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sábado, 26 de fevereiro de 2011

DELTA FORCE COMMANDO 1 e 2 (1987/1990)


Para compensar os dias que fiquei sem atualizar o FILMES PARA DOIDOS por causa da minha dissertação de mestrado, eis uma Sessão Dupla em que, numa tacada só, serão resenhados (e devidamente ridicularizados) os dois filmes da série italiana DELTA FORCE COMMANDO, ambos dirigidos por Pierluigi Ciriaci (aka Frank Valenti) em 1987 e 1990. É bom avisar que ambos são MUITO RUINS (com menção honrosa para o segundo).

E a pobreza destas duas produções só se equipara à picaretagem dos produtores. Afinal, é bastante óbvio que eles citam, nos títulos, dois sucessos do gênero dos anos 80, "Delta Force" (no Brasil, "Comando Delta", aquele com o Chuck Norris) e "Commando" (o famoso "Comando para Matar", com Schwarzenegger).

Não satisfeitos com a citação nos títulos, os produtores também chuparam algumas cenas dos dois filmes, mas tudo com aquele "padrão italiano de qualidade" que é uma garantia de diversão trash de grosso calibre. Aos filmes:


DELTA FORCE COMMANDO (1987)


"O Soldado da Força Delta" poderia ser uma boa tradução para o filme de Ciriaci/Valenti, mas a distribuidora que lançou-o no Brasil (a Sagres) preferiu nem quebrar a cabeça e deixou DELTA FORCE COMMANDO mesmo, talvez imaginando que as fotos de caças na capinha da fita já valeriam a locação.

Ciriaci não esconde sua inspiração naquela febre de filmes sobre caças e jatos que havia na época (que gerou obras como "Ases Indomáveis" e "Águia de Aço", ambos de 1986). Assim, tome cenas de caças zanzando para lá e para cá, muitas delas provavelmente tiradas de documentários ou filmagens do Exército.

A história começa com um militar levando uma prostituta para dentro de uma base norte-americana "de segurança máxima" (pffff!) em Porto Rico. E é só a vagabunda passar pelo portão para revelar-se uma espiã terrorista, que abre a entrada para seus amigos revolucionários terceiro-mundistas.


O grupo é liderado por um bandidão anônimo de expressões exageradas, que sempre usa camisetas rasgadas mostrando o peitoral, e tem cicatrizes nas laterais da boca que vive lambendo - 21 anos antes do Coringa de Heath Ledger.

E, vejam só, o sujeito é interpretado por MARK GREGORY, o Trash de "1990 - Os Guerreiros do Bronx" e o índio Thunder da trilogia homônima!!!

Os revolucionários estão em busca de uma poderosa arma nuclear (evidentemente), que, apesar do alto risco, é guardada numa sala em que simples portas de madeira (!!!) trazem o aviso: "Danger" e o símbolo de energia nuclear. Não bastasse isso, a tal arma convenientemente está acondicionada dentro de uma caixa portátil que os vilões podem levar nas costas. Isso é que é facilitar a ação dos terroristas, hein?


Na tal base, também vive um super-herói da Delta Force, o tenente Tony Turner (interpretado pelo "Robert DeNiro da péssima interpretação" Brett Clark, imortalizado no cinema no papel do stripper Nick The Dick em "A Última Festa de Solteiro").

Embora seja o melhor soldado do grupo de operações especiais, Turner aposentou-se para prestar serviços burocráticos na base e acompanhar os últimos dias da gravidez da esposa (Emy Valentino, de "A Face").

O problema é que os vilões em fuga dão o azar de passar bem na frente do apartamento do casal, e o bandidão interpretado por Gregory acaba atirando na esposa de Turner, matando instantaneamente mulher e filho do herói.


Cego de vingança, Turner resolve contrariar seus superiores e partir numa missão de vendetta rumo à Nicarágua, onde os revolucionários estão escondidos, chantageando as grandes lideranças mundiais. Para chegar lá, Turner "sequestra" o caça pilotado pelo capitão Samuel Beck (ninguém menos que FRED WILLIAMSON!), obrigando o famoso herói negro do cinema B a levá-lo até a Nicarágua.

