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sexta-feira, 16 de abril de 2010

REEFER MADNESS (1936)


No fantástico livro "Medo e Delírio em Las Vegas" (transformado num filme igualmente fantástico por Terry Gilliam nos anos 90), o saudoso jornalista Hunter S. Thompson narra a ocasião em que participou - completamente chapado com todo tipo de droga ilícita - de uma convenção de policiais da Narcóticos em Las Vegas. Lá pelas tantas, Thompson narra o comunicado hilário feito por um dos delegados sobre o usuário de marijuana, ou Cannabis sativa, a popular maconha:

"Talvez você não enxergue os olhos vermelhos de um maconheiro por causa de seus óculos escuros, mas os nós de seus dedos estarão brancos por conta da tensão interna; suas calças estarão cobertas por crostas de sêmen, porque ele se masturba sem parar quanto não encontra alguém para estuprar. Quando interpelado, vai hesitar e não falar coisa com coisa. Ele não respeitará seu distintivo. O maconheiro não tem medo de nada, atacará sem motivo, usando qualquer arma à disposição. Qualquer policial, ao prender um suspeito viciado em maconha, não deve hesitar em usar toda a força necessária. Cada pancada que você der em um maconheiro evitará que você leve nove! Boa sorte!"

É mais ou menos este tipo de estupidez e desinformação em relação aos efeitos do uso da maconha que o espectador encontrará em REEFER MADNESS, um hilário "documentário" sensacionalista produzido nos anos 30 para "alertar sobre os perigos da marijuana", mas que com o passar do tempo ganhou status cult de comédia involuntária JUSTAMENTE entre os usuários de maconha!


Inicialmente batizado "Tell Your Children" ("Conte aos seus filhos", ou "Avise seus filhos"), o documentário foi produzido por um grupo religioso com a proposta de ser um filme educativo (e de moral duvidosa) para exibição em escolas e salões paroquiais de pequenas cidades, destinado a "alertar" os pais preocupados com a popularização da "erva do demônio" nos Estados Unidos da década de 30.

Entretanto, depois de filmado, "Tell Your Children" acabou sendo adquirido por um distribuidor conhecido justamente pelo sensacionalismo, Dwain Esper. Ele fez alguns cortes na parte do melodrama, inseriu cenas didáticas (e reais) sobre o combate aos entorpecentes na época, e mandou o filme para os cinemas com o título REEFER MADNESS, algo como "A Loucura do Baseado" - "reefer" era a gíria da época para o cigarro de maconha, algo como "fininho" em português. O objetivo de Esper com o título dúbio e os inserts de drogas era atrair aos cinemas tanto os pais preocupados quanto os próprios usuários de drogas!


Quanto ao filme em si... Bem, vamos por partes.

Nestes nossos tempos atuais, é muito difícil que alguém nunca tenha fumado um baseadinho, ou pelo menos visto alguém fumar. Sendo assim, os "efeitos nocivos" da maconha já são popularmente conhecidos: não passam de uma leve histeria seguida de sensação tranqüilizante, além dos tradicionais olhos vermelhos e de uma vontade irresistível de comer tudo que vier pela frente (comida mesmo; não maliciem, seus pervertidos!).

E não passa muito disso. Ninguém que fume um baseado vai ficar louco, psicopata, perder-se numa viagem sem volta ou sentir uma vontade irresistível de cheirar, se picar ou fumar crack. Portanto, se você passou a vida inteira sem fumar maconha com medo dos seus "terríveis efeitos", perdeu tempo!


Mas é claro que lá atrás, nos anos 30, os efeitos da marijuana ainda eram demonizados pela lei e pelas ligas de moral e bons costumes. Gente que nunca colocou um baseado na boca se dizia especialista na droga e dava palestras sobre os tenebrosos efeitos da maconha, capaz de transformar jovens inocentes em bárbaros estupradores e assassinos. Foi esse tipo de gente que produziu REEFER MADNESS.

O "documentário" começa com a palestra de um falso médico, o Dr. Alfred Carroll (interpretado por Joseph Forte), sobre a disseminação das drogas pelos Estados Unidos - quando entram as cenas verdadeiras de policiais queimando narcóticos e de baseados sendo didaticamente preparados.

O "médico" põe-se a falar sobre os trágicos efeitos da maconha na juventude, citando exemplos como o do rapaz que fumou um baseado e depois matou toda a família a machadadas (!!!). Finalmente, resolve contar uma história acontecida "bem perto dali", e o filme passa a dramatizar a narração do "especialista".


