanto a "trama" se desenrola.


Apesar do humor do filme ser praticamente nulo, às vezes é possível dar algumas risadinhas de leve, especialmente em momentos que parecem ser os tradicionais improvisos de Renato Aragão.

Ao "imobilizar" o vilão Zuco com seus raios, por exemplo, Didi começa a fazer todo tipo de palhaçada com o sujeito, inclusive tirando seu capacete de Darth Vader para colocar na própria cabeça! É tanta micagem que parece que baixou o Sergio Mallandro no Didi!


OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS dificilmente seria lembrado, hoje, se não fosse pela sua associação com "Star Wars". Tanto que, lá fora, virou cult e peça disputada a tapa por colecionadores - principalmente quando o primeiro DVD do filme, lançado pela Som Livre ainda nos anos 90, esgotou.

É hilário ler as críticas dos gringos sobre a obra e vê-los questionando o humor "sem pé nem cabeça" (eles obviamente não conhecem os Trapalhões como nós), como na cena em que Didi rebola diante de uma aranha gigante (coisa que nós esperamos que o Didi faça, mas os gringos não). Aliás, Trapalhões lá fora é "The Tramps", e Didi é "Dee Dee". hehehehe.

Temos, assim, mais um FILME PARA DOIDOS com louvor, e só mesmo sendo doido para agüentar esse martírio até o final. Mesmo assim, confesso que já revi OS TRAPALHÕES NA GUERRA DOS PLANETAS umas dez vezes - e a cada reprise, continuo espantado com a ruindade da coisa toda!


E pensar que este é um dos maiores sucesso de bilheteria dos Trapalhões, quase empatando com a renda que o próprio "Star Wars" fez nos cinemas brasileiros na época: a "sátira" levou 5 milhões de espectadores aos cinemas, tornando-se uma das maiores bilheterias do cinema nacional de todos os tempos (mais que o público que foi ver "Tropa de Elite" e "Cidade de Deus", para dar uma idéia).

Também é o 3º filme mais rentável dos Trapalhões, atrás apenas do grande recordista "O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão" e de "Os Saltimbancos Trapalhões"!


É, assim, a prova de que Renato Aragão não tem nada de bobo, e estava antenado com o que acontecia no mundo do cinema da época.

Até porque, além de copiar "Star Wars", o filme traz uma coincidência estranhíssima: Didi aparece vestindo uma camiseta vermelha com a palavra "Flash" em letras brancas, IDÊNTICA àquela que seria utilizada por Sam Jones no filme "Flash Gordon" - que só foi filmado dois anos DEPOIS, em 1980!!! Eu jurava que era uma citação ao filme gringo até descobrir que os Trapalhões vieram antes.

Ah, e se você pensa que o diretor Adriano Stuart aprendeu com seus erros, pense de novo: dez anos depois, ele seria o responsável por "Fofão e a Nave Sem Rumo", outro escalafobético clássico trash brasileiro!

A pancadaria na Tatooine tupiniquim



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Os Trapalhões na Guerra
dos Planetas (1978, Brasil)

Direção: Adriano Stuart
Elenco: Renato Aragão, Dedé Santana, Mussum,
Zacarias, Pedro Aguinaga, Carlos Kurt, Emil Rached,
Maria Cristina Nunes e Arlete Moreira.