Chegando lá, não pense que haverá investigação, bate-papo ou desenvolvimento de personagens: tudo o que Turner e Beck fazem é mandar chumbo no exército nicaraguense (!!!) e nos terroristas, enquanto dirigem (e eventualmente explodem) jipes, ônibus (!!!) e helicópteros.


Depois de incontáveis tiros, explosões e mortes, os heróis descobrem que a tal bomba atômica roubada pelos vilões, e que irá explodir em alguns segundos, é apenas uma bomba falsa usada em treinamentos. Bela forma de encerrar um filme, hein? Ainda mais considerando a quantidade de pessoas que foram mortas por causa da tal bomba de brincadeira!

DELTA FORCE COMMANDO é ruim de doer, e editado de forma catastrófica por Fiorenza Muller - o que proporciona saltos na narrativa, repetição de cenas e até erros grotescos, como Turner e Beck decolarem em um caça e se ejetarem de um outro completamente diferente!!!

A direção de Ciriaci é inexistente, e as cenas de ação se resumem a Brett Clark e Fred Williamson correndo enquanto disparam 50 tiros de metralhadora para matar cada vilão (mira não é o forte dos heróis; sorte que eles usam aquelas armas cinematográficas que nunca ficam sem munição!).


O que torna o filme divertido para uma sessão trash de bebedeira é justamente a quantidade de estupidez por segundo. Bo Svenson ("Assalto ao Trem Blindado"), que devia estar precisando muito de dinheiro, aparece em meia dúzia de cenas como o comandante da Delta Force, mas nunca interage nas cenas de ação com os demais atores, porque o cachê que recebeu deve ter pagado apenas umas quatro horas de filmagem, todas elas em internas.

Mesmo assim, Svenson é a melhor coisa do filme, ao disparar frases do tipo "Você já estaria morto se eu não fosse me aposentar daqui a três semanas".


Quase não acreditei ao ver que o roteiro é de Dardano Sacchetti (com o pseudônimo David Parker Jr.), um cara que normalmente sabe o que faz. Não é o caso aqui: existe um fiapo de roteiro que justifica as ações do herói (a morte da sua esposa), e logo qualquer tentativa de criar uma trama é substituída por tiros e explosões.

Mesmo o fato de os terroristas terem roubado uma arma nuclear acaba sendo secundário ou até terciário, já que o protagonista quer matá-los por vingança, e não para salvar o mundo. Nesse contexto, a pretensiosa "subtrama política" chega a ser ridícula.

Mas é sempre um prazer ver Williamson quebrando tudo, com aquele seu jeitão de quem não está nem aí para a pobreza do filme que estrela (aqui ele chega a ser torturado, tomando choques elétricos no saco!).


Aliás, é um verdadeiro alívio ter Williamson ao lado de Brett Clark, um "ator" horrível que não muda de expressão uma única vez (nem quando tem a esposa grávida morta em seus braços). Pior que Brett Clark, só mesmo Mark Gregory, um ator já limitado no papel de herói, aqui "interpretando" um vilão sem nome que faz caretas constrangedoras, arregalando os olhos até que eles saiam das órbitas.

Entre as muitas cenas antológicas que são um convite às risadas, vale destacar aquela em que Turner, de dentro de um ônibus, dispara uma flecha na perna de um piloto de helicóptero, e usa uma corda amarrada na ponta da flecha para subir até a aeronave - sem que o piloto ferido ou seu parceiro ofereçam qualquer reação, do tipo cortar a corda ou tentar fazer o herói despencar a chutes.


Ao estilo "Comando para Matar", Turner passa o filme desfilando com uma sacola repleta de armas roubadas da sua base.

Ah, também parece haver uma ordem expressa do diretor Ciriaci para que todo e qualquer veículo mostrado em cena seja obrigatoriamente explodido ao final da mesma cena. Inclusive um caça que está sem combustível, mas simplesmente explode no ar segundos depois que seus pilotos se ejetam. Afinal, todos sabemos que caças explodem quando o combustível acaba, eliminando a trabalheira de ficar reabastecendo as aeronaves...