Moralista, inocente e desinformada até o talo, a história apresenta o casal Mae (Thelma White) e Jack Perry (Carleton Young), dois adultos que vivem de vender maconha à juventude. Jack, sempre vestido de terno e gravata, tem o hábito de circular por colégios e lanchonetes para seduzir e viciar novas vítimas, que eventualmente se tornarão novos clientes.

O drama todo gira em torno de Bill (Kenneth Craig), um jovem nerd que até usa gravata-borboleta (!!!), e é influenciado pelas "más companhias" ao conhecer Blanche (Lillian Miles), uma viciada em Cannabis que vive na casa de Jack e Mae. Blanche atrai Bill até a toca do lobo e lhe dá um baseado, que obviamente provoca terríveis efeitos colaterais no rapaz: ele fica doidão e transa com Blanche!


Ou seja: apesar de este ser um filme com mensagem anti-droga, o apelo de tal cena entre a juventude é inegável, e o efeito deve ter sido justamente O CONTRÁRIO do pretendido pelos realizadores. Tipo: "Fume maconha e você vai transar, mesmo que seja um nerd com gravata-borboleta"!

Enquanto Bill acorda depois da transa e se desespera (ah, esses tempos em que a virgindade era sagrada...), sua namoradinha Mary (Dorothy Short) chega à casa dos traficantes procurando pelo rapaz, mas acaba igualmente sendo conduzida à maconha por outro viciado que vive no local, um demente chamado Ralph (Dave O'Brien), que passa o filme inteiro rindo como um psicopata após dar umas baforadas num baseado. Mary também fica doidona e Ralph tenta estuprá-la; Bill surge para o resgate, mas a coisa acaba mal: um tiro é disparado e Mary morre!


Segue-se um filme de tribunal, com Bill sendo julgado pelo assassinato da namorada e o promotor e o juiz deixando bem claro que tudo só aconteceu porque o jovem estava sob efeito de maconha.

Eventualmente a verdade será descoberta, o inocente libertado e os culpados punidos (lembre-se que estamos nos puritanos anos 30). O castigo inclusive vem a cavalo, com o traficante Jack sendo morto pelo viciado Ralph em desespero provocado pela abstinência. Bill é inocentado e promete nunca mais envolver-se com a droga do demônio. Final feliz. Até esquecem da pobre moça morta.


De volta à reunião com os pais do início do "documentário" (lembra?), o dr. Carroll alerta o público para que tenham cuidado em suas próprias casas: "Ou a próxima tragédia poderá acontecer com sua filha... Ou com seu filho... Ou com o seu... Ou com o seu...", e ele então aponta o dedo acusadoramente para a câmera (e para o espectador) e conclui: "OU COM O SEU!!!".

REEFER MADNESS é simplesmente hilário: os atores interpretam usuários de maconha como se fossem bêbados (cambaleando pelos cantos e fazendo macacaquices), ou como se fossem psicopatas (com profundas olheiras e soltando gargalhadas maléficas).


As próprias cenas dos sujeitos fumando baseado demonstram que ninguém tinha muita intimidade com a coisa e acreditavam cegamente nos "especialistas" da área - só o jeito que eles SEGURAM o cigarrinho do demônio já é de rolar de rir!

Ainda há uma cena deprimente em que um rapaz dá duas ou três tragadas num baseado quando está no carro e repentinamente começa a dirigir como louco (no caso, como se estivesse bêbado, e não chapado), acelerando pelas ruas e atropelando um velhinho ao furar o sinal vermelho! Definitivamente, os "especialistas" que ajudaram na realização do filme confundiram maconha com cachaça...

O objetivo do roteiro é amedrontar a juventude dos anos 30, ainda sem acesso à televisão e muito menos à internet (e, portanto, recebendo informações ainda restritas aos pais e professores). Sustenta que o uso da maconha pode transformá-los em assassinos ou levá-los a uma "viagem sem volta". Enfim, nenhum esforço é poupado na tentativa de demonizar a erva e seus efeitos, naqueles tempos em que dar uns amassos numa garota antes do casamento era o fim da picada!


Ironicamente, o filme é absurdamente hipócrita ao condenar os supostos malefícios da marijuana, mas ao mesmo tempo mostrar todos os seus personagens "corretos" (pais, policiais, jurados, médicos...) fumando cigarros e charutos "normais" e bebendo álcool, como se só a maconha fosse prejudicial (por ser ilícita), mas todo o resto estivesse liberado sem restrição! Provavelmente deve ter afastado muitos jovens lá dos anos 30 da maconha, porém criando uma geração de fumantes e alcoólatras!

O relativo sucesso de REEFER MADNESS deu origem a uma série de outros filmes anti-maconha, como "Assassin of Youth" (1937) e "The Terrible Truth" (1951), todos sensacionalistas e nada informativos, todos exageradamente sensacionalistas e absurdos. Mas logo os produtores perceberam que a batalha estava vencida e deixaram a marijuana em paz, dedicando-se a fazer filmes sobre outras drogas mais pesadas e realmente perigosas, como o LSD e a heroína.


O próprio REEFER MADNESS sumiu de circulação por décadas até ser redescoberto mofando na Biblioteca do Congresso, no começo dos anos 70 - justamente por uma geração de maconheiros! Foi Keith Stroup, fundador da NORML (Nation Organization for Reform of Marijuana Laws), quem comprou os direitos sobre o filme, que já estavam em domínio público. A partir de 1971, Stroup passou a exibi-lo em seminários e festivais pró-maconha (!!!), onde os usuários acabaram adotando-o como uma divertida comédia involuntária, tal seu nível de sensacionalismo e desinformação.

E, quem diria, a venda de cópias do "documentário" foi uma das primeiras atividades financeiras a gerar capital para uma pequena companhia que surgia na época, uma tal de New Line Cinema, que hoje é simplesmente uma das grandes produtoras da indústria de Hollywood!

REEFER MADNESS ficou tão marcado na cultura popular ianque que ganhou diversas versões em DVD por lá, inclusive uma colorizada por computador (!!!). Também ganhou recentemente, em 2005, uma homenagem em forma de comédia musical, estrelada por atores famosos como Neve Campbell e Steven Weber - lançada no Brasil com o título "A Loucura de Marijuana".


Confesso que seria engraçado colocar aqueles pais dos anos 30, que ficavam apavorados com filmes como este, numa máquina do tempo, para que eles pudessem ir ao cinema nos dias atuais e ver filmes como "Up in Smoke", da dupla Cheech & Chong, ou "Segurando as Pontas", além de jovens fumando maconha não mais escondidos ou na casa de "traficantes", mas em ruas e parques mesmo.

Talvez estes pais de outrora também pudessem dar uma voltinha na Crackolândia para perceber que há coisas bem piores do que o inofensivo cigarrinho do demônio...

Já para a geração atual, só posso recomendar que REEFER MADNESS seja visto como a comédia involuntária que realmente é - de preferência fumando um baseadinho.

Veja REEFER MADNESS na íntegra!



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Reefer Madness/Tell Your Children! (1936, EUA)
Direção: Louis J. Gasnier
Elenco: Dorothy Short, Kenneth Craig,
Lillian Miles, Dave O'Brien, Thelma White,
Joseph Forte e Carleton Young.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O POVO CONTRA GEORGE LUCAS (2010)



Onde você estava em junho de 1999? Pois eu, como boa parte da humanidade, estava numa sala de cinema a 45 km da minha cidade para ver o aguardado e tão sonhado "Star Wars Episódio 1 - A Ameaça Fantasma". E, como boa parte da humanidade, saí do cinema frustrado, tentando achar fatores que redimissem aquela experiência insatisfatória ("Pelo menos o duplo duelo final com o Darth Maul foi ótimo!"), mas acabando por concluir que aquele não era bem o filme que eu esperava 16 anos depois de "O Retorno de Jedi". Também como boa parte da humanidade...

É sobre isso o interessante documentário O POVO CONTRA GEORGE LUCAS, dirigido pelo norte-americano Alexandre O. Philippe e lançado este ano: o dúbio sentimento de amor e ódio dos fãs de "Star Wars" pelo seu criador, George Lucas. Embora tenha alguns problemas evidentes (é muito longo e arrastado, além de repetitivo e inconclusivo), o filme traz algumas discussões bastante pertinentes sobre o universo criado (e, para muitos, também destruído) por Lucas.

Uma das questões que permeia o documentário é justamente a insatisfação dos antigos fãs da série com os três novos filmes ("A Ameaça Fantasma", de 1999; "O Ataque dos Clones", de 2002, e "A Vingança dos Sith", de 2005).