Como curiosidade, não dá para deixar de citar a cena em que um dos terroristas faz um telefonema de um orelhão... bem na frente do Cristo Redentor! E ele fala com um repórter do Jornal do Brasil em bom português!!! Pode isso? Tem dedo brasileiro na produção, mas ela é tão obscura que não consegui apurar detalhes.


Entretanto, é fato que há uma atriz tupiniquim entre os figurantes (Divana Maria Brandão), e um agradecimento especial à Marinha Brasileira nos créditos finais. Se alguém souber mais sobre o caso, por favor escreva nos comentários!

Curto e grosso, DELTA FORCE COMMANDO é ruim de doer, mas há quem, como eu, ache divertido o festival de absurdos e imbecilidades desses filmes baratos tipo "exército de um homem só". Por isso, se você gostou de tralhas como "Deadly Prey", do David A. Prior, e "Strike Commando", do Bruno Mattei, provavelmente vai curtir mais esta comédia involuntária oitentista.

E é uma pena que a seqüência seja mais elaborada e proporcionamente menos divertida...

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DELTA FORCE COMMANDO 2 - PRIORITY RED ONE (1990)


O pomposo título em inglês pode fazer com que alguém espere mais desse filme do que a tralha baratíssima que ele é. Por isso, quando a Vic Vídeo lançou a obra no Brasil, optou por um título mais genérico, "Operação Delta", até para enganar aqueles que odiaram DELTA FORCE COMMANDO 1 e jamais locariam a fita se soubessem que era uma seqüência daquela bomba.

O mais engraçado é que, embora a produção seja bem melhorzinha (com mais dinheiro, provavelmente), esta continuação é muito pior do que o filme original.


Primeiro, DELTA FORCE COMMANDO 2 não tem absolutamente nada a ver com o primeiro, além de uma pequena (e burocrática) participação de Fred Williamson, reprisando seu papel de capitão Beck (seu nome é erroneamente grafado como "Back" durante o filme todo!).

Desta vez, ao contrário do anterior, Williamson mal participa da trama, aparecendo em algumas poucas cenas aleatórias apenas para justificar o número dois no título do filme - vai ver ele ficou com medo de tomar choques no saco novamente.

O grande herói agora é o ator norte-americano Richard Hatch, que nos bons tempos fez o capitão Apollo do seriado "Battlestar Galactica" (nos anos 70), e depois viu-se obrigado a tomar parte nesse tipo de mico para pagar o aluguel.


Outro que também está no filme só para faturar uma graninha em tempos difíceis é o veterano Van Johnson, que "interpreta" o malvado general McCailland. Johnson foi um grande astro de Hollywood nos anos 40-50; mas, velho e decadente, acabou mergulhando de cabeça nas produções trash italianas, incluindo "Killer Crocodile" (1989).

Se na resenha do primeiro filme eu reclamei que o roteiro era mais raso que sinopse de filme pornô, o grande problema de DELTA FORCE COMMANDO 2 é que o diretor Ciriaci (sim, ele voltou!) agora assumiu o papel de roteirista, junto com o nova-iorquino Lewis Cole. O resultado é um autêntico samba do crioulo doido, onde parece impossível entender o que acontece ou as motivações dos personagens.


Parece (ênfase no "parece") que um grupo de terroristas rouba mísseis soviéticos para chantagear as grandes potências (enfim, o roteiro do primeiro filme, só que geograficamente reciclado), mas a trama se complica desnecessariamente a cada minuto, somando reviravoltas e personagens que nunca dizem a que vieram.

O próprio herói, que é o agente Brett Haskell (Hatch), parece mais perdido do que bolacha em boca de velha desdentada. Ele cambaleia pelo filme encontrando e desencontrando uma ex-namorada que também é assassina de aluguel, Juno (Giannina Facio), que, não contente em assassinar várias pessoas ao longo da trama, tenta assassinar também nosso tímpanos ao cantar de maneira esganiçada a música dos créditos finais!


Haskell e Juno enfrentam um vilão apagado no Oriente Médio, numa trama de espionagem que não faz sentido, enquanto nos EUA nosso velho amigo Beck fica em seu gabinete comentando as ações de que nunca participa.

Na cena final, para tentar criar um elo entre os personagens Haskell e Beck (já que eles NUNCA se encontram), surge um comandante interpretado por Bobby "Demons" Rhodes para explicar ao herói que quem mandou os reforços que salvaram a pele dele foi "o seu velho amigo, o capitão Samuel Beck". Ah tá...


Quando eu digo que DELTA FORCE COMMANDO 2 não tem pé nem cabeça, não estou sendo exagerado. Para exemplificar, há uma cena que começa com um sujeito (terrorista?) colocando uma bomba num avião, somente para depois ser morto por Juno. Dois segundos depois, não é feita mais qualquer menção ao fato: nunca sabemos o que foi feito da bomba no avião e nem qual era a relação da assassina com o homem que matou. Legal, não?

O diretor Ciarici parece bem mais seguro no comando das cenas de ação desta vez, e inclusive adiciona uma grande dose de violência explícita que não havia no original. Quando os mísseis são roubados pelos terroristas, por exemplo, tiros explodem cabeças e dedos como se fossem de manteiga; antes disso, um diplomata é assassinado com um sangrento tiro no rosto (!!!) enquanto faz a barba.


É uma pena que Ciarici tenha separado esses momentos mais interessante com intermináveis diálogos de espionagem e teorias conspiratórias que não levam a lugar nenhum. Quase dá saudade do DELTA FORCE COMMANDO 1, que era pauleira da grossa, com tiros e explosões do início ao fim.

Aqui, os realizadores tentaram evidentemente fazer uma coisa mais sofisticada, com mais diálogos expositivos e reviravoltas, mas nada pode ser pior do que um filme de ação que dá sono. De tanta enrolação e lenga-lenga, acabei cochilando umas cinco vezes, e depois tive que voltar e ver uma boa parte do filme novamente, como se a trama já não fosse complicada o suficiente. Conselho de amigo: esqueça a história e concentre-se no fator trash da coisa.


Felizmente, como acontecia também no primeiro filme, há alguns momentos divertidos de tão toscos e sem noção, como Beck levando o vilão McCailland para uma voltinha de caça em território inimigo, apenas para ejetar-se quando aeronaves rivais surgem no horizonte, deixando o pobre general para explodir (não seria mais fácil e mais simples dar um tiro na cabeça do sujeito em terra mesmo?).

O resultado final é bem menos engraçado que o original, mas ainda assim válido para uma sessão dupla alcoólica com os amigos cinéfilos.

Gostaria inclusive de propor um "drinking game" para acompanhar a dobradinha DELTA FORCE COMMANDO: os participantes devem mandar goela abaixo um copo de cerveja ou de cachaça toda vez que os figurantes dispararem suas armas sem que saia fogo ou fumaça pelo cano (só o barulho do tiro), ou então toda vez que Fred Williamson aparecer com um charuto na boca. Bom divertimento, e prepare-se para cair de bêbado!

(A propósito, aceito sugestões para outras futuras sessões duplas...)

Trailer de DELTA FORCE COMMANDO



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Delta Force Commando (1987, Itália)
Direção: Frank Valenti (aka Pierluigi Ciriaci)
Elenco: Brett Clark, Fred Williamson,
Mark Gregory, Bo Svenson, Divana
Maria Brandão e Emy Valentino.

Delta Force Commando 2 -
Red Priority One (1990, Itália)

Direção: Frank Valenti (aka Pierluigi Ciriaci)
Elenco: Richard Hatch, Fred Williamson,
Giannina Facio, Van Johnson e
Bobby Rhodes.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Diabo também é brasileiro

Os leitores contumazes do FILMES PARA DOIDOS devem ter percebido que baixei a frequência de atualizações do blog nesse mês de fevereiro, ainda mais em comparação com a absurda quantidade de novos textos publicados em janeiro. Isso tem uma explicação: é coisa do Diabo!