Eu nunca me considerei um viciado em "Star Wars", pelo menos não como algumas pessoas que eu conheço (que assistiram os fraquíssimos novos filmes da série até nove vezes na semana de lançamento), e muito menos como os malucos entrevistados em O POVO CONTRA GEORGE LUCAS, que dedicam suas vidas, seu tempo e seu dinheiro à série. Muita fã histérica da saga "Crepúsculo" passa vergonha perto do nível de loucura de alguns viciados em "Star Wars" mostrados no documentário.

Enfim, mesmo não sendo um viciado, sempre gostei muito da chamada "trilogia original". Não tive a sorte de ver os filmes no cinema (apenas quando foram relançados, no fim dos anos 90, com novas cenas e efeitos de computador), mas lembro que vi o original de 1977 pela primeira vez na TV Manchete, na década de 80. Na época, o filme se chamava simplesmente "Guerra nas Estrelas" - e não "Star Wars Episódio 4 - Uma Nova Esperança", como hoje. Aliás, sempre achei esquisito aquele "Episódio 4" no que para mim era o primeiro filme da série, mas faz parte da infância.


A verdade é que não tem como não gostar de "Guerra nas Estrelas" quando você é criança. Os efeitos especiais (bons até hoje), os personagens carismáticos, os vilões antológicos, os nomes esquisitos, as lutas de sabre de luz...

Nada do que Lucas mostrou era exatamente novo (afinal, não passa da velha história do cavaleiro indo salvar a princesa em perigo), mas a coisa era tão bem feita que você se apaixonava por aquilo. E depois veio "O Império Contra-Ataca" para confirmar que estávamos diante de algo muito interessante ("O Retorno de Jedi" já é mais fraquinho e infantil, mas está valendo).

Nestes 16 anos de silêncio entre o final da trilogia clássica e o início da nova trilogia (com o "Episódio 1"), muitos transformaram "Star Wars" em uma religião. Enquanto Lucas curtia umas férias como produtor em outros filmes de outros diretores, os próprios fãs trataram de expandir a mitologia da série, em quase duas décadas de "fan films", sátiras dos originais, "fan fiction" e livros especulando sobre o início e o final da saga.


Isso sem contar os produtos "oficiais" licenciados pelo próprio George Lucas, como brinquedos, jogos de videogame, roupas, revistas em quadrinhos e todo tipo de bugiganga com a marca (até cuecas e pijamas!).

Os problemas começam nos anos 90, conforme enfocado em O POVO CONTRA GEORGE LUCAS. Primeiro, George Lucas endoidou e resolveu mexer nos filmes que milhões de fanáticos aprenderam a amar apaixonadamente desde seu lançamento. A "maquiagem digital" na trilogia clássica não foi apenas para modernizar os efeitos, mas também para adicionar/modificar/excluir cenas, o que revoltou muitos fãs.

Pior: Lucas esnobemente declarou que aqueles velhos filmes idolatrados por pelo menos duas gerações estavam incompletos, e que a "sua visão original" estava nestas versões "melhoradas" digitalmente - em outras palavras, "Esqueçam os antigos, o que vale são estes novos!".


A primeira parte do documentário lança esta interessante discussão: afinal, qual é o limite da "posse" de um criador pela sua criatura? Ao realizar essas mudanças de certa forma discutíveis na sua própria obra, George Lucas estaria exercendo seu direito de realizador que quer melhorar seu trabalho ou "traindo" os fãs que gostavam dos filmes como eles eram antes?

A refletir: Ridley Scott já mexeu umas 500 vezes em "Blade Runner" (inclusive mudando todo o sentido original do filme na director's cut), mas os fãs da obra nunca reclamaram tanto quanto os fãs de "Star Wars". Por outro lado, um fanático por "Star Wars" entrevistado no documentário alega que se DaVinci viajasse no tempo para os dias atuais e quisesse mudar o sorriso da Monalisa, o mundo inteiro iria criticar a atitude do artista.

Uma das alterações mais polêmicas feitas pelo diretor, e que ganha bastante espaço no documentário de Philippe, é a clássica boiolagem do "Greedo atirou primeiro". Lucas achou que o fato de Han Solo atirar a sangue-frio em um caçador de recompensas em "Guerra nas Estrelas" desmerecia a "nobreza" do personagem.


Inventou, então, um primeiro tiro digital efetuado por Greedo, ao qual Han Solo reage, numa cena completamente estúpida - primeiro porque estraga a idéia de Han Solo ser um anti-herói das antigas, e segundo porque ninguém erraria um tiro a meio metro da vítima, como acontece nesta cena modificada!

(E como um fã comenta em O POVO CONTRA GEORGE LUCAS, o pai de "Star Wars" preocupou-se tanto em mudar o tiroteio entre Han Solo e Greedo, para supostamente transformar o personagem de Harrison Ford num sujeito mais legal, que se esqueceu de cortar a cena em que descobrimos que Han Solo é um traficante espacial de drogas e armas!)

(A propósito, até George Lucas deve ter se arrependido dessa história toda, pois, nos bastidores das filmagens de "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal", foi fotografado com uma camiseta que diz "Han atirou primeiro"!!!)


Enfim, esta questão do "limite de posse" de uma obra é uma pergunta interessante que acaba ficando meio sem resposta no documentário, mas todos os fãs entrevistados por Philippe são unânimes em afirmar que George Lucas NÃO deveria ter mexido na trilogia clássica para fazer o que fez, muito menos recusar-se a relançar as obras no seu formato original.

Eu mesmo nunca comprei esses DVDs com a "nova versão" do diretor, e nem os discos da nova trilogia, que considero muito fraca. O único box de "Star Wars" que tenho é aquela lata que traz a trilogia clássica supostamente sem novos efeitos e novas cenas, embora alguns fãs argumentem que mesmo nesta versão há algumas diferenças em comparação aos filmes originalmente lançados no cinema e em VHS décadas atrás (felizmente, também tenho as velhas fitas de "Guerra nas Estrelas" e "O Império Contra-Ataca" na coleção!).

Na segunda parte de O POVO CONTRA GEORGE LUCAS, a discussão entra numa seara ainda mais polêmica: o inconformismo dos fãs antigos com a nova trilogia dirigida por Lucas. A maioria é unânime em reafirmar seu ódio pelos filmes e suas invencionices, como o irritante Jar Jar Binks e os "Midi-chlorians" que os Jedi têm no sangue (argh!).


Praticamente todas as pessoas entrevistadas discutem sua frustração com a forma como George Lucas conduziu uma trama que daria origem aos personagens imortais da trilogia clássica. "Nós ficamos 16 anos pedindo um novo 'Star Wars', mas esquecemos de pedir que fosse um bom 'Star Wars'", resume um fã.

Uma das justificativas mais comuns para a baixa qualidade da nova trilogia é o fato de George Lucas desta vez ter abraçado tudo sozinho, enquanto na trilogia antiga estava cercado por uma equipe de pessoas criativas que ajudaram-no a criar os filmes (Lucas dirigiu apenas o "Guerra nas Estrelas" de 1977, mas os dois seguintes foram conduzidos por outros cineastas, e com uma mãozinha de Lawrence Kasdan nos roteiros).


Esta é a talvez a parte mais interessante do documentário, quando são analisadas as "fan editions" produzidas por fãs de "Star Wars" para tentar dar um "formato mais agradável" aos dispensáveis novos filmes.

Entre elas, a já famosa "Phanton Edition" (que resumiu o "Episódio 1" para 70 minutos e eliminou bobagens como o personagem de Jar Jar Binks), e uma versão condensada que um fã fez resumindo os três filmes da nova trilogia em um único longa de 90 minutos, mas em preto-e-branco! Vários entrevistados argumentam que estas versões são muito melhores que as originais!

O POVO CONTRA GEORGE LUCAS também analisa a absurda quantidade de "fan films" produzidos a partir do universo de "Star Wars" (que demonstram claramente como os fãs acabaram tomando o controle sobre a obra). São mostradas várias cenas destes trabalhos, para dar uma idéia da riqueza criativa dos seus realizadores.


Alguns "fan films" são famosos e estão disponíveis no YouTube, como "Troops", que, copiando o formato do seriado de TV "Cops", apresenta o dia-a-dia dos Storm Troopers de Darth Vader. Outro muito interessante é "George Lucas in Love", sátira de "Shakespeare Apaixonado", mostrando um jovem Lucas tendo a idéia de fazer "Star Wars" a partir de seus colegas de faculdade. Os diretores destes dois curtas, Kevin Rubio e Joe Nussbaum, inclusive são entrevistados no documentário.