Ou, mais especificamente, direcionei todo meu tempo e meus esforços para acabar minha dissertação de mestrado sobre a figura do Diabo no cinema brasileiro. Estou revisando as 170 páginas para entregar esta semana. Não foi fácil, e para piorar o trabalho coincidiu com uma época turbulenta da minha vida.

Em todo caso, está tudo consumado e em breve voltaremos às duas atualizações semanais aqui do FILMES PARA DOIDOS.

(Atualização 25/2)
Atendendo a pedidos, as fotos abaixo pertencem aos seguintes filmes, na ordem:
- OS ANOS DOURADOS DA SACANAGEM
- SUPER XUXA CONTRA O BAIXO ASTRAL
- OS TRAPALHÕES NO AUTO DA COMPADECIDA
- SEDUZIDAS PELO DEMÔNIO
- JECÃO, UM FOFOQUEIRO NO CÉU
- FILME DEMÊNCIA
- EXORCISMO NEGRO
- O HOMEM QUE DESAFIOU O DIABO
- O MANÍACO DO PARQUE
- O FIM DA PICADA
- MÔNICA E A SEREIA DO RIO
- PROEZAS DE SATANÁS NA VILA DE LEVA E TRAZ
- MULHER PECADO/EMBRUJADA
- 3 HISTÓRIA DA BAHHIA
- MARIA, MÃE DO FILHO DE DEUS
- O AUTO DA COMPADECIDA

domingo, 13 de fevereiro de 2011

MCBAIN - O GUERREIRO MODERNO (1991)


James Glickenhaus é um sujeito cuja obra precisa ser urgentemente descoberta (ou redescoberta) pelos cinéfilos "alternativos" desse mundo.

Não só como produtor, que através da sua empresa, a Shapiro-Glickenhaus Home Video, bancou obras como "Maniac Cop", do William Lustig, e boa parte da filmografia de Frank Henenlotter (a série "Basket Case", "Frankenhooker - Que Pedaço de Mulher").

Mas principalmente como diretor e roteirista, já que James Glickenhaus foi o cara que comandou alguns dos filmes de ação mais sem-noção dos anos 80, até aposentar-se prematuramente no início da década de 90 (para trabalhar como corretor da bolsa em Wall Street), deixando a área livre para um monte de bunda-moles e praticamente decretando o fim do "cinema de macho" daquele período.


É ele o responsável por filmes casca-grossa como "O Exterminador", em que um bandido era solenemente esquartejado num moedor de carne, e "A Fúria do Protetor", onde o diretor teve o mérito de transformar o Didi Mocó do Oriente, Jackie Chan, em policial durão, violento e que fala palavrões, numa obra que o astro renega até hoje (e que em breve também estará aqui no FILMES PARA DOIDOS).

MCBAIN - O GUERREIRO MODERNO é de 1991 e, provavelmente, o último grande clássico de Glickenhaus (que depois só dirigiu mais um suspense e uma aventura infanto-juvenil).


É o tipo de filme em que os níveis de testosterona ultrapassam todos os limites, a contagem de cadáveres passa dos três dígitos e a trilha sonora praticamente se resume ao som de tiros e explosões. Tanto que o cartaz original de cinema trazia uma apropriada frase do L.A. Times em destaque: "A macho action fantasy"!!! Não podia ser mais apropriado.

Eu até sugeriria uma impagável sessão dupla de MCBAIN com "Os Mercenários", a recente homenagem ao truculento cinema de ação dos anos 80 comandada por Sylvester Stallone.


Primeiro, porque os dois filmes têm muito em comum (o roteiro e algumas cenas bem parecidas); segundo, porque a obra de Glickenhaus coloca a do Stallone no chinelo, e mostra que não adianta QUERER fazer um filme de ação como aqueles da época de ouro do gênero, mas principalmente tem que SABER fazer. E Glickenhaus sabe.

Como em "O Exterminador" - filme mais conhecido do diretor-roteirista -, a história começa no Vietnã, mais precisamente nos últimos dias do sangrento conflito. Soldados norte-americanos comemoram o retorno para casa.


Mas alguns deles, num helicóptero rumo a Saigon, passam pelo que parece um campo de prisioneiros, e resolvem dar uma paradinha para averiguar - embora a guerra, oficialmente, já esteja "acabada".

Ali, um tenente durão chamado McBain (Christopher Walken) e alguns outros prisioneiros de guerra enfrentam um desafio muito parecido à "Cúpula do Trovão" do terceiro "Mad Max" - aquele lance do "dois homens entram, um homem sai". Dentro de uma imensa gaiola de bambu, nosso herói é obrigado a enfrentar um vietcongue gigantesco, até que os seus parceiros aparecem de surpresa e metralham todos os soldados inimigos.


McBain agradece aos seus salvadores e promete um dia retribuir o favor. Eis que o soldado que teve a idéia de voltar para investigar o acampamento, Santos (Chick Vennera), rasga uma cédula no meio e dá metade ao homem que salvou. Se um dia ele receber a outra metade, explica, é porque chegou a hora de pagar a dívida.

Após um salto de décadas no tempo, encontramos Santos como líder de um exército revolucionário que tenta derrubar o violento presidente da Colômbia, um milita linha-dura interpretado por Victor Argo.


O presidente é um daqueles vilões sanguinários que fuzila seus inimigos políticos no "paredón" e ameaça esmagar mulheres e crianças com tanques de guerra.

Quando a revolução falha em recuperar o controle do país, e o presidente em pessoa executa Santos com um tiro na cabeça transmitido no mundo inteiro via TV, a irmã do falecido, Cristina (Maria Conchita Alonso, de "O Limite da Traição"), vai aos EUA com aquela metade da cédula para pedir o favor que McBain deve. Neste caso, vingar a morte de Santos e depor o presidente colombiano.


Só que McBain é um metalúrgico pé-de-chinelo em Nova York, e não um herói com poder de fogo para derrubar o governo militar de um país sul-americano. A solução é ir atrás dos velhos colegas do Vietnã (entre eles, Michael Ironside e Steve James!!!), conseguir dinheiro para a operação e finalmente partir rumo à Colômbia para uma missão suicida.

Achou parecido demais com "Os Mercenários"? Pois é isso mesmo. E algumas cenas de matança lembram também o ótimo "Rambo 4", principalmente quando um sujeito assume o comando de uma enorme metralhadora .50 e passa fogo em jipes e caminhões cheios de inimigos, que são instantaneamente moídos pela munição de grosso calibre. Será que Stallone é um grande fã de James Glickenhaus?


MCBAIN tem todas as qualidades (ação, violência, personagens durões) e defeitos típicos do cinema de Glickenhaus. Falando especificamente nos defeitos, o principal é o roteiro desestruturado, mais interessado em criar desculpas para as cenas de ação do que uma história linear.

Na primeira metade do filme, por exemplo, os ex-combatentes reunidos precisam arranjar dinheiro para financiar sua operação de guerrilha na Colômbia. Resolvem, sem mais nem menos, atacar e matar uns traficantes (!!!) para roubar-lhes a féria do dia. Porém, quando o chefe da boca passa um sermão nos heróis (!!!), eles decidem deixar o cara com seu suado dinheirinho (!!!) e atacar um perigoso gângster para conseguir os fundos necessários (!!!).


Essa cena do traficante dando discurso é tão gratuita e sem pé nem cabeça que se torna involuntariamente engraçada: McBain e seus amigos invadem a boca-de-fumo matando todo mundo sem piedade, até sobrar apenas o chefão interpretado por Luis Guzmán. Segue-se um diálogo impagável:

Traficante: Que porra vocês querem?
McBain: Dinheiro.
Traficante: Dinheiro? Porra cara, leva o dinheiro! Vocês mataram um montão de pessoas por pouquíssimo dinheiro!
Parceiro de McBain: Pessoas? E quem se importa com uns merdas como vocês?
Traficante: Ah, entendi! Mercadores da morte, né? Quem se importa com pessoas que vendem drogas para crianças de 8 anos? Ei cara, você espera que a gente trabalhe no Burger King recebendo US$ 3,75 por hora? Eu pago a eles 200 dólares por dia! Eles estão apenas tentando viver! Eu pareço o tipo de cara que conseguiria emprego num daqueles prédios de escritórios? E em relação a vender drogas para crianças de 8 anos, você vê alguma criança aqui? Tudo que eu vejo é um bando de babas de New Jersey!