Há uma infinidade de material na rede. Procure por "Star Wars fan film" no YouTube que aparecerão mais de 5.000 vídeos, alguns apenas brincadeiras feitas por garotos que aprenderam a mexer no programa que cria os "sabres de luz", mas outros muito interessantes, como "Forcery" (outro que tem cenas exibidas no documentário). Este curta é uma sátira de "Louca Obsessão", e mostra George Lucas sofrendo um acidente de carro logo após escrever o roteiro do "Episódio 3", e sendo resgatado e aprisionado por uma fã psicótica de "Star Wars", que obriga o diretor a reescrever o roteiro!

Outros vídeos mostrados no documentário trazem brincadeiras com os personagens de "Star Wars" em forma de desenho animado, Lego, bonequinhos, garrafas e até ovos (!!!) em stop-motion.


Infelizmente, O POVO CONTRA GEORGE LUCAS termina sem chegar a nenhuma conclusão - ou veredicto, já que se propunha julgamento. George Lucas é culpado de ter estragado a trilogia original ou estava no direito de mexer nos filmes que ELE escreveu e dirigiu? É culpado de ter frustrado os fãs com uma nova trilogia cheia de bobagens, ou os fãs é que levaram aqueles três filmes antigos a sério demais, e não conseguem se divertir com os novos?

São questões que permanecem no ar para serem discutidas pelos nerds em fóruns de "Star Wars" na internet, pois talvez cada espectador, fã da série ou não, deva chegar ao seu próprio veredicto. Eu, que me incluo naquela categoria de fãs que prefere pensar que a nova trilogia nunca existiu ou aconteceu, até prometo dar uma chance aos Episódios 1 a 3 daqui uma década, para ver se a minha impressão sobre eles melhora.

E mesmo cheio de defeitos, O POVO CONTRA GEORGE LUCAS vale exatamente como documento e registro dessa louca febre, paixão ou obsessão, como preferirem, pelo universo criado por George Lucas em 1977. Quem diria que aquele "Há muito tempo atrás, em uma galáxia muito, muito distante..." iria dar origem a um culto tão grande?


Termino citando um quadro clássico do programa humorístico "Saturday Night Live", em que William Shatner, o próprio, participa de uma convenção de fanáticos por "Star Trek" e xinga aqueles sujeitos: "People, please, get a life!".

É impossível não lembrar disso ao ver, no documentário, diversos adultos e pais de família acampados em frente aos cinemas na época do lançamento do "Episódio 1", ou vestindo-se como seus personagens preferidos. É apresentado até o caso de uma mulher cujo casamento acabou por causa da sua obsessão por colecionar bonequinhos de "Star Wars"!

Bem que próprio George Lucas podia aparecer no final de O POVO CONTRA GEORGE LUCAS e dizer exatamente isso, direto para a câmera: "People, please, get a life!".


Trailer de O POVO CONTRA GEORGE LUCAS



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O Povo Contra George Lucas
(The People Vs. George Lucas, 2010, EUA)

Direção: Alexandre O. Philippe
Entrevistas com: Kevin Rubio, Joe Nussbaum,
Brandon Kleyla, Matt Cohen, Frankie Frain e
George Lucas (cenas de arquivo).

sábado, 12 de dezembro de 2009

VISITING UWE - THE UWE BOLL HOMESTORY (2008)


Preparem-se, amiguinhos! Este post de hoje traz uma produção que, como poucas, combina perfeitamente com o nome do blog: é um autêntico FILME PARA DOIDOS, não apenas "para", mas também "de" e "sobre" doidos. Afinal, como é possível levar a sério um documentário supostamente sério onde um sujeito conversa animadamente sobre cinema, durante uns bons 50 minutos em preto-e-branco, com aquele que é considerado um dos piores diretores de todos os tempos, o alemão Uwe Boll?

Caso você tenha vivido em Marte na última década, e nunca ouviu falar sobre o sr. Uwe Boll, saiba apenas que ele é um alemão metido a encrenqueiro e falastrão, que surgiu de lugar nenhum e, num piscar de olhos, já estava com toda a moral para torrar milhões de dólares em filmes horríveis com astros e estrelas de Hollywood - um fenômeno que ninguém soube explicar satisfatoriamente até hoje.


Depois de dirigir "House of the Dead" e "Alone in the Dark", duas abomináveis adaptações cinematográficas de videogames (que do game em questão só trazem o nome), Boll continuou prestando desserviços à sétima arte, escrevendo, produzindo e dirigindo filmes que ninguém quer ver, e fazendo atores de calibre pagarem o maior mico (entre eles, Ben Kingsley, Ray Liotta, Michael Madsen, Geraldine Chaplin e Burt Reynolds).