Simplesmente genial!


Mais adiante, o roteiro de Glickenhaus também perde um tempão mostrando a viagem de avião de McBain e seu pequeno exército até a Colômbia, quando eles são atacados por caças da força militar colombiana. Eis que um piloto norte-americano surge do nada na história para ajudar os heróis, num longo combate aéreo que não fede e nem cheira (parece até um aproveitamento tardio da onda "Top Gun").

E a ajuda do sujeito no fim nem era necessária, já que McBain é tão fodão que consegue a façanha de derrubar um dos jatos inimigos com um tiro disparado do cockpit de outro avião - em mais uma cena absurda e nonsense que quase transforma o filme em comédia involuntária!


Finalmente, quando McBain e seu grupo de amigos mercenários chega à Colômbia, MCBAIN transforma-se num festival ininterrupto de ação explosiva e exagerada. Ajudados pelos rebeldes agora comandados por Cristina, os ianques enfrentam todo o exército colombiano para chegar ao maligno "el presidente" - uma tarefa que não será nada fácil.

Se alguém duvida que James Glickenhaus é um autêntico doente mental, esse filme divertidíssimo é a prova perfeita. Balas atravessam pessoas como se elas fossem de manteiga. O diretor também faz questão de mostrar bonecos em chamas voando para os ares em cada explosão de veículos e casamatas.


Já o final é um autêntico massacre em frente ao palácio do governo colombiano (na verdade, o filme foi rodado nas Filipinas). Sabe a cena de "Regras do Jogo", do Friedkin, em que Samuel L. Jackson comanda um massacre de inocentes em frente à embaixada americana no Iêmen?

Pois a cena parece tirada de MCBAIN, quando os cruéis soldados colombianos abrem fogo covardemente contra o povo que tenta invadir o prédio para derrubar o presidente!


O caso é que não tem como contabilizar, mas a contagem de mortos dessa maravilha passa dos 300, com toda certeza. Entre as mortes provocadas pelos homens de McBain e o extermínio liderado pelo exército colombiano, o Produto Interno Bruto da Colômbia deve ter caído uns 80%! Quase não sobra ninguém no país para o futuro presidente governar!

É por isso que eu digo que filmes como MCBAIN - O GUERREIRO MODERNO não existem mais (ou pelo menos não existiam, até "Rambo 4"). E o recente "Os Mercenários" perde feio na comparação. Não duvido que o McBain, sozinho e com um braço nas costas, derrotaria com a maior facilidade todo o time de "expendables" do Stallone.


Aliás, entre mortos e feridos, Christopher Walken mantém-se soberbo como o implacável, incansável e indestrutível McBain. Dá até pena de ver um ator bom desses sendo sub-aproveitado, hoje, como "coadjuvante de luxo" em filmes tipo "Penetras Bons de Bico". Walken precisa URGENTE de um bom papel como o de McBain, pois seu olhar gélido e ar cínico se encaixam perfeitamente nesse tipo de personagem.

E é uma pena que Glickenhaus tenha abandonado essa vida de diretor de filmes casca-grossa para se dedicar a Wall Street e à sua cobiçada coleção de Ferraris (sim, o sujeito é milionário, por incrível que pareça!).

Sem ele, o mundo do cinema de ação perdeu futuras "macho action fantasies" como MCBAIN, e o máximo que se vê atualmente são pálidas homenagens a essas produções absurdas, porém sem o mesmo talento e criatividade.

Trailer de MCBAIN - O GUERREIRO MODERNO



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McBain - O Guerreiro Moderno
(McBain, 1991, EUA)

Direção: James Glickenhaus
Elenco: Christopher Walken, Maria Conchita Alonso,
Michael Ironside, Chick Vennera, Steve James, Luis
Guzmán e Victor Argo.