Claro que, após o choque inicial da ruindade de "House of the Dead" e "Alone in the Dark", todo mundo já sabe o que esperar do "cinema" de Boll, e suas obras posteriores passaram a ficar no mínimo divertidas ("Bloodrayne", por exemplo, é perfeitamente assistível, e seu recente "Tunnel Rats" é bem interessante). Mas ele parece longe de ter aprendido como se faz, e volta-e-meia solta uma nova bomba ("Seed - Assassino em Série") ou pérola do mau gosto (seu "Postal" é uma comédia que faz graça com morte de crianças e até com o 11 de Setembro!!!).


Apresentação feita, é hora de falar sobre o nosso filme em questão, VISITING UWE - THE UWE BOLL HOMESTORY, um inacreditável e excêntrico documentário em que o diretor-roteirista-apresentador de um programa alemão sobre cinema, Fabian Hübner, visita a casa-escritório do famigerado Uwe Boll, e passa o resto do tempo conversando com ele sobre a sétima arte.

E nada pode ser mais estranho, chocante até, do que ver um dos piores diretores da história comentando o trabalho de Orson Welles, Stanley Kubrick, William Wyler e John Ford - isso quando não está CRITICANDO Michealangelo Antonioni, Jean-Luc Godard e Andrei Tarkovsky!!! Parece algo tão esdrúxulo quanto ouvir a Banda Calypso comentando o trabalho de Mozart e Beethoven.

Se só por uma discussão inesperada como esta o filme já valeria a pena, eis que o documentário ainda se dedica a mostrar a casa e a intimidade do "célebre" cineasta alemão. Afinal, o título VISITING UWE não é acidental: a conversa sobre cinema é intercalada com cenas em que Boll mostra os aposentos do seu lar, fala sobre seu dia-a-dia ("A máquina de capuccino é a coisa mais importante da minha casa.") e brinca com seus cães, inclusive confessando que um deles fez "participações especiais" em quase todos os seus filmes!


E se só pela discussão inusitada sobre cinema, pela visita à casa de Boll e pelos detalhes do seu dia-a-dia o filme já valeria a pena, nem que seja como curiosidade mórbida, eis que temos ainda diversos momentos mágicos que apenas confirmam a personalidade bizarra (para não dizer completamente louca) do diretor alemão, e tornam este documentário não apenas inacreditável, mas também absolutamente imperdível.

Para começo de conversa, VISITING UWE já começa com um take do seu "homenageado" olhando diretamente para a câmera e se apresentando: "Olá. Eu sou Uwe Boll, o melhor cineasta do mundo". E, quando se trata de Boll, você nunca sabe se ele está ironizando (fazendo auto-sátira com a própria imagem de "pior diretor") ou falando sério. Até porque ele já comprovou, mais de uma vez, ter um parafuso a menos - quem em sã consciência desafiaria os críticos do seu trabalho para lutas de boxe?


Ao ser questionado se acha mais importante o Oscar ou a Palma de Ouro em Cannes, Boll responde com bom humor: "Não sei, nunca ganhei nenhum dos dois".

Mais adiante, o cineasta começa a lavar roupa suja "on camera" ao falar das dificuldades de trabalhar com atores como Ray Liotta e Michael Madsen, que ele salienta terem problemas "alcoólicos e psicológicos". Para fazer o contraponto, o documentário apresenta uma faixa de áudio com o próprio Madsen falando que Boll (com quem "trabalhou" em "Bloodrayne") é completamente louco e não sabe o que faz!


E a coisa só melhora: no momento mais impagável de VISITING UWE, o alemão maluco abre as baterias contra Michael Bay (diretor de "Transformers"), dizendo que ele torra milhões de dólares para fazer filmes medíocres (o que não deixa de ser verdade), e mesmo assim os estúdios parecem entregar fortunas de bandeja para ele.

Boll passa da crítica à agressão em poucos minutos, dizendo que Bay é um "cockhead" (intraduzível) e viciado em prostitutas. Outros xingamentos foram posteriormente editados para evitar processos judiciais. Não que o alemão esteja preocupado com esta possibilidade, como demonstra o diálogo abaixo.


Porém o mais interessante deste trabalho inusitado é que logo aquela figura que todo mundo aprendeu a odiar depois de filmes como "House of the Dead" e "Seed" acaba se transformando em um sujeito no mínimo simpático. Boll fala com entusiasmo sobre sua paixão pelo cinema, e é inegável que ele realmente GOSTA do que faz - além de ter um mínimo de conhecimento sobre o trabalho de mestres como Welles e Ford, embora obviamente não tenha aprendido NADA com eles!

Confesso até que achei interessante ouvir a opinião de um dos piores diretores de todos os tempos sobre filmes como "Kill Bill", "Gladiador" e "Onde os Fracos Não Têm Vez". E Boll ainda confessa que "Apocalypse Now" é o seu filme preferido.

Mesmo quem morre de ódio do alemão, ou o considera uma piada, deverá concordar com a maior parte do que ele fala, principalmente quando critica a indústria de cinema de Hollywood. Pois Boll cita outros dois cineastas alemães (Wolfgang Petersen e Roland Emerich) que, segundo ele, não conseguem fazer filmes com menos de 100 milhões de dólares, e reclama da forma como os estúdios investem pesado em marketing para fazer com que porcarias pareçam bons filmes (o que é inegável).


Boll também argumenta que a maior parte do público atual nunca ouviu falar de Fellini ou Godard, e que estes nomes não fazem a menor diferença para quem vai ao cinema ver "Transformers" (o que também não deixa de ser verdade).

Enfim, quando VISITING UWE termina, o documentário cumpre sua função de transformar o mítico Uwe Boll em uma figura mais humana e fácil de simpatizar. Você pode até continuar odiando bombas como "House of the Dead", mas certamente vai reconhecer que por traz delas existe um sujeito que não é bobo nem nada.

Inclusive me peguei perguntando se Boll não estaria fazendo estes filmes ruins baseados em videogames de propósito, já que costuma se sair melhor ao assinar trabalhos mais pessoais, tipo "Tunnel Rats" (e o recente "Rampage", cujo trailer promete um filmaço).


A grande crítica que pode ser feita a VISITING UWE é que o documentário não responde justamente a esta pergunta: Boll é ruim mesmo ou faz de propósito? O diretor Hübner, que entrevista Uwe durante os 50 minutos do filme, faz várias perguntas interessantes, mas se esquiva da responsabilidade de questionar o cineasta sobre a ruindade de muitas das suas obras.

Embora em certo trecho Boll confesse que não gosta da fama de "rei do trash", e nem da perseguição levada a cabo por críticos e espectadores (com movimentos como "Stop Boll", um abaixo-assinado com milhares de assinaturas pedindo que Uwe pare de dirigir filmes), Hübner jamais questiona seu entrevistado sobre a ruindade real e evidente de alguns dos seus trabalhos, preferindo sair pela tangente - talvez com medo da fama de esquentadinho que Uwe Boll vem alimentando há anos.

E por falar em fama de esquentadinho, depois de 50 minutos que retratam nosso amado Uwe como uma figura humana e boa-praça, VISITING UWE encerra com uma última cena que, tudo leva a crer, é "de mentirinha": Boll repentinamente muda de comportamento, fica puto dos cornos e acusa Hübner de estar fazendo o documentário apenas para transformá-lo em piada.


Não satisfeito, o alemão maluco expulsa a equipe da sua casa violentamente, mas se apropria de parte do equipamento dos realizadores, dizendo: "Vou ficar com isso como garantia e só devolvo depois que me mandarem a cópia final do documentário. E podem chamar a polícia, se quiserem, eu não me importo", para em seguida bater a porta na cara do diretor e do cameraman.

Por mais que eu queira acreditar que o piti tenha sido encenado (transformando o documentário em "mockumentary"), novamente não dá para duvidar de nada quando o assunto é Uwe Boll.

Curioso? Pois você pode ver VISITING UWE de graça, falado em alemão e com legendas em inglês, no site dos realizadores. Basta clicar aqui. E prepare-se para finalmente começar a pensar em Uwe Boll como um sujeito legal. Não dizem que de médico e de louco todo mundo tem um pouco? Pois aqui está um cara que definitivamente tem não um pouco, mas "um muito" das duas coisas!

E acho que ainda vamos ouvir falar muito em Uwe Boll nos anos vindouros...

Trailer de VISITING UWE


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Visiting Uwe - The Uwe Boll
Homestory (2008, Alemanha)

Direção: Fabian Hübner
Elenco: Uwe Boll, Fabian Hübner
e a voz de Michael Madsen.